O que gera tantos litígios tributários?

Não raro ouvimos especialistas a apontar o excesso de processos em matéria tributária, aludindo a uma “cultura do litígio” que os incentivaria. Aproveita-se para sugerir soluções ao problema, a exemplo do uso de métodos alternativos à jurisdição, como a transação e a arbitragem. É o contexto em que surgem, também, os defensores de uma execução fiscal administrativa.

Como todo problema complexo, por certo há várias causas, mas neste texto se pretende examinar basicamente uma, que é central: o desrespeito aos precedentes. E, ao cabo, avaliar se da premissa decorrem os diagnósticos e as soluções propostas.

Quanto à principal causa para o excesso de processos judiciais, sabe-se que a maioria das questões que pendem no âmbito dos Tribunais têm a Fazenda Pública como parte. União, Estados, Distrito Federal, Municípios, e entes da administração indireta. Além das questões tributárias, que são muitas, há ainda as relativas a servidores públicos, e ao Direito Previdenciário.

Grande parte dessas questões seriam evitáveis. Bastaria que a Administração Pública em geral, e a Tributária em particular, respeitasse os precedentes. Mas nem as Delegacias Regionais de Julgamento da Receita Federal respeitam os precedentes do Carf — quando favoráveis ao contribuinte. Invocam o artigo 100 do CTN para alegar que as decisões dos órgãos de julgamento só integram a legislação tributária quando têm força vinculante, ignorando todas as demais. Decisões judiciais, só se proferidas em sede de recursos repetitivos, ou repercussão geral, e ainda assim às vezes se encontram caminhos para “interpretá-las” e assim reduzir seu alcance.

É bem provável que você, leitora, já tenha passado por isso: comparecer a uma repartição pública do Poder Executivo, na tentativa de ver uma pretensão acolhida, e escutar do servidor o seguinte: “A senhora até pode ter razão. Se for à Justiça, vai ganhar. Mas eu não posso fazer nada, porque a orientação é negar, e eu tenho que me preservar”.

Se preservar, no contexto do serviço público, parece ser, muitas vezes, negar a pretensão de um cidadão, ainda que de modo ilegal, desde que isso não favoreça terceiros, beneficiando apenas os interesses da própria Administração Pública.

São condutas assim que tornam o Judiciário repleto de processos que não precisariam existir, ocupando o tempo de magistrados, servidores e demais profissionais do Direito, que se poderiam estar dedicando a questões relevantes, ainda pendentes de solução definitiva. Incrementa-se, ainda, a possibilidade de se proferirem decisões discrepantes, ou de pessoas — as que vão e as que não vão ao Judiciário — receberem tratamentos diferentes para situações semelhantes, maltratando o princípio da igualdade e reclamando, no futuro, a reabertura de questões, e de novas polêmicas, com a que o Supremo Tribunal Federal está agora a deslindar, relativa à coisa julgada em questões tributárias diante de decisões definitivas contrárias à jurisprudência dominante. Jurisprudência defensiva e o bloqueio de recursos com o uso de critérios totalmente irrazoáveis, além do uso de algoritmos para apreciação de processos em massa, com a consequente perda da qualidade dessas apreciações, são sequelas também.

Quando o Supremo Tribunal Federal reconhece a ilegitimidade de uma exigência tributária, mas limita temporalmente os efeitos de sua decisão, “modulando-os” para o futuro, dá outra forte sinalização no sentido de que se ajuízem ações que poderiam ser evitadas. Isso porque o instituto da modulação, além de estar sendo usado, em matéria tributária, com frequência talvez superior à razoável, não raro ressalva o direito daqueles que já haviam movido ações até determinada data. Ou seja, na dúvida sobre se o STF declarará, ou não, uma exigência constitucional, o recado que se dá ao cidadão é: mova a sua ação individual, o quanto antes, pois se deixar para se movimentar depois da decisão, pode ser prejudicado por uma atribuição de efeitos ex nunc. O correto, nesse cenário, seria não só não se proceder à modulação, como também a Fazenda respeitar, de ofício, os efeitos da decisão, com a devolução do tributo indevidamente pago a todos os contribuintes, independentemente de pedido. A redução no número de feitos — totalmente desnecessários — seria enorme.

