ARTIGO DA SEMANA –  CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO NO IBS – Parte 2

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Membro da Comissão de Direito Financeiro e Tributário do IAB. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

O Projeto de Lei Complementar nº 108/2024, que já objeto de um primeiro comentário aqui, contém algumas lacunas que precisam ser preenchidas pelo Senado Federal.

Uma primeira falha do PLP 108/2024 diz respeito ao objeto do processo administrativo fiscal do IBS.

No termos do art. 66, do Projeto, a norma disciplinará o processo administrativo relativo: (i) ao lançamento de ofício do imposto; (ii) à penalidade por descumprimento ou cumprimento em atraso de obrigações acessórias e (iii) a outros casos previstos no Regulamento do IBS.

A parte relativa à disciplina de outros casos previstos no Regulamento do IBS já poderia estar prevista na própria norma do processo administrativo do imposto. 

Todos sabem que poderá haver problema no ressarcimento do IBS. 

Também é de amplo conhecimento que as entidades que gozam de imunidade do IBS serão submetidas a algum tipo de controle e estarão sujeitas ao reconhecimento da condição de imune.   

Portanto, caberia ao PLP 108/2024 deixar claro que as normas do disciplinadoras do processo administrativo fiscal do IBS referem-se a todos os procedimentos envolvendo a exigência do imposto, imposição de penalidades, reconhecimento de créditos e outorga de direitos, afastando a necessidade de criação de mais uma norma relativa ao tributo.

Outra falha do PLP 108/2024 está em seu artigo 76 que, dispondo sobre as intimações dos atos processuais, remete à lei complementar do IBS a forma e os termos em que as intimações serão realizadas.

Ora, sendo as intimações o meio de comunicação dos atos processuais e das decisões administrativas, não faz o menor sentido que a norma do processo administrativo do IBS não cuide desta matéria.

A norma destinada da regular o processo administrativo do IBS também peca por omissão no dispositivo relativo à formalização do lançamento de ofício.

Nos termos do artigo 81 do PLP 108/2024, “A constituição do crédito tributário mediante lavratura do ato de lançamento de ofício será realizada na forma e nos termos previstos na lei complementar que institui o IBS e a CBS”.

Aqui, mais uma vez, nega-se à lei processual a disciplina completa da forma de exteriorização do lançamento de ofício, sobretudo no que diz respeito aos seus requisitos formais de validade. 

Considerando que o ato de lançamento de ofício  formaliza a exigência do IBS, caberia à lei processual disciplinar seus requisitos formais e demais elementos de prova indispensáveis à comprovação da infração, garantido o pleno exercício do direito de defesa, a exemplo do que dispõem os artigos 9º a 11, do Decreto nº 70.235/72.

Como se vê, o desafio imposto aos Senadores é grande e os necessários ajustes ao PLP 108/2024 levarão o exame da matéria novamente à Câmara dos Deputados. 

STJ determina a exclusão do Difal do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins

Questão foi definida em um rápido julgamento realizado pelos ministros da 1ª Turma

Os contribuintes venceram, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), uma discussão tributária relevante, relacionada à chamada “tese do século”. Os ministros da 1ª Turma, em um rápido julgamento realizado na terça-feira, 12, entenderam que o diferencial de alíquotas (Difal) do ICMS deve ser excluído da base de cálculo do PIS e da Cofins.

Essa é mais uma das “teses filhotes” da exclusão do ICMS da base de cálculo das contribuições sociais – a “tese do século” -, determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2017. Em pelo menos outras duas discussões similares, no STJ, os contribuintes saíram vencedores – o placar, porém, nos tribunais superiores é desfavorável às empresas.

No fim de 2023, a 1ª Seção, que reúne as turmas de direito público (a 1ª e a 2ª), decidiu que o ICMS recolhido pelo regime de substituição tributária – o ICMS-ST – deve ser excluído do cálculo do PIS e da Cofins (REsp 1896678 e REsp 195826). Antes, os ministros entenderam que créditos presumidos de ICMS não integram a base de cálculo das contribuições sociais (EREsp 1517492). O tema, porém, também está na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF).

