Supremo forma maioria para manter regra do ICMS em operações interestaduais

A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal votou pela manutenção das normas gerais que regem o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) nas operações interestaduais de circulação de mercadorias.

Até o momento, sete ministros votaram pela manutenção das regras, em alinhamento ao voto do relator da ADI 7.158, Luís Roberto Barroso. A ação foi ajuizada pelo governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, atualmente afastado do cargo.

Na ação, o autor sustentou que o artigo 1º da Lei Complementar 190/2022, ao alterar o artigo 11, parágrafo 7º, da Lei Complementar 87/1996, passou a considerar como fato gerador do ICMS a mera circulação física das mercadorias ou serviços, em sentido contrário ao da jurisprudência do Supremo, que entende que a hipótese de incidência do imposto é a circulação jurídica dos bens postos no comércio, com alteração de sua titularidade.

O autor argumentou que, isoladamente, a circulação física não tem relevância jurídica para fins de incidência do ICMS. Segundo ele, também foi modificado o sujeito ativo do diferencial de alíquota do ICMS (Difal) nas operações interestaduais que destinam mercadorias e serviços para consumo final.

Em seu voto, Barroso negou os pedidos do governo do Distrito Federal. O ministro entendeu que o legislador buscou apenas melhor distribuir o produto da arrecadação do ICMS, de modo a atenuar o conflito entre estados produtores e consumidores, contribuindo para o equilíbrio federativo.

Barroso foi acompanhado até agora pelos ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Ainda não votaram os ministros Luiz Fux, Rosa Weber, Nunes Marques e André Mendonça. O julgamento da ADI no Plenário Virtual termina às 23h59 desta segunda-feira (6/6).

ADI 7.158

Revista Consultor Jurídico, 6 de fevereiro de 2023, 19h33

Entenda a reforma nos impostos sobre o consumo, uma das prioridades do governo Lula na economia

Com a retomada dos trabalhos do Congresso, a equipe econômica do governo Lula se prepara para defender sua proposta de reforma tributária sobre o consumo, ou seja, na forma como são cobrados os impostos sobre produtos e serviços. 

Discutido há décadas e muito aguardado pelo setor produtivo, o tema é considerado prioritário pelo governo para aproximar as regras brasileiras do resto do mundo e reformar um sistema que é tido como caótico por empresários e investidores. 

Neste primeiro momento, serão discutidas mudanças em tributos como: 

  • ICMS (estadual) 
  • PIS/Cofins e IPI (federais) 
  • ISS municipal

A escolha por esses tributos é porque eles estão embutidos nos preços de produtos e serviços. Seriam substituídos por um Imposto Sobre Valor Agregado (IVA), como ocorre em grande parte das economias desenvolvidas. 

Mais adiante, o governo informou que também buscará reformar as regras do Imposto de Renda. A forma de tributar o patrimônio e a folha de pagamentos também poderá ser rediscutida nos próximos anos. 

O que pode mudar

  • Impostos não cumulativos

Com a implementação do IVA, os tributos passariam a ser não cumulativos. Isso significa que, ao longo da cadeia de produção, os impostos seriam pagos uma só vez por todos os participantes do processo.

Por exemplo: se o IVA for de 20%, um produto vendido ao consumidor final por R$ 100 terá imposto de R$ 20, que deverá ser dividido por toda a cadeia de produção (produtor, atacadista, distribuidor, varejista). 

Hoje, cada etapa da cadeia paga os impostos individualmente, e eles vão se acumulando até o consumidor final. 

Com o IVA, as empresas poderiam abater, no recolhimento do imposto, o valor pago anteriormente na cadeia produtiva. Só recolheriam o imposto incidente sobre o valor agregado ao produto final. 

  • Cobrança no destino

Outra mudança é que o tributo sobre o consumo (IVA) seria cobrado no “destino”, ou seja, no local onde os produtos são consumidos, e não mais onde eles são produzidos. 

Isso contribuiria para combater a chamada “guerra fiscal”, nome dado a disputa entre os estados para que empresas se instalem em seus territórios. Para isso, intensificam a concessão de benefícios fiscais.

Objetivos

O principal objetivo da reforma é simplificar e facilitar a cobrança dos impostos. Essa medida é considerada fundamental para destravar a economia e impulsionar o crescimento do país e a geração de empregos. 

