ARTIGO DA SEMANA – Dispensa de garantia na discussão judicial dos créditos decididos favoravelmente à Fazenda Pública pelo voto de qualidade

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

A recente Lei nº 14.689/2023 (D.O.U. de 21/09/2023), que restabeleceu o voto de qualidade nos julgamentos do CARF em favor do fisco, trouxe importante alteração no processo judicial tributário.

Entre as compensações pela supressão do voto de qualidade em favor dos contribuintes, o art. 4º[1] da nova lei prevê que “Aos contribuintes com capacidade de pagamento, fica dispensada a apresentação de garantia para a discussão judicial dos créditos resolvidos favoravelmente à Fazenda Pública pelo voto de qualidade…”

Ou seja: os embargos à execução fiscal originária de uma exigência fiscal mantida pelo novo voto de qualidade pelo CARF poderão ser opostos sem prévia garantia do juízo desde que o embargante seja contribuinte com capacidade de pagamento.

Algumas observações devem ser feitas ao caput do art. 4º, da Lei nº 14.689/2023.

A primeira é que, embora cuide de situação excepcional decorrente de exigência fiscal mantida pelo voto de qualidade pró fisco, trata-se de inegável norma processual, estabelecendo regras para o processamento dos embargos à execução fiscal.

Logo, melhor seria que esta dispensa da garantia do juízo ocorresse através de alteração na Lei nº 6.830/80, que regula a execução fiscal.

A segunda: por mais paradoxal que pareça, ao dispensar a garantia para a discussão judicial oriunda de crédito tributários decorrentes de decisão pelo voto de qualidade fiscalista, o legislador indica uma mitigação na presunção de legitimidade da decisão do CARF favorável ao fisco.

Ora, se a decisão pelo voto de qualidade em favor do fisco gozasse de presunção de legitimidade, a prévia apresentação de garantia seria de rigor, tendo em vista o elevado grau de certeza do crédito exequendo e o legítimo interesse do fisco em receber o que lhe é devido. Em outras palavras: se a decisão que prevaleceu o CARF realmente é a mais acertada, caberia ao fisco adotar providências que garantam maior efetividade quanto ao recebimento do crédito, e não o contrário.

Terceira: conferir o privilégio da dispensa de garantia aos contribuintes com capacidade de pagamento não é medida justa porque viola a isonomia entre os pagadores de tributos e, em última análise, agride o princípio da capacidade contributiva.

Considerando que a Lei de Execuções Fiscais estabelece a prévia garantia do juízo como condição para a oposição de embargos, dispensar este ônus justamente àqueles que têm capacidade de pagamento é o mesmo que conferir tratamento favorecido a quem não precisa, porque os contribuintes abastados têm acesso a seguros-garantias e/ou fianças bancárias com facilidade, coisa que não acontece com os devedores de baixa ou nenhuma capacidade de pagamento.

Ainda que se considere o art. 4º, §2º, da Lei nº 14.689/2023, nada justifica dar tratamento privilegiado àquele que: i) apresente relatório de auditoria independente sobre as demonstrações financeiras, caso seja pessoa jurídica; ii) apresente relação de bens livres e desimpedidos para futura garantia do crédito tributário, em caso de decisão desfavorável em primeira instância; iii) comunique à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a alienação ou a oneração dos bens e apresente outros bens livres e desimpedidos para fins de substituição daqueles, sob pena de propositura de medida cautelar fiscal; e iv) não possua outros créditos para com a Fazenda Pública, presentes e futuros, em situação de exigibilidade.

O critério justo para a dispensa de garantia para a oposição de embargos, muito pelo contrário, deve ser a inexistência de patrimônio suficiente como, aliás, reconhece a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça[2], sendo injusta, portanto, a discriminação autorizada pela Lei nº 14.689/2023.

Com efeito, a previsão do art. 4º, §2º, II e III, da Lei nº 14.689/2023, é totalmente dispensável.

Não faz o menor sentido impor ao executado/embargante o ônus de apresentar relação de bens livres e desimpedidos para futura garantia do crédito tributário em caso de decisão desfavorável em primeira instância e muito menos de comunicar à PGFN a alienação ou a oneração destes, sob pena de propositura de medida cautelar fiscal.

