O dilema de Alice e o Gato de Cheshire: a Súmula Carf nº 97 e o caminho a se seguir

Em sua coluna de 16/8/2022, aqui no ConJur (link), Rosaldo Trevisan, com sua escrita sempre brilhantemente técnica e espirituosa, escreveu um artigo relacionando a questão do “Dano ao Erário” nas penalidades aduaneiras a trechos do livro “Alice no País das Maravilhas”, do inglês Lewis Carroll, lançada em 1865. É, sem favor e sem dúvida, uma das minhas obras literárias favoritas, que a cada releitura me apresenta uma nova camada de interpretações e reflexões.

A lembrança da obra me fez rememorar uma célebre a passagem — talvez uma das mais famosas de todo o livro — em que Alice, a protagonista, se encontra com o Gato de Cheshire, o famoso gato sorridente, e estabelecem o seguinte diálogo, adaptado para abrirmos nosso artigo [1]:

Alice: Você poderia me dizer, por favor, qual o caminho para sair daqui?

Gato: Depende muito de onde você quer chegar.

Alice: Não me importa muito onde…

Gato: Nesse caso não faz diferença por qual caminho você vá.

Alice: …desde que eu chegue a algum lugar.

Gato: Oh, esteja certa de que isso ocorrerá, desde que você caminhe o bastante.

O Lucro Arbitrado é uma das bases de cálculo possíveis do imposto de renda, ao lado do Lucro Real e do Lucro Presumido. Apesar do Lucro Real coligir a maior quantidade de elementos com a finalidade de maximizar a pessoalidade na apuração do IRPJ, o Lucro Presumido e o Arbitrado também são baseados em fatos indiciários de capacidade contributiva, ainda que menos pessoais – um se justifica pela liberdade de opção do contribuinte, o outro pela presença de situações nas quais seria impossível ou altamente difícil apurar o Lucro Real.

Em suma, o Lucro Arbitrado é uma base de cálculo possível para o IRPJ, que se justifica pela impossibilidade ou elevadíssima dificuldade para mensurar a renda daquele contribuinte que não mantém livros contábeis, ou os mantém cheios de erros que comprometem sua veracidade, e que não atendem a deveres instrumentais imprescindíveis à essa determinação, em uma evidente concessão à praticabilidade tributária. 

Trata-se, à evidência, de um meio subsidiário de apuração dos tributos sobre a renda. Nesse sentido, o Carf tem reconhecido que “o artigo 47 da Lei nº 8.981, de 1995, ao usar a expressão de que o lucro será arbitrado, nos casos que especifica, não confere faculdade à autoridade fiscal, mas sim comando impositivo quanto à forma de tributação” (acórdão nº 1402-000.728 [2]) e, mais do que isso, que “o arbitramento é medida extrema, que deve ser adotada, principalmente, quando restar impossível a apuração da base de cálculo do imposto de acordo com a forma de tributação escolhida pelo Contribuinte” (acórdão nº 1401-002.200 [3], 1401-005.924 [4]).

A adoção do Lucro Arbitrado é obrigatória diante das hipóteses legais estabelecidas no artigo 603 do RIR/2018. Não é objeto do presente artigo analisá-las, valendo mencionar apenas que se referem a situações com descumprimento de obrigações acessórias, não apresentação de dados escriturais e apresentação de escrituração imprestável — impossibilitando a apuração do lucro —, ou em caso de opção indevida pelo Lucro Presumido. Presente pelo menos uma dessas situações, e se verificando a impossibilidade de coligir elementos para calcular o Lucro Real, a Receita Federal deveráprosseguir com a apuração pelo Lucro Arbitrado.

O cálculo do Lucro Arbitrado pode se dar de duas formas: 1) em se conhecendo a receita bruta, adota-se a forma do artigo 605 do RIR/2018, através da sua multiplicação pelos percentuais utilizados na sistemática de lucro presumido, majorados em 20%, aplicando-se daí as alíquotas cabíveis de IRPJ; 2) caso a receita bruta não seja conhecida, a legislação estabelece parâmetros alternativos para esse cálculo, conforme o artigo 608 do RIR/2018, valendo-se de diversas grandezas distintas, tais como valores em contas de ativo, capital social ou patrimônio líquido, compras realizadas no mês, folha de salários, aluguel mensal etc., aplicando a cada uma um percentual próprio. 

Pois bem. É exatamente na apuração do Lucro Arbitrado, nas hipóteses em que não se conhece a receita bruta, que se situa o problema a ser enfrentado nesse texto. 

