Comentários desativados em Norma cria política para reduzir contencioso tributário judicial e administrativo
A redução da alta litigiosidade do contencioso tributário nacional e seus impactos no Poder Judiciário e na sociedade brasileira são objetivos da nova política judiciária aprovada na 110ª Sessão Virtual do Conselho Nacional de Justiça, realizada entre os dias 18 e 26 de agosto.
A resolução institui a Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado à Alta Litigiosidade do Contencioso Tributário e busca garantir o direito à solução dos conflitos tributários de forma efetiva, proporcionando celeridade e acesso à Justiça. A aprovação do ato normativo originou a Resolução CNJ 471/2022, que contém medidas que visam promover uma mudança cultural no contencioso tributário.
A Semana Nacional da Autocomposição Tributária está prevista para ocorrer sempre em outubro e buscará, por meio da realização de mutirões e mobilizações, estimular a realização de acordos entre as partes envolvidas em demandas tributárias.
Também foi aprovada a criação da Rede Nacional de Tratamento Adequado à Alta Litigiosidade do Contencioso Tributário, que procurará estimular a cooperação entre o ambiente tributário administrativo e judicial, observar precedentes em matérias tributárias, além de celebrar protocolos institucionais para intercâmbio de informações e provas, diligências e ações de assistência e orientação aos contribuintes.
Diagnóstico A formulação da política prevista nas normas aprovadas teve como base o documento Sistematização do Diagnóstico do Contencioso Judicial Tributário, concebido pela Secretaria Especial de Programas, Pesquisas e Gestão Estratégica do CNJ. A obra reúne os resultados obtidos no Diagnóstico do Contencioso Judicial Tributário, elaborado pelo Insper para o CNJ, de maneira elucidativa acrescida de discussão e proposição de medidas concretas, com o objetivo de não apenas reduzir a litigiosidade, mas em especial promover uma mudança na cultura.
Relator da proposta, o conselheiro Marcus Vinícius Rodrigues enfatizou que o CNJ será o impulsionador da política por meio da Comissão de Solução Adequada de Conflitos. “À Comissão caberá instituir ações, pesquisas e projetos para redução da alta litigiosidade, visando a aplicação uniforme da legislação tributária no âmbito do Poder Judiciário, o respeito aos precedentes da matéria e o estímulo à solução adequada de conflitos tributários, sempre por meio do incremento da cooperação entre o ambiente tributário administrativo e judicial”.
Presidente da Comissão Permanente de Solução Adequada de Conflitos, Rodrigues ressaltou que os tribunais deverão atuar pela implementação da política de tratamento à elevada litigiosidade do contencioso tributário. “Todos devem buscar interlocução com outros tribunais e com os órgãos integrantes da rede constituída por todos os órgãos do Poder Judiciário e por entidades públicas e privadas parceiras, inclusive universidades e instituições de ensino”.
Mais cooperação A Sistematização do Diagnóstico do Contencioso Judicial Tributário Nacional integra os resultados obtidos na seara administrativa e na seara judicial. Também observa precedentes, incentiva a celebração de protocolos institucionais e a realização de estudos futuros focados nos contenciosos tributários, nas procuradorias e nas administrações tributárias do governo federal, estadual e municipal. Rodrigues observou que os estudos ressaltaram que existe uma carência em termos de cooperação entre os atores do sistema.
“Tudo isso revela a urgência para integrar as searas administrativa e judicial, bem como o estabelecimento de laços com os contribuintes. Apenas fortalecendo a confiança entre as partes envolvidas no contencioso tributário, poderemos alcançar a efetiva garantia de direitos”. Segundo ele, a política não se restringe a garantir direitos, mas tem a ambição de ser o pontapé inicial para uma mudança de cultura na relação fisco, contribuinte e Judiciário, “ultrapassando os velhos conceitos de embate para uma nova agenda de cooperação”.
No voto, o relator lembrou ainda que os relatórios Justiça em Números têm apontado as execuções fiscais como o principal fator de morosidade do Poder Judiciário, correspondendo a 36% do total de casos pendentes em 2020, chegando à taxa de congestionamento de 87%. Com informações da assessoria de imprensa do CNJ.
