STJ mantém denúncia por crime-meio antes de crédito tributário definitivo

A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça acatou a argumentação do Ministério Público do Paraná para transformar em rés pessoas investigadas pela prática de crime tributário, apesar de esse delito ainda não poder ser tipificado.

O caso trata de esquema criado para reduzir tributação junto ao Fisco do Paraná, pela aquisição simulada de grãos de café com produtores de outros estados, em compras intermediadas por agências corretoras com sede em Londrina (PR) e Maringá (PR).

Esse crime tributário só pode ser tipificado quando o respectivo crédito tributário de ICMS for lançado de maneira definitiva, conforme prevê a Súmula 24 do Supremo Tribunal Federal. O procedimento administrativo fiscal ainda não foi concluído.

No entanto, o MP paranaense denunciou os 70 investigados por todas as outras condutas usadas para, em tese, praticar esse crime tributário: organização criminosa, associação criminosa e falsidade ideológica.

Tratam-se de crimes autônomos, com tipificação independente e que, segundo a 6ª Turma do STJ, podem render persecução penal sem ofender a Súmula 24. Bastou ao MP excluir da denúncia a principal conduta apurada: suprimir ou reduzir tributo, crime previsto no artigo 1º da Lei 8.137/1990.

Relator de um recurso em Habeas Corpus ajuizado para obter o trancamento das investigações pelo crime tributário, o ministro Sebastião Reis Júnior foi informado pela defesa do oferecimento da denúncia e enxergou flagrante ilegalidade.

Para ele, em razão da sucessão de condutas tipificáveis, deve-se imputar aos suspeitos o crime-fim, considerando-se as demais absorvidas. Ou seja, se o contexto geral é do crime de reduzir tributos, a falsidade ideológica e a organização criminosa usadas nesse intuito seriam condutas-meio.

“Trata-se de tentativa de contornar o óbice da Súmula Vinculante 24/STF, visto que, a se permitir a persecução penal pelo delito-meio, corre-se o risco de permitir dupla imputação pelo mesmo fato, já que na manifestação ministerial há menção a posterior oferecimento da denúncia pelos crimes tributários ou persecução penal pelos crimes materiais da Lei 8.137/1990, sem que o resultado ainda tenha sido produzido”, afirmou.

Abriu a divergência vencedora o ministro Rogerio Schietti, para quem a estratégia do MP é legal. O crime de associação criminosa, por exemplo, é formal e se consuma com a formação da quadrilha no intuito de cometer a conduta tributária ilícita, o que não depende do término do procedimento administrativo fiscal.

O mesmo vale para falsidade ideológica, conduta que permitiu a prática do crime tributário, mas que também serviu para dar sustentação a empresas de fachada e para escamotear a origem e o destino de mercadorias transacionadas.

“Não havendo a imputação de crime previsto no artigo 1º da Lei 8.137/1990, não há, por conseguinte, malferimento à Súmula 24 do Supremo Tribunal Federal”, concordou o ministro Antonio Saldanha Palheiro, em voto-vista para aderir à divergência. Formaram a maioria a ministra Laurita Vaz e o desembargador convocado Olindo Menezes.

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RHC 151.007

Danilo Vital é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Revista Consultor Jurídico, 4 de novembro de 2022, 8h49

Deixar de recolher ICMS em meses aleatórios não é crime, diz STJ

A conduta de deixar de recolher ICMS aos cofres públicos em meses aleatórios não pode ser considerada crime. A tipificação da conduta depende da demonstração de persistência pelo réu e do dolo específico, representado pela vontade de se apropriar dos valores retidos.

Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu a ordem de ofício em Habeas Corpus para absolver um administrador de uma fabricante de maquinaria, que foi condenado a 1 ano e  2 meses de reclusão por deixar de recolher ICMS.

O imposto incide sobre a movimentação de mercadorias em geral e deve ser pago ao Fisco estadual. O acusado deixou de cumprir a obrigação em Santa Catarina, nos meses de março, maio, julho, outubro e dezembro de 2012 e dezembro de 2013, o que representou desfalque de R$ 250 mil aos cofres públicos.

Relator no STJ, o ministro Sebastião Reis Júnior observou que a conduta do acusado não pode ser tipificada como crime tributário porque o Supremo Tribunal Federal, em 2019, entendeu que a criminalização do não pagamento do ICMS depende da existência de contumácia e dolo.

Contumácia é a insistência e a teimosia no desrespeito à lei. Já o dolo é a específica a vontade de se apropriar dos valores retidos por meio da omissão ou alteração da dívida. Ele não existe, portanto, se o réu declara tais valores junto aos órgãos de administração fiscal.

“No caso dos autos, o não pagamento do tributo por seis meses aleatórios não é circunstância suficiente para demonstrar a contumácia nem o dolo de apropriação. Ou seja, não se identifica, em tais condutas, haver sido a sonegação fiscal o recurso usado pelo empresário para financiar a continuidade da atividade em benefício próprio, em detrimento da arrecadação tributária”, concluiu o ministro Sebastião.

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HC 569.856

Danilo Vital é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Revista Consultor Jurídico, 2 de novembro de 2022, 8h47

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