É evidente que a escolha por um dos oito métodos alternativos do artigo 608 do RIR/2018 pode conduzir a valores os mais diversos, na apuração do Lucro ArbitradoE.g. considerando uma empresa que tenha um capital social muito inferior ao seu patrimônio líquido, a adoção do primeiro elemento gerará um lucro muito menor que o segundo.

Diante disso, alguns contribuintes alegam que a fiscalização deveria adotar o parâmetro que gere o menor ônus tributário, em um raciocínio construído por analogia do modelo brasileiro de preços de transferência, que adota a regra do melhor método (best method rule), em favor da liberdade do contribuinte em escolher aquele que lhe dê o resultado mais favorável, com base no artigo 20-A da Lei nº 9.430/96.

Por outro lado, esse pleito tem sido rejeitado peremptoriamente com fundamento na Súmula Carf nº 97, que dispõe, verbis:

“Súmula CARF nº 97: O arbitramento do lucro em procedimento de ofício pode ser efetuado mediante a utilização de qualquer uma das alternativas de cálculo enumeradas no art. 51 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995, quando não conhecida a receita bruta.”

Em diversos acórdãos que analisaram questionamentos dos contribuintes quanto à eleição da base de cálculo, tem se consignado que essa súmula facultaria à fiscalização a escolha de qualquer um dos critérios previstos no artigo 51 da Lei nº 8.981 (equivalente ao artigo 608 do RIR/2018), de formadiscricionária, para o cálculo do Lucro Arbitrado (e.g. acórdãos nº 1402-005.648 [5] e 1201-002.669 [6]).

Nenhum dos lados parece estar correto nessa discussão.

Por um lado, não entendemos que o contribuinte tenha direito ao método menos oneroso, como pleiteado, e tampouco há semelhanças o suficiente para aplicar, por analogia, o regime de preços de transferência.

Entendemos que a escolha do critério não é discricionária, como de resto o artigo 608, §1º, do RIR/2018 [7] já sinaliza, ao determinar a aplicação dos critérios dos incisos V, VI e VII do artigo 608 às atividades comerciais, industriais e de prestação de serviços, respectivamente. Esse dispositivo sinaliza, com acerto, que mesmo no procedimento de apuração do Lucro Arbitrado, a fiscalização deve sempre buscar a eleição de índices de riqueza que estejam mais adequados ao caso.

Nessa linha, a escolha do critério nunca pode ser discricionária. Pelo contrário, cabe à fiscalização demonstrar que o parâmetro escolhido é o mais fidedigno, à luz do caso concreto, para refletir a capacidade econômica do contribuinte, atendendo à determinação do artigo 145, §1º, da CF/88. Para isso, o fiscal deve justificar, no auto de infração, a escolha por determinado método, considerando as características do contribuinte e a informação disponível. 

Mais ainda, a escolha do critério não deve ser voltada nem a maximizar e nem a minimizar o ônus tributário, mas sim buscar estabelecer uma conexão por proximidade com a forma como a empresa aufere suas receitas

Por exemplo, ao se fiscalizar uma empresa de tecnologia, cujos rendimentos sejam majoritariamente derivados da exploração de intangíveis, não faz sentido se optar pela folha de salários ou pelo aluguel mensal devido como índices, pois gerarão um lucro distorcido. Em uma situação como essa, deve-se buscar a soma do valor dos ativos, ou o seu patrimônio líquido, como critérios mais fidedignos.

Em suma: a escolha do critério dentre os listados no artigo 608 do RIR/2018 não é discricionária, devendo guardar um grau relevante de conexão com a própria atividade da pessoa jurídica, podendo ser objeto de contestação pelo contribuinte, caso a opção se demonstre arbitrária.

E quanto ao teor da Súmula nº 97?

Com a devida vênia, analisando os acórdãos precedentes da referida súmula [8], parece-nos que aplicá-la para validar essa suposta discricionariedade é um equívoco

A tônica dos precedentes se relaciona à obrigação do Fisco apurar o Lucro Arbitrado, com base em um dos critérios do artigo 51 da Lei nº 8.981/95, nos casos em que a receita bruta do contribuinte não seja conhecida, e não a respeito da existência de liberdade da fiscalização na escolha de qual método utilizar. 

