Carf afasta multa sobre cobrança bilionária do Magazine Luiza

Conselheiros entenderam que varejista estava, durante fiscalização da Receita, protegida por liminar contra o pagamento de PIS/Cofins

O Magazine Luiza conseguiu, no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), afastar multa em cobrança bilionária de PIS e Cofins sobre a venda de eletrônicos. A penalidade, de 75% sobre o valor das contribuições sociais, foi anulada porque os conselheiros entenderam que a varejista estava protegida por liminar contra o pagamento dos tributos – cassada e posteriormente restabelecida – durante a fiscalização da Receita Federal que levou à autuação fiscal.

O auto de infração, somando os tributos devidos, multa de ofício e juros é de R$ 2,2 bilhões. O valor isolado da multa não foi especificado no processo, mas advogados estimam que é de cerca de R$ 800 milhões. A decisão unânime é da 1a Turma da 3a Câmara da 3a Seção e, segundo especialistas, serve de precedente para os contribuintes, principalmente para os que entram na Justiça para suspender a cobrança de impostos. Cabe recurso.

A discussão começou no Judiciário, em 2016, quando o Magalu pediu a isenção das contribuições sociais na venda de mercadorias eletrônicas, por conta da Lei do Bem (Lei n° 11.196/05). O programa, que deveria durar até 2018, foi revogado em 2016. Para usufruir dos benefícios até o fim do período estabelecido inicialmente, ela foi à Justiça.

A empresa conseguiu liminar (tutela de urgência) contra o pagamento dos tributos em janeiro de 2016. A decisão foi cassada em agosto de 2018, mas restabelecida pela segunda instância um mês depois, em

setembro de 2018. Justamente nesse intervalo em que a liminar não estava vigente, a Receita Federal iniciou a fiscalização contra a companhia. O auto de infração oficialmente só veio em outubro de 2019.

Para a Receita, a multa poderia ser aplicada porque quando se iniciou a fiscalização a tutela não estava vigente. Para a empresa, a multa é “um absurdo” e “descabida”, pois a liminar voltou a valer em menos de 30 dias, prazo processual estabelecido pela legislação tributária para o pagamento de um imposto que estava com a exigibilidade suspensa.

“No nosso ordenamento jurídico, quando uma liminar é cassada, ela ainda tem um lapso temporal de produção de efeitos de 30 dias”, diz o diretor jurídico do Magalu, José Aparecido. “A Receita Federal de forma absolutamente equivocada e absurda não considerou o restabelecimento da liminar e fez o auto de infração com a multa, que nunca poderia ter sido aplicada.”

Além da multa, o Magalu questionou o valor do tributo cobrado, alegando erro na base de cálculo. Esse pedido não foi acatado pelo Carf, que afastou apenas a penalidade e manteve o principal. Caso a ação judicial seja finalizada de forma desfavorável, a empresa precisará pagar o imposto apenas acrescido de juros.

Na visão de Aparecido, são baixíssimas as chances da varejista de perder no Judiciário, onde ocorre a discussão de mérito sobre o pagamento do tributo. “Esse assunto está pacificado no Superior Tribunal de Justiça. Não temos a provisão porque não temos preocupação sobre a disputa, a chance é remota”, diz ele, citando julgados da 1a e 2a Turmas (REsp 1928635 e REsp 1848221).

O processo judicial aguarda julgamento no Tribunal Regional Federal da 1a Região (TRF-1), com sede em Brasilia. No tribunal administrativo, a empresa deve recorrer sobre o “detalhe” do valor do tributo, segundo Aparecido.

A relatora da ação no Carf, a conselheira Juciléia de Souza Lima,

afirmou que é como se a cassação da liminar “não tivesse existido”. Ou seja, desde 2016, quando concedida a primeira tutela, “a recorrente conta com decisão vigente suspendendo a exigibilidade do crédito tributário”.

A conselheira ainda suscitou os princípios da segurança, certeza e estabilidade das relações jurídicas que, se não respeitados, poderiam criar “situações afrontosas ou, no mínimo, indesejáveis à ordem jurídica”. “Restabelecida a liminar concedida, por óbvio, não se apresentou tal decisão como se nova decisão judicial fosse, a qual teria efeitos apenas para períodos futuros”, diz ela no acórdão, publicado recentemente (processo no 13855.721993/2019-66).

Segundo advogados, o Fisco tem até cinco anos, desde o fato gerador, para fazer a cobrança da dívida, sob o risco de prescrever – período conhecido como decadência. Para o tributarista Vinícius Caccavali, do VBSO Advogados, é dever da Fazenda usar esse prazo. “Se a Receita não fizer nada, decai seu direito de cobrar”, afirma. “Mas quando ela faz isso, não pode aplicar multa se o Judiciário autorizou que o contribuinte não pagasse o imposto”, completa.

