Segunda Turma confirma incidência de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins sobre descontos do Pert

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, confirmou a incidência do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ), da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), da contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) sobre os valores dos descontos obtidos a título de multa, juros e encargos legais em razão da adesão do contribuinte ao Programa Especial de Regularização Tributária (Pert).

Criado pelo governo federal em 2017, o Pert é um programa de parcelamento especial destinado a pessoas físicas e jurídicas com dívidas tributárias. O programa abrangeu débitos de parcelamentos anteriores, em discussão administrativa ou judicial, além daqueles decorrentes de lançamentos de ofício.

Para empresas, valor de descontos não representa acréscimo patrimonial ou faturamento 

Algumas empresas impetraram mandado de segurança contra o titular da Delegacia Especial de Administração Tributária da Receita Federal em São Paulo, sustentando que os montantes anistiados no âmbito do Pert não estariam sujeitos à incidência de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins, uma vez que não configuram fato gerador desses tributos.

O juízo de primeira instância extinguiu o processo, sem julgamento de mérito, em relação a duas das empresas, pois a sua adesão ao Pert envolveu débitos já inscritos em dívida ativa e, nesse caso, o delegado não seria a autoridade com legitimidade para figurar no polo passivo. Quanto às demais empresas, a ordem foi denegada. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) confirmou a sentença.

No recurso ao STJ, as empresas argumentaram que os descontos de juros e multas obtidos com a adesão ao Pert não deveriam sofrer incidência de IRPJ, CSLL, Cofins e PIS, pois não representam acréscimo patrimonial ou faturamento, que são as bases dessas exações. Também defenderam a legitimidade do delegado apontado como autoridade coatora.

Benefício fiscal que aumenta lucro da empresa deve refletir na base de cálculo

O relator, ministro Afrânio Vilela, observou que a Lei 13.496/2017 criou o Pert para beneficiar pessoas físicas e jurídicas com débitos perante a Secretaria da Receita Federal do Brasil e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Segundo o magistrado, para algumas formas de pagamento, a norma previu redução de juros, multas e encargos legais.

Ao negar o pedido das recorrentes, o ministro destacou que é pacífico no STJ o entendimento de que “qualquer benefício fiscal que tenha por consequência o impacto positivo no lucro da empresa deve surtir efeito na base de cálculo do IRPJ, da CSLL, do PIS e da Cofins”.

Em relação à autoridade coatora, Afrânio Vilela ressaltou que a parte correta para figurar no polo passivo de mandado de segurança envolvendo débitos federais inscritos em dívida ativa é o procurador-chefe da Fazenda Nacional. Portanto, segundo ele, foi correta a decisão do TRF3 sobre a questão.

Leia o acórdão no REsp 2.115.529.

Fonte: Notícias do STJ

Disputa por ICMS-Difal na base de PIS e Cofins gera limbo recursal

O contribuinte e a Fazenda Nacional não têm a quem recorrer em Brasília quando querem discutir a inclusão do ICMS-Difal na base de cálculo das contribuições ao PIS e à Cofins.

O Supremo Tribunal Federal entende que não pode julgar o tema, por seu caráter infraconstitucional. E o Superior Tribunal de Justiça diz que também não, porque a causa tem contornos constitucionais.

O Difal é o imposto usado para compensar a diferença entre as alíquotas do ICMS quando uma empresa em um estado faz uma venda para o consumidor final em outra unidade da federação — situação que se tornou frequente com o crescimento do e-commerce.

O limbo recursal é causado pelo fato de o tema ser uma das teses-filhotes da chamada “tese do século” — aquela em que o Supremo retirou o ICMS da base de cálculo de PIS e Cofins, firmada em 2017 e modulada em 2021.

Decidir se as razões que levaram à fixação da “tese do século” se aplicam no caso do ICMS-Difal obrigaria o STJ a avaliar a argumentação constitucional.

Essa jurisprudência foi confirmada em setembro, com a publicação do acórdão do REsp 2.133.501, julgado pela 2ª Turma da corte superior. A 1ª Turma, que também se dedica ao Direito Público, adota a mesma posição.

Já no Supremo, ambas as turmas entendem que a questão da inclusão do ICMS-Difal na base de cálculo do PIS e da Cofins não tem natureza constitucional, ainda que ela tenha sido decidida em decorrência da “tese do século”.