Compulsando todas as decisões, se verifica que em nenhuma delas os contribuintes argumentavam pela utilização de um ou outro critério dentre os previstos no referido artigo, mas contra a própria realização do arbitramento. Não há, nos precedentes, qualquer discussão acerca da existência de discricionariedade ou não da fiscalização na eleição dos métodos arrolados no artigo 608 do RIR/2018.

É curioso comparar a redação da súmula com a ementa do acórdão nº 101-94.964, de onde ela foi “extraída”, que dispõe: “Cabível o arbitramento do lucro através de procedimento de ofício, mediante a utilização de uma das alternativas de cálculo enumeradas no art. 51 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995, quando não conhecida à receita bruta“. 

Como se vê, enquanto a ementa falava em “utilização de uma das alternativas“, o texto da súmula ficou “utilização de qualquer uma das alternativas“, explicitamente dando a entender que o seu conteúdo se relacionaria à discricionariedade da fiscalização, induzindo os aplicadores em erro, ao ostentar uma redação que não está em conformidade com seus precedentes.

Portanto, entendemos que a súmula Carf nº 97 não poderia ser aplicada aos casos em que o contribuinte questione a escolha do critério de arbitramento do lucro, nas hipóteses de receita bruta não conhecida, com base no artigo 608 do RIR/2018.

Por meio da aplicação equivocada do referido enunciado sumular, o Carf tem permitido aos auditores-fiscais reproduzir, de forma distorcida, o dilema daAlice: ao alegarem não saber onde pretendem chegar, a súmula faz as vezes do Gato de Cheshire, avisando que qualquer caminho serve, para quem não se importa com o destino.

Trata-se de um falso dilema, pois a fiscalização possui, sim, um objetivo: a mensuração — da melhor forma possível — da capacidade econômica do contribuinte, mesmo nas hipóteses em que se recorra a elementos indiciários para apuração da base de cálculo. O Lucro Arbitrado é uma base de cálculo subsidiária em relação ao Lucro Real, mas essa concessão à praticabilidade não confere ao arbitramento natureza punitiva nem implica uma supressão absoluta do princípio da capacidade contributiva na eleição do critério adotado.

Ora, se há um destino a alcançar, o dilema se desfaz, pois nem todos os caminhos passam a ser igualmente válidos, e o conselho da nossa Súmula-Gato, de que “qualquer uma das alternativas de cálculo” poderia ser utilizada, perde qualquer sentido.

Trata-se, em rigor, de mais uma súmula cujo teor discrepa do conteúdo dos precedentes que a formaram, contribuindo para uma confusão no momento de sua aplicação e, ao final, no bloqueio de um possível e legítimo argumento de defesa dos contribuintes, na hipótese de arbitramento dos lucros. 

Em outra passagem da obra de Carroll, Alice vê o Gato desaparecendo devagar, da ponta do rabo até sobrar apenas o seu sorriso, e exclama: Epa! Eu já vi muitos gatos sem sorriso, mas nunca um sorriso sem gato! É a coisa mais curiosa que já vi em toda a minha vida!“. Parafraseando a primeira parte da afirmação, posso dizer que já vi muitos precedentes sem súmulas que os resumissem, mas nunca espero ver por aí súmulas que não sejam de acordo com seus precedentes. Quanto à segunda parte da frase, fica difícil parafraseá-la, quando tem se tornado cada vez menos curiosa a identificação desse fenômeno nas súmulas do Carf.

Temos nos esforçado em demonstrar, ao longo de diversos artigos desta coluna, que as súmulas do Carf têm muitos problemas na sua formação e na sua aplicação, por exemplo, no caso das Súmulas 11 (link), 169 (link) e 172 (link)que demandam uma revisitação crítica e urgente por parte da doutrina e do próprio tribunal, institucionalmente e por seus conselheiros. Àquelas que não atenderem aos standards jurídicos de criação e aplicação, deve valer a ordem preferida da Rainha de Copas: Cortem-lhe a cabeça!“.


[1] Adaptado a partir de: CARROLL, Lewis. Alice no País das Maravilhas, 2ª ed. São Paulo: Objetivo, 2000, p.81.

[2] Rel. Moisés Giacomelli, j. 29/9/2011.

[3] Rel. Luiz Augusto de Souza, j. 21/2/2018.

[4] Redator Designado André Severo Chaves, j. 18/10/2021.

[5] Rel. Evandro Correa Dias, j. 17/6/2021.

[6] Rel. Gisele Bossa, j. 21/11/2018.