Pontos polêmicos 

Imposto alto: as propostas em discussão no Congresso mantém a carga tributária sobre o consumo estável, algo que penaliza os mais pobres. Isso porque, proporcionalmente, o custo do consumo é maior para a população mais vulnerável do que para a mais abastada 

Com a manutenção do peso dos impostos, a alíquota total do IVA em discussão estava próxima 30% — que seria o patamar mais alto do mundo. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, porém, tem falado em reduzir o peso dos impostos sobre o consumo, o que resultará, se implementado, em uma alíquota abaixo desse nível. 

Aumento na tributação sobre serviços: Enquanto o novo sistema favoreceria, em tese a indústria, que tem várias etapas de produção e poderia fazer abatimentos, alguns setores, como de comércio e serviços, afirmam que a adoção de um IVA geraria um aumento da sua carga tributária. Isso porque, por ser o elo final da cadeia (antes do consumidor), não teriam como abater nenhum valor. 

O setor entende que isso poderia ser repassado aos consumidores, elevando o preços de serviços de saúde (hospitais e laboratórios), assim como as escolas e universidades particulares, entre outros. 

Compensação para estados: ao longo das discussões da reforma tributária em 2021, os governos estaduais pediram ao governo federal R$ 480 bilhões ao longo de dez anos para abastecer os fundos de desenvolvimento regional e de compensações das exportações. O pedido foi negado pelo então ministro da Economia, Paulo Guedes. Os estados chegaram a concordar em discutir o assunto, sem abocanhar recursos do governo federal, mas o tema pode ser renegociado.

Resistência dos maiores municípios do país: temendo perda de arrecadaçãoa Frente Nacional de Prefeitos (FNP), que reúne todas as capitais do país e os municípios com mais de 80 mil habitantes, se posiciona pela “manutenção da autonomia municipal” na gestão do ISS, ou seja, se manifesta contra a inclusão desse tributo municipal dentro do futuro IVA. “O ISS tem que ficar na mão dos municípios”, defende a FNP. Essa proposta já foi enviada ao Congresso Nacional. 

Comitê Gestor do IVA: a representatividade dos estados, municípios e do governo federal na governança do Comitê Gestor do futuro IVA foi um ponto de tensão nos últimos anos. O antigo Ministério da Economia, sob o comando de Paulo Guedes, não aceitava ter uma participação menor no colegiado que ficaria responsável por gerir IVA nacional, proposta pelos estados. 

Imposto sobre aplicativos e comércio eletrônico: a indústria brasileira defende a criação de um imposto sobre o comércio eletrônico, alegando que algumas plataformas de músicas e filmes faturam bilhões de reais e não sofrem tributação. Outra discussão é que as plataformas de internet (intermediárias conhecidas como “marketplaces”) sejam responsáveis pelo recolhimento de tributos dos vendedores. A forma de recolher imposto de empresas varejistas da internet de países como a China também pode ser debatida. Se implementado, esse custo tende a ser repassado aos clientes dessas plataformas.

IPI e imposto seletivo: a gestão de Paulo Guedes na economia defendia o fim do Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) e sua troca por um imposto seletivo, apelidado de imposto sobre o pecado. Seriam taxados pelo imposto seletivo apenas produtos nocivos à saúde (que geram gastos ao Estado), como cigarros e bebidas alcoólicas. Resistente à perda de arrecadação, o atual ministro Fernando Haddad fala em rediscutir o IPI, mas ainda não deu detalhes. Geraldo Alckmin, vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, quer acabar com esse imposto.

Redução de benefícios fiscais: a PEC 45 que tramita no Legislativo, de autoria de Bernard Appy, atual secretário especial do Ministério da Fazenda para a reforma tributária, previa o fim de todos os benefícios fiscais, entre eles a Zona Franca de Manaus e o Simples Nacional. A proposta, porém, não é considerada factível. Atualmente, o governo deixa de arrecadar mais de R$ 400 bilhões por ano com benefícios para setores e segmentos da sociedade. O debate sobre a redução de benefícios fiscais costuma dificultar o andamento da reforma tributária, pois setores “perdedores” mostram resistência. 

Dificuldades políticas

Apesar de prioritária, a reforma é considerada complexa do ponto de vista político. 

Diferentes governos tentaram, sem sucesso, fazer a reforma tributária nas últimas décadas, focados principalmente na tributação sobre o consumo.

As propostas esbarraram em resistências de caráter regional, partidário e de diferentes setores produtivos, todos representados no Congresso Nacional. 

Enquanto os estados reclamam da perda de arrecadação em 2022 com a redução dos tributos sobre combustíveis e energia elétrica, a arrecadação do governo federal bateu recorde. Isso aumenta a resistência dos estados a propostas do governo na área tributária.