Essa posição é embasada pela conclusão do Plenário no Tema 1.098 da repercussão geral. O objetivo do recurso era decidir se é viável excluir da base de cálculo de PIS e Cofins o montante correspondente ao ICMS destacado nas notas fiscais ou recolhido antecipadamente pelo substituto em regime de substituição tributária progressiva.

“De se ver que a ratio decidendi daquele precedente vinculante é integralmente aplicável a este caso, porquanto o exame da controvérsia relativa à inclusão do montante correspondente ao ICMS-DIFAL na base de cálculo da Contribuição ao PIS e da COFINS também demanda o exame da legislação infraconstitucional de regência”, diz um acórdão da 1ª Turma do STF.

Repasse fiscal

Com isso, quem dá a palavra final, até o momento, são os Tribunais Regionais Federais. E há divergência entre eles, já que há registros de recursos rejeitados tanto da Fazenda Nacional quanto dos contribuintes.

Para Leonardo Roesler, tributarista do escritório RMS Advogados, a complexidade do tema, que envolve princípios constitucionais e os relaciona com a “tese do século”, torna mais indicado que o STF assuma a competência para resolvê-lo.

“O Difal é uma obrigação de equalização fiscal. Ele não compõe o faturamento ou a receita bruta da empresa. Logo, inclui-lo na base de cálculo dos contribuintes implicaria fazer a cobrança sobre um montante que não representa acréscimo patrimonial real.”

Na visão do advogado, a posição defendida pela Fazenda contraria os princípios da não cumulatividade e da capacidade contributiva, uma vez que a empresa não obtém benefício financeiro ou econômico com o recolhimento do ICMS-Difal.

“Ao contrário”, alerta Roesler, “está apenas cumprindo uma exigência de repasse fiscal. Isso pode resultar em uma distorção da tributação, criando um efeito cascata que agrava a carga tributária sobre os contribuintes.”

Luis Claudio Yukio Vatari, do Toledo Marchetti Advogados, entende que o aumento da carga tributária ao consumidor final por causa da inclusão do ICMS-Difal na base de PIS e Cofins é da ordem de pouco mais de 1%.

“Apesar de parecer pouco, se multiplicarmos o valor por todas as operações ocorridas desde a criação da sistemática fica claro que tais valores seriam significativos. Inclusive, uma decisão como essa afeta o fluxo de caixa dos contribuintes e do governo federal, que tenta equilibrar o orçamento.”

Limbos em extinção

Até o momento, outras causas de limbo recursal tributário entre STF e STJ foram resolvidas pela corte responsável por interpretar a lei federal.

A mais relevante é recente: a autorização conferida à Fazenda Nacional para adequar sentenças definitivas anteriores à modulação da “tese do século” pelo Supremo, restringindo o aproveitamento dos créditos de PIS e Cofins.

Como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, as ações rescisórias abriram um novo assalto na disputa sobre esses valores.

Inicialmente, o STJ indicou que não poderia analisar esses casos, já que envolviam a aplicação do Tema 69 do STF. O Supremo, por sua vez, recusava-se a julgá-lo porque o uso da rescisória é disciplinado no Código de Processo Civil, que é lei federal.

Outro caso de limbo recursal tributário foi o de verbas incluídas na base de cálculo do Pasep. A disputa era pela classificação de valores como receita. Esse conceito jurídico-financeiro é infraconstitucional — consta da Lei 4.320/1964.

Por outro lado, haveria também violação do artigo 110 do Código Tributário Nacional, segundo o qual a lei tributária não pode alterar conceitos presentes em outros ramos do Direito para definir ou limitar competências tributárias.

Há, portanto, o conflito entre uma lei ordinária (Lei 4.320/1963) e uma lei complementar (CTN), tema que não pode ser analisado pelo STJ por ter índole constitucional.

1ª Turma do STJ resolveu essa questão em abril deste ano: a sorte superior pode julgar casos que se baseiam no conflito entre lei ordinária e lei complementar, desde que a primeira tenha como fundamento de validade a segunda.

REsp 2.133.501
RE 1.454.941
RE 1.456.703

Fonte: Conjur, 01/10/2024

Inclui os 10%? A jurisprudência do STJ sobre gorjetas e tributação

Elas podem aparecer discretas na conta do restaurante – às vezes com outros nomes, como “taxa de serviço” –, ou podem ser incluídas só após a autorização do cliente; também podem variar nos valores (10%, 15% ou até mais) e na forma de pagamento (cobrança conjunta ou separada do montante principal). Certo é que elas, as gorjetas, surgem frequentemente na hora de fechar a conta, seja de restaurante ou outro serviço, e costumam gerar uma série de dúvidas para os agentes envolvidos.

