Câmara não pode editar lei que cria conselho municipal do contribuinte

O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias de competência exclusiva do Poder Executivo.

O entendimento é do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo ao anular uma lei de Arujá, de autoria parlamentar, que criava um conselho municipal do contribuinte, com a finalidade de julgar em primeira instância os recursos dos contribuintes referentes ao lançamento de tributos e autos de imposição de multas.

A prefeitura moveu a ação direta de inconstitucionalidade e apontou vício de iniciativa e ofensa ao princípio da separação dos poderes — argumentos que foram acolhidos pelo relator, desembargador Ferreira Rodrigues, que entendeu pela inconstitucionalidade do texto.

“É que a norma impugnada, de iniciativa parlamentar, dispõe sobre criação de órgão público (Conselho Municipal de Contribuintes) na esfera do governo municipal, inclusive com atribuição de obrigações específicas ao prefeito, ao secretário municipal de Finanças e ao secretário municipal de Assuntos Jurídicos”, afirmou.

Conforme o magistrado, esse tipo de atividade é reservada ao Executivo, porque implica “provisões administrativas especiais manifestadas em ordens, proibições, concessões, permissões e tudo o mais que se traduzir em atos ou medidas de execução governamental”.

Rodrigues também disse que a Câmara Municipal criou um órgão público na estrutura da administração municipal, para julgamento de controvérsias tributárias, matéria típica do Poder Executivo, ou seja, tratou de questão totalmente diferente da tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 626.946 (Tema 1.040), que se refere especificamente à validade de lei local, de iniciativa parlamentar, que cria conselho integrante da estrutura do Poder Legislativo.

“Como foi bem destacado pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, ‘o Conselho Municipal do Contribuinte tem atribuições administrativas típicas, haja vista ser um órgão cuja função primordial é o processamento e julgamento administrativo de matéria tributária e fiscal. É hipótese nitidamente diversa do Tema 1.040: que versa sobre conselho integrante da estrutura do Legislativo, em concretização ao princípio da participação direta na gestão pública, com atribuições de acompanhar ações do Executivo”, concluiu. A decisão foi unânime.

Clique aqui para ler o acórdão
Processo 2200724-20.2022.8.26.0000

Tábata Viapiana é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 24 de abril de 2023, 12h18

ARTIGO DA SEMANA – Supremo absurdo

João Luís de Souza Pereira – Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado da pós-graduação da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

Na sessão de julgamento do último dia 19/04/2023, o Plenário do STF decidiu modular os efeitos da decisão proferida em na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 49 em 19/04/2021.

O acórdão ainda não está disponível.

Mas, pelo extrato da ata de julgamento[1], já se pode constatar que o STF decidiu em 19/04/2023 que a decisão de 19/04/2021 só produzirá efeitos a partir de 2024, ressalvados os processos administrativos e judiciais pendentes de julgamento até 19/04/2021.

Também se decidiu em 19/04/2023 que a transferência dos créditos ao destinatário só será possível a partir de 2024, salvo se os Estados até lá  não disciplinarem a transferência de créditos de ICMS entre estabelecimentos de mesmo titular.

A modulação dos efeitos da decisão proferida na ADC 49 em 19/04/2021 é absurda e incoerente.

A modulação dos efeitos de uma declaração de inconstitucionalidade pode ocorrer com fundamento no art. 27, da Lei nº 9.868/99: “Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”.

O Código de Processo Civil também trata da modulação dos efeitos no art. 927, §3º: “Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do STF e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação de efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica”.

A decisão de 19/04/2023 não encontra guarida em nenhum destes dispositivos.

Antes de mais nada, é preciso dizer o óbvio: a não incidência do ICMS em operações entre estabelecimentos de um mesmo titular, DESDE HÁ MUITO, vem sendo reconhecida pelos Tribunais Superiores.

Para não ir muito além no passado, basta recordar que a matéria foi sumulada pelo STJ – Súmula 166[2] – desde 14/08/96. Vou repetir: desde 14 de agosto de 1996!

Mesmo antes do julgamento da ADC 49, o próprio STF já vinha decidindo, há tempos, que o ICMS não incide na hipótese[3]

Portanto, é inegável que a decisão de mérito da ADC 49, proferida em 19/04/2021, em nada inovou. 