FONTE: G1 05/02/2023

ARTIGO DA SEMANA – Contribuinte, não se acanhe: o STF quer que você brigue contra o fisco.

João Luís de Souza Pereira – Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado da pós-graduação da FGV-Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

Em artigo divulgado aqui, apresentamos algumas questões tributárias que representam verdadeiras oportunidades para 2023.

Naquela ocasião alertamos que o contribuinte não pode perder tempo porque há o sério risco do Supremo Tribunal Federal, reconhecendo que o contribuinte tem razão, pode limitar a eficácia da declaração de inconstitucionalidade.

Esta modulação da eficácia da declaração de inconstitucionalidade é o que se chama de modulação dos efeitos da decisão do STF.

Em regra, a declaração de inconstitucionalidade de uma lei pelo STF, julgando recurso com Repercussão Geral ou Ação Direta de Inconstitucionalidade, possui efeitos desde a publicação da lei. Se a lei é inconstitucional, a inconstitucionalidade começa na origem.

Contudo, há casos em que o STF pode modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade e fixar um momento a partir do qual a lei deva ser considerada inconstitucional.

Não queremos discutir se a modulação dos efeitos é pertinente ou não. Também não vamos entrar na discussão acerca dos motivos que podem levar o STF a lançar mão da modulação dos efeitos.

O que pretendemos é apontar alguns casos julgados pelo STF em que, mesmo modulando os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, houve a ressalva para aqueles contribuintes que já haviam ingressado em juízo para discutir a matéria objeto da declaração de inconstitucionalidade.

Ao julgar a inconstitucionalidade do prazo prescricional e decadencial de 10 (dez) anos para as contribuições de seguridade social, o STF ressalvou da modulação dos efeitos os questionamentos e os processos já em curso sobre a matéria.

No julgamento da Tese do Século (exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS) o STF igualmente ressalvou da modulação dos efeitos aqueles que, até 15/03/2017, já mantinham discussões judiciais sobre o assunto.

Através do Tema 745 da Repercussão Geral, o STF decidiu pela impossibilidade das alíquotas do ICMS em operações com energia e telecomunicações serem superiores à alíquota geral. No entanto, esta declaração de inconstitucionalidade só produzirá efeitos a partir do início de 2024, ressalvando-se as ações ajuizadas até 05/02/2021, data do início do julgamento do leading case.    

A inconstitucionalidade da cobrança do diferencial de alíquotas do ICMS (DIFAL) nos termos da Emenda Constitucional nº 87/2015 também sofreu modulação dos efeitos, ressalvadas as ações judiciais em curso.

Há outros vários exemplos de leis tributárias que foram declaradas inconstitucionais com modulação dos efeitos da decisão, mas ressalvando as discussões judiciais sobre a mesma matéria.

Mas o importante é que, ao ressalvar da modulação dos efeitos as discussões judiciais em curso, o STF está alimentando a litigiosidade entre os contribuintes e o fisco.

Mais ainda: o STF afirma que a presunção de constitucionalidade e legalidade das normas é cada vez mais relativa, na medida em que vale mais a pena discutir a lei do que simplesmente cumpri-la.

Consequentemente, a modulação dos efeitos de decisões que concluem pela inconstitucionalidade de leis tributárias animam o contribuinte a partir para o Judiciário, afogando-o.

Então está claro que modular os efeitos de uma declaração de inconstitucionalidade está longe de ser a solução ideal para pacificar a conflituosa relação entre o fisco e os contribuintes.

Também está claro o recado dado pelo STF: “vinde a mim os contribuintes”.

Tribunal entende que atividade de impressão de etiquetas gráficas sob encomenda está sujeita ao ICMS