Comentários desativados em Limites de alçada no âmbito do PAT e mandado de segurança
A atividade jurisdicional prestada, em caráter atípico [1], pela administração pública por meio de seus órgãos de contencioso-administrativo tributário submete-se aos princípios constitucionais que compõem o modelo constitucional de processo, os quais devem ser interpretados e aplicados à luz das particularidades das lides tributárias. Essa premissa assume grande relevância quando se tem em mira as noções de contraditório e ampla defesa que, por expressa determinação constitucional (artigo 5°, LV, CF/88 [2]), hão de ser garantidas ao jurisdicionado no âmbito dos processos administrativos, incluídos, neste escaninho, os de natureza tributária.
É nesse contexto que a questão atinente à garantia ao duplo grau de jurisdição no âmbito dos processos administrativos tributários (PATs) tem lugar, em especial em casos específicos em que a legislação processual mitiga o acesso do sujeito passivo às instâncias administrativas de segundo grau a partir de critérios que fogem à razoabilidade.
O duplo grau de jurisdição, não há dúvidas, constitui corolário direto dos cânones do contraditório e da ampla defesa, contando, também, com menção expressa no texto constitucional (“com os meios e recursos a ela inerentes”), o que faz dele uma garantia inafastável do sujeito passivo tributário no âmbito dos processos administrativos
Nesse sentido, Rodrigo Dalla Pria explica:
“Corolário dos cânones constitucionais da ampla defesa e da motivação é o – não menos importante – princípio do duplo grau de jurisdição, que também se manifesta no contexto dos processos administrativos tributários. Por duplo grau de jurisdição há que se entender o direito do jurisdicionado de, em face de erro ou de imprecisão do pronunciamento jurisdicional, reprovocar a atividade jurisdicional a fim de obter juízo de revisão da decisão exarada” [3].
De fato, na grande maioria das legislações que estruturam os contenciosos administrativo-tributários dos diversos entes políticos tributantes, essa garantia é expressamente resguardada. Exemplo disso é o que ocorre no âmbito federal, onde o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), assume a condição de órgão de segundo grau de jurisdição, e, também, na legislação do contencioso tributário paulista, onde essa função é exercida pelo Tribunal de Impostos e Taxas (TIT).
O que se questiona, nesse específico contexto, não é exatamente a existência ou não de um regime procedimental que garanta ao sujeito passivo o direito à revisão, por órgão de segundo grau de jurisdição, das decisões administrativas que lhes sejam desfavoráveis, mas sim de regras específicas que mitigam o acesso do jurisdicionado aos indigitados órgãos de segundo grau.
É esse, exatamente, o caso da chamada “regra ou limite de alçada”, que restringe o direito de acesso do sujeito passivo tributário aos órgãos de segunda instância administrativa em razão do valor envolvido na lide. Em tais situações, a despeito de se garantir o direito à recorribilidade, eventual insurgência do sujeito passivo será objeto de apreciação pelo mesmo órgão que proferiu a decisão impugnada, o que resulta em prejuízo às noções de imparcialidade e independência.
Os chamados “limites de alçada” apresentam-se, portanto, como regras que impedem o acesso aos órgãos de segunda instância administrativa nos casos em que o débito tributário exigido corresponde a valor igual ou inferior ao teto fixado pela legislação processual. No estado de São Paulo, por exemplo, essa limitação está disposta no artigo 40 da Lei estadual nº 13.457/2009 [4] e corresponde a 20 mil Ufesps [5]. Já em âmbito federal, a regra foi inserida pelo artigo 23 da Lei nº 13.988/2020[6], que estabelece o teto 60 salários mínimos.
Assim, autos de infração, devidamente impugnados, que tenham como objeto crédito tributário inferior ao “valor de alçada”, se mantidos em primeira instância, não poderão ser levados à apreciação dos órgãos colegiados de segundo grau. O que se tem, em verdade, é o mero exercício da recorribilidade perante o mesmo órgão que proferiu a decisão recorrida, o qual estará incumbido de exarar verdadeiro juízo de (auto)revisão.