E, por último, a leitora pode estar pensando: e o que tudo isso tem a ver com transação, arbitragem, e execução administrativa, institutos citados no começo deste artigo? Nada. É incompreensível, por isso mesmo, que o suposto excesso de demandas seja usado como fundamento para defender tais institutos. A principal causa de insucesso das execuções fiscais é não se localizar o devedor, ou não se localizarem bens penhoráveis. Nesse caso, transação, arbitragem, e execução administrativa, seriam igualmente malsucedidas. Sem entrar nos méritos de tais institutos, o fato é que não dá para transacionar ou fazer arbitragem com quem não é encontrado, ou executar administrativamente quem não tem nada. 

Na verdade, talvez as execuções judiciais não sejam tão ineficazes assim, pois é preciso colocar na estatística aquelas que sequer precisam ser movidas, porque os contribuintes, não querendo ser executados, pagam espontaneamente. Esse número é bem grande. Aliás, sobre a criação de uma execução fiscal administrativa, o entendimento do STF sobre a chamada “averbação pré-executória” dá fortes indicativos de que a Corte — se mantiver a coerência com seus precedentes — não consideraria constitucional a constrição patrimonial, diretamente pelo Fisco, sem a necessária interveniência do Judiciário. Mas, de uma forma ou de outra, o excesso de processos, e o alegado insucesso das execuções que tramitam junto ao Judiciário, não tem nada a ver com isso.

Hugo de Brito Machado Segundo é mestre e doutor em Direito, professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, professor do Centro Universitário Christus (graduação/mestrado), membro do Instituto Cearense de Estudos Tributários (Icet) e da World Complexity Science Academy (WCSA), advogado e visiting scholar da Wirtschaftsuniversität de Viena (Áustria).

Revista Consultor Jurídico, 5 de outubro de 2022, 10h43

Gilmar Mendes suspende análise do limite da coisa julgada Ministros julgavam se decisões favoráveis aos contribuintes perdem efeito com mudança de jurisprudência.

O ministro Gilmar Mendes, do STF, pediu vista e suspendeu a análise de dois casos de repercussão geral que tratam da quebra de decisões tributárias já transitadas em julgado.
O RE 955.227 discute se as decisões da Suprema Corte em controle difuso de constitucionalidade fazem cessar os efeitos futuros da coisa julgada em matéria tributária. O relator é o ministro Luís Roberto Barroso.
Já no RE 949.297, o tema em discussão é semelhante ao tratado no recurso anterior, mas, neste julgamento, o colegiado vai decidir se decisão transitada em julgado que declare a inexistência de relação jurídico-tributária, ao fundamento de inconstitucionalidade incidental de tributo, perde sua eficácia em razão de superveniente declaração de constitucionalidade da norma pelo STF, na via do controle concentrado e abstrato de constitucionalidade. A relatoria é do ministro Edson Fachin.

