Municípios não podem condicionar emissão do ‘habite-se’ ao pagamento do ISS

As três Câmaras de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo responsáveis pelo julgamento de tributos municipais (14ª, 15ª e 18ª) têm reformado decisões de primeira instância que condicionavam a emissão de certificado de conclusão de obra (“habite-se”) ao pagamento do ISS.

O entendimento é de que os municípios não podem usar meios coercitivos para forçar o pagamento de tributos, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Como exemplo, os acórdãos citam o ARE 1.181.820, o ARE 915.424 e as Súmulas 70, 323 e 547 do STF.

Em um dos casos, a 18ª Câmara de Direito Público derrubou liminar que autorizava a Prefeitura de São Paulo a exigir o pagamento do ISS para emitir o “habite-se”. Segundo o relator, desembargador Botto Muscari, embora exista previsão legal (artigo 83, inciso I, da Lei Municipal 6.989/66), não cabe ao município condicionar a expedição do “habite-se” à quitação de débito fiscal.

“Aparentemente, estamos a braços com medida restritiva que dificulta e inviabiliza o desempenho da atividade econômica da contribuinte, denotando forma indireta e censurável de satisfação do crédito tributário. São muitos os precedentes deste tribunal em casos parelhos, oriundos das três Câmaras especializadas em tributos municipais”, afirmou.

Em outro julgamento da mesma Câmara envolvendo a Prefeitura de São Paulo, o relator, desembargador Henrique Harris Júnior, disse que a jurisprudência é pacífica no sentido de ser descabido o uso de medidas restritivas que dificultem o desempenho da atividade econômica do contribuinte, “devendo o ente tributante valer-se dos procedimentos legalmente previstos para a execução de seus créditos tributários”.

Já a 15ª Câmara de Direito Público, sob relatoria do desembargador Silva Russo, determinou ao município de Guarulhos que se abstenha de exigir de uma construtora a apresentação da certidão negativa de débitos e o pagamento do ISS para emissão do “habite-se”.

“A expedição de ‘habite-se’ não se confunde com a exigência do ISS, o primeiro é uma taxa que se cobra para verificação das condições de habitabilidade do prédio, depois de pronto, e o segundo, é imposto incidente sobre prestação de serviço, sendo distintos os fatos que geram um e outro e, por isso, não e pode condicionar a expedição do ‘habite-se’ ao pagamento do ISSQN, quando devido”, diz o acórdão.

Direito líquido e certo
Em um mandado de segurança impetrado contra o município de Taubaté, a 18ª Câmara de Direito Público reformou decisão para isentar uma empreiteira de comprovar o pagamento prévio do ISS para recebimento do “habite-se”.

“A imposição de restrições ao exercício das atividades do contribuinte inadimplente, como meio coercitivo para a cobrança do tributo, é descabida e viola o disposto nas Súmulas 70, 323 e 547 da Suprema Corte. Isto porque, o poder de tributar encontra limitações nas disposições da Constituição Federal, não podendo o poder público se utilizar de meios coercitivos dotados de irrazoabilidade e desproporcionalidade”, disse o relator, desembargador Ricardo Chimenti.

Segundo o magistrado, o fato de o ato do município estar amparado em lei local não afasta, por si só, a existência de direito líquido e certo da empreiteira: “Isso porque tal entendimento desconsidera a possibilidade de controle de constitucionalidade difuso em sede de mandado de segurança, cabível quando o vício normativo surge como cause de pedir, e não pedido. Nesse sentido é a tese fixada no Tema 430/STJ.”

Neste cenário, a conclusão de Chimenti foi de que, apesar de a empreiteira autora possuir débitos com a Fazenda, a cobrança deve ser feita de outra forma, e não com a recusa de emissão do “habite-se”, “instrumento que possui finalidade específica que não se confunde com as exações tributárias”.

Processo 1036735-84.2022.8.26.0053
Processo 2246076-98.2022.8.26.0000
Processo 1038816-12.2021.8.26.0224
Processo 1010330-41.2022.8.26.0625

Revista Consultor Jurídico, 4 de abril de 2023, 8h23

Iniciado julgamento no STF em que se discute a constitucionalidade de dispositivos que determinam o recolhimento do ISSQN no Município do tomador do serviço