Em outras palavras: a decisão do STF em controle concentrado de constitucionalidade ratificou uma jurisprudência perene e pacífica sobre a matéria.

Exatamente por isso, adotar os efeitos da declaração de inconstitucionalidade desde a origem não acarretaria nenhuma instabilidade nas relação jurídicas. Muito ao contrário, confirmaria a segurança jurídica.

Por aí já se vê que a postergação dos efeitos do que foi decidido em 19/04/2021 para 01/01/2024 é motivo de instabilidade na relações jurídicas, vale dizer, causa profunda insegurança jurídica.

Então, a modulação dos efeitos decidida em 19/04/2023 não observou o requisito previsto na primeira parte do art. 27, da Lei nº 9.868/99 (“…tendo em vista razões de segurança jurídica…”), tampouco o disposto no artigo 927, §3º, do Código de Processo Civil (“…hipótese de alteração de jurisprudência dominante do STF e dos tribunais superiores…”).

Ainda sobre a utilização da modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade sob o prisma da preservação da segurança jurídica, vale a pena lembrar o que o STF decidiu no julgamento da Tese do Século (Tema 69 da Repercussão Geral).

Ao julgar os Embargos de Declaração no RE 574.706, o STF modulou os efeitos da declaração de inconstitucionalidade exatamente porque, naquele caso, estava ocorrendo, segundo o Tribunal, uma alteração de jurisprudência com efeitos vinculantes e erga omnes, gerando impactos financeiros e administrativos da decisão[4]

Como se vê, além de causar insegurança jurídica, a decisão do dia 19/04/2023 sequer é coerente com aquilo que o próprio STF considerou relevante para modular efeitos de declaração de inconstitucionalidade.

Também não é o caso de modular os efeitos da decisão por excepcional interesse social. Ainda que se trate de conceito não determinado no direito positivo, é evidente que o interesse social não se confunde com o interesse do Erário. Na verdade, são dois interesses antagônicos, tendo em vista que o interesse do fisco é puramente arrecadatório.

Em excelente artigo pulicado no Conjur, FERNANDO FACURY SCAFF aborda o tema com precisão. Antes mesmo de discorrer sobre as distinções entre interesse social, interesse público, interesse estatal e interesse corporativo, o sempre preciso professor da USP ressalta que não se trata de um interesse qualquer, mas excepcional. Daí esclarece que “A singela existência desse adjetivo ‘excepcional’ já aponta para algo que seja absolutamente fora do padrão, um ponto verdadeiramente fora da curva. Em linguagem popular se pode dizer que a norma, ao exigir que haja excepcional interesse social para justificar a modulação dos efeitos da sentença, aponta para um caso que seja a exceção da exceção”.

Em relação à decisão cujo resultado foi proclamado em 19/04/2023 nem é preciso saber se o caso é de verdadeiro interesse social porque não se trata de nada excepcional.

A inconstitucionalidade da incidência do ICMS sobre operações entre estabelecimentos de um mesmo titular, longe de ser uma exceção, era a regra, tal como vinha decidindo o STJ desde 1996 e o STF, ao menos, desde 2009.

Modular os efeitos desta declaração de inconstitucionalidade é um supremo absurdo.


[1] Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou procedentes os presentes embargos para modular os efeitos da decisão a fim de que tenha eficácia pró-futuro a partir do exercício financeiro de 2024, ressalvados os processos administrativos e judiciais pendentes de conclusão até a data de publicação da ata de julgamento da decisão de mérito, e, exaurido o prazo sem que os Estados disciplinem a transferência de créditos de ICMS entre estabelecimentos de mesmo titular, fica reconhecido o direito dos sujeitos passivos de transferirem tais créditos, concluindo, ao final, por conhecer dos embargos e dar-lhes parcial provimento para declarar a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do art. 11, § 3º, II, da Lei Complementar nº 87/1996, excluindo do seu âmbito de incidência apenas a hipótese de cobrança do ICMS sobre as transferências de mercadorias entre estabelecimentos de mesmo titular. Tudo nos termos do voto do Relator, vencidos, em parte, os Ministros Dias Toffoli (ausente ocasionalmente, tendo proferido voto em assentada anterior), Luiz Fux, Nunes Marques, Alexandre de Moraes e André Mendonça. Ausente, justificadamente, a Ministra Cármen Lúcia, que proferiu voto em assentada anterior. Presidência da Ministra Rosa Weber. Plenário, 19.4.2023.