O julgamento agora, na 1ª Turma, é importante também porque os ministros levaram em consideração que se trata de uma questão infraconstitucional – ou seja, de competência do STJ. Na 2ª Turma, em outro recurso (REsp 2133501) analisado recentemente, os ministros entenderam de forma diversa, de que o tema deveria ser levado ao STF.

Na 1ª Turma, o julgamento foi rápido. A relatora, ministra Regina Helena Costa, destacou que a questão era inédita. “É um inédito bem balizado já pela jusrisprudência do Supremo Tribunal Federal e desta própria Corte”, disse ela. “O Supremo já havia entendido no Tema 69 [tese do século] que o ICMS não se inclui nas bases de cálculo dessas contribuições. E esse é mais um ‘filhote’”, acrescentou a ministra, que garantiu ao contribuinte no caso, a Teracom Telemática, a compensação dos valores recolhidos indevidamente (REsp 2128785). Maurício Levenzon Unikowski, do escritório Unikowski Advogados, que representa a Teracom Telemática, recebeu a decisão com surpresa. Segundo ele, os recursos de outros processos envolvendo o tema não eram analisados no mérito pelo STJ. O STF, acrescenta, diz que a questão é infraconstitucional e o STJ defendia, até então, que é constitucional.

“Foi o primeiro processo julgado no mérito”, diz ele, que considera o julgamento um importante precedente. Para o advogado, esse tema ainda deverá ser enfrentado pela 2ª Turma do STJ e, se houver divergência, pela 1ª Seção. “Não faz sentido a inclusão do ICMS-Difal [diferença entre as alíquotas interna e interestadual devida nas operações interestaduais] da base de cálculo do PIS e da Cofins.” Decisão pode gerar impacto significativo para os contribuintes” — Eduardo Pugliese

O tributarista Leonardo Andrade, do ALS Advogados, também destaca que o STJ tinha, até então, o entendimento de que a matéria seria constitucional e, portanto, de competência do STF. O Supremo, contudo, acrescenta, posicionou-se que o julgamento da questão exigiria exame da legislação infraconstitucional, o que, provavelmente, fez com que a 1ª Turma reconsiderasse a posição inicial para analisar omérito da controvérsia. “No julgamento, a ministra relatora destacou que, embora o tema seja inédito na turma, cuida-se de um desdobramento do Tema 69/STF, pelo qual se concluiu pela exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins”, afirma. “O que se observa é uma mudança de entendimento na própria 1ª Turma sobre o caráter infraconstitucional da discussão pautada sobretudo em decisões recentes do STF.”

O advogado destaca que foi considerado que o Difal é um mero complemento do ICMS cobrado pelo Estado de origem da mercadoria por parte do Estado de destino e que a conclusão do julgamento do STF se aplica, ou seja, de que o valor correspondente não deve integrar a base do PIS/Cofins porque não constitui receita nem faturamento. “A decisão é importante para uniformizar os entendimentos dos TRFs [Tribunais Regionais Federais] sobre o tema, evitando decisões conflitantes sobre a mesma matéria”, diz Andrade.

Na análise Eduardo Pugliese, do sócio do Schneider Pugliese Advogados, “a decisão da 1ª Turma, ao excluir o ICMS-Difal da base de cálculo do PIS e da Cofins, pode gerar impacto significativo para os contribuintes, na medida em que abre precedentes para pedidos de compensação de valores indevidamente recolhidos e influencia discussões sobre a estrutura das bases tributárias dessas contribuições, reduzindo a carga tributária sobre empresas ao eliminar o ICMS-Difal do cálculo”.

Em nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirma que acompanha os casos conhecidos como “teses filhotes” do Tema 69/RG e reforça “que vem adotando as providências processuais cabíveis, atenta a seus desdobramentos e seguindo a política institucional de redução de litigiosidade e de respeito aos precedentes vinculantes estabelecidos pelas Cortes superiores”.

Fonte: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2024/11/14/stj-determina-a-exclusao-do-difal-do-icms-da-base-de-calculo-do-pis-cofins.ghtml

Primeira Seção cancela Tema 1.041 dos repetitivos

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu cancelar o Tema Repetitivo 1.041, que discutia se o transportador (proprietário ou possuidor) está sujeito à pena de perdimento do veículo de transporte de passageiros ou de carga em razão de ilícitos praticados por pessoas que transportam mercadorias sujeitas à pena de perdimento.