Ora, para que haja pleno exercício do direito ao duplo grau de jurisdição não basta garantir ao jurisdicionado a possibilidade de obtenção de um juízo de revisão exarado pela mesma autoridade fiscal que proferiu a decisão recorrida. É necessário que o direito à recorribilidade seja exercido perante órgão de instância superior que possa exercer o controle da legalidade da decisão recorrida de forma independente e imparcial.
Ademais, não se pode admitir que sujeitos passivos que tenham sido autuados por débitos fiscais de valores distintos sejam submetidos a regimes processuais diferentes, onde aqueles que são titulares de débitos maiores tenham a pleno gozo do direito de recorrer, tal como posto no texto Constitucional, e outros contribuintes, titulares de débitos menores, tenham essa garantia tolhida. Trata-se, em verdade, de uma clara e indesejada inversão de valores, pois o débito fiscal que tem maior potencial lesivo ao erário possui maiores e melhores garantias de controle do que aquele que tem menor potencial lesivo.
Não é preciso maiores esforços interpretativos para concluir que esse tratamento discriminatório ofende, flagrantemente, o princípio da isonomia [7], por não manter correlação lógica entre o fator erigido como critério de distinção (valor da dívida tributária) e a discriminação legal decidida em função dele (não acessibilidade à segunda instância administrativa) [8].
Em nosso sentir, essa situação, por violar direito líquido e certo do sujeito passivo às instâncias recursais ordinárias, autoriza o manejo do mandado de segurança — preventivo ou repressivo — voltado ao processamento, remessa e conhecimento do recurso pelo órgão colegiado administrativo de segunda instância. Em tais circunstâncias, vale insistir, o uso do mandado de segurança terá como fim específico garantir o direito do sujeito passivo ao acesso às instâncias recursais de segundo grau, não estando vinculado a quaisquer questões de mérito do recurso, isto é, da dívida tributária em si, o que afasta a possibilidade de eventual alegação de concomitância entre os processos administrativos e judicial (artigo 38, parágrafo único, da LEF) [9].
[2] CF/88: “Art. 5º – (…) LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”
[3] DALLA PRIA, Rodrigo. Direito Processual Tributário. 2ª Ed., São Paulo: Noeses, 2020, p. 655.
[4] Lei estadual nº 13.457/2009: “Art. 40 – Da decisão favorável à Fazenda Pública do Estado no julgamento da defesa, em que o débito fiscal exigido na data da lavratura do auto de infração corresponda a até 20.000 (vinte mil) Unidades Fiscais do Estado de São Paulo – UFESPs, poderá o autuado interpor recurso voluntário, dirigido ao Delegado Tributário de Julgamento”.
[5] Uma Ufesp corresponde a R$ 31,97 (para o ano de 2022), de maneira que, no âmbito do estado de São Paulo o acesso ao TIT supõe dívida tributária superior a R$ 639.400,00.
[6] Lei federal nº 13.988/2020: “Art. 23 – Observados os princípios da racionalidade, da economicidade e da eficiência, ato do Ministro de Estado da Economia regulamentará:
I – o contencioso administrativo fiscal de pequeno valor, assim considerado aquele cujo lançamento fiscal ou controvérsia não supere 60 (sessenta) salários mínimos; II – a adoção de métodos alternativos de solução de litígio, inclusive transação, envolvendo processos de pequeno valor. Parágrafo único. No contencioso administrativo de pequeno valor, observados o contraditório, a ampla defesa e a vinculação aos entendimentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, o julgamento será realizado em última instância por órgão colegiado da Delegacia da Receita Federal do Brasil de Julgamento da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, aplicado o disposto no Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, apenas subsidiariamente”.
[7]“Trata-se, não há dúvidas, de um expediente discriminatório que viola frontalmente o cânone da isonomia, especialmente se considerarmos o fato de os maiores carecedores de justiça tributária serem os sujeitos passivos com menor capacidade econômica e aqueles que realmente se preocupam com uma gestão tributária de excelência (o que não os exime de erros e autuações).” (DALLA PRIA, Rodrigo. Direito Processual Tributário. 2ª ed., São Paulo: Noeses, 2020, p. 658).
[8] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. InConteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª edição, 9ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2001.
[9] Lei de Execuções Fiscais (LEF): “Artigo 38 – (…)
Parágrafo único — A propositura, pelo contribuinte, de ação prevista neste artigo importa em renúncia ao poder de recorrer na esfera administrativa e desistência do recurso acaso interposto”.