Nos termos do art. 185 e parágrafo único, do Código Tributário Nacional, presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens realizada pelo sujeito passivo de crédito inscrito em dívida ativa, salvo se forem reservados bens suficientes para a satisfação da Fazenda.

Logo, na hipótese de ser possível alienar ou onerar bens, o patrimônio suficiente para garantir o crédito tributário já estará reservado e ninguém, em sã consciência, irá adquiri-lo. Mesmo que, ainda assim, todos os bens do devedor sejam alienados, é evidente que os negócios jurídicos posteriores serão ineficazes e não resultarão em nenhum prejuízo à Fazenda Pública que, inclusive, poderá requerer a desconsideração destas transações.

Finalmente, a fim de mitigar a situação daqueles que ficam obrigados a apresentar garantia após decisão do CARF que, pelo voto de qualidade, mantenha a exigência fiscal, a Lei nº 14.689/2023 prevê que não será admitida a execução da garantia até o trânsito em julgado da medida judicial, ressalvados os casos de alienação antecipada previstos na legislação.

Trata-se de medida de pouca eficácia na pragmática judicial, tendo em vista serem raros os casos de execução provisória de sentenças pela improcedência de embargos à execução fiscal.

Enfim, como se não bastasse a reintrodução do voto de qualidade em desfavor do contribuinte, a Lei nº 14.689/2023 peca pela injustiça, má técnica legislativa e redundância.


[1] Art. 4º- Aos contribuintes com capacidade de pagamento, fica dispensada a apresentação de garantia para a discussão judicial dos créditos resolvidos favoravelmente à Fazenda Pública pelo voto de qualidade previsto no § 9º do art. 25 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972.

§ 1º O disposto no caput deste artigo não se aplica aos contribuintes que, nos 12 (doze) meses que antecederam o ajuizamento da medida judicial que tenha por objeto o crédito, não tiveram certidão de regularidade fiscal válida por mais de 3 (três) meses, consecutivos ou não, expedida conjuntamente pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

§ 2º Para os fins do disposto no caput deste artigo, a capacidade de pagamento será aferida considerando-se o patrimônio líquido do sujeito passivo, desde que o contribuinte:

I – apresente relatório de auditoria independente sobre as demonstrações financeiras, caso seja pessoa jurídica;

II – apresente relação de bens livres e desimpedidos para futura garantia do crédito tributário, em caso de decisão desfavorável em primeira instância;

III – comunique à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a alienação ou a oneração dos bens de que trata o inciso II deste parágrafo e apresente outros bens livres e desimpedidos para fins de substituição daqueles, sob pena de propositura de medida cautelar fiscal; e

IV – não possua outros créditos para com a Fazenda Pública, presentes e futuros, em situação de exigibilidade.

§ 3º Nos casos em que seja exigível a apresentação de garantia para a discussão judicial de créditos resolvidos favoravelmente à Fazenda Pública pelo voto de qualidade previsto no § 9º do art. 25 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, não será admitida a execução da garantia até o trânsito em julgado da medida judicial, ressalvados os casos de alienação antecipada previstos na legislação.

§ 4º O disposto neste artigo não impede a celebração de negócio jurídico ou qualquer outra solução consensual com a Fazenda Pública credora que verse sobre a aceitação, a avaliação, o modo de constrição e a substituição de garantias.

§ 5º Caberá ao Procurador-Geral da Fazenda Nacional disciplinar a aplicação do disposto neste artigo.

[2] PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS DO DEVEDOR. EXECUTADO. BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. PATRIMÔNIO. INEXISTÊNCIA. HIPOSSUFICIÊNCIA. EXAME. GARANTIA DO JUÍZO. AFASTAMENTO. POSSIBILIDADE.

……………………………………………………………………………………………………………………………………

4. A Constituição Federal de 1988, por sua vez, resguarda a todos os cidadãos o direito de acesso ao Poder Judiciário, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, CF/88), tendo esta Corte Superior, com base em tais princípios constitucionais, mitigado a obrigatoriedade de garantia integral do crédito executado para o recebimento dos embargos à execução fiscal, restando o tema, mutatis mutandis, também definido na Primeira Seção, no julgamento do REsp 1.127.815/SP, na sistemática dos recursos repetitivos.