[7] Art. 608. (…) § 1º. As alternativas previstas no inciso V ao inciso VII do caput , a critério da autoridade lançadora, poderão ter a sua aplicação limitada, respectivamente, às atividades comerciais, industriais e de prestação de serviços e, na hipótese de empresas com atividade mista, ser adotados isoladamente em cada atividade

[8] Acórdãos Precedentes: Acórdão nº 107-07.325, de 10/9/2003; Acórdão nº 105-14.330, de 18/03/2004; Acórdão nº 101-94.964, de 18/5/2005; Acórdão nº 107-08419, de 25/1/2006; Acórdão nº 1202-00.074, de 17/6/2009; Acórdão nº 1803-001.578, de 07/11/2012

Carlos Augusto Daniel Neto é sócio do escritório Daniel & Diniz Advocacia Tributária, em estágio pós-doutoral em Direito Tributário na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, ex-conselheiro titular da 1ª e 3ª Seções do Carf, pesquisador do NEF/FGV e do Nupem/IBDT e professor permanente do mestrado profissional do Cedes e de diversos cursos de pós-graduação.

Revista Consultor Jurídico, 24 de agosto de 2022, 8h01

PROMESSAS TRIBUTÁRIAS DE CAMPANHA

Ainda de olho nas campanhas eleitorais, observamos dois temas tributários que ganharam repercussão nesta semana: a criação de um imposto sobre grandes fortunas e a correção da tabela do Imposto de Renda das Pessoas Físicas.

Para mitigar a situação dos que vivem sob extrema pobreza, Ciro Gomes propõe a criação de um benefício previdenciário constitucional que irá englobar o Auxílio Brasil, a aposentadoria rural e o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Para financiar o tal benefício previdenciário constitucional, Ciro Gomes conta com as atuais fontes de custeio, mas também propõe uma receita extra originária do Imposto Sobre Grandes Fortunas (IGF).

Sem entrar no mérito dos valores que podem ser arrecadados com o IGF, não podemos deixar de apontar um óbice constitucional gravíssimo à proposta de Ciro Gomes: tratando-se de um imposto, o total arrecadado a título de IGF não poderá ter uma destinação específica.

O legislador constituinte, fiel à natureza não vinculada dos impostos – esta importante espécie tributária – fixou, no art. 167, IV, o famoso princípio da não afetação da receita de impostos. Este princípio segue uma lógica bem arraigada no Código Tributário Nacional: como os impostos não têm como fato gerador uma atividade estatal, muito pelo contrário, o produto de sua arrecadação não pode financiar uma despesa específica.

Portanto, Ciro Gomes, busque outra fonte de receita para o seu  benefício previdenciário constitucional, desde que não seja uma CPMF, por favor!

As campanhas de Lula, Bolsonaro e do próprio Ciro Gomes estão divulgando a necessidade de correção da tabela do imposto de renda devido pelas pessoas físicas (IRPF).

O que muda são os limites de isenção e as novas faixas de tributação que propõem.  

A preocupação em corrigir a Tabela do IRPF é legítima, mas como defendemos há anos, não é melhor solução para o problema.

Corrigir a Tabela não soluciona o mais importante problema do IRPF no Brasil: a exata fixação da base de cálculo do imposto.

Diversamente de outros países, o IRPF brasileiro incide sobre rendimentos que são utilizados pelo cidadão para sua subsistência e que representam gastos realizados pelas pessoas físicas para arcar com despesas que são dever do Estado.

A dedução de despesas médicas somente na Declaração faz com que o contribuinte acabe por antecipar durante o ano mais imposto do que deveria pagar. Além disso, por mais que sejam dedutíveis na DIPF os gastos com a mensalidade do plano de saúde e outras despesas médicas, a pesada conta dos remédios pagos na farmácia não pode ser abatida, como se o profissional de saúde tivesse o dom de resolver todos os problemas sem a prescrição de medicamentos.

A dedução das despesas com instrução somente na Declaração também perpetua injustiça, isto sem contar o limite na dedução desta despesa que precisa ser abolido.

Também há casos em que a legislação brasileira não admite em hipótese alguma a dedução. Basta lembrar que, no Brasil, as despesas necessárias à habitação – aluguéis ou prestações da casa própria – não podem ser deduzidas no cálculo do IRPF, seja a cada mês, seja na DIPF. 

Estas são apenas algumas situações que fazem com que o IRPF incida sobre rendimentos que são utilizados em despesas necessárias à existência digna do ser humano, o chamado mínimo existencial.