Para o cliente, a legislação brasileira – especialmente a Lei 13.419/2017 – confere às gorjetas o caráter voluntário, ou seja, são pagas de acordo com a vontade de quem utiliza o serviço. Para o trabalhador, a legislação prevê que os valores auferidos a título de taxa de serviço fazem parte de sua remuneração, conforme a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). E, para o patrão, a lei prevê que as gorjetas não constituem receita própria, devendo ser destinadas aos trabalhadores, de acordo com o artigo 457, parágrafo 3º, da CLT

Para todas as partes, é relevante conhecer não apenas a legislação, mas a jurisprudência dos tribunais sobre o assunto. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se pronunciou sobre vários aspectos desse tema.

Com natureza jurídica salarial, gorjeta não é do estabelecimento

Em 2019, a Primeira Turma decidiu que, de acordo com o artigo 457 da CLT, as gorjetas têm a finalidade de reforçar o salário dos empregados, sendo nítida sua natureza jurídica de verba salarial.

Na origem, foi impetrado mandado de segurança com o objetivo de impedir a incidência de quatro tributos sobre a taxa de serviço cobrada por bares, restaurantes e hotéis: contribuição ao Programa de Integração Social (PIS), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ).

A Fazenda Nacional sustentou ser legal a incidência dos tributos, por entender que a verba ingressa efetivamente no faturamento dos estabelecimentos para, ao final, compor a remuneração dos empregados.

De acordo com o relator do agravo interno no REsp 1.796.890, ministro Gurgel de Faria, o estabelecimento atua como mero arrecadador, não podendo as gorjetas integrar seu faturamento ou lucro para o fim de apuração daqueles tributos federais.

“As gorjetas não constituem receita das empresas, e sim dos empregados, pois tais valores apenas transitam pela contabilidade da sociedade empresária, tendo como destino certo compor a remuneração dos empregados.”

REsp  1.796.890

Ministro Gurgel de Faria

Taxa de serviço não deve sofrer incidência de tributos de responsabilidade da empresa

Em 2019, ao julgar o agravo interno no REsp 1.780.009, sob a relatoria do ministro Herman Benjamin, a Segunda Turma reafirmou que os valores arrecadados com as gorjetas não constituem renda, faturamento ou lucro para o estabelecimento, “estando, portanto, fora da órbita de incidência de IRPJ, Cofins, PIS e CSLL”.

Em 2022, a Primeira Turma negou provimento ao agravo interno no REsp 1.668.117, interposto pela Fazenda Nacional, ressaltando que a jurisprudência do STJ não admite a tributação dos valores referentes à taxa de serviço. 

O relator, ministro Sérgio Kukina, enfatizou que, devido à sua natureza jurídica salarial, as gorjetas, voluntárias ou compulsórias, não podem ser incluídas na base de cálculos dos tributos federais PIS, Cofins, IRPJ e CSLL. “A referida verba não constitui receita própria dos empregadores, apta a sofrer incidência de tributos de responsabilidade da empresa”, completou.  

Conforme explicou o relator, o raciocínio adotado pelo STJ está em consonância com a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Ainda nesse sentido, a Segunda Turma julgou o agravo interno no REsp 1.817.513, de relatoria do ministro Francisco Falcão, e confirmou que é indevida a inclusão dos valores referentes à taxa de serviço nos cálculos da contribuição ao PIS, da Cofins e da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB).

Gorjeta não pode ser incluída na base de cálculo do Simples Nacional 

No AREsp 2.381.899, de relatoria do ministro Mauro Campbell Marques, a Segunda Turma reconheceu que as gorjetas não se incluem na base de cálculo do regime fiscal denominado Simples Nacional.

O ministro ressaltou que, para a jurisprudência do STJ, as gorjetas não integram o preço do serviço para fins de incidência do Imposto Sobre Serviços (ISS). Em consequência, elas devem ser excluídas da apuração do Simples Nacional, que tem como base de cálculo, para os prestadores de serviço, o preço dos serviços prestados. O relator lembrou que, de acordo com o artigo 18, parágrafo 3º, da Lei Complementar 123/2006, o Simples Nacional incide sobre a receita bruta do estabelecimento.