24 de março de 2023 | ADI 5.835/DF, ADI 5.862/DF e ADPF 499/DF | Plenário do STF

O Ministro Alexandre de Moraes – Relator – entendeu pela inconstitucionalidade do art. 1º da LC nº 157/2016 e do art. 14 da LC nº 175/2020, que estabelecem que o ISSQN é devido no local do domicílio do tomador de serviços de: (i) planos de medicina de grupo ou individual; (ii) administração de fundos quaisquer e de carteira de cliente; (iii) administração de consórcio; (iv) administração de cartão de crédito ou débito e congêneres; e (v) arrendamento mercantil; bem como, por arrastamento, pela inconstitucionalidade dos arts. 2º, 3º, 6º, 9º, 10 e 13 da LC nº 175/2020. Segundo o Ministro, as alterações quanto ao local em que o tributo é devido ocasionam diversas inconsistências, especialmente relacionadas à demonstração do domicílio do tomador, de forma que atingem relações jurídicas tributárias que afetam diretamente mais de cinco mil Municípios, gerando conflitos em matéria tributária quando, em verdade, a normatização deveria gerar segurança jurídica e proteger a estabilidade entre os entes federados. Por fim, o Ministro consignou que a instituição do padrão nacional de obrigação acessória e do Comitê Gestor das Obrigações Acessórias do ISSQN possui evidente relação de dependência com os dispositivos que alteraram a regra de competência, devendo ser considerada inconstitucional por arrastamento. O julgamento aguarda o voto dos demais Ministros.

Fonte: Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores & Advogados

Fato de empresa ter técnico como sócio não afasta direito a regime especial de ISS

Sociedades uniprofissionais têm direito ao regime especial de recolhimento do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), nos termos do artigo 9º, §§1º e 3º, do Decreto-Lei nº 406/68. E o simples fato de um dos sócios ser técnico não afasta o benefício, desde que ele exerça atividade da mesma natureza dos demais.

Esse foi o entendimento do juiz José Eduardo Cordeiro Rocha, da 14ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo, para atender ao pedido de um escritório contábil para que a sociedade fosse enquadrada no regime de recolhimento de ISSQN fixo. 

Na decisão, o magistrado explicou que o contrato social do escritório demonstra a plausibilidade do direito, já que atesta que a sociedade é composta por dois sócios com habilitação em contabilidade e um com grau técnico na mesma área. 

O juiz citou na decisão entendimento do STJ (REsp. 1.400.942/RS, de relatoria do ministro Gurgel de Faria) que determina que a concessão do regime especial de tributação ocorre na ausência de atividade empresarial entre os profissionais de uma sociedade.

“Em se tratando de prestação de serviços profissionais por meio de atendimentos realizados diretamente pelos sócios, os quais assumem a responsabilidade pessoal em razão da própria natureza do labor (tal como ocorre no caso dos autos — sociedade de médicos), a sociedade faz jus ao tratamento tributário previsto no art. 9º do Decreto-Lei 406/1968”, escreveu ele. 

Diante disso, o magistrado concedeu tutela de urgência para determinar que a Secretaria de Finanças do Município de São Paulo comprove o enquadramento do escritório no regime especial de recolhimento de ISSQN como sociedade uniprofissional, retroativamente a outubro de 2022. O escritório foi representado pelo advogado Marcos Kazuo Yamaguchi.

Clique aqui para ler a decisão
Processo: 1010463-19.2023.8.26.0053

Revista Consultor Jurídico, 12 de março de 2023, 16h18

Empresa de informática deve pagar IRRF sobre valores enviados ao exterior para compra de softwares

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) confirmou que uma empresa de informática, sediada em Porto Alegre, deve pagar imposto de renda retido na fonte (IRRF) sobre os valores remetidos para o exterior para a compra de softwares produzidos em larga escala, conhecidos como softwares de prateleira. A decisão foi proferida pela 1ª Turma da corte, por maioria, na última semana (2/3).

A ação foi ajuizada em abril de 2019 pela empresa da capital gaúcha. A autora narrou que presta serviços na área de informática e comercializa softwares de prateleira. Ela afirmou que possui contrato com uma empresa australiana, fabricante de programas de computador do tipo standard, que são comercializados em escala global, recebendo os produtos e os vendendo no mercado brasileiro.

Segundo a autora, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) distingue “os programas de computador por encomenda daqueles produzidos em larga escala, chamados softwares de prateleira, consolidando o entendimento de que softwares de cópias múltiplas e comercializados no varejo seriam mercadorias”.

Dessa forma, ela argumentou que não deveria pagar o IRRF sobre as remessas feitas ao exterior como pagamento de aquisições dos softwares, por não se enquadrarem como remuneração de direitos autorais, mas sim como aquisição de mercadoria.

Em setembro de 2019, a 13ª Vara Federal de Porto Alegre proferiu sentença favorável à autora.

A União recorreu alegando que “as importâncias pagas, creditadas, entregues, empregadas, ou remetidas para o exterior a título de royalties, a qualquer título, estão sujeitas à incidência de IRRF”. Ainda foi sustentado que a decisão do STF “teria analisado somente os contornos jurídicos atinentes à incidência do ICMS e do ISS sobre as vendas seriadas de programas de computador no varejo, não sendo aplicável ao caso em questão”.