O tributarista Thiago Cerávolo Laguna, sócio do escritório Dib, Almeida, Laguna e Manssur Advogados, chama a atenção que a fiscalização se iniciou em setembro de 2018, dois dias antes do restabelecimento da liminar pelo TRF-1, e o auto de infração só foi lavrado mais de um ano depois, em outubro de 2019 – mais um argumento para não ter sido cobrada a multa de ofício.

“Quando a autoridade administrativa praticou o auto de infração, a exigibilidade do crédito já estava suspensa porque foi restabelecida a liminar. Então, não poderia ter aplicado a multa. Se o auto de infração tivesse sido lavrado 15 dias antes do restabelecimento da liminar, aí sim a multa poderia ser devida”, afirma Laguna.

Para os dois advogados, a decisão é positiva e pode servir como argumentação em outras discussões semelhantes. “O precedente dá mais relevância para a lavratura do auto de infração do que para o início da fiscalização, então enquanto não foi constituído o crédito tributário, posso brigar pelo restabelecimento da liminar para que a multa não seja lançada quando da autuação”, conclui Thiago Laguna.

Fonte: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2024/05/22/carf-afasta-multa-sobre-cobranca-bilionaria-do-magazine-luiza.ghtml.

Poder de gestão não implica responsabilidade tributária, diz Carf

O simples fato de o administrador da empresa ter poderes de gestão não significa que deve ser atribuída a ele responsabilização tributária. Com base nesse entendimento, a 1ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) afastou a responsabilidade solidária do sócio de um frigorífico por débitos de IRPJ e CSLL originários da pessoa jurídica.

Prevaleceu no colegiado o entendimento segundo o qual o Fisco deve demonstrar o interesse comum entre a empresa e a pessoa física sobre o fato gerador do tributo e, consequentemente, a intenção de cometer a fraude.

“A norma do art. 135, do Código Tributário Nacional depende da comprovação dos seguintes elementos: (i) função e poderes atribuídos ao responsável; (ii) condutas individualizadas do responsável com excesso de poderes, infração à lei, contrato social ou estatuto”, apontou o conselheiro André Luis Ulrich Pinto.

No caso julgado, o auto de infração da Receita Federal não indicou de maneira clara e inequívoca quais foram os atos supostamente lesivos praticados pelo sócio. Embora tenha havido omissão de receita por parte da empresa, o procedimento fiscal não demonstrou o dolo do administrador.

A decisão também reduziu de 150% para 100% o valor da multa qualificada estipulada pelo Fisco sobre o total ou a diferença do tributo em questão. Os conselheiros entenderam que a multa no patamar de 150% só deve ser aplicada nos casos de reincidência, o que não foi verificado. A empresa foi representada pelos escritórios Diamantino Advogados Associados e Dejalma de Campos Advogados.

Processo 15746.720073/2020-27

Fonte: Conjur, 16/05/2024

Parecer da Fazenda limita exclusão de multas após derrota no Carf por voto de qualidade

Para especialistas, entendimento adotado pela PGFN para benefício deve gerar judicialização

Ministério da Fazenda editou parecer sobre a possibilidade de afastamento de multas em pagamento de dívida após derrota em julgamento no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf) por voto de qualidade – o desempate pelo presidente da turma julgadora, representante do Fisco. A norma, de no 943, segundo tributaristas, restringe o benefício, previsto na Lei do Carf (no 14.689/2023), e deve gerar judicialização.

Nas suas 52 páginas, o documento, elaborado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), lista 16 conclusões. Para especialistas, acaba inibindo a interposição de recurso no Carf, cerceando o direito de defesa do contribuinte.

De acordo com o órgão, se a empresa recorrer à Câmara Superior de decisão por voto de qualidade e o modelo de desempate não for aplicado na última instância do tribunal administrativo, perde o direito à exclusão das multas. Também entende que as multas aduaneiras não devem ser afastadas e as isoladas só em casos específicos.

O entendimento dos contribuintes, porém, é o de que qualquer derrota por qualidade garante o afastamento de todas das multas – de ofício, isolada ou aduaneira. Segundo advogados tributaristas, o parecer, que é a primeira manifestação formal do governo após a aprovação da nova Lei do Carf, resolve certos anseios e dúvidas. No entanto, inova ao restringir demais o disposto na legislação aprovada.