Para Campbell, pelas mesmas razões que é ilegítimo o recolhimento de PIS, Cofins, IRPJ e CSLL sobre a gorjeta, não se pode cogitar sua inclusão na base de cálculo do Simples Nacional.

Taxa de serviço integra a remuneração do empregado

Apesar de não compor a base de cálculo dos tributos que atingem a empresa, a taxa de serviço, por fazer parte da remuneração do trabalhador, não fica livre de toda e qualquer exação. 

Ainda no mesmo julgamento, o ministro Mauro Campbell Marques comentou que a gorjeta compõe a remuneração do empregado e, sendo assim, deve entrar na base de cálculo dos impostos e contribuições incidentes sobre o salário.

A gorjeta, compulsória ou inserida na nota de serviço, tem natureza salarial, compondo a remuneração do empregado, não constituindo renda, lucro ou receita bruta/faturamento da empresa. Logo, as gorjetas representam apenas ingresso de caixa ou trânsito contábil a ser repassado ao empregado, não implicando incremento no patrimônio da empresa, razão pela qual deve sofrer a aplicação apenas de tributos que incidem sobre o salário.

AREsp  2.381.899

Ministro Mauro Campbell Marques

Entendimento do STJ perdura por mais de três décadas

Em seu voto-vogal no AREsp 2.381.899, a ministra Assusete Magalhães (aposentada) comentou que a jurisprudência do tribunal há muito tempo refuta a tese de que as gorjetas deveriam ser contabilizadas na base de cálculo do PIS, da Cofins, do IRPJ e da CSLL, pois não se trata de faturamento da empresa, mas remuneração devida aos trabalhadores.

Segundo ela, os primeiros precedentes nessa linha, excluindo a gorjeta do cálculo dos tributos incidentes sobre receita bruta ou faturamento, tratavam do ISS – a exemplo o REsp 6.627, julgado em 1992. Ao longo de mais de 30 anos, a jurisprudência da corte se consolidou no sentido de que as gorjetas só devem ser consideradas na base de cálculo dos tributos que incidem sobre o salário.

Assim, em relação ao caso julgado, a ministra concluiu que “não se trata de excluir as gorjetas da base de cálculo do Simples Nacional, mas ter presente que elas nem sequer estão no seu campo de incidência”.

No recente julgamento do agravo interno no AREsp 1.846.725 pela Primeira Turma, o relator, ministro Gurgel de Faria, disse que “não se vislumbra nenhuma possibilidade” de considerar a gorjeta abarcada no conceito de receita bruta, que é a base de cálculo do Simples Nacional, conforme descrito pelo artigo 3º, parágrafo 1º, da Lei Complementar 123/2006.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1796890REsp 1780009REsp 1668117REsp 1817513AREsp 2381899REsp 6627AREsp 1846725

Fonte: Notícias do STJ

Reforma tributária provoca elaboração de proposta de mudanças na legislação penal

Grupo de pesquisadores da FGV Direito SP estuda leis de países europeus que cobram o IVA

A aprovação da reforma tributária incentivou a elaboração de uma proposta para a área penal.
Um grupo de mais de 20 especialistas da FGV Direito SP – entidade que também participou da construção do texto original que resultou na Emenda Constitucional no 132, de 2023 – já iniciou pesquisas em outros países, como Espanha, Portugal, Alemanha e Itália, para propor mudanças na esfera penal tributária.

Um dos objetivos concretos da pesquisa é afastar o entendimento de que não há crime enquanto não finalizado o processo administrativo tributário (Súmula Vinculante no 24 do Supremo Tribunal Federal). “Na prática, hoje, torna o crime tributário imprescritível”, afirma Heloisa Estellita, uma das coordenadoras da pesquisa, que também estudam, por exemplo, a necessidade de criação de novos tipos de crimes puníveis ou aumento de penas de crimes que já existem.

A íntegra da proposta da equipe da pesquisa “Evasão Fiscal: uma proposta legislativa para debate” do Núcleo de Direito Penal e Processual Penal da FGV Direito SP deverá estar disponível ao público em até dois anos. A ideia é que ela seja abraçada por algum parlamentar para ser transformada em projeto de lei.

A reforma tributária, instituída pela Emenda Constitucional nº 132, aprovada no fim do ano passado, tem como principal objetivo simplificar o atual sistema. Ela cria, por exemplo, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) para ficar no lugar do ICMS, ISS, PIS e Cofins. Agora, a regulamentação está em discussão no Congresso: os projetos de lei complementar (PLPs) no 68 e no 108.