RE 955.227
O STF reconheceu a repercussão geral, em 2016, de tema que discute os efeitos de uma decisão transitada em julgado em matéria tributária quando há posteriormente pronunciamento em sentido contrário pela Suprema Corte.
No caso, a União questiona decisão definitiva que garantiu à petroquímica Braskem, em 1992, o direito de não recolher a CSLL – Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido.
A União alegou que a reiteração de decisões do STF em sentido contrário ao da sentença transitada em julgado, ainda no início dos anos 1990, implica que a coisa julgada não opera mais efeitos.
Sustentou ainda que, do contrário, fica configurada uma situação de violação de igualdade entre os contribuintes, uma vez que aqueles que não tiveram acesso à Justiça ficaram sujeitos ao recolhimento da CSLL.
Assim, ressaltou, com relação aos fatos geradores ocorridos após as decisões reiteradas do STF, os efeitos futuros da coisa julgada teriam sido sustados e o tributo passaria a ser exigível.
Coisa julgada
O relator do recurso, ministro Luís Roberto Barroso, votou no sentido de negar provimento ao recurso extraordinário da União, reconhecendo, porém, a constitucionalidade da interrupção dos efeitos futuros da coisa julgada em relações jurídicas tributárias de trato sucessivo, quando a Corte se manifestar em sentido contrário em recurso extraordinário com repercussão geral.
O ministro propôs a fixação da seguinte tese:
“1. As decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral, não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo. 2. Já as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das sentenças transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo.”
Barroso também propôs, com base no art. 27 da lei 9.868/99, que a tese firmada seja aplicada a partir da publicação da ata de julgamento deste acórdão, considerando o período de anterioridade nonagesimal, nos casos de restabelecimento de incidência de contribuições sociais, e de anterioridade anual e noventena, para o restabelecimento da incidência das demais espécies tributárias, observadas as exceções constitucionais.
Os ministros Dias Toffoli, Rosa Weber e Alexandre de Moraes seguiram o Relator. Toffoli seguiu o entendimento com ressalvas. Já o ministro Gilmar Mendes divergiu.
Veja a íntegra do voto.
RE 949.297
Também em 2016, o STF reconheceu a existência de repercussão geral em recurso que trata do limite da coisa julgada em âmbito tributário, na hipótese de o contribuinte ter em seu favor decisão judicial transitada em julgado que declare a inexistência de relação jurídico-tributária, ao fundamento de inconstitucionalidade incidental de tributo, por sua vez declarado constitucional, em momento posterior, na via do controle concentrado e abstrato de constitucionalidade exercido pelo STF.

No caso concreto, trata-se de contribuinte que pretende obter ordem judicial que lhe assegure o direito de continuar a não recolher a CSLL – Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, instituída pela lei 7.689/88, com base em decisão proferida em mandado de segurança ajuizado em 1989 e com trânsito em julgado em 1992, cujo fundamento é a inconstitucionalidade da norma por ofensa ao princípio da irretroatividade.
No recurso, a União contestou decisão do TRF da 5ª região, a qual manteve sentença em mandado de segurança que deu ganho de causa ao contribuinte e declarou inconstitucional a lei 7.689/88.
Alegou que a coisa julgada formada em mandado de segurança em matéria tributária não alcança os exercícios seguintes ao da impetração, nos termos da Súmula 239 do STF.

A União argumentou ainda que a coisa julgada em seara tributária pode ser relativizada, em decorrência da superveniência de novos parâmetros normativos ou de decisão do Supremo que considere constitucional a norma considerada inconstitucional pela decisão passada em julgado.
Eficácia pró-futuro
O relator, ministro Edson Fachin, votou no sentido de dar provimento para reformar o acórdão recorrido e modular os efeitos temporais da decisão para que tenha eficácia pró-futuro a partir da publicação da ata de julgamento do acórdão.
O ministro propôs a fixação da seguinte tese:
“A eficácia temporal de coisa julgada material derivada de relação tributária de trato continuado possui condição resolutiva que se implementa com a publicação de ata de ulterior julgamento realizado em sede de controle abstrato e concentrado de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, quando os comandos decisionais sejam opostos, observadas as regras constitucionais da irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, de acordo com a espécie tributária em questão.”
Os ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Alexandre de Moraes seguiram o Relator. Toffoli seguiu o entendimento com ressalvas. Já o ministro Gilmar Mendes divergiu.
Acesse a íntegra do voto.
Ato contínuo, Gilmar Mendes pediu vista em ambos os casos.

Fonte: https://www.migalhas.com.br/quentes/374646/tributario-gilmar-mendes-suspende-analise-do-limite-da-coisa-julgada

Mesmo sem penhora na execução fiscal, crédito tributário tem preferência na arrematação de bem do devedor

Em julgamento de embargos de divergência, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que a Fazenda Pública tem preferência para habilitar seu crédito na arrematação levada a efeito em processo executivo movido por terceiro, independentemente da existência de penhora na execução fiscal. 

Por unanimidade, os ministros entenderam que, não havendo penhora na execução fiscal, garante-se o exercício do direito do credor privilegiado mediante a reserva da totalidade (ou de parte) do produto da arrematação do bem do devedor ocorrida na execução de terceiros.