5. Nessa linha de interpretação, deve ser afastada a exigência da garantia do juízo para a oposição de embargos à execução fiscal, caso comprovado inequivocadamente que o devedor não possui patrimônio para garantia do crédito exequendo.

6. Nada impede que, no curso do processo de embargos à execução, a Fazenda Nacional diligencie à procura de bens de propriedade do embargante aptos à penhora, garantindo-se posteriormente a execução.

7. Na hipótese dos autos, o executado é beneficiário da assistência judiciária gratuita e os embargos por ele opostos não foram recebidos, culminando com a extinção do processo sem julgamento de mérito, ao fundamento de inexistência de segurança do juízo.

8. Num raciocínio sistemático da legislação federal aplicada, pelo simples fato do executado ser amparado pela gratuidade judicial, não há previsão expressa autorizando a oposição dos embargos sem a garantia do juízo.

9. In casu, a controvérsia deve ser resolvida não sob esse ângulo (do executado ser beneficiário, ou não, da justiça gratuita), mas sim, pelo lado da sua hipossuficiência, pois, adotando-se tese contrária, “tal implicaria em garantir o direito de defesa ao “rico”, que dispõe de patrimônio suficiente para segurar o Juízo, e negar o direito de defesa ao “pobre”.

10. Não tendo a hipossuficiência do executado sido enfrentada pelas instâncias ordinárias, premissa fática indispensável para a solução do litígio, é de rigor a devolução dos autos à origem para que defina tal circunstância, mostrando-se necessária a investigação da existência de bens ou direitos penhoráveis, ainda que sejam insuficientes à garantia do débito e, por óbvio, com observância das limitações legais.

11. Recurso especial provido, em parte, para cassar o acórdão recorrido.

(REsp n. 1.487.772/SE, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 28/5/2019, DJe de 12/6/2019.)

ARTIGO DA SEMANA – Dupla instância nas penas de perdimento: o problema continua…

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

Através da Lei nº 14.651/2023, já regulamentada pela Portaria Normativa MF nº 1.005/2023,  foram introduzidas alterações no Decreto-Lei nº 1.455/76 para, entre outras coisas, disciplinar o processo de aplicação das penas de perdimento.

A partir de agora, aquele que receber auto de infração com a aplicação da pena de perdimento terá à sua disposição um processo administrativo com duas instâncias, vale dizer, poderá interpor recurso face à decisão que, apreciando a impugnação, concluir pela manutenção do perdimento.

Em que pese ser louvável a previsão legal assegurando um processo administrativo com duas instâncias (duplo grau), não se aproveitou a oportunidade para instituir um procedimento mais justo e corrigir antigas distorções sobre o tema.

O processo de aplicação da pena de perdimento poderia ser mais justo, caso os órgãos administrativos de função judicante fossem realmente independentes.

Pela Exposição de Motivos que acompanhou o Projeto de Lei nº 2.249/2023[1], a justificativa para o aprimoramento do processo de aplicação da pena de perdimento seriam os compromissos assumidos pelo Brasil ao assinar o Acordo sobre a Fiscalização do Comércio (AFC) da OMC, bem como na Convenção de Quioto Revisada da Organização Mundial das Aduanas (OMA).

De acordo com as palavras do Ministro da Fazenda na Exposição de Motivos, “O AFC/OMC, já vigente e aplicável no Brasil, em seu Artigo 4.1, prevê̂ a possibilidade de ‘recurso administrativo a uma autoridade administrativa superior ou independente da autoridade ou repartição que tenha emitido a decisão’, como alternativa ou complemento a uma revisão judicial da decisão.”

Logo em seguida, o Ministro afirma que “A norma 10.5 do Anexo Geral da CQR/OMA é mais enfática, assegurando o acesso recursal administrativo a uma autoridade independente da Aduana: ‘Quando um recurso interposto perante as Administrações Aduaneiras seja indeferido, o requerente deverá ter um direito de recurso para uma autoridade independente da administração aduaneira’”.