A 10ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve decisão do juiz Renato Augusto Pereira Maia, da 11ª Vara da Fazenda Pública da Capital, determinando que a prestação de serviços de impressão de etiquetas gráficas sob encomenda está sujeita ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), de natureza estadual, e não ao Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQM), municipal.
Consta nos autos do processo que uma empresa gráfica buscava o reconhecimento do direito de não recolher o tributo estadual. A requerente, que atua no ramo de impressão de etiquetas e rótulos personalizados, produzidos sob encomenda, entrou com a demanda alegando que Judiciário já havia reconhecido que suas atividades empresariais estão sujeitas ao ISSQN, tendo inclusive sendo declarada a inconstitucionalidade do dispositivo que gerava a controvérsia. Já o Estado cita a nova redação na legislação para defender a tese de cobrança do ICMS.
Em seu voto, o relator do recurso, desembargador Torres de Carvalho, apontou que anteriormente havia controvérsia sobre qual seria o imposto a ser recolhido por empresas que prestam este tipo de serviço, com o questionamento chegando ao Supremo Tribunal Federal. “Na esteira das decisões proferidas pelos Tribunais Superiores, sobreveio a LCF nº 157/16 de 29-12-2016, que conferiu nova redação à lista de itens sujeitos ao ISSQN”, afirmou o magistrado, deixando clara a exceção nos casos de serem utilizadas para fazer parte de um produto que será posteriormente colocado em circulação.
O magistrado destacou ainda que ficou claro que a empresa não é uma prestadora de serviços: “é uma indústria que (a) imprime etiquetas e rótulos adesivos; (b) produz impressos gráficos em geral; (c) importa matéria-prima e exporta etiquetas e rótulos adesivos; e (d) comercializa equipamentos de automação comercial e fabril, conforme se depreende da sétima alteração de seu contrato social”.
Também participaram do julgamento os desembargadores Teresa Ramos Marques e Antonio Carlos Villen. A decisão foi unânime.

Apelação nº 1071419-40.2019.8.26.0053.

Fonte: Comunicação Social TJSP – GC

ARTIGO DA SEMANA – Enunciados da I Jornada de Direito Tributário do Conselho da Justiça Federal

Em outubro de 2022, foi realizada a I Jornada de Direito Tributário, por meio do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, em parceria com o Superior Tribunal de Justiça e a Associação dos Juízes Federais do Brasil.

Por ocasião da conclusão dos trabalhos, foram aprovados 12 (doze) Enunciados agrupados em quatro temas previamente definidos: Sistema Tributário Nacional, Normas Gerais de Direito Tributário, Espécies Tributárias e Processo Tributário.

Os Enunciados não têm caráter vinculante, mas seguramente são balizadores das decisões proferidas pelos magistrados federais em matéria tributária, daí a importância de conhecê-los e estudá-los. 

SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL 

ENUNCIADO 1 – A ausência de finalidade lucrativa (art. 150, inciso VI, “c”, CF/1988), para fins de gozo da imunidade tributária das instituições de educação ou de assistência social, não se confunde com gratuidade ou com a proibição de auferir lucros, desde que haja a reversão dos seus resultados, rendas e patrimônio, à finalidade essencial, vedada a sua distribuição, a qualquer título. 

Justificativa: A ausência de finalidade lucrativa é exigência da CF/88, para que as instituições de educação e de assistência social sejam imunes aos impostos. Contudo, falta de finalidade lucrativa não implica em gratuidade e em que tais entidades não possam auferir resultados positivos. A necessidade de gratuidade, não é exigida pela Lei Maior; não se exige beneficência, apenas falta de finalidade lucrativa. Conforme Regina Helena Costa1, a imunidade pressupõe a capacidade econômica, pois despindo-se os fatos de conteúdo econômico, seriam os mesmos irrelevantes para o direito tributário, ou se estaria diante de mera não incidência. E segundo Roque Antonio Carrazza2, a gratuidade não é requisito para gozo da imunidade pois, se a gratuidade fosse conditio sine qua non ao desfrute da imunidade, praticamente estaria esvaziada em relação às escolas, a norma contida nesta alínea “c” Cf. RE 58.691/SP e 93.463/RJ. Quanto à possibilidade de auferimento de resultados positivos, a há proibição de se obter sobras, superávits, ou lucros em sentido amplo; o que a CF/88 exige é que esses resultados positivos não sejam distribuídos, devendo os mesmos serem aplicados no desenvolvimento de suas atividades.3 

[1] COSTA, Regina Helena. Aspectos da Imunidade Tributária. Tese (Doutorado em Direito) Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. São Paulo, 2000. 

[2] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros Editores, 31a ed., 2017, p. 929/930. 

[3] Cf. Carrazza, p. 914/916 e BARRETO, Aires F. C. Dir. Trib. Mun. Saraiva, 75-78.

ENUNCIADO 2 – O princípio da capacidade contributiva não está limitado aos impostos. 

