Regulamentação de novo programa de transação está prevista para dezembro

PTI foi um pedido das maiores empresas do país ao governo Lula

A Procuradoria- Geral da Fazenda Nacional (PGFN) estrutura para o início de dezembro a regulamentação do Programa de Transação Integral (PTI), que possibilitará em breve a negociação de créditos tributários em litígio com grandes contribuintes, contou ao Valor a procuradora-geral Anelize Almeida. O programa é uma das apostas do ministro Fernando Haddad para tentar alcançar o déficit zero mais uma vez no ano de 2025 e foi um pedido das maiores empresas do país ao governo Lula.

“Temos, hoje, um volume de contencioso tributário de R$ 5 trilhões no âmbito federal. De alguma forma, precisamos tratar esse contencioso, que é caro para as empresas, é caro para o Estado brasileiro, é caro para a sociedade”, argumentou a procuradora-geral na entrevista.

Ao todo, a PGFN prevê que a recuperação de créditos tributários pode gerar até quase R$ 90 bilhões aos cofres da União no próximo ano – somando a tradicional recuperação da dívida ativa da União, tanto por meio de cobrança quanto por negociação, a transação tradicional de teses tributárias e o PTI.

O PTI vai tratar de duas modalidades de transação tributária – os acordos entre a União e contribuintes para encerrar litígios administrativos ou judiciais. Uma para recuperar créditos inscritos na dívida ativa e com a cobrança judicializada e a outra para tratar de grandes teses em disputa, o que já foi feito este ano e será ampliado a partir de 2025. Os descontos podem chegar a até 65%.

Para o primeiro caso, que trata da “transação na cobrança de créditos judicializados de alto impacto econômico, baseada no Potencial Razoável de Recuperação do Crédito Judicializado (PRJ)”, a pasta está estruturando uma fórmula que vai, para cada pedido de crédito a ser negociado com a União, indicar a possibilidade de transação e, então, estabelecer o máximo desconto possível para aquele contribuinte.

“O pulo do gato dessa regulamentação será: quanto custa um litígio no Brasil? Qual é o custo de oportunidade entre o tempo desse litígio e o grau de prognose? Então, será um gráfico econométrico”, explicou Anelize. Além disso, acrescentou, serão levadas em consideração outras perguntas: “Qual é a tese em disputa? Quem é o devedor? Como é que está esse processo específico?”

Com o programa de transação como um todo, o governo aguarda arrecadar R$ 26 bilhões em 2025, dos quais R$ 15,45 bilhões são referentes à negociação individual que a Fazenda fará com os maiores contribuintes brasileiros – até antes do programa, bons pagadores não eram autorizados a negociar créditos com a Fazenda, que então era obrigada a cobrá-los tanto na via administrativa quanto na judicial. “Por que a gente vai dar desconto para quem deve muito e tem capacidade de pagamento? Porque o custo do litígio é mais caro.

Financeiramente é melhor para o Estado brasileiro encerrar a disputa do que insistir num litígio que vai demorar muitos anos, e que às vezes não tem sucesso”, justificou Anelize Almeida.

Ela afirmou que o processo de regulamentação será acelerado e ficará pronto este ano, já que a adesão das empresas ao programa não será instantânea. “São processos grandes, com companhias que precisam aprovar a negociação pelas suas governanças internas. E em algumas discussões, a Fazenda também vai ter de analisar caso a caso a viabilidade de negociar”, explicou.

De acordo com Anelize, há uma mudança burocrática também na negociação das transações caso a caso no âmbito do PTI. Isso porque, segundo ela, quando se tratam das grandes teses, os acordos são costurados com os jurídicos das empresas. Agora, como há o cálculo do custo do litígio e a análise do crédito específico devido, haverá também o envolvimento dos setor financeiro da companhia interessada em negociar o litígio, o que pode adicionar tempo às negociações.

“Quando você fala de custo de oportunidade, de capital, quem senta à mesa [com a Fazenda] é o CFO [Chief Financial Officer] da companhia”, disse a procuradora. “Além do jurídico, que vai abrir mão ou não do processo do litígio, o cálculo é feito pelo financeiro. Então, a gente está juntando duas partes dessa empresa no âmbito do diálogo”, acrescentou a procuradora- geral, que já tem recebido convites para explicar o programa ao setor financeiro de algumas grandes companhias.

Ela também antecipou que os primeiros editais para a negociação das grandes teses tributárias devem ser publicados até, no máximo, o início de novembro.

