ARTIGO DA SEMANA – Cashback ou cesta básica?

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Membro da Comissão de Direito Financeiro e Tributário do IAB. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

A promulgação da Emenda Constitucional nº 132/2023 prevê uma cesta básica nacional de alimentos que poderão estar sujeitos à alíquota zero do IBS e da CBS (art. 8º, parágrafo único).

Esta cesta básica nacional tem como objetivo garantir a alimentação saudável e nutricionalmente adequada da população, em observância ao direito social à alimentação previsto no art. 6º da Constituição.

A EC132/2023 também prevê a possibilidade de devolução do IBS e da CBS às pessoas físicas com o objetivo de reduzir as desigualdades de renda (novos art. 156-A, §5º, VIII e 195, §18, da Constituição) – o chamado cashback.

A definição dos itens que comporão a cesta básica nacional caberá à lei complementar.

Também caberá à lei complementar a definição das hipóteses em que ocorrerá a devolução do IBS e da CBS.

Por aí já se vê o enorme desafio colocado nas mãos do Congresso Nacional para, mediante lei complementar, disciplinar o IBS e a CBS.

Enquanto a lei complementar não vem, é preciso fazer uma reflexão: será que o cashback e a cesta básica nacional, juntos, são realmente necessários?

Ainda que a cesta básica nacional tenha por objetivo garantir o acesso à alimentação (art. 6º, da CF), é inegável que, ao fim e ao cabo, o instituto pretende mesmo é garantir o princípio da capacidade contributiva e a dignidade da pessoa humana, preservando-se o mínimo existencial da tributação. 

A EC 132/2023 também objetiva a preservação da dignidade da pessoa humana ao prever a redução de 60% das alíquotas do IB/CBS sobre diversas outras mercadorias e serviços.

Embora a EC 132/2023 afirme que o cashback tem por objetivo reduzir as desigualdades de renda, é inegável que neste ponto também está em jogo o princípio da capacidade contributiva e a preservação do mínimo existencial, só que desta vez através da devolução do imposto incidente sobre mercadorias que não componham a cesta básica e sobre serviços.

Inegavelmente, a previsão constitucional do cashback surgiu como alternativa às alíquotas seletivas do IPI e do ICMS em razão da essencialidade das mercadorias.

De fato, a observância da capacidade contributiva e a preservação do mínimo existencial através da seletividade de alíquotas é tarefa difícil. Há produtos essenciais que são consumidos por todas as faixas de renda, assim como há produtos supérfluos consumidos por pessoas de baixa renda.

Também não se pode negar a preocupação do constituinte em reduzir o espectro de fixação das alíquotas do IBS em prejuízo à desejável uniformidade.

Mas ainda assim, a existência do cashback pode gerar mais complicação do que simplificação.

À lei complementar, caberá definir: (a) as hipóteses de definição de devolução dos tributos, (b) os limites desta devolução e (c) os beneficiários do cashback.

Portanto, ao definir as hipótese de definição da devolução dos tributos, a lei complementar indicará sobre quais mercadorias e serviços caberá a restituição do IBS/CBS. Consequentemente, a lei complementar, sempre tendo em mira a redução das desigualdades de renda, exercerá um juízo de valor, estabelecendo que mercadorias e serviços não são essenciais, de modo que seja justa a devolução do tributo pago. Em outras palavras, a lei complementar fará um rol de mercadorias e serviços supérfluos.

Além disso, a lei complementar definirá os limites da devolução e aqui está um grande problema. No momento em que a EC 132/2023 previu que haverá limite na devolução, passa-se a ter a certeza de que a devolução não será integral. Tudo isto sem contar que a nova redação da Constituição não prevê que a devolução será imediata, o que pode retardar e até mesmo inviabilizar a devolução do IBS/CBS.

A parte mais fácil a carga da lei complementar está na definição dos beneficiários. Nest caso, não faltam critérios justos, que vão desde aqueles beneficiados por programas governamentais de transferência de renda até os que aufiram rendimentos isentos do IRPF. Em qualquer destes casos a lei estará sendo justa.

Como se vê, a regulamentação do cashback não será tarefa de fácil cumprimento e poderá dar ensejo a muita discussão.

Ora, considerando a previsão de uma cesta básica nacional, cuja definição é objetiva e com pouca margem para questionamento, bem como uma clara relação de mercadorias e serviços beneficiadas com redução de 60% das alíquotas do IBS/CBS, a previsão do cashback acaba sendo desnecessária e complica um sistema tributário cuja alteração não simplificou em nada a vida das pessoas.