Considerando estas justificativas, o natural seria que os órgãos estruturados para revisão da decisões fossem hierarquicamente superiores à autoridade que aplicou a penalidade ou realmente independentes.

Nada disso aconteceu.

Ao regulamentar o novo processo administrativo de julgamento das penas de perdimento, a Portaria Normativa MF nº 1.005/2023 criou um Centro de Julgamento de Penalidades Aduaneiras – Cejul[2], no âmbito da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, com a competência para julgar impugnações e recursos em processos sobre aplicação de penas de perdimento.

A mesma Portaria estabelece que o julgamento de primeira instância ocorrerá por decisão monocrática do Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil e que as decisões de segunda (e última) instância serão através de decisões colegiadas  dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil competentes, mediante emissão de acórdão.

Como se vê, as autoridades encarregadas do julgamento das impugnações e recursos em processos de perdimento não são independentes, porque compõem a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, nem são hierarquicamente superiores ao Auditor Fiscal autuante, nem mesmo entre si.

Logo, o que se criou foi um processo com duplo de grau de apreciação para inglês ver, já que não se observou as premissas dos acordos internacionais firmados pelo Brasil.

A nova disciplina do processo de aplicação e revisão das penas de perdimentos deixou passar a oportunidade de regular adequadamente os meios de intimação do sujeição passivo.

Conforme já observamos em artigo deste blog, a redação original do art. 27, do Decreto-Lei nº 1.455/76, cria desnecessária confusão acerca da intimação do sujeito passivo por edital no curso dos processos administrativos de aplicação da pena de perdimento.

A Lei nº 14.651/2023, ao invés de esclarecer, complicou ainda mais a situação.

O art. 27-A, §1º[3], do Decreto-Lei nº 1.455/76, introduzido pela nova lei, dispõe que as intimações do sujeito passivo poderão ocorrer pessoalmente, pela via posta, por meio eletrônico ou por edital. No entanto, há também um parágrafo 2º[4], dispondo que não há ordem de preferência entre as modalidades intimação.

A previsão de que não há ordem de preferência entre as modalidade de intimação vai na contramão do Decreto nº 70.235/72 e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que reconhecem que a intimação por edital só pode ocorrer quando forem infrutíferas as tentativas de intimação pelas demais modalidades.

Finalmente, a Lei nº 14.651/2023 deixou a passar a oportunidade de  prever o prazo de 30 dias para as impugnações e recursos no processo das penas de perdimento, a exemplo do que já prevê, há anos, o Decreto nº 70.235/72.

Como se vê, o Brasil não atendeu aos compromissos internacionais que firmou e ainda deixou passar oportunidades para corrigir antigas distorções.


[1] 5. Ocorre que o Brasil é signatário do Acordo sobre a Facilitação do Comércio (AFC) da Organização Mundial do Comércio (OMC), promulgado pelo Decreto no 9.326, de 3 de abril de 2018, e da Convenção de Quioto Revisada (CQR) da Organização Mundial de Aduanas (OMA), promulgada pelo Decreto no 10.276, de 13 de marco de 2020. 

6. O AFC/OMC, já vigente e aplicável no Brasil, em seu Artigo 4.1, prevê̂ a possibilidade de “recurso administrativo a uma autoridade administrativa superior ou independente da autoridade ou repartição que tenha emitido a decisão”, como alternativa ou complemento a uma revisão judicial da decisão. A norma 10.5 do Anexo Geral da CQR/OMA é mais enfática, assegurando o acesso recursal administrativo a uma autoridade independente da Aduana: “Quando um recurso interposto perante as Administrações Aduaneiras seja indeferido, o requerente deverá ter um direito de recurso para uma autoridade independente da administração aduaneira”. 

[2] Art. 3º Fica criado o Centro de Julgamento de Penalidades Aduaneiras – Cejul, no âmbito da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, que tem por finalidade julgar impugnações e recursos protocolados em processos que versem sobre as penalidades a que se refere o art. 2º.

§ 1º O julgamento das impugnações e dos recursos a que se refere o caput compete aos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil em exercício no Cejul.