Uma das medidas da reforma tributária que pode impactar os contribuintes na esfera penal, aponta Heloisa, é que o contribuinte vai passar a receber dinheiro do Estado. Isso porque a compensação de benefícios fiscais será feita por meio de repasses do governo às empresas. “Fraudes que ocorreram nos países europeus devem acontecer aqui, como operação simulada para gerar direito à devolução de IVA”, diz ela. “Poderá ser necessária a criação de novos tipos penais”, acrescenta.

O PLP 68, já aprovado na Câmara dos Deputados e em discussão no Senado, cria uma espécie de nova representação para fins penais para o caso específico de apuração de irregularidade da lei tributária (artigo 395). Segundo o dispositivo, a Receita Federal deve informar ao Ministério Público a suspeita de prática de crime tributário em até 10 dias após a emissão do auto de infração relativo à compensação de benefícios fiscais do ICMS na transição para o novo sistema CBS/IBS. Porém, esse mecanismo já existe na Lei no 9.430/96 (artigo 83) e poderia gerar duplicidade de investigações penais.

De acordo com Heloisa, se estuda uma punição diferenciada na fase de transição da reforma tributária, período de sete anos durante o qual o contribuinte terá que conviver com dois sistemas tributários diferentes ao mesmo tempo. “Na Itália, por exemplo, em caso de controvérsia, a infração não é punida na esfera penal, só no âmbito administrativo”, diz a advogada.

Na Espanha, segundo Fernanda Vilares, também coordenadora da pesquisa e procuradora da Fazenda Nacional, há uma cláusula de aumento da pena para o crime de fraude à execução tributária. O tema também está na pauta da pesquisa. “A experiência de atuação como procuradora e gestora de dívida nos deu a convicção de que as empresas usam o não pagamento como estratégia de negócio. Atualmente, nosso problema são os grandes planejamentos que tentam maquiar as operações ou estratégias de blindagem patrimonial”, afirma.

Por outro lado, ao contrário do que acontece hoje, uma nova norma poderá delimitar melhor quais administradores podem ser acusados de crime. “Não é um problema da reforma, mas não existe norma no Brasil para determinar a transferência da responsabilidade penal para o administrador de fato, como há na Alemanha, Espanha e Itália”, diz Heloisa. “A consequência, hoje, no país, é que o Ministério Público direciona a investigação a todos os dirigentes.”

Uma nova legislação, afirma Heloisa Estellita, pode evitar que quem não tem nada a ver com a fraude não seja mais forçado a fazer acordo com o MP, mesmo sem responsabilidade, só para se livrar do risco de prisão.

Para Renato Stanziola Vieira, sócio do Kehdi Vieira Advogados e presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCRIM), a reforma tributária pode ser uma janela de oportunidade para necessárias mudanças na legislação penal. “A reforma tributária veio para dar transparência e simplificação, assim é uma chance de também simplificarmos o atual cipoal de normas penal tributárias”, diz.

Uma reforma penal, afirma o especialista, poderia acabar com o uso ilegítimo da pena para fim de arrecadação. “Um exemplo é a punição do substituto tributário em vez do sonegador. O resultado disso são idas e vindas de programas de parcelamento tributário.”

Outro item que poderia ser abordado nessa proposta, segundo Vieira, é o uso de órgãos como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para a obtenção de informações sigilosas dos contribuintes, sem autorização judicial.

Já Renato Silveira, advogado e professor de Direito Penal da USP, destaca a atual questão da extinção de punibilidade penal com o pagamento do tributo devido. “Desde a década dos anos 90, essa discussão gera enorme controvérsia porque o Direito Penal não deveria servir para arrecadar dinheiro”, afirma. “Poderia-se limitar o uso disso uma vez a cada cinco anos, por exemplo, para evitar um sistema disfuncional.”

Fonte: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2024/09/20/reforma-tributaria-provoca-elaboracao-de-proposta-de-mudancas-na-legislacao-penal.ghtml

STF: Para maioria, empresas de energia devem ressarcir ICMS a clientes

Pares divergem, entretanto, quanto ao prazo de prescrição para a cobrança dos valores pelos consumidores.