Enquanto alguns especialistas pretendem brigar na Câmara Superior do Carf pela tese de que a multa deve ser afastada em qualquer hipótese, outros pensam em desistir de recurso para discutir a questão no Judiciário.

Esse movimento ainda é incipiente, pois o parecer foi divulgado no dia 8 e não tem caráter definitivo ou vinculativo – é uma orientação. Porém, demonstra como os conselheiros da Fazenda devem aplicar a nova lei. Pelos dados públicos do tribunal administrativo, apenas um recurso especial foi retirado de pauta neste mês e outros sete mudaram de data.

A discussão começou com a publicação da Lei do Carf, que retomou o voto de qualidade. Até então, o desempate beneficiava o contribuinte. Após negociações, a lei foi aprovada com a possibilidade de exclusão das multas e cancelamento da representação fiscal para fins penais, “na hipótese de julgamento de processo administrativo fiscal resolvido favoravelmente à Fazenda Pública pelo voto de qualidade”.

O ponto de maior controvérsia para os tributaristas é a interpretação da Fazenda de que a decisão da Câmara Superior, quanto à exclusão das multas, se sobrepõe à da turma. “Entendo que o contribuinte não pode ser prejudicado pelo direito de entrar com recurso”, afirma o advogado Alessandro Mendes Cardoso, sócio do escritório Rolim Goulart Cardoso Advogados.

Segundo ele, todo o parecer da Fazenda parte do pressuposto de que o afastamento da multa se aplica nas decisões de mérito em que se discute a exigência do tributo. “Quando aplica esse pressuposto para casos concretos, existem situações em que tentam reduzir o âmbito de eficácia da norma, em certo sentido até abusivo, quando define o que são questões de mérito e processuais.”

Ele cita a limitação feita ao não afastamento das multas aduaneiras, isoladas e da discussão sobre a responsabilidade tributária. “São itens que a Fazenda entendeu que, mesmo julgados por qualidade, pela natureza das discussões, não seriam abrangidos pela norma”, diz.

O tributarista Vinícius Vicentin Caccavali, sócio do VBSO Advogados, afirma que dois clientes já pensam em desistir dos recursos na Câmara Superior. “Muitos recorriam porque não tinham nada a perder, mas agora têm, ainda mais se a jurisprudência é desfavorável na Câmara Superior.”

Caccavali ainda afirma que existia um receio de que desistir do recurso seria “desistir de tudo que o contribuinte já ganhou no processo ou que volte a valer o próprio auto de infração”. Mas ele indica que a PGFN, no parecer e na Portaria no 587/2024, publicada no dia 11, esclareceu ser possível desistir do recurso antes do início da sessão de julgamento, formalizado por petição, a fim de se manter os direitos da decisão anterior, por qualidade, que afasta a multa.

Para Dalton Dallazem, sócio-fundador do Perin & Dallazem Advogados Associados, a decisão anterior deve prevalecer, mesmo que o contribuinte desista do recurso. Ele cita o artigo 51 da Lei no 9.874/99. “A lei separa o direto de desistir total ou parcialmente do pedido formulado ou ainda renunciar a direitos. Se formulei pedido de desistência e não de renúncia, continuaria valendo a decisão da câmara baixa.”

Na visão do tributarista Leandro Cabral, sócio do Velloza Advogados, qualquer decisão por voto de qualidade no curso do processo assegura a exclusão da multa. “É um ato louvável da procuradoria esclarecer a visão do governo, mas acaba por restringir o direito assegurado por lei. E é a lei que deve prevalecer”, afirma.

Em nota, a PGFN diz que é preciso observar a natureza de cada multa para se definir a incidência ou não do parágrafo 9o-A do artigo 25 do Decreto n.o 70.235/72, inserido pela Lei do Carf. Também entende ser possível haver interpretações diferentes. “O Direito convive com interpretações divergentes, sendo o recurso ao Poder Judiciário para defesa de uma dada posição direito constitucionalmente assegurado.”

Para a procuradoria, o objetivo da legislação é “retirar os acessórios do lançamento em caso de controvérsia quanto ao principal”. “O respeito às regras técnicas de interpretação garante resultados justos na aplicação da norma, considerando as diferentes situações postas para julgamento no âmbito do Carf”, afirma o órgão, que não vê, porém, possível aumento de litigiosidade. “A exclusão pretendida será afiançada ao sujeito passivo pela própria desistência tempestiva do recurso.”