Há um novo Congresso Nacional em formação. Fica o alerta…

Não incide IRPJ sobre honorários pagos a administradores e conselheiros

As empresas têm o direito de deduzir, na apuração do lucro real que servirá como base de cálculo para o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, os honorários pagos a seus administradores e conselheiros, independentemente de serem mensais e fixos.

Com esse entendimento, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça julgou indevidas as restrições impostas às empresas pelas normas da Receita Federal para a cobrança do IPRJ. O caso foi julgado na terça-feira (16/8), com resultado por maioria apertada de 3 votos a 2.

É a primeira vez em que o STJ se posiciona sobre o tema, embora isso tenha finalmente ocorrido em uma ação ajuizada em 1999 e que levou quase 20 anos para chegar à instância ordinária, em 2018. O precedente pode motivar o ajuizamento de novas ações pelos contribuintes por todo o Brasil.

O julgamento avaliou se as alterações ocorridas na legislação desde a década de 1940 permitiriam à Fazenda concluir que os honorários de administradores e conselheiros da pessoa jurídica só poderiam ser deduzidos da base de cálculo do IRPJ quando se mostrarem fixos e mensais.

A lei deveria vetar a dedutibilidade
O ponto nodal está na incidência do artigo 43, parágrafo 1º, alínea ‘b’ do Decreto-Lei 5.844/1943.

A norma diz que serão adicionados ao lucro real, para tributação do IRPJ, os valores retirados das empresas que não forem debitados como despesas gerais e também aqueles que, mesmo escrituradas nessas contas, não corresponderem à remuneração mensal fixa por prestação de serviços.

Para a ministra Regina Helena Costa, essa regra não incide sobre os honorários pagos aos administradores e conselheiros, mesmo que eventuais, porque eles se enquadram como despesas operacionais da empresa.

Como todos os custos e despesas são dedutíveis da base de cálculo do IRPJ no lucro real, a restrição dessa dedução é que deveria estar prevista em lei. Em vez disso, a restrição aparece no artigo 31 da Instrução Normativa 93/1997 da Secretaria da Receita Federal, um ato infralegal que não tem tamanho poder.

Votaram com a relatora e formaram maioria o ministro Benedito Gonçalves e o desembargador convocado Manoel Erhardt.

A lei deveria autorizar a dedutibilidade
Abriu a divergência o ministro Gurgel de Faria, que ficou vencido ao lado do ministro Sergio Kukina. Para eles, artigo 43, parágrafo 1º, alínea ‘b’ do Decreto-Lei 5.844/1943 não faz qualquer distinção em relação à retirada de valores das empresas.

Logo, incide também para os casos de honorários pagos a administradores e conselheiros. Nessa hipótese, a dedutibilidade é que deveria estar expressamente prevista em lei, o que não aconteceu. Por isso, entendem que a Instrução Normativa 93/1997 é válida e plenamente aplicável.

“Da leitura e da interpretação do contexto normativo que rege a matéria, tem-se que a inclusão das retiradas eventuais dos honorários de administradores e conselheiros da pessoa jurídica no lucro tributável é obrigatória, não havendo qualquer ressalva na legislação de regência a respeito do tema”, afirmou Gurgel de Faria em voto-vista lido na terça.

Repercussão
Para o advogado Janssen Murayama, sócio do escritório Murayama & Affonso Ferreira Advogados, a posição corrige a violação à sistemática da integração da tributação da pessoa jurídica ou pessoa física. Desde 1995, a legislação tributária brasileira prevê uma regra de que, se determinada renda foi tributada pela pessoa jurídica, ela não deve ser tributada pela pessoa física e vice-versa.

“No caso, tais valores são tributados, incidindo sobre o imposto de renda da pessoa física. Eles são tributados na medida em que os administradores e conselhos recebem esses valores. Uma vez que esses valores já são tributados na pessoa física, eles não poderiam ser tributados novamente na pessoa jurídica, sob pena de violação, nessa temática da tributação da pessoa jurídica e da pessoa física”, explicou o especialista.

Apontou também que foi violado justamente o conceito de renda. “A própria Constituição estabelece um conceito de renda para fins de incidência do imposto de renda e, nesse caso, se tributar essa despesa — esses valores pagos aos administradores e conselheiros —, estaria tributando uma despesa e não a renda, violando o princípio constitucional da renda”, concluiu.

REsp 1.746.268

OAB alega defasagem da alíquota adicional de IRPJ sobre lucro que exceder R$ 20 mil por mês

Norma que prevê a incidência da alíquota adicional de 10% é de 1996.