Justificativa: O princípio da capacidade contributiva encontra fundamento imediato no princípio da isonomia, além de outros princípios constitucionais, como o direito de propriedade, o princípio da solidariedade, entre outros. Por isso, mesmo que não estivesse positivado na CF, o dever de observância desse princípio vincularia o legislador tanto no que se refere à delimitação da hipótese de incidência tributária, quanto no que se refere à eleição dos elementos de graduação do tributo. Sucede que o dispositivo constitucional que consagrou expressamente o princípio – art. 145, § 1, da CF – apresenta redação que dá ensejo a interpretações limitadoras do alcance da capacidade contributiva, em três aspectos fundamentais: (a) o dispositivo apenas faz alusão à capacidade contributiva em sentido relativo (graduação do tributo), deixando escapar a faceta objetiva do princípio (eleição, para a hipótese de incidência tributária, de materialidades que expressem relevância econômica); (b) a expressão “sempre que possível” dá a entender que se trata de uma faculdade do legislador; (c) a referência a impostos conduz à compreensão de que o princípio da capacidade contributiva não se aplica às demais espécies tributárias. Explicitar que a capacidade contributiva não decorre exclusivamente do art. 145, § 1o, da CF, parece importante para afastar tais compreensões equivocadas, além de refletir entendimento dominante na doutrina (cf., entre outros: P. B. Carvalho; A. P. Velloso; B.T. Grupenmaceher) e uma tendência interpretativa dos tribunais (cf.: STF, RE 406.955; RE 562.045). 

ENUNCIADO 3 – A arbitragem é meio legítimo de solução de conflitos entre Fisco e contribuintes, desde que venha a ser legalmente instituída. 

Justificativa: O enunciado objetiva assentar a possibilidade de instituição da arbitragem como meio para a solução de controvérsias em matéria tributária, afastando os óbices da indisponibilidade do crédito tributário e, igualmente, do interesse público. É sabido que, no que concerne à solução das contendas no âmbito do direito público, a impossibilidade do emprego do método arbitral já foi superada, seja pela jurisprudência (STF, AI 52181), seja por força de uma positivação legal genérica (art. 1o, §1o, da Lei n. 9.307/1996, com a redação da Lei n. 13.129/2015), relacionada a direitos disponíveis, além de inúmeros permissivos legais específicos. Especialmente quanto à indisponibilidade do crédito tributário, a qual constitui uma emanação da própria indisponibilidade do interesse público, é de se notar que traduz a impossibilidade de sua disposição ao alvedrio do administrador. Não há, por óbvio, impedimento a que tal ocorra se o administrador estiver assim autorizado pelo legislador, o qual se encontra habilitado, constitucionalmente, para tanto. Nesse sentido, apropriada a visão de Pedro Gonçalves (Administração Pública e arbitragem – especial, o princípio legal da irrecorribilidade de sentenças arbitrais. InEstudos em homenagem a António Barbosa de Melo. Coimbra: Almedina, 2013, p. 784. Org.: CORREIA, Fernando Alves; SILVA, João Calvão da; ANDRADE, José Carlos Vieira de Andrade; CANOTILHO, José Joaquim Gomes; COSTA, José Manuel m. Cardoso). O enunciado, portanto, expressa a mensagem de que compete ao legislador, flexibilizando a indicada indisponibilidade, autorizar a Administração Tributária a submeter os seus litígios à arbitragem. Não se enveredou – advirta-se – aqui pela discussão sobre qual a natureza da espécie normativa exigida para tal fim. 

NORMAS GERAIS DE DIREITO TRIBUTÁRIO 

ENUNCIADO 4 – A responsabilidade tributária por sucessão empresarial prevista no art. 132 do Código Tributário Nacional (CTN) se aplica aos casos de cisão previstos no art. 229 da Lei n. 6.404/1976 (Lei das S.A). 

Justificativa: O art. 132 do CTN, que trata das hipóteses de responsabilidade tributária por sucessão empresarial, não fez menção explícita à cisão, pois esse conceito apenas foi normatizado pela Lei n. 6.404/1976 (Lei das S.A.), que entrou em vigor posteriormente ao CTN. No entanto, o entendimento pacífico da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é que esse dispositivo determina a responsabilidade tributária solidária entre as empresas cindendas e a sociedade que foi cindida, considerando essa operação como uma espécie de transformação (REsp n. 1.682.792/SP e REsp n. 852.972/PR). A Lei das S.A. estabelece que a cisão pode ser total ou parcial (art. 229) e, em regra, ela implicará a solidariedade pelas obrigações anteriores entre as sociedades que absorverem o patrimônio da companhia cindida e a sociedade original. Ocorrida a cisão parcial, é possível estipular as obrigações que serão transferidas às sociedades cindendas; na hipótese de oposição dos credores a essa estipulação, não haverá solidariedade entre as companhias, como prevê o art. 233, parágrafo único, da Lei n. 6.404/1976. Nesse sentido, a cisão é uma operação societária com alta discricionariedade por parte dos sócios em determinar qual patrimônio é vertido à cindenda e qual permanece com a cindida. Todavia, o art. 123 do CTN veda que convenção particular possa determinar a responsabilização tributária, considerando que eventuais estipulações previstas, conforme o parágrafo único do art. 233 da Lei n. 6.404/1976, não podem ser opostas ao Fisco, sob pena de violação dos princípios da indisponibilidade e da supremacia do interesse público. 