Com o julgamento, o colegiado pacificou entendimentos divergentes entre a Primeira e a Quarta Turmas e deu provimento aos embargos de divergência interpostos pelo Estado de Santa Catarina contra acórdão da Primeira Turma que considerou necessário haver pluralidade de penhoras sobre o mesmo bem para ser instaurado o concurso de preferências.

Em seu recurso, o embargante apontou julgado da Quarta Turma segundo o qual a Fazenda Pública deve receber de forma preferencial, sem concorrer com credor quirografário do devedor em comum, independentemente de o crédito tributário estar ou não garantido por penhora nos autos da respectiva execução fiscal (AgInt no REsp 1.328.688).

Ordem de preferência na satisfação do crédito

O relator na Corte Especial, ministro Luis Felipe Salomão, explicou que o concurso universal – concorrência creditícia que incide sobre todo o patrimônio – não se confunde com o concurso singular de credores, quando mais de um credor requer o produto proveniente de um bem específico do devedor. 

O magistrado acrescentou que, no caso analisado, o Estado de Santa Catarina possui crédito tributário que é objeto de execução fiscal, motivo pelo qual pleiteia a preferência frente aos demais credores da sociedade executada em concurso singular.

Salomão destacou que tanto o Código Civil (de 1916 e de 2002) quanto o Código de Processo Civil (de 1973 e de 2015) conferem primazia às preferências creditícias fundadas em regras de direito material (“título legal à preferência”, como diz a lei), em detrimento da preferência pautada na máxima prior in tempore potior in iure, ou seja, o primeiro a promover a penhora (ou arresto) tem preferência no direito de satisfação do crédito.

“Nessa perspectiva, a distribuição do produto da expropriação do bem do devedor solvente deve respeitar a seguinte ordem de preferência: em primeiro lugar, a satisfação dos créditos cuja preferência funda-se no direito material; na sequência – ou quando inexistente crédito privilegiado –, a satisfação dos créditos comuns (isto é, que não apresentam privilégio legal) deverá observar a anterioridade de cada penhora, ato constritivo considerado título de preferência fundado em direito processual”, afirmou.

Processo existe para concretizar o direito material

O ministro lembrou que a jurisprudência do STJ considera não ser possível sobrepor uma preferência processual a uma preferência de direito material, por ser incontroverso que o processo existe para que o direito material se concretize.

Para o relator, o privilégio do crédito tributário – artigo 186 do Código Tributário Nacional – é evidente também no concurso individual contra devedor solvente, “sendo imperiosa a satisfação do crédito tributário líquido, certo e exigível”, independentemente de prévia execução e de penhora sobre o bem cujo produto da alienação se pretende arrecadar.


EREsp 1603324

Fonte: Notícias do STJ

ARTIGO DA SEMANA – Propostas de Alteração do Código Tributário Nacional

O destaque desta semana fica por conta do resultado dos trabalhos da Comissão de Juristas instaurada pelo Senado Federal com vistas a promover alterações no processo administrativo e tributário nacional, conforme noticiamos aqui em 08/09/2022 e 21/09/2022.

Em consequência, foram apresentados Anteprojetos de Lei que resultaram no Projetos de Lei Complementar nº 124 e 125/2022 (PLP 124 e 125/2022), bem como sete Projetos de Lei  (PLs 2481, 2483, 2484, 2485, 2486, 2488 e 2490), todos de autoria do Senador Rodrigo Pacheco, Presidente do Senado Federal. 

Nesta oportunidade, analisaremos o PLP 124/2022, que promove alterações no Código Tributário Nacional (CTN).

O PLP 124/2022 introduz novos dispositivos ao CTN, altera a redação de outros e, curiosamente, não revoga nenhum dispositivo do Código. 

Lamentavelmente, o PLP 124/2022 passou ao largo dos Capítulos IV e V, do Livro Segundo CTN, salvo alteração pouco ousada introduzida ao artigo 138. Enfim, perdemos mais uma chance de dar um melhor tratamento à parte do Código dedicada à sujeição passiva, reconhecida pela quase unanimidade da doutrina como o trecho de pior redação da Lei Complementar Tributária.

