A reforma tributária e a tributação de lucros, dividendos e prolabore

Reforma tributária é um conceito indeterminado, pois cada qual tem a sua, que seguramente visa reduzir sua carga tributária e possivelmente aumentar a do vizinho.

O governo Bolsonaro produziu uma reforma tributária de dimensões gigantescas, estabelecendo um teto para o ICMS — que é dos Estados, ou seja, o fez com o chapéu alheio — sem alterar a Constituição nesse específico ponto.

Todavia, existem diversos projetos em trâmite no Congresso, que se constituem em um pacote tributário desarticulado, composto por duas PECs (45 e 110 — que visam a criar o IBS) e um PL (3.887/20 — que visa à criação da CBS), para reformar o sistema de tributação sobre o consumo, e um PL (2337/21) que visa a reformar a tributação sobre a renda.

Concentremo-nos no PL 2.337 sobre a tributação da rendaque já foi aprovado na Câmara e aguarda análise no Senado. Nele consta o retorno da tributação sobre a distribuição de lucros — objeto de análise neste texto.

Caso avance o retorno dessa tributação, o que me parece nefasto no referido Projeto de Lei, conforme já comentei anteriormente, é necessário e prudente fazer algumas distinções, que não constam no projeto e devem ser incluídas

É necessário distinguir alguns conceitos importantes, que partem da diferença entre (1) sociedades de pessoas e (2) sociedades de capital, correlacionando-os com (a) lucros, (b) dividendos e (c) prolabore.

Sociedades de pessoas são aquelas que congregam pessoas identificadas, sócios, que buscam em comum objetivos estabelecidos no contrato social. Todos devem possuir o que é conhecido em Direito como affectio societatis, isto é, afeto societário comum, de união de esforços. Os sócios são pessoas que possuem interesse em comum e se conhecem e se reconhecem nesse esforço. Exemplo padrão: uma pequena empresa familiar, cujo capital é composto pelas economias juntadas ao longo de anos, em que um cuida das vendas, outro das compras e um terceiro do caixa. Em todas as sociedades de pessoas é vital o conhecimento pessoal entre os sócios e o desinteresse de um pode levá-lo a sair da sociedade, em busca de novos rumos profissionais. Caso isso ocorra, a entrada de um novo sócio terá que ser precedida da expressa aceitação dos demais. Haverá subjetividade na escolha das pessoas que compõem este tipo de sociedade, normalmente organizada sob a forma de sociedades limitadas.

Sociedades de capital possuem outra dinâmica. Não existem sócios, mas acionistas, que não se conhecem e muito menos se reconhecem. O patrimônio da empresa é dividido em ações, e os acionistas são investidores, com o exclusivo intuito de obtenção de lucros decorrentes do capital investido. Não há affectio societatis nas sociedades de capital, que usualmente são grandes empresas, e buscam se capitalizar através da oferta de ações (partes de seu patrimônio) em bolsas de valores. Daí decorre uma enormidade de regras estabelecidas pela Lei das Sociedades Anônimas acerca da obrigatoriedade da distribuição de lucros por ação, após a constituição de reservas societárias. Entram e saem acionistas através da negociação de suas ações, sem que se saiba quem são, e sem que isso seja especialmente relevante. 

A distinção acima esboçada entre empresas organizadas sob a forma de sociedades de pessoas ou de capital, tem um importante diferencial na questão do tratamento do lucro.

Como se sabe, qualquer empresa busca a obtenção de lucros, que podem ou não ocorrer, ou seja, existe uma álea, uma incerteza, se haverá lucro ao final de um período. Afinal, a empresa pode, legitima e legalmente, ter prejuízo.

Aqui reside uma diferença primordial. Havendo prejuízo nas sociedades de pessoas, os sócios podem ser obrigados a colocar mais dinheiro na empresa (aportar capital) para ela sobreviver. Havendo prejuízo nas sociedades de capital os acionistas jamais serão obrigados a aportar capital, apenas não receberão lucros e o valor de suas ações será reduzido — ou seja, perderão parte do valor investido na compra de suas ações, as quais poderão ser imediatamente vendidas, sem necessidade de anuência dos demais acionistas. 

Isso gera diferentes espécies de responsabilidades societárias — mas tratar desse aspecto foge do escopo tributário do texto.