ENUNCIADO 5 – Informações e dados relativos a incentivos fiscais, concedidos a pessoas jurídicas ou por elas fruídos, devem ser fornecidos a qualquer interessado (transparência passiva), nos termos da Lei de Acesso à Informação, além de ser divulgados no Portal da Transparência do ente federado (transparência ativa). 

Justificativa: Segundo a Receita Federal do Brasil, os incentivos fiscais destinados a promover a equalização das rendas entre diferentes regiões ou a incentivar determinado setor da economia classificam-se como “gastos tributários”, isto é, constituem “gastos indiretos do governo realizados por intermédio do sistema tributário, visando a atender objetivos econômicos e sociais e constituem-se em uma exceção ao sistema tributário de referência, reduzindo a arrecadação potencial e, consequentemente, aumentando a disponibilidade econômica do contribuinte”. Assim, trata-se de verdadeira política pública, que se utiliza não do gasto direto, mas sim do indireto, por meio da renúncia de receitas públicas, para atingir objetivos econômicos e sociais, acepção que se aplica inteiramente aos incentivos fiscais de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Nesse contexto, devem ser públicas as informações sobre as pessoas jurídicas objeto dessa desoneração tributária, os valores a elas concedidos e por elas fruídos em determinado período, eventuais condições a que estejam sujeitas e outras informações pertinentes, porquanto, afinal, o Estado, em sentido amplo, é que está financiando essas pessoas jurídicas beneficiadas às custas dos demais membros da sociedade. Por isso, trata-se de informações e dados revestidos de inegável interesse público, que devem ser prestados pelas Administrações Tributárias (CRFB, art. 5o, inciso XXXIII), razão pela qual não deve ter lugar a alegação de sigilo fiscal nesse tocante (CTN, art. 198, caput); afinal, quem recebe incentivos do Poder Público deve estar sempre aberto aos mais amplos controles, inclusive social. 

ENUNCIADO 6 – A responsabilidade tributária dos terceiros elencados no rol do art. 134 do Código Tributário Nacional é subsidiária, sendo assegurado o benefício de ordem. 

Justificativa: Ainda que o caput do art. 134 do CTN preveja que “respondem solidariamente”, o instituto da solidariedade, pela definição do parágrafo único do art. 124 do próprio CTN, é incompatível com preceito de que tal responsabilidade se aplica na “impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte”, contido no mesmo dispositivo. Trata-se, portanto, de “flagrante ausência de tecnicidade legislativa” (STJ, 1a Seção, EREsp 446.955/SC, Rel. Min. Luiz Fux, julg. 9/4/2008). A Primeira Seção do STJ concluiu, na ementa do mesmo julgado, que é “cediço que o instituto da solidariedade não se coaduna com o benefício de ordem ou de excussão. Em verdade, o aludido preceito normativo cuida de responsabilidade subsidiária”. Renato Lopes Becho defende que “é possível sustentar o caráter subsidiário da responsabilidade de terceiros. Talvez o legislador, por equívoco, tenha estipulado uma aparente solidariedade apenas no intuito de manter o contribuinte no polo passivo da ação de cobrança do crédito tributário” (Desdobramentos das decisões sobre responsabilidade tributária de terceiros no STF. RDDT, n. 204, p. 45-57, set. 2012). Kiyoshi Harada tem o mesmo entendimento: “na verdade, o texto do dispositivo sob exame refere-se à responsabilidade subsidiária, pois a solidária não comporta benefício de ordem” (ITBI: doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 2010, p. 159). 

ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS 

ENUNCIADO 7 – A empresa vendedora, cuja comprovada boa-fé evidencie a regularidade da operação interestadual realizada com o adquirente, não pode ser objetivamente responsabilizada pelo pagamento do diferencial de alíquota de ICMS em razão de a mercadoria não ter chegado ao destino final. 