[2] Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.

[3] Ag. Reg. no AI 596.983, DJ 28/05/2009, Ag. Reg. no AI 682.680, DJ 06/06/2009; Ag. Reg. no AI 267.529, DJ 10/12/2009; Ag. Reg. no RE 422.051, DJ 25/06/2010 e muitos outros. 

[4] EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. EXCLUSÃO DO ICMS DA BASE DE CÁLCULO DO PIS E CONFINS. DEFINIÇÃO CONSTITUCIONAL DE FATURAMENTO/RECEITA. PRECEDENTES. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE DO JULGADO. PRETENSÃO DE REDISCUSSÃO DA MATÉRIA. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA. MODULAÇÃO DOS EFEITOS. ALTERAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA COM EFEITOS VINCULANTES E ERGA OMNES. IMPACTOS FINANCEIROS E ADMINISRTATIVOS DA DECISÃO. MODULAÇÃO DEFERIDA DOS EFEITOS DO JULGADO, CUJA PRODUÇÃO HAVERÁ DE SE DAR DESDE 15.3.2017 – DATA DE JULGAMENTO DE MÉRITO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 574.706 E FIXADA A TESE COM REPERCUSSÃO GERAL DE QUE “O ICMS NAO COMPÕE A BASE DE CÁLCULO PARA FINS DE INCIDÊNCIA DO PIS E DA COFINS” – , RESSALVADAS AS AÇÕES JUDICIAIS E PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS PROTOCOLADAS ATÉ A DATA DA SESSÃO EM QUE PROFERIDO O JULGAMENTO DE MÉRITO. EMBARGOS PARCIALMENTE ACOLHIDOS.

(RE 574706 ED, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 13/05/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-160  DIVULG 10-08-2021  PUBLIC 12-08-2021)

Decisão sobre ICMS no deslocamento de mercadorias pelo mesmo contribuinte valerá a partir de 2024

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que declarou a inconstitucionalidade de dispositivo da Lei Kandir (Lei Complementar 87/1996) que possibilitava a cobrança do ICMS na transferência de mercadorias entre estabelecimentos da mesma pessoa jurídica terá eficácia somente a partir do exercício financeiro de 2024. Por maioria de votos, o colegiado modulou os efeitos do julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 49, realizado em 2021. O resultado foi proclamado na sessão desta quarta-feira (19).

Prevaleceu o voto do relator do processo, ministro Edson Fachin, que apontou a necessidade de segurança jurídica na tributação e equilíbrio do federalismo fiscal. Segundo ele, é necessário preservar as operações praticadas e as estruturas negociais concebidas pelos contribuintes, sobretudo em relação a beneficiários de incentivos fiscais de ICMS em operações interestaduais. Apontou, ainda, risco de revisão de incontáveis operações de transferências realizadas e não contestadas nos cinco anos que precederam a decisão de mérito.

Foram ressalvados da modulação os processos administrativos e judiciais pendentes de conclusão até a data de publicação da ata de julgamento da decisão de mérito. Caso termine o prazo para que os estados disciplinem a transferência de créditos de ICMS entre estabelecimentos de mesmo titular, ficará reconhecido o direito dos sujeitos passivos de transferirem esses créditos.

Foi feito, ainda, um esclarecimento pontual do acórdão de mérito para afirmar a declaração de inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do artigo 11, parágrafo 3º, inciso II, da Lei Complementar 87/1996, excluindo do seu âmbito de incidência apenas a cobrança do ICMS sobre as transferências de mercadorias entre estabelecimentos de mesmo titular.

Julgamento

O voto do relator foi seguido pelos ministros Ricardo Lewandowski (aposentado), Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes, e pelas ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber.

Divergiram os ministros Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Nunes Marques, Luiz Fux e André Mendonça, que votaram pela eficácia da decisão de mérito após 18 meses, contados da data de publicação da ata de julgamento dos embargos de declaração.