Em um primeiro momento, cerca de quatro editais de grandes teses para negociar com os contribuintes devem ser publicados, nos moldes do que foi feito este ano, quando a pasta já bateu o recorde de arrecadar R$ 12,8 bilhões – principalmente a partir dos acordos firmados com a Petrobras.Estão entre os primeiros editais da lista teses como: contribuições previdenciárias sobre valores pagos a título de participação nos lucros e resultados da empresa, insumos produzidos na Zona Franca de Manaus e utilizados para a produção de bebidas não alcoólicas.

Há, ainda, um edital referente a discussões sobre dedução da base de cálculo do PIS/Cofins, pelas instituições arrendadoras, de estornos de depreciação do bem, ao encerramento do contrato de arrendamento mercantil.

“É uma mudança radical da relação entre o Fisco e o contribuinte, entre a administração tributária e o contribuinte, sem sombra de dúvidas, a partir de uma análise da situação posta e não do mundo ideal”, afirmou a procuradora.

Fonte: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2024/10/16/regulamentacao-de-novo-programa-de-transacao-esta-prevista-para-dezembro.ghtml

Reforma tributária: domicílio eletrônico e judicialização estão entre as preocupações

Na quarta-feira (16), a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) realizou a última de 21 audiências públicas do grupo de trabalho sobre a regulamentação da reforma tributária. Nessas reuniões, o colegiado ouviu representantes de diversos setores da economia para estudar soluções e apresentar ajustes no projeto para a implementação das mudanças no sistema tributário (PLP 68/2024). O GT deve apresentar o relatório final até 22 de outubro.

Assim como no dia anterior, os participantes alertaram que o grande número de exceções na reforma vai dificultar a transição para o novo modelo. O coordenador do grupo, senador Izalci Lucas (PL-DF), considera crucial as contribuições para o aperfeiçoamento do novo modelo.

— Essas audiências foram maravilhosas, porque todos os segmentos tiveram a oportunidade de falar, de apresentar seus problemas. A proposta é que haja uma justificativa bem pedagógica, bem didática, para que qualquer senador leia e diga: “poxa, tem que mudar”. Mas tem muita mudança para ser feita, alguns ajustes, para a gente ter uma redação que traga mais segurança, mais transparência — defendeu Izalci, que também agradeceu a todos que participaram das rodadas de debate. 

O senador é autor de um requerimento (RQS 669/2024) para que a CAE também seja ouvida sobre a regulamentação da reforma. Atualmente, o PL 68/2024 está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

Combustíveis

Uma das preocupações trazidas pelos especialistas sobre a transição é relacionada ao setor de combustíveis, que foi retirado do período de teste para  a calibragem das alíquotas entre 2026 e 2028. 

Leonardo Gaffrée Dias, auditor fiscal no Rio Grande do Sul, lembrou que os combustíveis estão em um regime específico de tributação. O auditor alegou que a retirada dos combustíveis durante o prazo de teste seja, na verdade, um benefício fiscal. Ou seja, uma desoneração não prevista na Constituição. 

— Nós temos uma preocupação com relação a esse regime específico [porque] foi previsto que as alíquotas serão definidas por estados e municípios e há uma competência integrada, colegiada, feita por meio do Comitê Gestor. Mas não há autorização para que a legislação federal estipule regramentos para a alíquota.

Domicílio eletrônico

Ele também apresentou uma preocupação quanto ao domicílio tributário eletrônico. O texto aprovado pela Câmara dos Deputados retirou a eficácia das intimações por meio dessa ferramenta informatizada.

—  Esse texto, com certeza, teve um objetivo e acabou atingindo outro, que é, na realidade, favorecer o contribuinte que descumpre a legislação tributária, que eventualmente se utiliza de instrumentos protelatórios para não se relacionar com o Fisco ou para postergar as suas relações com o Fisco. 

Quem também alertou sobre o enfraquecimento do domicílio tributário eletrônico, com a permissão para comunicações via postal ou por meio de edital, foi Celso Malhani de Souza, diretor da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco).

— A retirada da eficácia das intimações pelo domicílio tributário eletrônico prejudica de uma forma por demais relevante o sistema. Nós entendemos que quem trouxe a alteração a trouxe no intuito de flexibilização, democratização do processo. Mas nós pensamos que isso desoperacionaliza o sistema.