O ponto é: existe diferença entre o lucro das sociedades de pessoas e o das sociedades de capital. O lucro na sociedade de pessoas remunera primordialmente o trabalho dos sócios. O lucro na sociedade de capitalremunera exclusivamente o capital investido.

Daí a razão de ser importante diferenciar no projeto de reforma tributária sobre a renda (PL 2.337) a incidência desse imposto sobre lucros advindo de sociedades de pessoas e de sociedades de capital. Tecnicamente, o lucro distribuído pelas sociedades de pessoas se denomina lucro, e o distribuído pelas sociedades de capital se denomina dividendo — que é pago por cada ação que o investidor possui.

Outro conceito importante, e correlato ao que foi acima exposto é o de prolabore, o qual se assemelha enormemente ao de salário, pois corresponde ao que é pago ao administrador da sociedade (seja a de pessoas, seja a de capital). O prolabore é devido a quem administra a sociedade, seja ou não sócio ou acionista. Neste caso a tributação pelo imposto de renda segue o mesmo padrão do pagamento dos salários pela empresa.

Em apertada síntese, pode-se identificar três situações diferentes de remuneração das pessoas envolvidas nas empresas. A dos sócios, nas sociedades de pessoas. A dos acionistas, nas sociedades de capital. E a dos administradores, que gerenciam as sociedades, tenham ou não participação no capital da empresa, que são remunerados em função de seu trabalho na gestão.

Logo, para que seja cumprido o mandamento constitucional da isonomia, que implica em tratar desigualmente os desiguais, na medida de suas diferenças, é importante que o Projeto de Lei 2.337, em trâmite no Senado, considere que (1) o lucro distribuído aos sócios tenha tributação distinta daquele (2) distribuído aos acionistas, que buscam remuneração sobre o investimento realizado, e também que (3) seja diferente do prolabore pago aos administradores.

Sendo assim, caso o Projeto de Lei decida recriar a tributação sobre a distribuição de lucros — o que será um erroconforme já expus — seria adequado, ao menos, distinguir entre as situações acima demonstradas, de tal modo que: (1) seja mantida a isenção do lucro distribuído aos sócios, nas sociedades de pessoas; (2) ocorra a tributação dos dividendos distribuídos aos acionistas nas sociedades de capital, em igual parâmetro com as demais operações de capital já tributadas pelo imposto de renda; e (3) seja mantida, como atualmente, a tributação sobre o prolabore pago aos administradores.

O erro de tributar a distribuição dos lucros poderá ser minimizada caso essa distinção venha a ser adotada pelo PL 2.337 em debate no Senado. Espera que haja quem ouça e trabalhe nesse sentido naquela Casa Legislativa.

Fernando Facury Scaff é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Bentes, Lobato & Scaff Advogados.

Revista Consultor Jurídico, 14 de novembro de 2022, 8h00

Gilmar Mendes pausa julgamento do Difal do ICMS no Supremo
Placar é 5 a 2 de forma favorável ao contribuinte.

O ministro Gilmar Mendes pediu vista e interrompeu análise, no STF, de processos que tratam do Difal – diferencial de alíquotas do ICMS entre Estados.
A Corte julga três ações sobre o tema: ADIns 7.066, 7.070 e 7.078. O que se discute é em que ano os Estados podem passar a cobrar este imposto: se em 2022, como querem os Estados, ou só em 2023, como defende o contribuinte, já que a lei que o regulamentou foi publicada neste ano, em 4 de janeiro.