Em sessão plenária, nesta quarta-feira, 4, STF formou maioria para validar lei que determina a devolução a consumidores, por distribuidoras de energia elétrica, de valores cobrados a mais com a inclusão indevida do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins.
O caso, de relatoria do ministro Alexandre de Moraes, seria julgado no plenário virtual, mas pedido de destaque do ministro Luiz Fux o remeteu ao físico.
No ambiente virtual, o relator havia proferido voto pela validade da lei. S. Exa. reafirmou seu posicionamento nesta tarde e foi acompanhado pelos ministros André Mendonça, Cristiano Zanin, Luiz Fux, Flávio Dino, Nunes Marques e Gilmar Mendes.
Prescrição
Os pares divergiram, no entanto, quanto ao prazo prescricional para a cobrança dos valores pelo consumidor.
Para Moraes, Zanin e Nunes Marques o prazo seria de 10 anos, conforme disposto no art. 205 do CC. Ministros Luiz Fux e André Mendonça entendem pelo prazo quinquenal. Já ministro Flávio Dino, com base no art. 189 do CC, entende que não há prazo prescricional, mas considerou aderir ao posicionamento de Moraes, se necessário.
Veja o placar até o momento:

Qual o prazo prescricional para cobrança dos valores pelo consumidor?

Últimos 10 anosÚltimos 5 anosSem prazo
Alexandre de Moraes X
Luiz Fux X
André MendonçaX
Cristiano ZaninX
Edson Fachin
Gilmar Mendes
Luís Roberto Barroso
Cármen Lúcia
Flávio DinoX
Nunes Marques
Dias Toffoli

O julgamento foi suspenso após pedido de vista do ministro Dias Toffoli.

Caso
Na ação, a ABRADEE – Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia Elétrica questiona determinação de devolução, pelas distribuidoras, aos consumidores, de valores de PIS/Cofins recolhidos a mais pela inclusão indevida do ICMS na base de cálculo das contribuições.
A ação é movida contra a lei 14.385/22, que alterou a lei 9.427/96, atribuindo à Aneel a responsabilidade de destinar aos consumidores os valores de tributos indevidamente recolhidos pelas distribuidoras de energia, como o ICMS que foi excluído da base de cálculo do PIS/COFINS.