Carga tributária e judicialização

Lucas Carezzato Ayres, do Movimento Brasil Competitivo (MBC), apresentou os resultados de um estudo feito em parceria com o Ministério do Desenvolvimento e com a Fundação Getúlio Vargas. A pesquisa chegou a um valor do chamado “custo Brasil” de R$ 1,7 trilhão, incluindo as sonegações fiscais que a reforma tributária pretende reduzir drasticamente.  

— A gente sempre olha para alterações textuais que sejam transversais, alterações que não impactem um único setor, mas que impactem todos os setores de maneira benéfica. São alterações que prezam pela não cumulatividade, por boas regras de transição, pela simplificação do sistema tributário, porque, no fim do dia, o objetivo aqui é a gente conseguir simplificar o sistema que aí está, e pelo não aumento da carga. 

Outro aspecto levantado durante a audiência foi a quantidade de ações tributárias no Judiciário. Tatiana Navarro, da Associação Nacional dos Contribuintes de Tributos (ANCT), reclamou do que chamou de “litigiosidade muito grande”.

— As questões sempre deságuam ali no Judiciário, porque elas não foram tratadas aqui na fonte devidamente, não observaram esses pequenos pontos que já podiam ter sido sanados. Então, é uma bola de neve que está sendo gerada.

Fonte: Agência Senado

Primeira Turma define hipóteses de cabimento de ação popular para anulação de atos do Carf

Para a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio de ação popular, a invalidação judicial de atos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) tidos como lesivos ao patrimônio público só é possível se apresentarem manifesta ilegalidade, se forem contrários a precedentes pacificados do Poder Judiciário ou implicarem desvio ou abuso de poder. 

O entendimento foi estabelecido pelo colegiado ao reformar acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) e julgar improcedente uma ação popular ajuizada para invalidar decisão do Carf que, reconhecendo a decadência, manteve a anulação de crédito tributário que havia sido constituído contra uma fundação. 

A ação popular foi julgada procedente em primeiro grau e mantida pelo TRF4. Segundo o tribunal regional, o Carf incorreu em ilegalidade – apta a justificar o cabimento da ação popular – ao dar entendimento contrário à regra prevista no artigo 173, inciso I, do Código Tributário Nacional, o que teria causado grande prejuízo ao erário. 

Ação popular não serve para proteção de interesses particulares

A ministra Regina Helena Costa, relatora, explicou que, por meio da ação popular, qualquer cidadão pode acionar o Judiciário para invalidar atos lesivos ao patrimônio material e imaterial do Estado, o que dá poder à sociedade civil para controlar as decisões estatais. 

Por outro lado, apontou a ministra, a ação popular não se presta à proteção de meros interesses particulares do autor, sob pena de subversão dos seus princípios e das finalidades para as quais ela se destina. 

“Vale dizer, o ajuizamento de ação popular, fundamentado no exercício da soberania do povo, deve ter por escopo imediato a defesa de interesses coletivos cuja preservação, apenas mediatamente, beneficia o autor enquanto membro do grupo, não se volvendo, contudo, à tutela de interesse preponderantemente individual daquele que em nome de todos atua, tampouco à mera contestação do legítimo exercício da atividade administrativa”, resumiu.

Autor da ação apenas discordou de tese firmada pelo Carf

Regina Helena Costa também explicou que, nos termos do Decreto 70.235/1972, o julgamento dos processos administrativos que discutem créditos tributários compete, em primeiro grau, às delegacias da Receita Federal e, em segunda instância, ao Carf, colegiado paritário e integrante da estrutura do Ministério da Fazenda. 

“A instituição, no âmbito da administração pública federal, de estrutura hierárquica para a solução dos conflitos fiscais e na qual o Carf figura como instância máxima, privilegia a resolução extrajudicial de litígios, viabilizando, em consequência, (i) o célere encerramento de contendas tributárias em ambiente consensual e (ii) o incremento da cultura de estímulo à desjudicialização, diretrizes fundantes da Política Judiciária de Tratamento à Alta Litigiosidade do Contencioso Tributário aprovada pela Resolução CNJ 471/2022 (artigo 2º, VI e VII)“, completou.

Como consequência, segundo a relatora, embora seja possível o manejo da ação popular para invalidação de ato do Carf que seja lesivo ao patrimônio público, eventual controle judicial das conclusões do conselho por meio desse tipo de ação deve considerar o papel do órgão nas decisões em matéria administrativa tributária, de modo que suas conclusões só se submetem à reforma judicial quando claramente ilegais, contrárias a precedentes judiciais consolidados ou marcadas por desvio ou abuso de poder. 