§ 2º Observados o contraditório e a ampla defesa, será garantida a dupla instância recursal nos processos de que trata esta Portaria.

Art. 4º Compete ao Cejul apreciar e julgar:

I – em primeira instância, por meio de decisão monocrática do Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil competente, a impugnação apresentada pelo sujeito passivo contra a aplicação da pena de perdimento ou da multa; e

II – em última instância, por decisão colegiada dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil competentes, mediante emissão de acórdão, os recursos contra as decisões de que trata o inciso I do caput.

Art. 3º Fica criado o Centro de Julgamento de Penalidades Aduaneiras – Cejul, no âmbito da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, que tem por finalidade julgar impugnações e recursos protocolados em processos que versem sobre as penalidades a que se refere o art. 2º.

§ 1º O julgamento das impugnações e dos recursos a que se refere o caput compete aos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil em exercício no Cejul.

§ 2º Observados o contraditório e a ampla defesa, será garantida a dupla instância recursal nos processos de que trata esta Portaria.

Art. 4º Compete ao Cejul apreciar e julgar:

I – em primeira instância, por meio de decisão monocrática do Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil competente, a impugnação apresentada pelo sujeito passivo contra a aplicação da pena de perdimento ou da multa; e

II – em última instância, por decisão colegiada dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil competentes, mediante emissão de acórdão, os recursos contra as decisões de que trata o inciso I do caput.

[3] “Art. 27-A. Efetuada a intimação relativa à aplicação da penalidade de que trata o art. 27 deste Decreto-Lei, caberá impugnação no prazo de 20 (vinte) dias, contado da data da ciência do intimado.

§ 1º A intimação será efetuada por meio das seguintes modalidades:

I – pessoal: pelo autor do procedimento ou pelo agente do órgão preparador, na repartição ou fora dela, comprovada com a assinatura do autuado, do mandatário ou do preposto, ou, na hipótese de recusa, com declaração escrita de quem o intimar;

II – via postal: com prova de recebimento no domicílio tributário eleito pelo autuado;

III – meio eletrônico: com prova de recebimento, por meio de:

a) envio da intimação ao endereço eletrônico do autuado; ou

b) registro da intimação em meio magnético, ou equivalente, utilizado pelo autuado; ou

IV – edital.

[4] § 2º Não há ordem de preferência para as modalidades de intimação previstas no § 1º deste artigo.

ARTIGO DA SEMANA – ICMS exigido de empresa enquadrada em benefício fiscal

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

Diversos benefícios ou incentivos fiscais relativos ao ICMS são concedidos a fim de estimular determinados setores da economia ou regiões do Estado.

A concessão de incentivos/benefícios fiscais, não raro, é a condicionada ao preenchimento de requisitos previstos na norma que os disciplina.

A falta de preenchimento dos requisitos descritos na legislação é motivo de exclusão do contribuinte do benefício fiscal.

A mesma norma que institui o incentivo fiscal deve dispor sobre a formalidade para o início da fruição do benefício. Há benefícios de fruição automática, bastando que a empresa preencha os requisitos da legislação. Em outros casos, a norma prevê que mera comunicação à repartição fiscal competente é suficiente para o início do gozo do incentivo. Também há situações mais formais, nas quais o interessado deve submeter requerimento à Administração Estadual comprovando o preenchimento dos requisitos e somente após decisão do órgão competente é que terá início a fruição do incentivo.

Evidentemente, a norma que institui o benefício deve dispor sobre como e a partir de quando a exclusão do benefício começará a produzir efeitos.

Este ponto merece uma reflexão.

Vários contribuintes do ICMS têm contra si lavrados autos de infração exigindo diferenças do imposto pela falta de observância de requisito(s) para a fruição do incentivo/benefício fiscal.

Também há casos em que a autuação pela inobservância dos requisitos para a fruição do incentivo refere-se apenas a determinadas operações.

Ninguém discute que a falta de requisito para a fruição do incentivo faz com que o contribuinte retorne ao regime normal de apuração do ICMS.

No entanto, um detalhe não tem passado despercebido por muitos: o retorno ao regime normal de apuração e recolhimento do ICMS só pode ocorrer após a exclusão do contribuinte do regime especial a que esteve submetido enquanto gozou do incentivo fiscal.