Fonte: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2024/04/18/parecer-da-fazenda-limita-exclusao-de-multas-apos-derrota-no-carf-por-voto-de-qualidade.ghtml

Carf anula mais de R$ 1 bilhão em autos de infração da Rede D’Or por pejotização

Conselheiros basearam sua decisão em julgamento do Supremo Tribunal Federal

A maior rede de hospitais privados do país, Rede D’Or São Luiz, tem conseguido vitórias consecutivas no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) para anular partes de autuações fiscais sobre a contratação de serviços médicos por meio de pessoas jurídicas, a famosa “pejotização”.

No início de fevereiro, houve dois julgamentos sobre o tema, que somados, anulam R$ 1,3 bilhão em autos de infração. Cabe recurso.

No dia 6 de fevereiro, a 2a Turma Ordinária, da 4a Câmara, da 2a Seção de julgamento, afastou parte de um auto de infração, cujo valor atualizado era de R$ 369 milhões, em dezembro de 2023, segundo comunicado da empresa (processo no 10166.720689/2017-18). No dia 7, foi a vez da 1a Turma Ordinária, da 3a Câmara, da 2a Seção, que anulou autuação de R$ 986 milhões (processo no 10166.730893 /2017-39).

Após os julgamentos, ficou mantido parte dos autos de infração em valor atualizado aproximado de R$ 2 milhões, segundo comunicado divulgado no dia 8 de fevereiro.

Os dois processos tratam de autos de infração antigos, lavrados pelo

Fisco, com base em alegação genérica de que os médicos prestavam serviços como pessoas jurídicas e que isso seria uma fraude para mascarar o vínculo empregatício, por haver subordinação dos médicos ao hospital. Nesses casos, cobraram 20% de contribuição previdenciária e contribuição para terceiros, além de multa de ofício de 35% e, em alguns casos, multa agravada de 150%.

Supremo esclarece decisão sobre terceirização

O caso julgado no dia 6 de fevereiro já teve decisão publicada. Os conselheiros basearam sua decisão em julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), em repercussão geral, que entendeu ser lícita a terceirização em qualquer atividade ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas (Tema 725).

No recurso, a Rede D’Or destacou esse julgamento do STF e argumentou que não houve comprovação de dolo, fraude ou conluio, “na medida em que as pessoas jurídicas contratadas são verdadeiras empresas médicas e que esse modelo de contratação é amplamente usado neste ambiente”.

Citou, ainda, que o Carf e a Justiça do Trabalho têm reconhecido que o vínculo empregatício é incompatível com a atividade dos profissionais médicos. Por fim, ressaltou julgamento de 2023, na qual a 2a Turma do Supremo reconheceu a legalidade da contratação de um médico, como pessoa jurídica (RCL no 57.917). E também julgamento da 1a Turma, com posicionamento semelhante (RCL no 47.843).

O relator, conselheiro Rodrigo Rigo Pinheiro destacou que seria o caso de cancelar o crédito tributário em discussão, “considerando que o modelo de contratação exercido pela recorrente é lícito pela legislação respectiva e foi referendado pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral.”

Ele também destaca que a mesma rede teve dois processos administrativos tributários semelhantes cancelados (acórdãos 2401- 005.900 e 2201-004.378).

No caso em julgamento, o conselheiro destacou que as provas no processo se deram, exclusivamente, com base em regimentos internos, manuais de médicos e códigos de conduta “sem analisar a situação concreta de cada um desses profissionais”.

Muitos médicos trabalham em vários hospitais ao mesmo tempo”

— Caio Taniguchi

Ele também destacou que a Justiça do Trabalho já se pronunciou sobre a inexistência de vínculo empregatício entre médicos e prestadores de serviços e outros hospitais da Rede D’Or São Luiz. Ainda ressaltou que os médicos têm autonomia para a organização de suas agendas. “Logo, não haveria de se falar em subordinação jurídica a ensejar o enquadramento desses profissionais como segurados empregados.”

Ainda entendeu pela ausência de subordinação ao analisar que existe uma série de notas-fiscais das pessoas jurídicas prestadoras de serviço, emitidas para diversas empresas relacionadas à saúde.

De acordo com o advogado Alessandro Cardoso, sócio do Rolim Goulart Cardoso Advogados, a decisão recém publicada traz profundidade na fundamentação sobre o tema. Para ele, o Fisco sempre entendeu no sentido de reconhecer o vínculo em caso de prestação de serviços entre empresas.

Contudo, a polêmica já estaria resolvida, segundo Cardoso, com o artigo 129 da Lei no 11.196, de 2005. O dispositivo diz que, para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais está sujeita à legislação aplicável às pessoas jurídicas. Isso teria sido referendado pelo Supremo, ao declarar esse artigo constitucional na ADC 66, em dezembro de 2020. Isso, diz ele, sem falar no julgamento do STF no Tema 725.