Segundo a ABRADEE, a lei transfere indevidamente às distribuidoras a obrigação de repassar aos consumidores valores, constituindo expropriação sem o devido processo legal.
Defesa
Em sustentação oral realizada nesta tarde, a defesa argumentou contra a constitucionalidade da lei que obriga a Aneel a devolver valores referentes ao PIS/Cofins pagos pelas empresas de energia elétrica. Segundo o advogado, a devolução se dá por meio de descontos nas contas de luz dos consumidores, gerando um “caos tributário”.
Destacou que a norma interfere diretamente na decisão do STF acerca do tema 69 de repercussão geral, que determinou a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins. Ele apontou que a lei não deveria ser ordinária, mas complementar, já que altera balizas tributárias fixadas anteriormente pela Suprema Corte. 
Outro ponto levantado pelo causídico foi a prescrição dos créditos, considerando que os consumidores, que não entraram com ação judicial, poderão se beneficiar de valores pagos há mais de 20 anos.
Isso, segundo ele, cria um “critério de ultratividade prescricional”. Além disso, argumentou que a lei viola a segurança jurídica ao permitir que empresas que já compensaram os valores tributários recebam descontos nas tarifas futuras, gerando uma distorção no sistema.
Ao final, pediu que, de forma subsidiária, caso a manutenção da lei prevaleça, o STF module os efeitos temporais da decisão para evitar que consumidores recebam créditos retroativos de duas décadas, o que, segundo ele, resultaria em consequências imprevisíveis e injustas.
AGU
O advogado da União, Raphael Ramos Monteiro de Souza, em sustentação oral, defendeu a legitimidade da devolução de valores pagos a título de PIS/Cofins pelas empresas de energia elétrica, na forma de descontos nas contas de luz dos consumidores.
Afirmou que a atuação do Congresso Nacional foi essencial para evitar o enriquecimento sem causa das concessionárias de energia, uma vez que os valores, que foram cobrados indevidamente, deveriam ser devolvidos aos consumidores, como medida de justiça.
Ele afirmou que o consumidor é quem suporta o ônus desses tributos, e não as empresas, razão pela qual tem o direito de ser ressarcido, como reflexo da própria estrutura do ambiente regulatório.
O advogado argumentou que ADIn deveria ser rejeitada, pois não impugnou o “complexo normativo” em sua totalidade. Explicou que, embora a norma em questão regule prazos e formas de restituição, ela apenas normatiza uma necessidade já prevista desde 1995 na lei 8.987, sobre a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão.
Além disso, defendeu a compatibilidade da norma com a CF, destacando que ela representa uma atuação proporcional e adequada do Estado, em prol da equidade entre consumidores e concessionárias. Para ele, o reequilíbrio das tarifas é um direito do consumidor e a devolução dos valores pagos indevidamente reflete uma medida de justiça que assegura essa recomposição.
Amici curiae
O advogado Celso Caldas Martins Xavier, representando a Abegás – Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado, argumentou que o precedente em análise pode alterar de forma significativa o regime de repetição de indébito tributário, levantando questões de constitucionalidade e de segurança jurídica.
Segundo o causídico, a lei que determina a devolução de valores de PIS/Cofins apenas para o setor de energia elétrica viola o princípio constitucional da não discriminação, previsto no art. 150, II, da CF.
Ele destacou que a norma não tem aplicação abstrata e homogênea, pois beneficia exclusivamente um setor regulado, enquanto outros setores econômicos enfrentam situações idênticas, aguardando há anos uma decisão semelhante. Questionou a razão de a lei não estender a devolução a outros setores que, assim como o de energia elétrica, repassaram os tributos aos clientes.
Também destacou a violação à coisa julgada, uma vez que o tema 69 do STF modulou os efeitos da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins a partir de 2017, beneficiando apenas os contribuintes que ajuizaram ações ou procedimentos administrativos. No entanto, com a nova legislação, consumidores que não estavam incluídos nesse grupo passam a ser beneficiários, o que, segundo o advogado, adiciona novos sujeitos à decisão original, ferindo a coisa julgada.
Ademais, afirmou que as concessionárias de energia, e não os consumidores, são as beneficiárias do direito à isenção do ICMS, conforme definido pelo STF.
Outro ponto abordado foi a segurança jurídica. O advogado argumentou que a lei não regula de maneira prospectiva futuras repetições de indébito, criando um cenário de incerteza jurídica que pode impactar outros setores e prejudicar a previsibilidade do sistema tributário.
A advogada Renata Rocha Villela, da banca Tojal | Renault Advogados, representando a Abrace Energia, entidade que atua em defesa dos grandes consumidores industriais e consumidores livres de energia, defendeu a legalidade e importância da lei que prevê a devolução de valores de PIS/Cofins, pagos indevidamente pelas distribuidoras de energia, aos consumidores finais.
Ressaltou que a modicidade tarifária, ou seja, a busca por tarifas acessíveis, é crucial para garantir que o serviço público de fornecimento de energia seja acessível à população. Ela destacou que o Brasil ocupa uma das piores posições mundiais em termos de tarifas de energia, o que torna a discussão em torno de qualquer tema que impacte essas tarifas de extrema relevância para o país.
Segundo a advogada, a legislação apenas consolidou o que já vinha sendo implementado pela Aneel, que previa que qualquer alteração nos tributos deveria ser objeto de revisão tarifária. Argumentou que a lei trata de política tarifária,  não de uma questão tributária e que o reconhecimento do direito à devolução dos valores pagos indevidamente pelas distribuidoras ocorreu antes, em uma discussão com o fisco.