RR, PR/CR//CF

Fonte: Notícias do STF

Fazenda Nacional pode recusar bem ofertado em garantia de execução fiscal considerando a preferência de penhora em dinheiro

Uma empresa do ramo de Turismo recorreu contra decisão que extinguiu os embargos à execução fiscal sem resolução do mérito após a Fazenda Nacional recusar o imóvel indicado à penhora, considerando a preferência da penhora em dinheiro. Com o entendimento de que é lícita a recusa, a Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) negou o recurso, mantendo a sentença do 1º Grau.

Ao relatar o caso, a desembargadora federal Gilda Sigmaringa Seixas destacou julgado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que atesta a legitimidade da recusa pela Fazenda Pública, quando não for observada a ordem preferencial dos bens penhoráveis.

Nesse mesmo sentido, a jurisprudência do TRF1 segue o entendimento da Corte Superior, “de que é lícita a recusa pela Fazenda de bem ofertado em garantia da execução fiscal, quando este é difícil alienação e a indicação não segue a ordem prevista”, explicou a magistrada.

Processo: 0000237-38.2015.4.01.3300

RF

Assessoria de Comunicação Social

Tribunal Regional Federal da 1ª Região  

ARTIGO DA SEMANA – Intimação por Edital sempre é a exceção

João Luís de Souza Pereira – Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado da pós-graduação da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio

As notícias recentemente veiculadas dando conta do fim da isenção do Imposto de Importação em operações entre pessoas físicas e de valor reduzido reacende o alerta sobre a imposição da pena de perdimento de mercadorias.

Não raro, o importador pessoa física só toma conhecimento da aplicação da pena de perdimento após a sua concretização, retirando-lhe a chance de prestar esclarecimentos antes da imposição da penalidade.

Com efeito, a pena de perdimento é a consequência de importação, digamos irregular, realizada mediante dano Erário, tal como descrito nas hipóteses dos artigos 23 a 25, do Decreto-Lei nº 1.455/76.

Nos termos do art. 27[1], do Decreto-Lei nº 1.455/76, a imposição da pena de perdimento é sempre posterior à lavratura de Auto de Infração e Termo de Guarda/Apreensão. 

Lavrado o Auto de Infração e Termo de Guarda/Apreensão, o importador será intimado para apresentar defesa (impugnação) refutando o dano ao Erário apontado pela fiscalização.

É exatamente neste momento que surge o problema.

Segundo o art. 27, §1º[2], do Decreto-Lei nº 1.455/76, a intimação do importador será pessoal ou por edital.

E o fisco, evidentemente, opta pela intimação por edital. Edital eletrônico, que só é divulgado no site da Receita Federal do Brasil.

Obviamente, ninguém lê edital.

Consequentemente, decreta-se a revelia e impõe-se a pena de perdimento da(s) mercadoria(s) importada(s).

No entanto, deve-se alertar para o seguinte: embora o art. 27, §1º, do Decreto-Lei nº 1.455/76, disponha que a intimação será pessoal por ou edital, isto não quer dizer que o fisco pode optar livremente por uma ou outra forma de intimação.

Antes de mais nada, é preciso dizer que a correta intimação do administrado acerca das decisões proferidas pela Administração é uma consequência dos princípios do contraditório e da ampla defesa.

De nada adiantaria haver direito de petição, à ampla defesa e ao contraditório, se à Administração não fosse imposto o dever de proceder à devida comunicação de seus atos e decisões aos administrados.

Como bem observa JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO[3],

“as intimações desempenham importante papel para os interessados, de modo que tanto para cientificá-los de atos praticados como para instá-los à prática de algum ato, possivelmente de seu próprio interesse, há inegavelmente relação de causa e efeito com o princípio do contraditório e ampla defesa. Sem tais garantias, os interessados não poderiam exercer, em toda a sua plenitude, a defesa de seus interesses e oferecer, quando necessário, elementos de contraditoriedade em relação a fatos e afirmações deduzidas no processo.

Por tal motivo, não há como validar efeitos de ato processual no que concerne ao interessado se este não foi devidamente intimado”.