O PLP 124/2022 introduz ao CTN um artigo 113-A com dois parágrafos para tratar das penalidades pecuniárias.

De acordo com o caput do art. 113-A, as multas por descumprimento de obrigações principais e acessória deverão observar o princípio da razoabilidade e guardar relação de proporcionalidade com a infração praticada pelo sujeito passivo.

Os §§1º e 2º do art. 113-A estipulam um valor máximo a ser observado na fixação de penalidades pecuniárias, de modo que as multas decorrentes de procedimento de ofício não poderão ser superiores ao valor do tributo exigido “ou do crédito cuja fiscalização tiver sido afetada pela desconformidade ou pelo atraso na prestação das informações pelo sujeito passivo”. Também fica estabelecido que a multas por dolo, fraude, simulação, sonegação ou conluio – também chamadas de multas qualificadas – não poderão ser superiores ao dobro da multa originalmente aplicada.

Até aí o PLP 124/2022 traz louvável modificação ao Direito Positivo, incorporado ao Código aquilo que já é uma tendência nos Tribunais, valendo a pena destacar os julgamentos, pelo STF, da ADI 551 (Ilmar Galvão, DJ de 14/02/2003), do RE 657.372 (Ricardo Lewandowski, DJ de 10/06/2013) e da ADI-MC 1.075 (Celso de Mello, DJ de 24/11/2006). A questão do teto da fixação das multas, a propósito, será analisado pelo STF no julgamento de mérito do Tema 1.195, cujo RE 1.335.293, relatado pelo Min. Nunes Marques ainda não tem previsão de pauta.

Neste ponto, todavia, o PLP 124/2022 poderia ter sido mais ousado, determinando o fim da imposição das multas por informações incorretas em  declarações, arquivos magnéticos e/ou escrituração nos casos em que for possível a retificação, mesmo após intimação dirigida pela fiscalização. Ora, se o contribuinte é intimado para retificar o erro e corrige o equívoco no prazo fixado pela autoridade lançadora, exigir penalidade mesmo após a retificação, tal como ocorre no art. 62-B, II, “b”, da Lei nº 2.657/96-RJ, não estimula a conformidade à legislação tributária.

Na sequência, o PLP 124/2022 altera a redação do caput do art. 138, do CTN, para deixar claro que a denúncia espontânea também afasta a imposição da multa de mora, rechaçando qualquer interpretação de que a multa pelo atraso não tem natureza punitiva. Neste ponto, o PLP 124/2022 é digno de aplausos porque afasta terrível jurisprudência formada no STJ contrariamente aos contribuintes quanto à matéria.

Mas o PLP 124/2022 poderia ter dado dois passos além em benefício do contribuinte no tratamento da denúncia espontânea da infração.

O primeiro passo diz respeito à espontaneidade pelo cumprimento a destempo, mas antes de qualquer intimação, das obrigações acessórias. Como sempre defendemos, a redação do art. 138, do CTN, não faz distinção quanto ao cumprimento espontâneo de obrigação principal ou acessória. Pelo contrário, o dispositivo deixa claro que o pagamento do tributo devido e dos juros de mora deverá ocorrer, se for o caso. Ou seja, a próprio Código prevê que há situações em que a espontaneidade poderá ocorrer sem o pagamento do tributo devido, caso típico das obrigações acessórias. 

No entanto, a jurisprudência se consolidou em sentido contrário, vedando a aplicação do instituto da denúncia espontânea no cumprimento a destempo de obrigações acessórias, estando a matéria pacificada no STJ através de incontáveis acórdãos.

Logo, o PLP 124/2022 também poderia ter deixado expresso na lei que a denúncia espontânea também se aplica às obrigações acessórias cumpridas em atraso.

O segundo passo que poderia ter sido dado em favor do contribuinte nesta tema diz respeito à aplicação da denúncia espontânea nos casos de parcelamento de tributos em atraso.