A 1ª Turma do TRF4 deu provimento ao recurso, reformando a sentença. O relator, juiz convocado na corte Alexandre Rossato da Silva Ávila, destacou que “os programas de computador são obras intelectuais, conforme previsto pela Lei nº 9.610/98, que consolida a legislação sobre direitos autorais”.

Em seu voto, o magistrado concluiu que “na hipótese dos autos, o titular dos direitos de programa de computador é empresa domiciliada no exterior, a qual recebeu os royalties decorrentes da comercialização dos direitos da sua obra intelectual, pagos pela parte autora, que é a fonte pagadora. Logo, é devido o imposto de renda retido pela fonte pagadora a título de royalties pagos pela comercialização de programas de computador”.

ACS/TRF4 (acs@trf4.jus.br)5019649-87.2019.4.04.7100/TRF

TJ-SP afasta mudanças na cobrança de ISS de sociedades de médicos na capital

É inconstitucional a lei que estabelece a progressividade da receita bruta mensal para a tributação pelo ISS levando em consideração o número de profissionais habilitados.

Com esse entendimento, a 18ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo acolheu pedido da Associação Paulista de Medicina para assegurar às suas associadas, pessoas jurídicas, o direito à tributação fixa do ISS, afastando as alterações introduzidas pela Lei 17.719/21.

A nova sistemática do ISS na capital, implantada pela Lei 17.710/21, estabeleceu faixas progressivas de receita bruta mensal para fins de recolhimento do tributo das sociedades uniprofissionais. A Associação Paulista de Medicina impetrou mandado de segurança contra as alterações na lei e obteve decisão favorável em primeira instâcia.

O TJ-SP confirmou a sentença, nos termos do voto do relator, desembargador Marcelo L. Theodósio. Ele ressaltou que o artigo 9º, §§ 1º e 3º, do Decreto-Lei 406/68, estabeleceu um regime especial de apuração do ISS para serviços prestados por sociedades uniprofissionais, o que torna “inadmissível” a mudança imposta pela Lei 17.710/21.

“Isto porque, a utilização de faixas de receita bruta presumida tendo como fundamento apenas a quantidade de profissionais que integram a sociedade acaba por estabelecer regramento diverso daquele previsto no Decreto-Lei 406/68. Desse modo, não poderia a lei municipal alterar a base de cálculo e a forma de tributação estabelecida no Decreto-Lei 406/68”, afirmou o magistrado.

Segundo ele, nos termos do artigo 146, III, a, da Constituição, cabe somente à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria tributária e, especialmente, sobre definição de tributos e de suas espécies, bem como em relação aos impostos discriminados na Constituição, os respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes.

“A Lei 17.719/21 violou regra constitucional ao estabelecer a progressividade de receita bruta mensal para a tributação pelo ISS levando em consideração o número de profissionais habilitados, o que lhe atribui vício de inconstitucionalidade formal, além de afronta à tese firmada no Tema 918 do C. Supremo Tribunal Federal”, completou.

No Tema 918, o STF definiu ser “inconstitucional a lei municipal que estabelece impeditivos à submissão de sociedades profissionais de advogados ao regime de tributação fixa em bases anuais na forma estabelecida por lei nacional”. Theodósio disse que o Superior Tribunal de Justiça também pacificou a questão no julgamento do AREsp 31.084.

“Assim, revela-se equivocada a decisão administrativa que excluiu a impetrante do regime especial, fato que enseja a determinação para que haja o reenquadramento da sociedade no sistema simplificado de recolhimento. Portanto, correto o entendimento do juízo a quo, ao conceder a segurança”, finalizou o relator.

Para o advogado Alessandro Acayaba de Toledo, sócio do escritório Acayaba Advogados, que representa a associação, a decisão é “inédita na classe médica”. Ao ressaltar a importância da decisão, ele disse que uma sociedade uniprofissional com dez médicos sócios recolhia a base fixa de R$ 19.952,60 e, com a Lei 17.719/21, passou a recolher R$ 34.976,30, ou seja, um aumento de mais de 75%.

Sociedades de advogados
Em setembro de 2022, a mesma 18ª Câmara de Direito Público já havia suspendido os efeitos da Lei 17.719/21 para sociedades de advogados. A decisão foi em mandado de segurança coletivo impetrado pela OAB-SP, Centro de Estudos das Sociedades de Advogado (Cesa) e Sindicato das Sociedades de Advogado do Rio de Janeiro e São Paulo (Sinsa).

Na ocasião, o TJ-SP também reconheceu que as faixas progressivas de receita bruta mensal criadas pela nova lei contrariam os parâmetros de tributação fixa das sociedades profissionais estabelecidos no Decreto-Lei 406/48. A decisão assegurou às sociedades de advogados da capital o direito de seguir declarando e recolhendo o ISS em regime especial.

Clique aqui para ler o acórdão
Processo 1024691-33.2022.8.26.0053

Revista Consultor Jurídico, 27 de fevereiro de 2023, 16h48

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