O relator do caso, ministro Paulo Sérgio Domingues, lembrou que o tema repetitivo foi afetado em 2019 e ainda permanecia sem solução, devido à desafetação dos recursos especiais inicialmente vinculados a ele. Embora o tema repetitivo fosse mantido – apontou –, não foram identificados outros recursos aptos a serem considerados representativos da controvérsia. 

“Não vejo como não concluir, passados cinco anos desde a criação do Tema 1.041/STJ, que as teses então vinculadas pela Primeira Seção a esse tema não ostentam, em verdade, a repetibilidade que antes se imaginava, haja vista que este tribunal superior, nada obstante os elevados esforços realizados pela Comissão Gestora de Precedentes, não conseguiu selecionar amostras recursais que encontrem aderência àquelas teses”, comentou o ministro. 

Segundo Paulo Sérgio Domingues, o cancelamento do tema não impede que outras controvérsias efetivamente caracterizadas como repetitivas possam vir a ser afetadas no futuro, caso seja comprovada a identidade entre a matéria repetitiva e os recursos especiaisque vierem a ser selecionados para o julgamento qualificado. 

Perdimento de carro de locadora também não se qualifica como repetitivo

Em seu voto, o relator também entendeu que não foram identificados os requisitos necessários para afetação, como repetitivo, de outro tema sugerido pela Comissão Gestora de Precedentes e de Ações Coletivas, a respeito da possibilidade de imputação da pena de perdimento à empresa locadora, nos casos em que o veículo for utilizado para a prática de contrabando ou descaminho. 

Sobre esse tema, Domingues destacou que, atualmente, a União tem aplicado administrativamente a jurisprudência pacífica do STJ, firmada no sentido de que a pena de perdimento só deve ser aplicada à locadora de veículo se ficar comprovada má-fé da empresa ou sua participação no crime. 

“Por conta dessa novel orientação, o STJ não tem sido mais acionado para dirimir controvérsias dessa natureza, tendo ocorrido, ademais, a desistência, pela Procuradoria da Fazenda Nacional, de diversos recursos especiais”, apontou. 

Leia o acórdão no REsp 2.009.716.

ARTIGO DA SEMANA –  PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Membro da Comissão de Direito Financeiro e Tributário do IAB. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

A inexistência de prescrição no curso dos processos administrativos fiscais constitui um dogma que precisa ser afastado.

Prazos prescricionais, como se sabe, existem como preservação da segurança jurídica, visto não ser razoável, sequer justo, que alguém fique infinitamente à mercê de seu credor.

No âmbito processual, também há sanções para aquele que, embora recorrendo ao Judiciário para buscar seu direito, não impulsiona o processo, quando deveria.

Consequentemente, o processo também não pode se eternizar e é justo que o credor perca seu direito por não promover os atos processuais em tempo certo e razoável, impulsionando a ação.

A prescrição intercorrente, ou seja aquela que ocorre dentro do processo, precisa existir, a fim de que se evite uma causa que não tenha fim.

Afinal de contas, o art. 5º, LXXVIII, da Constituição estabelece que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. 

Como se vê, há clara preocupação do legislador constituinte derivado em assegurar ao contribuinte o direito de uma rápida solução para os processos administrativos, daí resultando a necessidade das decisões administrativas, sejam em primeira instância, seja em grau de recurso, não acarretarem processos de tramitação morosa.

Com efeito, a expressão “razoável duração” traz em si forte carga de subjetividade e cuida de conceito indeterminado como, aliás, também acontece com a expressão “razoabilidade”, que possui diversas nuances e pode ser vista sob diversos sentidos. 

É evidente que o atendimento à garantia de uma “razoável duração” do processo administrativo fiscal jamais poderá desobedecer os princípios do contraditório e da ampla defesa, da isonomia, da segurança jurídica de um julgamento justo e de todos outros postulados constitucionais aplicáveis aos processos administrativos e à relação jurídica tributária.