Ora, se o objetivo do instituto – e do próprio PLP 124/2022 – é o estímulo dos contribuintes à conformidade, nada mais justo do que assegurar o afastamento da multa de mora àquele que, antes de qualquer procedimento de ofício, procura o fisco para regularizar sua situação, ainda que de forma parcelada, visto não possuir recursos para o pagamento à vista.

Então seria o caso do PLP 124/2022 aproveitar a oportunidade para modificar a jurisprudência firmada no STJ no Tema 101 dos Recursos Repetitivos.

O artigo 139-A do CTN, introduzido pelo PLP 124/2022, traz inovação que já é conhecida dos contribuintes do ICMS no Rio de Janeiro. Ao que tudo indica, os membros da Comissão de Juristas inspiraram-se no artigo 69-A, da Lei nº 2.657/96-RJ, para prever algo similar ao Aviso Amigável, previsto na legislação fluminense, estimulando o contribuinte à autorregularização do cumprimento de suas obrigações antes da realização de lançamentos de ofício.

Também merece destaque a alteração promovida ao art. 142, do CTN, que pelo PLP 124/2022, passa a contar com três parágrafos. O atual parágrafo único transformou-se no §1º e dois “novos” parágrafos foram acrescentados.

O “novo” §2º do art. 142 contém um deslize e nenhuma novidade para aqueles que conhecem a legislação tributária federal. Na verdade, à exceção do deslize, o §2º de que aqui se trata é cópia quase fiel do art. 63, caput, da Lei nº 9.430/96.

Neste art. 142, §2º, portanto, o PLP 124/2022 dispõe que “No lançamento destinado a prevenir a decadência de crédito tributário cuja exigibilidade houver sido suspensa na forma dos incisos II, IV e V do art. 151 desta Lei, não será́ cominada multa de ofício ou multa de mora a ele relativo”.

Comparado ao art. 63, da Lei nº 9.430/96, o novo §2º do art. 142 do Código inclui a vedação de imposição de multa de mora nos lançamentos realizados para prevenir a decadência, bem como afirma – e aqui está o deslize – que as multas não serão aplicadas mesmos na hipótese da exigibilidade ter sido suspensa pelo depósito do montante integral (art. 151, II, do CTN).

Ocorre que, à luz da jurisprudência pacífica do STJ, não cabe a realização de lançamento de ofício nos casos em que a exigibilidade do crédito tributário está suspensa por força do depósito do montante integral (EREsp 898.992, DJ 27/08/2007; EREsp 464.343, DJ 29/10/2007 e REsp 895.604, DJ 11/04/2008, entre outros).

O §3º introduzido ao art. 142, do CTN, nada mais é do que o art. 63, §1º, da Lei nº 9.430/96, esclarecendo que a hipótese de afastamento da penalidade nos casos especificados de suspensão da exigibilidade só terá cabimento quando o suspensão se verificar antes de qualquer procedimento de ofício, vale dizer, no mandado de segurança preventivo ou nas ações declaratórias de inexistência de relação jurídica.

A Comissão de Juristas, no que foi acompanhada pelo Senador Rodrigo Pacheco, propõe a instauração da arbitragem, quando da nomeação do árbitro, como uma das hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, num inciso VII a ser incluído ao art. 151, do CTN.

Também é proposta a inclusão de um inciso VIII ao artigo 151, de modo que a “a transação tributária, conforme decisão do representante da administração tributária, nos termos da legislação específica”, também suspenderá a exigibilidade do crédito tributário.

Neste caso, parece que o PLP 124/2022 está cometendo um equívoco, visto que a transação é hipótese de extinção do crédito tributário prevista no art. 156, III que, aliás, não foi revogado pelo Projeto.

Nesta ordem de ideias, o melhor é prever que a apresentação de pedido de transação ou a adesão à transação suspendem a exigibilidade do crédito tributário até que seja proferida decisão favorável pela autoridade administrativa competente.

O PLP 124/2022, introduzindo novo paradigma à conflituosa relação fisco-contribuinte, estimula os métodos alternativos para resolução de conflitos. Dentro deste espírito, a sentença arbitral favorável ao sujeito passivo transitada em julgado passa ser mais uma modalidade de extinção do crédito tributário (art. 156, XII).