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) questiona, no Supremo Tribunal Federal (STF), a validade de lei que prevê a incidência da alíquota adicional de 10% sobre o Imposto de Renda das pessoas jurídicas (IRPJ) aderentes ao lucro real que excederem a apuração mensal de R$ 20 mil. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7221 foi distribuída ao ministro Luís Roberto Barroso, que, em razão da relevância da matéria, decidiu levá-la a exame diretamente pelo Plenário e requisitou informações aos órgãos e às autoridades pertinentes.

A entidade argumenta que o artigo 2º, parágrafo 2º, da Lei de 9.430/1996, em harmonia com o princípio da capacidade contributiva, foi editado com o objetivo de proporcionar uma sociedade mais justa no que se refere à arrecadação tributária, ou seja, paga mais quem pode mais ou quem aufere mais renda.

Para a OAB, esse valor era razoável para os parâmetros da época. Contudo, passados 26 anos, está defasado, pois não sofreu nenhuma correção monetária. De acordo com a Ordem, o legislador, ao definir a parcela mensal de R$ 20 mil em 1996, pretendia um determinado impacto financeiro nos contribuintes, que só poderá ser garantido atualmente se essa parcela se atualizar monetariamente na progressão dos anos que se passaram.

Na avaliação do autor da ação, a aplicação literal da norma viola os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da isonomia, da capacidade contributiva e do não confisco, tendo em vista a corrosão da moeda em 376% do valor fixado inicialmente, conforme o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E).

Com esses argumentos, requer que seja fixado o entendimento de que o adicional de 10% do Imposto de Renda deve incidir sobre parcela da base de cálculo apurada mensalmente da pessoa jurídica, sujeita a tributação com base no lucro real que exceder o valor de R$ 20 mil corrigido com a inflação, isto é, com a aplicação do índice do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E).

SP/AS//CF

A REFORMA TRIBUTÁRIA QUE NÃO VEM

O início do período de campanha eleitoral para a Presidência da República reacende a discussão sobre a Reforma Tributária. O tema é tratado em todos os programas de governo, defendido por todos os candidatos e aprovado por todas as equipes envolvidas na campanha.

Mas é evidente que nenhuma Reforma Tributária, com R e T maiúsculos, será aprovada nos próximos quatro anos, como não foi nos últimos 34 anos.

De 05/10/1988 para cá, a Constituição sofreu alterações pontuais. Criou-se um imposto provisório aqui, uma contribuição provisória acolá, ambos sobre a movimentação financeira, claro… A substituição tributária foi constitucionalizada, espancando qualquer dúvida sobre a possibilidade de tributação sobre operações ainda não realizadas. A competência tributária da União em matéria de contribuições foi ampliada, de modo que hoje até sobre as importações há contribuição específica, para além do II, IPI, ICMS e ISS que já incidiam sobre a entrada de produtos e serviços importados. Os Estados também foram beneficiados por Emendas Constitucionais, ou alguém se esqueceu da ampliação do ICMS nas importações e da constitucionalização dos Fundos de Combate à Pobreza? Municípios e o Distrito Federal não ficaram de fora do elastecimento da competência tributária, bastando lembrar das contribuições de iluminação pública criadas por Emenda Constitucional.

A Reforma Tributária que realmente importa para o desenvolvimento econômico e para a racionalização do que é totalmente irracional ainda não foi promulgada nos últimos 34 anos!

Emendas vão, emendas vêm, mas ainda convivemos com a múltipla incidência de tributos sobre o faturamento das empresas. A cada ano que passa, perde-se a oportunidade de acabar com a tributação sobre a folha de pagamentos. Entra ano e sai ano, e a Constituição continua prevendo várias incidências tributárias sobre as importações, como se vivêssemos num país autossuficiente e num mundo sem globalização.

Se não há Reforma no âmbito constitucional, a esperança está naquilo que pode ser reformado através de leis ordinárias e/ou complementares.

Diante disso, tomara que o novo Congresso demonstre preocupação com o caótico conceito de insumos na apuração do PIS/COFINS, finalmente estabeleça o imediato creditamento do ICMS sobre a aquisição de bens de uso e consumo, determine uma base de cálculo justa no imposto de renda devido pelas pessoas físicas, autorize a ampla utilização/transferência de todo saldo credor do ICMS, acabe com as restrições à compensação tributária, enfim, faça a sua parte, deputado e senador!

Fica o desabafo… 

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