Também é certo que a razoável duração dos processos administrativos representa uma garantia dos contribuintes que deverá ser observada tanto pelo legislador, quanto pela Administração.

Assim, a lei deverá fixar prazo razoável para a conclusão dos processos administrativos fiscais em que são formalizadas as exigências de tributos.

E para que o processo não se torne ineficaz e excessivamente moroso, não há melhor solução do que definir a prescrição da pretensão arrecadatória como sanção pelo descumprimento do prazo de duração razoável do processo administrativo.

A previsão legal da prescrição intercorrente em processos administrativos não é uma novidade.

O art. 1º, §1º, da Lei nº 9.873/99, que estabelece prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta, dispõe que “Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso”.

No Estado do Rio de Janeiro, o art. 74, §1º, da Lei nº 5.427/2009, que Estabelece normas sobre Atos e Processos Administrativos no âmbito estadual dispõe no mesmo sentido.

A norma reguladora do processo administrativo fiscal federal também precisa consignar a prescrição intercorrente.

Em tempos de processos digitalizados, sessões de julgamento remotas e virtuais, súmulas vinculantes e todo um aparato administrativo à disposição do contencioso administrativo, nada justifica a tramitação de processos administrativo por longos anos.

O Projeto de Lei Complementar nº 125/2022 e o Projeto de Lei nº 2.483/2022, ambos decorrentes da Comissão de Juristas instituída pelo Ato Conjunto dos Presidentes do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal nº 1/2022, são ótimas oportunidades para que a prescrição intercorrente seja finalmente prevista no âmbito do processo administrativo fiscal da União. 

É possível ação rescisória para adequar decisão transitada em julgado ao Tema 69 do STF

Ao julgar o Tema 1.245, sob o rito dos recursos repetitivos, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou a tese de que, “nos termos do artigo 535, parágrafo 8º, do Código de Processo Civil (CPC), é admissível o ajuizamento de ação rescisória para adequar julgado realizado antes de 13/5/2021 à modulação de efeitos estabelecida no Tema 69/STF – repercussão geral”.

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no Tema 69 diz respeito à exclusão do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS) da base de cálculo das contribuições ao Programa de Integração Social (PIS) e ao Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), além da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).

Decisões devem estar alinhadas com entendimentos atuais do STF

O ministro Gurgel de Faria, cujo voto prevaleceu na Primeira Seção do STJ, destacou que o artigo 535, parágrafos 5º e 8º, do CPC estabelece uma hipótese específica para o ajuizamento da ação rescisória: quando há decisão transitada em julgado que contrarie posição vinculante estabelecida posteriormente pelo STF.

De acordo com o ministro, o dispositivo legal permite a revisão de decisões que, apesar de julgadas conforme o entendimento da época, estão em desconformidade com as novas orientações fixadas pelo STF, tanto no controle de constitucionalidade concentrado quanto no difuso.

“As decisões judiciais devem estar alinhadas com os entendimentos atuais e vinculantes do STF, evitando o conflito entre coisas julgadas e a autoridade das decisões da Suprema Corte”, ressaltou.

Acórdão rescindendo tem o vício da inconstitucionalidade

Quanto ao caso analisado em um dos recursos submetidos ao rito dos repetitivos (REsp2.054.759), Gurgel de Faria observou que o acórdão que se pretende rescindir está “revestido do vício de inconstitucionalidade qualificada”, pois não se encontra em harmonia com os efeitos produzidos pelo Tema 69/STF, especificamente no tocante à modulação trazida pela corte após o trânsito em julgado da ação.

O ministro enfatizou a inaplicabilidade da Súmula 343 e do Tema 136, ambos do STF, já que eles “estão associados à tradicional hipótese de cabimento da rescisória por ofensa a ‘literal disposição de lei’, e não à hipótese de rescisão por coisa julgada inconstitucional”.

Apesar de reconhecer críticas sobre a constitucionalidade do parágrafo 8º do artigo 535 do CPC, Gurgel de Faria explicou que o dispositivo deve ser considerado válido e ser aplicado enquanto não for declarada a sua inconstitucionalidade.

Leia o acórdão no REsp 2.054.759

Fonte: Notícias do STJ

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