Justificativa: Trata-se de entendimento firmado pela 1a Seção, no EREsp n. 1.657.359 (Rel. Min. Gurgel de Faria) em que se verificou a divergência entre acórdãos da 1a e da 2a Turma, no qual o Tribunal privilegiou a justiça material, uma vez que, há anos, inúmeros contribuintes têm sido autuados para pagamento de tributo cujo fato gerador não se perfectibilizou por dolo ou culpa de terceiros. O paradigma segue a linha adotada pelo STJ, a fim de proteger o contribuinte que age de boa-fé (por exemplo, Súmula n. 509: “É lícito ao comerciante de boa-fé aproveitar os créditos de ICMS decorrentes de nota fiscal posteriormente declarada inidônea, quando demonstrada a veracidade da compra e venda”). 

ENUNCIADO 8 – No ICMS-ST progressivo, o contribuinte-substituído também tem legitimidade ativa ad causam para pleitear a declaração de inexistência da relação jurídica tributária. 

Justificativa: O enunciado proposto sistematiza o comando do art. 10 da Lei Complementar n. 87/1996, o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça e o majoritário entendimento doutrinário sobre o tema. 

PROCESSO TRIBUTÁRIO 

ENUNCIADO 9 – É cabível negócio jurídico processual em litígios que tenham por objeto créditos tributários não inscritos em Dívida Ativa, quer no âmbito do processo administrativo fiscal, aplicando- se, por analogia, o art. 190 do CPC, quer no âmbito de processo judicial. 

Justificativa: O cabimento de negócio jurídico processual em matéria tributária é um fato consumado, reconhecido pela Procuradoria da Fazenda Nacional, conforme portarias que regulamentam o tema e casos concretos de acordos já celebrados, mas tais normativos não preveem este tipo de pacto em processos administrativos ou em processos judiciais, envolvendo débitos não inscritos em Dívida Ativa. Entretanto, o negócio jurídico processual não vincula órgãos, mas, sim, as pessoas jurídicas em lide, sendo que tanto a Procuradoria quanto a Receita Federal são órgãos da União, razão pela qual poder-se-ia afirmar a presença da titular dos direitos e obrigações processuais em tela. Ora, se tomado como premissa que o processo judicial tributário admite composição, nos termos do art. 190 do CPC, não há nada que justifique isso ser admissível para processos envolvendo débitos inscritos, mas não para os que envolvam os não-inscritos e, por consequência, também nada obsta que se aplique ao processo administrativo fiscal, tendo por fim maior celeridade e segurança jurídica. 

ENUNCIADO 10 – É possível a antecipação da garantia de futura Execução Fiscal por meio do ajuizamento de tutela de urgência antecedente, com base nos dispositivos gerais dos arts. 300 a 302 do CPC, sendo desnecessário o aditamento para formulação de pedido principal. 

Justificativa: Após a confirmação da existência do débito tributário no Processo Administrativo, cessa a suspensão da exigibilidade do crédito. É notória a demora na inscrição do referido débito em dívida ativa e no ajuizamento da Execução Fiscal. Assim, na vigência do CPC/1973 os contribuintes passaram a ajuizar Ações Cautelares Inominadas, com o único objetivo de – oferecendo apólice de seguro garantia, carta de fiança bancária ou bens à penhora – antecipar os efeitos que seriam obtidos com a aceitação de garantia em execução fiscal pendente de ajuizamento pelas Fazendas Públicas. Sendo assim, possível a expedição de Certidões Positivas com o efeito de negativas de Quitação de Tributos. Tal entendimento era respaldado pelo julgamento do repetitivo proferido nos autos do RESP n. 1.156.668/DF: “o contribuinte pode, após o vencimento da sua obrigação e antes da execução, garantir o juízo de forma antecipada, para o fim de obter certidão positiva com efeito de negativa”. Com o atual Código de Processo Civil as ações cautelares autônomas deixaram de existir e criou-se um grande problema, pois a antecipação de garantia, por vezes, é indeferida (vide a respeito TJSP; Apelação 1010617-47.2017.8.26.0053; Relator: Ferraz de Arruda; 13a Câmara de Direito Público). Outrossim, há situações nas quais se exige o aditamento, para a formulação de pedido principal, quando na verdade a existência ou não do débito tributário não será discutida nessa ação, mas sim nos autos da Execução Fiscal e/ou nos respectivos Embargos à Execução Fiscal. Assim, mostra-se de suma importância que se possibilite a antecipação da garantia nesses casos. 