“Exegese diversa teria o condão de tornar irrelevante a participação da sociedade civil na tomada de decisões pelo poder público e supérfluo o principal mecanismo extrajudicial de solução de controvérsias tributárias federais, uma vez que acórdãos exonerativos do dever de pagar tributos sempre estariam sujeitos à revisão por instância distinta, independentemente de quaisquer outras indagações substantivas”, afirmou.

No caso analisado, a ministra apontou que o autor da ação popular, de maneira reiterada, buscou invalidar os acórdãos do Carf apenas por discordar da interpretação firmada pelo colegiado, pois eram contrários ao seu entendimento pessoal quanto ao alcance da legislação tributária. No entanto, concluiu, o mero inconformismo do autor não é razão suficiente para justificar a propositura da ação popular. 

Leia o acórdão no REsp 1.608.161.

Fonte: Notícias do STJ

Prazo de cinco anos vale só para início da compensação tributária, decide TRF-1

O prazo de cinco anos para a compensação tributária diz respeito só ao início do procedimento compensatório.

O entendimento é da 13ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que manteve decisão favorável a uma empresa que atua no setor de colchões. Segundo o colegiado, apesar do que foi definido na Medida Provisória 1.202/2023, o prazo não deve ser aplicado como um limite para a compensação por completo, o que deve ocorrer só no início do procedimento.

A compensação consta na Lei 9.430/1996, que permite que créditos decorrentes de pagamento de tributos ou contribuições federais sejam compensados em relação aos débitos de tributos e contribuições administrados pela Receita. A MP de 2023, no entanto, estabeleceu limitações ao aproveitamento. 

Segundo o TRF-1, no entanto, uma vez que tenha sido iniciado o procedimento compensatório de créditos reconhecidos judicialmente, o aproveitamento segue valendo até o seu esgotamento. 

“O prazo de cinco anos é apenas para o início do procedimento compensatório e, considerando que já foi iniciada a compensação, é cabível o aproveitamento do montante total dos créditos reconhecidos judicialmente, até o seu esgotamento”, afirmou em seu voto o desembargador Jamil Rosa de Jesus Oliveira, relator do caso. 

Atuou no caso o advogado Eduardo Ricca, do Vikanis & Ricca Advogados. “Iniciada a compensação de crédito decorrente de processo judicial, o contribuinte teria cinco anos para consumir este crédito. Esta posição, francamente ilegal, fez com que o sistema da Receita Federal bloqueasse compensações do contribuinte após o prazo” disse.

Clique aqui para ler a decisão
Processo 1011527-18.2024.4.01.3300

Fonte: Conjur, 20/08/2024

Norma da Receita extrapola Lei do Carf ao restringir benefícios em autuações, dizem tributaristas

Uma instrução normativa (IN) da Receita Federal publicada no mês passado promoveu novas restrições a benefícios no pagamento de autuações fiscais após condenações no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) decididas pelo voto de qualidade. E os tributaristas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico sobre o assunto apontam que as restrições são indevidas, porque vão além das previsões da Lei do Carf.

A lei em questão, sancionada em 2023, retomou, após três anos, a regra do voto de qualidade: em caso de empate nos julgamentos de disputas tributárias do Carf, o voto decisivo é do presidente da seção — posição sempre ocupada por representantes do Fisco.

Porém, o texto legal estabeleceu que, caso a disputa seja decidida pelo voto de qualidade favorável ao Fisco, as multas aplicadas no auto de infração são excluídas e a representação fiscal para fins penais (RFFP, que consiste em uma comunicação ao Ministério Público sobre possível crime tributário) é cancelada.

Já a IN 2.205/2024 restringiu essas hipóteses e determinou que elas não se aplicam a multas isoladas, aduaneiras, moratórias, por responsabilidade tributária, de existência de direito creditório e nos casos em que for constatada a decadência.

A lei também estabeleceu que a exclusão de multas e o cancelamento da RFFP valem para casos já julgados pelo Carf e ainda pendentes de análise de mérito no respectivo Tribunal Regional Federal até a data da publicação da norma — 20 de setembro de 2023. Mas a nova IN prevê que esses benefícios não se aplicam a casos julgados de forma definitiva no Carf antes de 12 de janeiro do ano passado.

Na contramão

De acordo com Daniel Ávila, sócio-diretor do escritório Locatelli Advogados, as restrições ao afastamento das penalidades estão “na contramão daquilo que foi definido para mitigar os impactos do retorno do voto de qualidade”.