Na sequência, o Projeto introduz um parágrafo 3º ao artigo 161 do CTN, que nada mais do que a reprodução do art. 63, §2º, da Lei nº 9.430/96, afirmando, desta vez em lei complementar nacional que, “A interposição da ação judicial favorecida com medida liminar ou antecipação de tutela interrompe a incidência da multa de mora, desde a concessão da medida judicial, até 30 dias após a data da publicação da decisão judicial que considerar devido o tributo”.

Quanto à transação tributária, o PLP incorpora ao art. 171, do CTN, as modalidades de transação previstas pelo legislador federal na Lei nº 13.988/2020.

Particularmente, pensamos que esta matéria deve ser disciplinada em lei ordinária, como aliás vem recorrendo em vários entes da federação. Disciplinar minuciosamente a transação em lei complementar pode causar engessamento e inibir o legislador ordinário de dispor de forma ampla sobre as hipóteses de acordo.

Os artigos 171-A e 171-B, no mesmo afã de introduzir soluções alternativas para a solução de litígios, dispõem que a arbitragem e a mediação serão utilizada na solução das lides tributárias.

Consequentemente, o art. 174, parágrafo único, do CTN, passa a dispor que a instauração do procedimento de mediação e a assinatura do compromisso arbitral serão causas de interrupção do prazo prescricional.

Novidade importante e muito bem-vinda é encontrada no art. 194-A e no art. 211-A, ambos estabelecendo critérios de dosimetria para a graduação das penalidades.

O artigo 194-B prevê que as decisões transitadas em julgado no STF e no STJ, em  Repercussão Geral ou nos Recursos Repetitivos favoráveis ao sujeito passivo, terão eficácia vinculante à Administração Tributária. Todavia, o Projeto prevê que a Fazenda Pública terá o prazo de 90 (noventa) dias para baixar os atos normativos necessários a adoção do que restou decidido no Tribunais Superiores.

Considerando a eficácia erga omnes e o efeito vinculante das decisões em Repercussão Geral/Recursos Repetitivos, a adoção atos administrativos normativos é totalmente desnecessária, não havendo motivo razoável para diferir a aplicação dos precedentes.

Com efeito, o PLP 124/2022 poderia aproveitar o ensejo para dispor que o reconhecimento de repercussão geral pelo relator no STF, a exemplo do disposto no art. 1.035, §5º, do Código de Processo Civil, também suspende todos os processos administrativos fiscais versando sobre a mesma matéria.

O artigo 194-C, proposto pelo PLP 124/2022, deixa expresso que o processo de consulta tributária existe, porém traz perigosa inovação ao dispor que a solução de consulta “será observada em relação a todos os demais sujeitos passivos não consulentes que se encontrem nas mesmas situações fáticas e jurídicas, nos termos da legislação específica.” 

Em seguida, o PLP 124/2022 cria todo um novo Capítulo ao Título IV do CTN (Capítulo IV) para traçar as normas gerais do processo administrativo tributário.

Coincidentemente, algumas das inovações já foram defendidas aqui.

Percebe-se entre os artigos 208-A e 208-I que o PLP 124/2022 teve forte inspiração no Decreto nº 70.235/72 – que está sendo revogado pelo PL 2483/2022. 

O art. 208-B prevê os requisitos formais de validade de m auto de infração, todavia ignora a possibilidade de lançamentos de ofícios serem materializados por outros atos administrativos, tais como as notas ou notificações de lançamento. O mesmo dispositivo não indica como requisito de validade a indicação de local e data da lavratura, mas isto pode causar confusão na identificação de possível extinção pela decadência, sobretudo quando não constar manifestação expressa da ciência pelo sujeito passivo. Considerando que as legislações dispõem sobre a autoridade competente para a constituição do crédito tributário, seria conveniente que, ao menos a indicação do cargo ou função do autuante constasse como requisito de validade.