Danilo Monteiro de Castro é advogado, mestre e doutor em Direito Tributário pela PUC-SP, professor do Ibet, juiz do TIT-SP e pesquisador do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet.
Renato Turatti Miranda é advogado, sócio na Junqueira de Carvalho e Murgel Advogados Associados, mestrando e especialista em Direito Tributário pelo Ibet.
Revista Consultor Jurídico, 11 de setembro de 2022, 8h00
Comentários desativados em DECISÃO: Falecimento de devedor de crédito tributário antes da citação extingue execução fiscal
A 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) decidiu que a União não pode cobrar do espólio nem dos herdeiros a dívida de sócio de uma empresa devedora de tributos que faleceu antes de ser citado na ação de execução fiscal proposta pela Fazenda Nacional.
Esse entendimento foi dado durante o julgamento de agravo de instrumento interposto pelo espólio de um homem na ação de execução contra a decisão que rejeitou o pedido para extinção da ação sem resolução do mérito.
O relator, desembargador federal Hercules Fajoses, destacou em seu voto que as jurisprudências do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do TRF1 são no sentido de que o redirecionamento da execução fiscal contra o espólio pode ocorrer somente “quando o falecimento do contribuinte ocorrer após sua citação, nos autos da execução fiscal, não sendo admitido, ainda, quando o óbito do devedor ocorrer em momento anterior à própria constituição do crédito tributário”.
O magistrado afirmou que a certidão de óbito comprova que o codevedor faleceu em 28/09/2013, antes da sua citação em 21/01/2015, para figurar no polo passivo na qualidade de corresponsável pelos débitos tributários da devedora principal.
Para o desembargador, “a inclusão do espólio ou dos seus sucessores no polo passivo da demanda configura verdadeira substituição do sujeito passivo da cobrança, o que é vedado, nos termos da Súmula 392 do STJ”.
O Colegiado, por unanimidade, deu provimento ao agravo de instrumento, nos termos do voto do relator.
Processo: 1010048-06.2018.4.01.0000 Data do julgamento: 02/08/2022
Comentários desativados em Propostas aprovadas buscam reformar processos administrativo e tributário
A comissão criada em março deste ano para propor a atualização do Código Tributário Nacional e da legislação que trata do processo administrativo na administração pública encerrou as atividades, nesta quarta-feira (6/9), com a entrega de 16 propostas estruturantes. Entre anteprojetos de lei e ações para simplificação de normas, as medidas propõem ampla reforma em ações que incentivam a solução consensual de conflitos em matéria tributária, a redução do contencioso tributário, a desjudicialização, a diminuição da litigiosidade entre fisco e contribuintes, a simplificação de processos e a composição entre as partes.
Composta por 20 juristas, a comissão foi instalada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Senado Federal, sendo coordenada pela ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Regina Helena Costa. Nos temas relacionados ao processo tributário, a relatoria foi feita pelo secretário especial de Programas, Pesquisa e Gestão Estratégica do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Marcus Livio Gomes. Nos assuntos vinculados ao processo administrativo, a relatoria ficou a cargo do secretário-geral do CNJ, Valter Shuenquener.
Na entrega oficial do relatório conclusivo ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, o presidente do CNJ, ministro Luiz Fux, avaliou que as propostas são de extrema importância para o Sistema de Justiça. “A reforma do processo administrativo e tributário visa dar mais eficiência para que os procedimentos sejam mais rápidos. Ao mesmo tempo, criamos instrumentos para a desjudicialização do processo administrativo e tributário em iniciativa que vai ajudar a desabarrotar os tribunais.”
Fux salientou que os anteprojetos foram formulados em 180 dias e representam um trabalho de alta complexidade e profundidade. “Realizado por um verdadeiro pool da inteligência jurídica do direito tributário e administrativo do país”, disse o ministro em referência aos juristas e especialistas que integraram a comissão.