Consequentemente, não é possível exigir a diferença de imposto entre o regime normal de apuração  e aquele previsto no incentivo, sobre a totalidade ou parte das operações do contribuinte, enquanto não ocorrer a exclusão ou desenquadramento da empresa do regime especial.

Ora, enquanto o contribuinte estiver enquadrado ou admitido no regime especial de um incentivo fiscal, o único ICMS devido é aquele previsto na norma que instituiu o incentivo.

Nunca se pode esquecer que o incentivo fiscal constitui um todo, de modo que não é possível manter-se no incentivo e ter determinadas operações sujeitas ao regime normal, salvo se a norma que o instituiu expressamente excepcionar esta ou aquela operação do regime especial.

Uma outra observação importante diz respeito ao momento em que se deve considerar ocorrida a exclusão do benefício.

Quanto a este tema, há duas correntes fortemente defendidas por seus adeptos.

Há quem defenda que a exclusão do regime especial do incentivo opera-se tão logo o contribuinte seja intimado do ato da autoridade competente que o excluiu.

Outros, porém, afirmam que a exclusão do incentivo fiscal somente se concretiza após decisão administrativa final proferida em processo administrativo no qual tenha sido assegurado ao contribuinte o direito ao contraditório e à ampla defesa.

De todo modo, uma coisa certa: sem prévia exclusão do regime especial, ainda que por comunicação do ato ao contribuinte, não pode exigir auto de infração exigindo a diferença do ICMS.   

ARTIGO DA SEMANA – Nova discussão de PIS/COFINS: a indevida exclusão do ICMS na apuração do crédito no regime não-cumulativo

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado da pós-graduação da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

Desde o último dia 01/05/2023, as empresas passaram a conviver com uma nova sistemática de apuração do PIS/COFINS no regime não-cumulativo.

Isto porque, desde 01/05/2023 a Medida Provisória º 1.159/2023 a passa ter plena eficácia.

A MP 1.159/2023 tem um pote de “bondade” e um pacote pesado de maldade.

A “bondade” da MP 1.1159/2023 está nas alterações que promove no art. 1º das Leis nº 10.637/2002 (PIS) e 10.833/2003 (COFINS) de modo a excluir o ICMS da base de cálculo das contribuições.

A “bondade” deve vir entre aspas mesmo porque esta alteração legislativa nada mais é do que o reconhecimento daquilo que o STF decidiu no julgamento da Tese do Século, Tema nº 69 da Repercussão Geral.

O pacote de maldade está nas alterações  ao art. 3º das Leis nº 10.637/2002 (PIS) e 10.833/2003 (COFINS).

A MP 1.159/2023 passa a vedar o aproveitamento do ICMS relativo ao preço pago pelas mercadorias ou insumos adquiridos no cálculo do crédito do PIS/COFINS não-cumulativos.

Segundo a Exposição de Motivos da MP 1.159/2023, a exclusão do ICMS no crédito do PIS/COFINS decorreria da observância do Tema nº 69 da Repercussão Geral. Para o governo, se o ICMS deve ser excluído da receita, também deve ser excluído na apuração do crédito.

O governo parte de premissa equivocada e não é essa a correta interpretação do Tema nº 69 da Repercussão Geral.

O fato de ser mandatória a exclusão do ICMS para efeito de determinação da receita tributável pelo PIS/COFINS não tem qualquer relação com o modo como deve ser calculado o crédito das contribuições na sistemática não-cumulativa. Há, inclusive, decisão judicial neste sentido[1].

É bem verdade que a não-cumulatividade do PIS/COFINS não é disciplinada pela Constituição, ao contrário do que acontece com o IPI e com o ICMS.

O art. 195, §12, da Constituição, reserva à lei a disciplina da não-cumulatividade do PIS/COFINS.

Mas o STF, na definição do Tema nº 756 da Repercussão Geral, fixou as balizas para a definição da não-cumulatividade do PIS/COFINS pelo legislador: “O legislador ordinário possui autonomia para disciplinar a não cumulatividade a que se refere o art. 195, § 12, da Constituição, respeitados os demais preceitos constitucionais, como a matriz constitucional das contribuições ao PIS e COFINS e os princípios da razoabilidade, da isonomia, da livre concorrência e da proteção à confiança.”