O art. 208-C, I, prevê, desnecessariamente, que a impugnação tempestiva suspende a exigibilidade do crédito tributário. Ora, se o art. 151, III, não foi alterado, este novo inciso I não precisa existir. Os incisos II, III, IV e VI são muito bem-vindos, confirmando a existência de um duplo grau de “jurisdição” no processo administrativo fiscal, tal como previsto na melhor interpretação do artigo 5º, LV, da Constituição. 

Ainda no art. 208-C, observa-se que o inciso V merece aprimoramento. Ao dispor que a uniformização das decisões divergentes somente ocorrerá quando houver uma instância superior, o PLP 124/2022 acaba por esvaziar esta importante fase do processo administrativo fiscal, responsável pela estabilização do processo e concretização da segurança jurídica. Deste modo, o melhor é deixar expresso que haverá uma instância especial com competência para apreciar os recursos objetivando a uniformização da coletânea de julgados administrativos.

Nesta mesma ordem de ideias, devem ser ajustados o inciso III e o §1º do art. 208-D.

Digno dos maiores aplausos é o art. 208-E, que deixa definitivamente de lado a ideia de uma possível revisão, via recurso hierárquico, das decisões definitivas favoráveis ao sujeito passivo.

A exemplo do que defendemos em relação ao art. 194-B, também caberia no artigo 208-G a previsão de suspensão do processo administrativo tributário nos casos em que o relator no STF ou no STJ identificar matéria a ser apreciada pelo rito da Repercussão Geral ou dos Recursos Repetitivos.

Seria muito bom se o artigo 208-H também autorizasse a realização de intimações na pessoa do procurador ou advogado do sujeito passivo, a exemplo do que ocorre no âmbito do processo judicial.

Enfim, estas são nossas observações sobre um dos Projetos decorrentes do trabalho da Comissão de Juristas. Evidentemente, ao longo do processo legislativo serão incorporadas outras modificações ao Código que, esperamos, aprimorem nossa Norma Geral Tributária de 1966.

Senado apresenta projetos para reforma dos processos administrativo e tributário

O presidente do Senado Federal, senador Rodrigo Pacheco, apresentou, na última sexta-feira (16), dez projetos de lei (sendo dois de lei complementar) com propostas indicadas pela comissão de juristas que analisou a modernização dos processos administrativo e tributário.

O grupo, presidido pela ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Regina Helena Costa, foi criado por ato conjunto do presidente do Senado e do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Luiz Fux.

Composta por 20 juristas, a comissão contou com o trabalho de especialistas de diferentes áreas, além da participação da sociedade por meio de audiência e de consulta públicas. O relatório final foi entregue no último dia 6, ocasião em que Rodrigo Pacheco anunciou que uma comissão especial seria criada no Senado para dar agilidade à tramitação das proposições.

Os projetos já estão disponíveis para acompanhamento:

PLP 124/2022 – Dispõe sobre normas gerais de prevenção de litígio, consensualidade e processo administrativo, em matéria tributária.

PLP 125/2022 – Estabelece normas gerais relativas a direitos, garantias e deveres dos contribuintes.

PL 2481/2022 – Reforma da Lei 9.784/1999 (Lei do Processo Administrativo).

PL 2483/2022 – Dispõe sobre o processo administrativo tributário federal e dá outras providências.

PL 2484/2022 – Dispõe sobre o processo de consulta quanto à aplicação da legislação tributária e aduaneira federal.

PL 2485/2022 – Dispõe sobre a mediação tributária na União e dá outras providências.

PL 2486/2022 – Dispõe sobre a arbitragem em matéria tributária e aduaneira.

PL 2488/2022 – Dispõe sobre a cobrança da dívida ativa da União, dos estados, do Distrito Federal, dos municípios e das respectivas autarquias e fundações de direito público, e dá outras providências.

PL 2489/2022 – Dispõe sobre as custas devidas à União, na Justiça Federal de primeiro e segundo graus, e dá outras providências.

PL 2490/2022 – Dá nova redação ao artigo 11 do Decreto-Lei 401, de 30 de dezembro de 1968.

Fonte: Notícias do STJ

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