ENUNCIADO 11 – A distribuição de ação de produção antecipada de provas não importa renúncia ao poder de recorrer na esfera administrativa. 

Justificativa: O parágrafo único do art. 38 da Lei Federal n. 6.830/1980 prevê que a distribuição de ação judicial (mandado de segurança, ação anulatória etc.), visando a desconstituição do crédito tributário, implica em renúncia ao poder de recorrer na esfera administrativa. No entanto, a distribuição de ação de produção antecipada de provas não acarreta a renúncia prevista neste dispositivo. Após advento do Novo Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015), a produção antecipada de provas deixou de ser mero procedimento cautelar e ganhou autonomia. Assim, considerando as três hipóteses previstas no art. 381 do CPC, poderá ser distribuída ação cujo objeto é simplesmente a produção de uma prova. A prova é produzida sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, com a participação da parte adversa. Após produção da prova, o juízo responsável homologa a prova, mas sem realizar qualquer juízo de mérito. Como não há juízo de mérito na ação de produção antecipada de provas, é válido que o contribuinte distribua esta ação sem que isto acarrete renúncia da fase administrativa. A fase administrativa de um auto de infração pode levar anos para se encerrar. Então, em alguns casos, não é possível aguardar até a fase probatória de um processo de conhecimento para se produzir a prova necessária para defesa do contribuinte, sob pena de perecimento de documentos, circunstâncias, fatos, dentre outros. Por isso, na forma do inciso I, do art. 381, do CPC, é defeso ao contribuinte distribuir ação de produção antecipada de provas para produzir as provas necessárias antes de seu perecimento. E, por vezes, o contribuinte necessita produzir uma prova para sua defesa na própria fase administrativa. Pode-se necessitar de demarcar a área exata de um imóvel para defesa de autuação de ITR. Pode-se necessitar de uma perícia química de um produto para se defender de uma autuação de classificação fiscal. Pode-se necessitar de uma perícia contábil para análise dos demonstrativos para se defender de uma autuação de IRPJ. Assim, na forma dos incisos II e III, do art. 381, do CPC, é defeso ao contribuinte distribuir ação de produção antecipada de provas para produzir as provas necessárias para viabilizar a autocomposição (levando a própria autoridade administrativa a reconhecer o erro de eventual autuação) ou mesmo evitar o ajuizamento de futura ação judicial sobre o crédito tributário (considerando que a prova produzida antecipadamente pode levar o julgador administrativo a anular o auto de infração). Desta forma, mostra-se relevante a pacificação de que a distribuição desta ação não implicará na renúncia da fase administrativa. 

ENUNCIADO 12 – A exigência de garantia integral do crédito executado para o recebimento dos embargos à execução fiscal deve ser dispensada quando o embargante comprovar, de maneira suficiente, não possuir patrimônio para garantia do crédito. 

Justificativa: Os artigos 8o e 9a Lei de Execução Fiscal (LEF Lei n. 6.830/1980) informam que o executado tem o prazo de 5 dias para pagar ou garantir a execução. Garantida a execução, tem o prazo de 30 dias para oferecer embargos à execução, que não serão admitidos antes da garantia, conforme art. 16 da LEF. Os embargos à execução constituem a única possibilidade de defesa em execução fiscal, ressalvada a matéria de ordem pública. Assim, o executado que não possui patrimônio suficiente para garantir o débito, não exerce os direitos de acesso ao Judiciário, contraditório e ampla defesa, garantidos constitucionalmente (art. 5o, XXXV e LV). A Teoria do Estatuto do Patrimônio Mínimo, do Min. Luiz Edson Fachin, sustenta o resguardo de um patrimônio mínimo para preservar a dignidade da pessoa humana. Necessário mitigar a obrigatoriedade de garantia integral do crédito para o recebimento dos embargos à execução fiscal quando o devedor comprovar que não possui patrimônio para a garantia do crédito. O STJ já se posicionou: (…)resguarda a todos os cidadãos o direito de acesso ao Poder Judiciário, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5o, CF/1988), tendo esta Corte Superior, com base em tais princípios constitucionais, mitigado a obrigatoriedade de garantia integral do crédito executado para o recebimento dos embargos à execução fiscal (…) deve ser afastada a exigência da garantia do juízo para a oposição de embargos à execução fiscal, caso comprovado inequivocadamente que o devedor não possui patrimônio para garantia do crédito (REsp n. 1.487.772/SE, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe de 12/6/2019). 

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