Também explicou que as distribuidoras de energia são neutras nesse processo, repassando os custos dos serviços aos consumidores, inclusive os tributos. Por essa razão, defendeu que a Aneel tem competência para regulamentar como esses valores devem ser devolvidos aos consumidores, uma vez que foram eles que efetivamente arcaram com os tributos. 
Sobre a alegada inconstitucionalidade material, a advogada afirmou que não existe discriminação no tratamento dado ao setor de energia, pois outros reguladores também têm a possibilidade de estabelecer regras para a devolução de valores, conforme o art. 9º, § 3º, da lei de concessões. Segundo ela, a lei apenas busca conferir maior segurança jurídica aos consumidores e garantir que o regulador utilize sua competência para definir o retorno dos valores.
A advogada ainda enfatizou que a Aneel realizou consultas públicas e tomou subsídios para garantir que os valores retornem aos consumidores da forma mais adequada, evitando o enriquecimento indevido das distribuidoras, que já haviam repassado esses custos aos consumidores nas tarifas de energia.
Voto do relator
Ministro Alexandre de Moraes destacou que a devolução ocorre em contexto de uma política tarifária, ou seja, a Aneel tem a função de regular as tarifas de energia para que reflitam adequadamente os custos do serviço prestado, o que inclui compensar os consumidores quando há a devolução de tributos.
Assim, para o relator, a agência tem o dever de garantir que os consumidores sejam ressarcidos pelos valores pagos indevidamente, já que esses montantes foram embutidos nas tarifas de energia elétrica.
Apontou que as tarifas são calculadas com base nos custos suportados pelas distribuidoras, que incluem os tributos. Quando eles são considerados indevidos e são devolvidos às empresas, o valor correspondente deve ser repassado aos consumidores, já que eles arcaram com esses custos originalmente.
Afirmou que o equilíbrio é necessário para que as empresas continuem prestando o serviço de forma sustentável, sem que os consumidores paguem a mais por tributos que não deveriam ter sido cobrados.
Moraes afastou a alegação de que a matéria deveria ser regulada por lei complementar, pois, entende que não trata de relação tributária, mas sim sobre a política tarifária. Ou seja, como a devolução dos valores pagos a mais pelas distribuidoras deve impactar as tarifas de energia.
Com base nesses fundamentos, votou pela improcedência do pedido da ABRADEE, considerando que a lei 14.385/22 é constitucional e que a Aneel pode regular o repasse dos valores aos consumidores sem violar a Constituição.
Na sessão desta quarta-feira, 4, o ministro pontuou que não se opõe a modulação de efeitos de 10 anos, conforme previsto no art. 205 do CC.
Ademais, como a lei prevê o “repasse integral”, e não contempla custos suportados pelas concessionárias, o ministro entendeu que o conceito deve ser interpretado como repasse líquido, não bruto.
Nesse sentido, a Aneel deve estabelecer o procedimento a concessionária para que eventuais custos, efetivamente e diretamente, relacionados à hipótese do ICMS sejam abatidos.
Veja o voto de Moraes.
Moraes foi acompanhado pelos ministros Cristiano Zanin e Nunes Marques.
Prazo quinquenal
Em seu voto, ministro Luiz Fux seguiu o relator, destacanado que a Aneel tem plena legitimidade para definir políticas tarifárias. Explicou que a decisão referente ao tema 69 envolve a repetição do indébito, e a atual ação, a possibilidade de restituição. Assim, são assuntos diversos, não havendo ofensa à coisa julgada.
O ministro também ressaltou a importância da segurança jurídica, tanto para os contribuintes, que buscam a restituição de valores, quanto para as concessionárias, que esperaram ver a exclusão do PIS/Cofins da base de cálculo refletida nas tarifas.
Quanto à modulação, Fux observou que, caso a repetição de indébito fosse proposta pelos contribuintes, o prazo seria de cinco anos, e que, por analogia, a devolução também deveria seguir o mesmo período.
Sublinhou que, assim como os contribuintes têm a expectativa de pagar uma tarifa menor pela exclusão do PIS/Cofins, as concessionárias também tinham uma expectativa legítima de se beneficiar da vitória judicial. No entanto, para alcançar esse resultado, elas arcaram com custos diretos e indiretos.
Dessa forma, Fux concluiu que a expressão “restituição integral” deve ser interpretada considerando-se os cortes de despesas dessas concessionárias, garantindo uma compensação justa.
Fux foi acompanhado pelo ministro André Mendonça.
Sem prazo prescricional
Em seu voto, ministro Flávio Dino também acompanhou o relator, mas trouxe novo ponto de vista quanto a custos e prescrição.
Dino defendeu que os abatimentos devem ser realizados conforme as determinações da Aneel, reforçando o papel regulador da agência.
Quanto à prescrição, o ministro ressaltou que não se pode reconhecer a sua ocorrência, aplicando a regra geral do art. 189 do Código Civil, segundo a qual o direito à pretensão surge a partir da violação do direito.
Essa violação, segundo Dino, acontece no momento em que as concessionárias recebem a devolução de valores ou realizam a compensação tributária, sem que isso seja refletido nas tarifas cobradas dos consumidores, desequilibrando a relação econômico-financeira do contrato. Para S. Exa., essa é a circunstância que caracteriza a violação de direito, afastando, portanto, a prescrição.
Processo: ADIn 7.324

Fonte: https://www.migalhas.com.br/quentes/414577/stf-para-maioria-empresas-de-energia-devem-ressarcir-icms-a-clientes

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