Tributário
Na parte do processo tributário, a comissão entregou oito propostas estruturantes: nova lei ordinária do processo administrativo tributário da União; nova lei ordinária de execução fiscal; nova lei ordinária de custas da justiça federal; lei complementar a inserir norma geral de prevenção de litígios, consensualidade e do processo administrativo tributário no Código Tributário Nacional; lei ordinária de criação de arbitragem em matéria tributária aduaneira; lei ordinária de mediação tributária da União; lei ordinária sobre processo de consulta tributária da União; e lei complementar de criação do Código de Defesa do Contribuinte.
Relator dessas proposições, Marcus Livio Gomes afirmou que o trabalho privilegiou a consensualidade e a ampliação do direito de defesa e das garantias dos contribuintes, “sem descuidar principalmente da Fazenda Pública e dos recursos públicos, que são a base e o alicerce para o cumprimento das decisões fundamentais da Carta Constitucional”.
Administrativo
Na seara do processo administrativo, também foram apresentadas oito expressivas contribuições: “O caráter nacional da matéria procedimento em processo administrativo”; “Processo eletrônico como instrumento para o incremento da eficiência e transparência da administração”; “O regime jurídico do ato administrativo”; “O silêncio da administração pública”; “A consagração da participação popular por meio de audiência pública e consulta pública no processo administrativo”; “Revisão da Lei n. 9.784/1999 que disciplina o processo administrativo federal”; “Análise de impacto”; e “Contribuições para o aperfeiçoamento do regramento do direito administrativo sancionador”.
Sobre a importância da contribuição, o relator Valter Shuenquener destacou que o trabalho foi norteado pela preocupação com o contraditório e a ampla defesa, visando à desjudicialização e à busca pela neutralidade administrativa na condução dos processos.
Propostas estruturantes
Na visão da ministra Regina Helena, as propostas são estruturantes para o aperfeiçoamento da legislação e voltadas à melhora das relações jurídicas entre os contribuintes e o fisco no plano das relações processuais administrativas e judiciárias. “É uma contribuição de grande envergadura que acreditamos possa ser aproveitada pelo Senado.”
Ao receber o relatório final, Rodrigo Pacheco disse que as propostas serão encaminhadas como projetos de lei do Senado e que os juristas serão chamados a participar de debates. Na iniciativa de converter as propostas em proposições legislativas mirando a conversão em leis efetivas, o presidente do Senado informou que irá tratar da relevância da reforma do processo administrativo e tributário com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira. “Pretendo instaurar uma comissão para tratar desses temas para que tenhamos a ligeireza necessária na apreciação e aprovação pelo Senado.”
Texto: Luciana Otoni Edição: Thaís Cieglinski Agência CNJ de Notícias
Comentários desativados em Modulação que bate em Chico deveria bater em Francisco
Tem sido objeto de controvérsia, e geradora de insegurança jurídica, a maneira como um instituto — criado para dar segurança — vem sendo utilizado pelo Supremo Tribunal Federal: a modulação dos efeitos de suas decisões, ou, em outros termos, a limitação temporal de sua eficácia.
Um aspecto que pode ser destacado é a atenção aos requisitos que deveriam ser observados, a fim de se fazer uma modulação desse tipo, independentemente da lide subjacente ou das partes que nela litigam. Trata-se de algo excepcional, destinado, nas palavras de Paulo Bonavides, a evitar que se crie, com a declaração de inconstitucionalidade, uma situação “ainda mais inconstitucional”.
Precisamente por isso, a modulação exige, primeiro, que se esteja diante de situação na qual a declaração de inconstitucionalidade criará efeitos negativos excepcionais e expressivos.
Mas não só. É preciso, ainda, que, além do efeito negativo excepcional, se esteja diante de situação em que a pessoa que sofre tais efeitos, ou ônus, agia de boa fé e não poderia antevê-los, não sendo razoável exigir dela que os tivesse previsto.
Esses são, por exemplo, os requisitos exigidos pela Corte Europeia de Justiça (ECJ) para proceder a essa limitação temporal, não se permitindo que a mera necessidade de restituir tributos indevidos — consequência lógica, e nada excepcional, de toda decisão que afirma inválida a norma que os cria — seja motivo para modulações. Também não se modula quando a invalidade decorre da aplicação de entendimento jurisprudencial que era, ou deveria ser, conhecido por parte de quem editou a norma em sentido contrário, criando o tributo mesmo assim.