Ora, vedar o aproveitamento do ICMS incidente sobre a mercadoria, serviço, energia ou insumo adquirido não é razoável. 

Não faz o menor sentido extirpar parte do preço pago por um bem no cálculo do crédito do PIS/COFINS não cumulativos.

Consequentemente, é preciso ingressar em juízo para discutir mais esta violação à lei e à Constituição no cálculo do PIS/COFINS.  


[1] 8. Não há qualquer vinculo jurídico entre a forma de apuração de débito de PIS/COFINS com a eventual pretensão de incluir na sua base de cálculo o ICMS computado no cálculo dos crédito dessas contribuições. A relação jurídica do crédito é segregada da relação jurídica do débito. A discussão travada na presente ação diz respeito à formação da base de cálculo com as operações de saída. 

9. A decisão proferida no RE no 574.706/PR em nenhum momento trata da base de cálculo dos créditos do PIS/COFINS, muito menos em relação à inclusão do ICMS em tal base de cálculo. O julgamento pela Suprema Corte em nada alterou a forma de apuração dos crédito, permanecendo incólume a legislação que trata do tema. A tese definida no tema no 69 foi de que o conceito constitucional de receita não comporta a parcela atinente ao ICMS e, por isso, não incidem as contribuições ao PIS e COFINS sobre aquela parcela. A conclusão, evidentemente, não tem o condão de modificar a base de cálculo dos crédito das contribuições em questão, que decorre de interpretação do princípio da não-cumulatividade e do custo de aquisição, definidos em lei. A discussão no RE no 574.706/PR cingiu-se em torno do conceito de faturamento, como grandeza de natureza tributável pelo PIS/COFINS

(…) 

15.Apelação e remessa oficial providas em parte. 

(ApelRemNec 5000412-65.2017.4.03.6130, Des. ANTONIO CARLOS CEDENHO, 3a Turma do TRF3, DJEN DATA: 23/06/2021). 

ARTIGO DA SEMANA – ICMS, importações por conta e ordem, e a necessária exibição do contrato de importação.

João Luís de Souza Pereira – Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado da pós-graduação da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

Mesmo após a definição da tese no Tema 520 pelo STF, ainda é preciso atenção no exame de autos de infração exigindo o ICMS em importações por conta e ordem de terceiros.

Liberados para exigir o ICMS nestas operações do adquirente da mercadoria, os Estado têm sido pouco cautelosos quando lavram autos de infração exigindo o imposto e acréscimos legais.

A situação mais comum é aquela em que o auditor fiscal admite que o adquirente realizou operações de importação por conta e ordem adotando como elementos de convicção as Declarações de Importação e as Notas Fiscais emitidas pelo importador para a entrega das mercadorias.

Mas o exame destes documentos não atesta a existência de importações por conta e ordem realizadas entre o adquirente e seu fornecedor (empresa importadora).

Com efeito, todas as operações ocorreram sob a disciplina da Instrução Normativa da SRF nº 225/2002.

Nos precisos termos do art. 2º, §2º, da Instrução Normativa RFB nº 1.861/2018[1], a existência de prévio contrato entre importador e adquirente é requisito essencial nas importações por conta e ordem, visto que o ato normativo dispõe que “O objeto principal da relação jurídica de que trata este artigo é a prestação do serviço de promoção do despacho aduaneiro de importação, realizada pelo importador por conta e ordem de terceiro a pedido do adquirente de mercadoria importada por sua conta e ordem, em razão de contrato previamente firmado”.

Também merece destaque o art. 5º, II, da Instrução Normativa RFB nº 1.861/2018[2], segundo o qual a apresentação de contrato firmado entre importador e adquirente no sistema informatizado de comércio exterior é conditio sine qua non para a caracterização de importação por conta e ordem.