O valor das autuações aplicadas contra a Rede D’Or são muito relevantes, segundo Caio Taniguchi, do TozziniFreire Advogados. “São autuações antigas, lavradas quando a Súmula 331 do TST [que vedava a terceirização da atividade fim] estava em vigor”, diz.

Segundo Taniguchi, na época, os autos de infração eram genéricos, sem analisar o caso concreto para ver se realmente existem os requisitos previstos no artigo 3o da CLT para a caracterização de vínculo como: pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação. E no caso dos médicos, em geral, ressalta, eles têm autonomia para atender seus pacientes, muitos trabalham em vários hospitais ao mesmo tempo e têm seu consultório particular.

Procurada pelo Valor, a assessoria de imprensa da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informou, por meio de nota, que os casos que envolvem o tema “pejotização” discutem questões probatórias, “de modo que as decisões proferidas pelo Carf podem ser favoráveis ao Fisco ou ao contribuinte, a depender das provas juntadas ao processo administrativo”.

Como exemplo de precedente favorável à União, a PGFN citou o acórdão 9202-010.163, no qual a 2a Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf manteve o lançamento fiscal, por entender que ficou provada a prática de simulação. “Portanto, no âmbito do Carf, a análise de autuações sobre “pejotização” é feita caso a caso, não sendo possível afirmar que existe um posicionamento favorável ou contrário, em tese, à pejotização.”

Procurada pelo Valor, a assessoria de imprensa da Rede D’Or São Luiz informou, por nota, que “não comenta decisões do Ministério da Economia”.

Fonte: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2024/03/20/carf-anula-mais-de-r-1-bilhao-em-autos-de-infracao-da-rede-dor-por-pejotizacao.ghtml

ARTIGO DA SEMANA –  CARF: um órgão arrecadador

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Membro da Comissão de Direito Financeiro e Tributário do IAB. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

Duas notícias veiculadas nesta semana informam que o CARF, após o restabelecimento do voto de qualidade em favor do fisco, foi responsável pela manutenção de exigências fiscais bilionárias. Veja aqui e aqui.

Na verdade, o restabelecimento do voto de qualidade pró-fisco foi medida adotada pelo Governo Federal com um propósito bem definido: aumentar a arrecadação e alcançar o déficit zero.

Não foi à toa que, no bojo do voto de qualidade em favor da Fazenda, surgiu um pacote de vantagens para estimular o pagamento pelo contribuinte que não teve seu recurso acolhido, que poderá pagar o débito com a exclusão de multas e juros, parcelado em 12 meses e com a utilização de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa da CSLL.

O CARF, então, passou a ser instrumento de arrecadação com a institucionalização do voto de bancada.

Esta nova função atribuída ao CARF é lamentável.

O órgão, antes independente e tecnicamente impecável, transformou-se num longa manus da Receita Federal. 

Há consequências extremamente danosas decorrentes da função arrecadatória do CARF.

Um primeiro ponto a se considerar é que, priorizando julgamentos de processos de alto valor para que sejam resolvidos pelo voto de qualidade, o CARF perde sua independência e, o que é pior, toda a credibilidade construída ao longo de anos.

Outra questão relevante que deve ser vista é que, diante de um órgão revisor parcial, as Delegacias de Julgamento sentir-se-ão totalmente à vontade para manter exigências fiscais, desestimulando-se a busca da verdade material e deixando de fazer Justiça. Como se diz, o exemplo vem de cima e a instância superior está decididamente inclinada, quase torta, em favor do fisco.

Ao fim e ao cabo, fazer do CARF um órgão arrecadador desprestigia o processo administrativo fiscal, que sempre foi entendido como uma importante ferramenta de revisão das autuações promovida pela fiscalização da Receita Federal.

Além de proporcionar decisões justas, com discussões técnicas em alto nível, o processo administrativo fiscal sempre foi prestigiado pela garantia da suspensão da exigibilidade do crédito tributário, desde que as impugnações e recursos sejam apresentadas nos prazos da lei.

No entanto, a partir do momento em que cresce a expectativa decisão final desfavorável ao contribuinte, o processo administrativo fiscal se tornará um ritual de passagem para a discussão judicial.

Consequentemente, há uma clara tendência de aumento das medidas judiciais em matéria tributária de iniciativa dos contribuintes.

Portanto, além de não resolver o problema do contribuinte, o CARF arrecadador vai criar um novo gargalo no Poder Judiciário. 

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