O tema começou a ser julgado em setembro, quando votou o relator, ministro Alexandre de Moraes, no sentido de que o Difal poderia ser cobrado já em 2022. Para ele, não houve instituição nem majoração de tributo, mas apenas a regulamentação do que já existia.
Leia o voto de Moraes.
O ministro Toffoli pediu vista, e liberou o caso em outubro, apresentando divergência parcial, mas considerando também que a LC 190/22, que regulamentou o imposto, passou a produzir efeitos já em 2022.
Leia o voto de Toffoli.
Também apresentou voto divergente o ministro Edson Fachin. Mas, para ele, a lei que regulamenta o Difal precisa observar os princípios da anterioridade anual e nonagesimal. Assim, a cobrança será possível apenas em 2023. Os ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, André Mendonça e Rosa Weber acompanharam Fachin.
Leia o voto de Fachin.
Entenda
A cobrança do Difal/ICMS foi introduzida pela EC 87/15 e era regulamentada por um convênio do Confaz – Conselho Nacional de Política Fazendária. Em fevereiro de 2021, o STF decidiu que esse mecanismo de compensação teria de ser disciplinado por meio da edição de lei complementar.
Essa lei foi, de fato, aprovada no Congresso ainda em 2021, mas houve um atraso na sanção, e ela acabou publicada só em janeiro deste ano.
O contribuinte alega que, em respeito ao princípio da anterioridade anual em matéria tributária, a lei só poderia valer no ano seguinte, 2023.
No Judiciário, há decisões nos dois sentidos.
Cabe, agora, ao Supremo uniformizar a questão.
Com cinco votos favoráveis, há grande expectativa por parte do contribuinte. O não pagamento do imposto daria às empresas mais margem para estratégias de venda na Black Friday e no Natal.
Processos: ADIns 7.066, 7.070 e 7.078

Fonte: https://www.migalhas.com.br/quentes/376960/gilmar-mendes-pausa-julgamento-do-difal-do-icms-no-supremo

Iniciado julgamento no STF em que se discute a constitucionalidade da cobrança do DIFAL de ICMS no ano de 2022 em operações que envolvam mercadoria destinada a consumidor final não contribuinte do imposto

04 de novembro de 2022 | ADI 7.066/DF, ADI 7.070/DF e ADI 7.078/CE | Plenário do STF

O Ministro Alexandre de Moraes – Relator –, em assentada anterior, entendeu pela possibilidade de cobrança de DIFAL de ICMS, no ano de 2022, em operações que envolvam mercadoria destinada a consumidor final não contribuinte do imposto localizado em outro Estado. Segundo o Ministro, a LC nº 190/2022 não modificou a hipótese de incidência, tampouco a base de cálculo, mas apenas a destinação do produto da arrecadação, por meio de técnica fiscal que atribuiu a capacidade tributária ativa a outro ente político – o que, de fato, dependeu de regulamentação por lei complementar –, sendo que sua eficácia pode ocorrer no mesmo exercício, pois não corresponde a instituição nem majoração de tributo. Noutro plano, o Ministro consignou que deve ser declara inconstitucional a expressão “observado, quanto à produção de efeitos, o disposto na alínea ‘c’ do inciso III do caput do art. 150 da Constituição Federal”, constante do art. 3º da LC nº 190/2022, em razão de não haver instituição de tributo novo nem majoração daquele já existente, de modo que as normas constitucionais relativas às anterioridades geral e mitigada não se aplicam. Por fim, no tocante à alegação de inconstitucionalidade do art. 24-A, § 4º, da LC nº 87/1996, o Ministro entendeu que o dispositivo em questão não representa afronta à CF/1988, uma vez que o prazo previsto tem como objetivo permitir a adaptação tecnológica dos contribuintes no que se refere ao acesso ao portal de apuração do DIFAL. Inaugurando a divergência, nesta assentada, o Ministro Dias Toffoli entendeu constitucional o art. 3º da LC nº 190/2022, em atenção aos princípios da segurança jurídica e do caráter protetivo do contribuinte. Isso porque, segundo o Ministro, embora as anterioridades geral e nonagesimal sejam inexigíveis em face da LC nº 190/2022, pode o legislador complementar optar por estabelecer um prazo razoável para que o diploma sobre a nova cobrança de DIFAL do ICMS passe a surtir efeitos, coincidente ou não com uma das anterioridades. Assim, o Ministro destacou que a lei estadual que institui o novo DIFAL de ICMS deve observar as anterioridades geral e nonagesimal, as quais têm como marco a data da publicação dessa lei. Ademais, caso a lei estadual tenha sido editada na vigência da EC nº 87/2015, mas antes da LC nº 190/2022, só produzirá efeitos observando o início da produção de efeitos dessa lei complementar. O Ministro Edson Fachin, também nesta assentada, inaugurou nova linha de divergência para entender que a LC nº 190/2022 deve respeitar os princípios da anterioridade nonagesimal e anual, possuindo aptidão para produzir efeitos apenas em 01/01/2023. Isso porque, segundo o Ministro, a LC nº 190/2022, ao dispor acerca do DIFAL, previu hipótese de nova sujeição tributária, haja vista a disposição de regras de atribuição de competências tributárias aos Estados destinatários das operações sujeitas ao ICMS, de modo que deve respeitar ambas as regras da anterioridade. O julgamento aguarda o voto dos demais Ministros.