Ele também critica a data de aplicação dos benefícios estipulada pela norma da Receita: “Novamente, surge no Sistema Tributário uma IN em desrespeito à lei, inovando para restringir, em vez de simplesmente instrumentalizar a lei. Sob o pretexto de regular e aclarar, na realidade, a Receita Federal distorce e limita aquilo que foi decidido pelo Poder Legislativo”.

Em artigo publicado na ConJur, as tributaristas Clara Barbosa e Letícia da Gama também ressaltaram que “a lei não estabelece limitações quanto ao tipo de multa aplicada, pelo que qualquer multa deveria ser cancelada”.

Para elas, a instrução normativa, “a pretexto de regulamentar a Lei 14.689/2023”, acabou violando seus preceitos, “retirando do contribuinte parte dos direitos que a lei já lhe havia garantido”.

Na visão das advogadas, “a legalidade de todas essas mudanças introduzidas pela IN 2.205/2024 é questionável, pois a Receita Federal não pode implementar alterações tão significativas por ato infralegal, sob pena de usurpação do Poder Legislativo e extrapolação do decidido pelo Congresso. Noutros termos, uma instrução normativa não pode ser mais dura do que a lei”.

Anete Mair Maciel Medeiros, sócia do Gaia Silva Gaede Advogados, destaca que a Lei do Carf “não discrimina quais multas seriam excluídas” em caso de decisão pelo voto de qualidade. Ela entende que “há um conflito normativo, já que a IN, a pretexto de regulamentar, extrapola o comando legal”.

“As instruções normativas possuem o dever de regulamentar leis e decretos”, explica Anete. “O que não pode ser permitido é a extrapolação, independentemente do viés, do comando legal. A instrução não pode infirmar o comando legal, tampouco conceder a mais.”

Segundo Anali Sanchez Menna Barreto, sócia do Menna.Barreto Advogados, a instrução normativa “está em completo descompasso com as disposições da Lei nº 14.689/2023”.

Ela considera que a IN restringiu de forma indevida os benefícios, pois “a Receita não poderia restringir e eleger quais multas seriam passíveis de exclusão”. A advogada também vê como indevida a diminuição da data de “corte”.

Anali lembra que a instrução normativa não pode alterar o que consta da lei. “Portanto, essas restrições, por estarem em desacordo com a lei, não podem ser mantidas.”

“O regramento de uma lei até pode ser estabelecido por meio de uma instrução normativa, no entanto, ela não pode ultrapassar o limite da lei que ela visa q regulamentar”, indica a advogada. Ou seja, qualquer IN deve estar subordinada à lei que regulamenta. E qualquer restrição ao texto da lei “só poderia ser realizada por ato com força de lei”, segundo ela. Por isso, é “impossível” que uma IN “insira mudanças ou extrapole o que a lei já dispôs”.

Julgamento do STJ

O Superior Tribunal de Justiça já decidiu nesse sentido ao julgar a IN que regulamentou a forma de cálculo dos preços de transferência.

“O fato de que a Lei 14.689/2023 não fez qualquer restrição quanto às multas excluídas no julgamento por voto de qualidade já induz à conclusão pela ilegalidade das restrições da IN 2.205/2024”, pontua Cristiano Luzes, sócio do Serur Advogados.

Ele recorda que “o regulamento deve se prestar à execução da lei” e “não poderia inovar ou restringir, sobretudo quando se trata de uma regra de garantia que regulamenta o in dubio pro reo em matéria de multa fiscal”.

Regras como as da IN 2.205/2024, “que estabelecem dispensa ou redução de penalidades, somente podem ser instituídas por lei”. Isso é estabelecido pelo inciso VI do artigo 97 do Código Tributário Nacional.

No caso dos efeitos temporais, Luzes vê uma ilegalidade “mais explícita”, pois a própria lei já havia determinado que as regras se aplicam a casos pendentes de julgamento nos TRFs.

“Infelizmente, esse tema continuará produzindo tensões entre a Fazenda e os contribuintes, com litígios que devem ser levados às cortes judiciais”, avalia o advogado.

Daniel Ávila também acredita que a “violação ao princípio da legalidade poderá desaguar no Poder Judiciário, que, mais uma vez, terá de impor limites às instruções normativas que extrapolam sua razão de ser”.

Fonte: Conjur, 13/08/2024

×