O Supremo Tribunal Federal talvez não esteja sendo tão atento a tais premissas, notadamente quando se trata de lei instituidora de tributo depois declarada inconstitucional. A modulação tem sido a regra, como se nota em casos como o da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, da invalidade das alíquotas excessivas do ICMS incidente sobre energia elétrica, das normas que ampliavam os prazos decadenciais e prescricionais para lançamento e cobrança de contribuições previdenciárias, ou do diferencial de alíquota do ICMS nas operações destinadas a não contribuintes do imposto, apenas para citar alguns exemplos. Levantada a questão apenas da tribuna, pela Fazenda que se percebe perdedora durante a sessão, ou mesmo só depois, em declaratórios, a modulação foi concedida em todos esses casos, porque a mera necessidade de restituição seria um “prejuízo”.
Sem entrar no mérito, aqui, da questão de saber se havia alguma dúvida sobre a essencialidade da energia elétrica, ou da necessidade de lei complementar para traçar prazos de decadência tributária, por exemplo, o fato é que igual complacência não se tem visto, em situações nas quais o novo entendimento, de cuja limitação temporal se cogita, prejudica o contribuinte que se pautava por critérios anteriores e pela decisão substituídos. Nesses casos, aliás, há um agravante: o contribuinte não raro confia em jurisprudência que já existe, pacífica, afirmando a invalidade do tributo, e quando a questão chega ao STF, este altera esse entendimento, passando a afirmar devida a exação. A mudança, que por vezes se dá na jurisprudência da própria Corte Maior, pega contribuintes de surpresa, e pune aqueles que inclusive haviam há muito deixado de recolher a exação. Foi o que se deu, por exemplo, no que tange à revogação da isenção de Cofins das sociedades de profissionais, cuja invalidade havia sido reconhecida pelo STJ (Súmula 276/STJ), tendo o STF reiteradas vezes afirmado que a questão não lhe competia examinar, por ser meramente infraconstitucional. Com a alteração do entendimento, afirmou-se válida a revogação, e devida a contribuição por todos aqueles que vinham há anos sem a recolher, por confiarem na jurisprudência.
Atualmente, coloca-se na corte a questão de saber se deve ser modulada a decisão que afirmou válida a incidência de contribuição patronal sobre o terço de férias (RE 1.072.485). Muitos contribuintes vinham, há anos, sem recolher a exação, confiando em uma jurisprudência pacífica formada a respeito. Até que a Corte Maior afirma a validade da cobrança, sem qualquer ressalva ou observação excepcional quanto àqueles que, amparados no entendimento anterior, não a vinham recolhendo. Suscitada então a necessidade de modulação, diante da surpresa da reviravolta jurisprudencial, a questão está pendente, interrompida por pedido de destaque do ministro Fux.
Caso não haja a modulação, neste caso, haverá mais do que um prejuízo expressivo — pois às exações não computadas como custo, que as empresas agora terão de pagar, ainda se acrescerão multas e juros —; haverá um golpe na confiança de quem assim agia por levar a sério as orientações do Poder Judiciário. E, se a modulação ressalvar apenas aqueles que já entraram com ações até alguma data a ser estabelecida no passado, o que às vezes ocorre, ter-se-á mais uma sinalização para que, na dúvida, se judicialize o quanto antes toda e qualquer questão, incentivo nada bom diante do atual cenário de congestionamento desnecessário do Poder Judiciário. Mas o pior, se não houver modulação, será a mensagem de que só tem direito à segurança o poder público, que edita normas inconstitucionais para se beneficiar, não raro em desrespeito à jurisprudência já firmada; já o cidadão, em nome do qual historicamente se criaram Constituições e catálogos de direitos fundamentais, destinatário último destes, quando segue os pronunciamentos judiciais e com base neles se organiza, não tem.
Hugo de Brito Machado Segundo é mestre e doutor em Direito, professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, professor do Centro Universitário Christus (graduação/mestrado), membro do Instituto Cearense de Estudos Tributários (Icet) e da World Complexity Science Academy (WCSA), advogado e visiting scholar da Wirtschaftsuniversität de Viena (Áustria).
Revista Consultor Jurídico, 7 de setembro de 2022, 8h00