Portanto, à luz da Instrução Normativa RFB nº 1.861/2018 conclui-se que: (a) o contrato de importação por conta e ordem deve anteceder as operações de importação e (b) o contrato de importação por conta e ordem deve ser apresentado à autoridade aduaneira, compondo o chamado dossiê da importação.

Consequentemente, é dever do fiscal autuante fazer a juntada do contrato de importação, que passará a fazer parte integrante do auto de infração exigindo o ICMS-Importação, a fim de restar caracterizada uma importação por conta e ordem nos termos previstos na IN-RFB 1861/2018.

Com efeito, a disciplina das importações por conta e ordem por ato da Secretaria da Receita Federal não é um mermo capricho, mas uma imposição legal que decorre do art. 80, I, da Medida Provisória 2.158-35/2001[3].

Desse modo, a inobservância de requisito da IN-RFB 1861/2018 importa em desrespeito à lei e descaracteriza a natureza da operação.

Também não se pode perder de vista que, nos termos do art. 11, §3º, da Lei nº 11.281/2006, a importação por encomenda é aquela realizada com recursos próprios da pessoa jurídica importadora.

No mesmo sentido, é o art. 2º, §1º, da IN-RFB 1861/2018: “Considera-se adquirente de mercadoria de procedência estrangeira importada por sua conta e ordem a pessoa, física ou jurídica, que realiza transação comercial de compra e venda da mercadoria no exterior, em seu nome e com recursos próprios, e contrata o importador por conta e ordem referido no caput para promover o despacho aduaneiro de importação”.

Daí a imprescindibilidade do contrato de importação por conta e ordem de que tratam os arts. 2º, §2º E 5º, I, da IN-RBF nº 1.861/2018, no qual estarão fixadas as obrigações das partes quanto à entrega dos recursos do adquirente à importadora, tais como o momento em que os recursos serão disponibilizados, as condições para a entrega do numerário, a responsabilidade pelo fechamento do câmbio da moeda nacional em estrangeira, eventuais garantias, etc…

Como se vê, a falta do contrato de importação por conta ordem não é um mero descumprimento de formalidade, mas evidencia a inobservância de uma imposição legal essencial para a determinação da real natureza de uma operação de comércio exterior.

Sendo o lançamento tributário um ato administrativo vinculado, a falta de requisito essencial de validade, diretamente relacionado à identificação do aspecto material do fato gerador, acarreta vício insanável que afasta a exigência fiscal.


[1] Art. 2º Considera-se operação de importação por conta e ordem de terceiro aquela em que a pessoa jurídica importadora é contratada para promover, em seu nome, o despacho aduaneiro de importação de mercadoria de procedência estrangeira adquirida no exterior por outra pessoa, física ou jurídica. 

§ 1º Considera-se adquirente de mercadoria de procedência estrangeira importada por sua conta e ordem a pessoa, física ou jurídica, que realiza transação comercial de compra e venda da mercadoria no exterior, em seu nome e com recursos próprios, e contrata o importador por conta e ordem referido no caput para promover o despacho aduaneiro de importação.  

§ 2º O objeto principal da relação jurídica de que trata este artigo é a prestação do serviço de promoção do despacho aduaneiro de importação, realizada pelo importador por conta e ordem de terceiro a pedido do adquirente de mercadoria importada por sua conta e ordem, em razão de contrato previamente firmado, que poderá compreender, ainda, outros serviços relacionados com a operação de importação, como a realização de cotação de preços, a intermediação comercial e o pagamento ao fornecedor estrangeiro.

[2] Art. 5º O importador por conta e ordem de terceiro e o importador por encomenda, ao registrar a DI, deverão:

I – indicar, em campo próprio da declaração, o número de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) ou no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) do adquirente de mercadoria importada por sua conta e ordem ou do encomendante predeterminado, conforme o caso; e 

II – anexar cópia do contrato previamente firmado com o adquirente de mercadoria importada por sua conta e ordem ou com o encomendante predeterminado, conforme o caso, por meio do módulo Anexação Eletrônica de Documentos no Pucomex.

[3] Art. 80.  A Secretaria da Receita Federal poderá:

I – estabelecer requisitos e condições para a atuação de pessoa jurídica importadora ou exportadora por conta e ordem de terceiro; 

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