Fonte: Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores & Advogados.

Compensação de ICMS com precatório alimentar obedece limitação temporal

Consideram-se válidas as compensações, os leilões e os pagamentos à vista por ordem crescente de crédito previstos na Emenda Constitucional 62/2009, desde que realizados até 25 de março de 2015, data a partir da qual não é mais possível a quitação de precatórios por tais modalidades.

Esse foi um dos fundamentos adotados pelo juiz Evandro Carlos de Oliveira, da 7ª Vara de Fazenda Pública do Tribunal de Justiça de São Paulo, para negar mandado de segurança de uma empresa que pedia a compensação de débitos de ICMS com créditos provenientes de precatórios de caráter alimentar cedidos por terceiro. 

A decisão foi provocada por mandado de segurança impetrado contra ato do chefe do Núcleo Fiscal de Serviços Especializados do Butantã (DRTC III). Em sua defesa, a Fazenda alegou ausência de direito líquido e certo da impetrante, ao argumento de que não haveria respaldo legal para o pedido de compensação, razão pela qual rejeitou o pedido administrativo.

Ao analisar o caso, o julgador explicou que os dispositivos que viabilizavam possibilidade de compensação de débitos previstos na Emenda Constitucional nº 62/2009 foram declarados inconstitucionais no julgamento da ADI 4.425/DF. 

A declaração de inconstitucionalidade teve os efeitos temporais modulados tendo como marco inicial a data de conclusão do julgamento (25.03.2015) e mantendo-se válidos os precatórios expedidos ou pagos até esta data.

“Considerando que a causa cinge-se à possibilidade de compensação de dívidas tributárias decorrentes de ICMS referente 2020, não há como aplicar a exceção temporal do precedente ao julgamento do presente”, resumiu o julgador ao negar provimento ao mandado de segurança. 

Clique aqui para ler a decisão
Processo 1007232-18.2022.8.26.0053

Negociações entre estados e União sobre ICMS dos combustíveis avançam e reunião prossegue à tarde

O grupo foi formado por determinação do ministro Gilmar Mendes no âmbito de duas ações em trâmite na Corte.

Representantes dos estados e da União voltaram a se reunir na manhã desta quinta-feira (3) em busca de um acordo acerca do ICMS sobre combustíveis e formas de compensação pelas perdas de arrecadação tributária. As negociações avançaram com a apresentação de proposta formulada pelos estados. 

Os estados consideram que houve excessos nas Leis Complementares (LCs) 192/2022 e 194/2022 e defenderam a competência exclusiva do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) para definir alíquotas e formas de tributação do ICMS sobre os combustíveis. A questão é objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7191 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 984, de relatoria do ministro Gilmar Mendes.

Dentre as propostas apresentadas pelos estados está a compensação imediata das perdas de arrecadação ocorridas a partir de julho de 2022 com as parcelas a vencer das dívidas estaduais com a União. Propõem também que sejam compensadas as perdas pela redução tributária sobre gás natural, energia elétrica, comunicações e transportes decorrentes da edição da LC 194/2022.

Na reunião, os representantes dos estados também manifestaram a necessidade de participação de representantes de governos eleitos em âmbito federal e nos estados para discutir os impactos orçamentários das negociações a partir do ano que vem. 

O juiz Diego Veras, mediador das negociações, disse que a ordem do ministro Gilmar Mendes é que haja segurança no acordo a ser firmado, para evitar novas judicializações. A reunião prossegue à tarde, quando os representantes dos estados vão apresentar os números referentes à compensação das perdas tributárias sugeridas na minuta de acordo.

Prorrogação

O prazo para a conclusão dos trabalhos da comissão sobre o ICMS dos combustíveis termina amanhã (4), mas foi formulado pela União pedido de prorrogação. O ministro Gilmar Mendes solicitou manifestação dos estados em 48 horas, mas, hoje pela manhã, eles já manifestaram concordância com a  prorrogação dos trabalhos diante do novo cenário a partir de mudanças de gestão nas esferas federal, estadual e distrital, a partir de 2023.

Fonte: Notícias do STF

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