De acordo com a lição do eminente administrativista fluminense, é preciso que se tenha certeza de que o administrado tomou conhecimento do ato ou da decisão administrativa, sob pena de restar violado importante garantia individual.

Com efeito, tão importante quanto o contraditório e a ampla defesa,  é o dever de transparência imposto à Administração, decorrente dos princípios da publicidade, legalidade e moralidade indicados no caput do art. 37, da Constituição.

Na verdade, se o cidadão tem interesse na intimação dos atos/decisões administrativos, a Administração tem o dever de se certificar que o ato/decisão foi efetivamente levado ao conhecimento do interessado.

Ao optar pela intimação por edital como regra, o que se percebe é uma subversão da ordem natural das coisas e uma violação aos direitos do cidadão, assim como ao dever de transparência imposto à Administração.

Nunca é demais lembrar que o Direito é um todo e que as normas que compõem este conjunto não devem ser interpretadas isoladamente.

No conjunto de normas que compõem o Direito Brasileiro, há o Decreto nº 70.235/72, que disciplina o processo de administrativo de determinação e exigência de créditos tributários da União, que não pode ser ignorado na interpretação do Decreto-Lei nº 1.455/76.

E o artigo 23, §1º[4], do Decreto nº 70.235/72, é bastante claro ao dispor que a intimação por edital só pode ocorrer quando não for possível a intimação da pessoa física ou jurídica por outros meios.

Consequentemente, se o art. 27, §1º, do Decreto-Lei nº 1.455/76, prevê que a intimação será pessoal ou por edital, é evidente que a opção pela via editalícia somente deverá ser exercida se a intimação pessoal for infrutífera.

Esta, aliás, é a conclusão da jurisprudência, destacando-se o julgamento do Recurso Especial nº 1.561.153[5]do Superior Tribunal de Justiça.

No mesmo sentido têm decidido os Tribunais Regionais Federais[6], acrescentando que são nulos todos os atos praticados a partir da indevida intimação por Edital.

Portanto, por mais que a Receita Federal do Brasil insista na intimação por edital após a lavratura de Auto de Infração e Termo de Guarda/Apreensão, este procedimento é ilegal, assim como é indevida a aplicação da pena de perdimento decorrente da revelia decretada pelo silêncio do importador após a intimação por edital. 

Também constitui absoluto consenso jurisprudencial que a inexistência de qualquer prévia tentativa de intimação pessoal invalida todos os atos subsequentes à intimação por edital.

Consequentemente, é absolutamente ilegal o ato de autoridade que, procedendo à intimação por edital de Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal, dá prosseguimento ao processo administrativo com vistas à aplicação da pena de perdimento das mercadorias.


[1]  Art 27. As infrações mencionadas nos artigos 23, 24 e 26 serão apuradas através de processo fiscal, cuja peça inicial será o auto de infração acompanhado de termo de apreensão, e, se for o caso, de termo de guarda.

[2]   § 1º Feita a intimação, pessoal ou por edital, a não apresentação de impugnação no prazo de 20 (vinte) dias implica em revelia.

[3] Processo Administrativo Federal. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2001, p. 156/7

[4] Art. 23. Far-se-á a intimação:

I – pessoal, pelo autor do procedimento ou por agente do órgão preparador, na repartição ou fora dela, provada com a assinatura do sujeito passivo, seu mandatário ou preposto, ou, no caso de recusa, com declaração escrita de quem o intimar;

II – por via postal, telegráfica ou por qualquer outro meio ou via, com prova de recebimento no domicílio tributário eleito pelo sujeito passivo; 

III – por meio eletrônico, com prova de recebimento, mediante: 

a) envio ao domicílio tributário do sujeito passivo; ou 

b) registro em meio magnético ou equivalente utilizado pelo sujeito passivo.

§ 1o Quando resultar improfícuo um dos meios previstos no caput deste artigo, a intimação poderá ser feita por edital publicado: 

I – no endereço da administração tributária na internet; 

II – em dependência, franqueada ao público, do órgão encarregado da intimação; ou 

III – uma única vez, em órgão da imprensa oficial local. 

[5] PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. SUPOSTA OFENSA AO ART. 535 DO CPC. DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. PENA DE PERDIMENTO DE BEM. INTIMAÇÃO PESSOAL (REGRA GERAL). SOMENTE QUANDO NÃO POSSÍVEL A SUA EFETIVAÇÃO É QUE SERÁ ADMITIDA A INTIMAÇÃO POR EDITAL. 

1. Cinge-se a controvérsia dos autos acerca da forma de intimação para aplicação da pena de perdimento de veículo. Se é possível a utilização de forma imediata da intimação por edital. Ou conforme entendeu o Tribunal de origem a intimação por edital só deve ser realizada após restar frustrada a intimação pessoal. 

2. É deficiente a fundamentação do recurso especial em que a alegação de ofensa aos art. 535 do CPC se faz de forma genérica, sem a demonstração exata dos pontos pelos quais o acórdão se fez omisso, contraditório ou obscuro. Aplica-se, na hipótese, o óbice da Súmula 284/STF. 

3. Ao disciplinar a forma de intimação para aplicação da pena de perdimento do veículo apreendido o artigo 27, § 1º do Decreto Lei 1.455/1976 dispõe que a mesma poderá ser feita pessoalmente ou por edital. A interpretação que se extrai do comando legal é que pela natureza desse meio, e pela forma como nosso ordenamento jurídico trata a utilização do edital, somente será aplicada quando não se obtiver êxito na intimação pessoal, dado o caráter excepcional da intimação por edital. 

4. Vale destacar que o artigo 27, § 1º do Decreto Lei 1.455/1976 deve ser interpretado em consonância com o artigo 23 do Decreto-Lei 70.235/1972 (que regulamenta o processo administrativo fiscal), segundo o qual somente quando restar infrutífera a intimação pessoal, postal ou por meio eletrônico é que será efetivada a intimação por edital. 

5. No caso dos autos, a Fazenda Pública utilizou-se de forma imediata da intimação por edital, razão pela qual o entendimento fixado pelo Tribunal de origem, ao anular o processo administrativo fiscal por vício na intimação, e determinar a intimação pessoal do contribuinte deve ser mantido. 

6. Recurso especial parcialmente conhecido, e nessa parte não provido.

(STJ – REsp: 1561153 RS 2015/0257713-0, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 17/11/2015, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/11/2015)

[6] TRF-2 – AC: 00021231620114025101 RJ 0002123-16.2011.4.02.5101, Relator: MARCUS ABRAHAM, Data de Julgamento: 20/04/2017, 3ª TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: 26/04/2017; TRF-2 – AG: 200902010037160 RJ 2009.02.01.003716-0, Relator: Desembargador Federal REIS FRIEDE, Data de Julgamento: 21/10/2009, SÉTIMA TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: DJU – Data::05/11/2009 – Página::158; TRF-2 – AGTAC: 399964 RJ 1983.51.01.513692-7, Relator: Desembargador Federal REIS FRIEDE, Data de Julgamento: 30/01/2008, SÉTIMA TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: DJU – Data::12/02/2008 – Página::1380; TRF-2 – AC: 00137683820114025101 RJ 0013768-38.2011.4.02.5101, Relator: MARCUS ABRAHAM, Data de Julgamento: 29/08/2019, 3ª TURMA ESPECIALIZADA; TRF-4 – AC: 50146445120144047200 SC 5014644-51.2014.4.04.7200, Relator: ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, Data de Julgamento: 15/04/2021, PRIMEIRA TURMA; TRF-4 – AC: 50139307420124047002 PR 5013930-74.2012.4.04.7002, Relator: ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, Data de Julgamento: 04/05/2020, PRIMEIRA TURMA; TRF-1 – AMS: 73817 MG 1999.01.00.073817-0, Relator: JUIZ FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA (CONV.), Data de Julgamento: 03/04/2003, TERCEIRA TURMA SUPLEMENTAR, Data de Publicação: 15/05/2003 DJ p.189; TRF-3 – Ap: 00098926420124036119 SP, Relator: JUIZ CONVOCADO CIRO BRANDANI, Data de Julgamento: 24/04/2014, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/05/2014; TRF-3-ApCiv: 00007243420094036122/SP, Relator: DES. FED. MARCELO SARAIVA, Julgamento: 30/05/2019, 4ª TURMA, Pub.: e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/06/2019.

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