Cashback tributário é incógnita, mas pode ser alternativa para incentivos econômicos

A autorização para que se institua uma política de cashback de imposto  possibilidade aprovada após a promulgação da reforma tributária pelo Congresso no final do ano passado  ainda é uma incógnita e registra poucos antecedentes mundo afora, mas pode ser uma alternativa às desonerações e isenções de impostos para determinados setores da economia, além de uma política eficiente de justiça social.

No campo da arrecadação, do ponto de vista do Estado, a possibilidade de devolução após o dinheiro entrar nos cofres públicos é mais benéfica, ainda que não se saiba em que proporção (e sobre quais classes) isso poderia ocorrer.

Essa é a perspectiva de advogados tributaristas entrevistados pela revista eletrônica Consultor Jurídico sobre a eficácia de um possível sistema de cashback tributário. Ainda que a normativa não esteja inclusa na reforma tributária promulgada pelos parlamentares, a norma permitiu que uma lei sobre o tema seja editada para regulamentar o instituto.

O mecanismo é recorrente em setores como os de varejo e serviços, e, segundo seus adeptos, estimula as compras e a circulação do dinheiro dentro de uma determinada empresa ou conjunto de empresas, posto que o valor devolvido ao consumidor deve ser gasto, em geral, na mesma companhia ou em parceiras.

A relevância do tema tem relação com o principal mote econômico do terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT): o aumento da arrecadação. Boa parte dos incentivos econômicos estão atrelados a políticas de isenção, como no caso da desoneração da folha de pagamentos, o que implica necessariamente em menor valor arrecadado pela União. O cashback, dizem os especialistas consultados, poderia reverter essa lógica.

“É diferente dar o dinheiro de volta do que fazer uma isenção de alíquota. O cashback é algo mais difícil de se implementar do que a mera redução das alíquotas. Mas tem a grande vantagem de você ter um efeito orçamentário menos prejudicial para quem arrecada”, diz Matheus Bueno, do Bueno Tax Lawyers.

Para o advogado, ainda há o fator das políticas tributárias de estados e municípios, entes que também devem entrar nesse organograma e apoiar a proposta de cashback para que ela seja regulamentada. Sem seus apoios, a proposta dificilmente sairá do papel. “[A medida] vai depender dos estados e municípios embarcarem juntos. Porque não é só verba federal. Você tem que pegar a arrecadação de IBS (que essencialmente onera os produtos e serviços) e dizer que, se houve essa tributação, tem que devolver para as pessoas”, argumenta.

Maria Carolina Sampaiohead da área tributária e sócia do GVM Advogados, afirma que, caso não seja bem estruturada e aplicada em um sistema eficiente de contribuição, a proposta de cashbacktributário pode aumentar as alíquotas, tendo em vista que o Estado deverá devolver determinado valor para os contribuintes ou para as empresas.

“O mecanismo do cashback é dos instrumentos mais eficientes, segundo alguns estudos, de política tributária social. Contudo, pode acabar acarretando em um aumento da carga. Como o governo deverá devolver valores arrecadados, se não trabalhar com eficiência, pode acabar devolvendo este custo aos contribuintes.”

O mesmo desafio pode ser observado em pontos que ainda estão nebulosos após a aprovação da reforma, como a tributação de patrimônio e o Imposto Seletivo  tributo que deve ser regulamentado para incidir sobre produtos que causam malefícios à saúde.

Prazos e devoluções
Ainda que seja estabelecida a normativa sobre cashback — que deverá ser regulamentada por Lei Complementar  o Estado deverá estipular prazos, condições e outros detalhes sobre as devoluções dos valores. Este é um dos pontos complexos que precisam ser sanados, diz Guilherme Saraiva Grava, do Diamantino Advogados Associados. A proposta estudada hoje tem mais relação com devolução de impostos aos mais pobres, para fins de justiça social, do que de substituição da isenção de impostos, diz o advogado.

“Alguns países, sobretudo na Europa, que adotam um sistema semelhante, usam o cashback como uma forma de incentivar determinadas regiões ou setores da economia. Nesses casos, em geral, estrangeiros não residentes podem formalizar um pedido para receber de volta o imposto incidente em suas compras. No caso brasileiro, a proposta é diferente porque o cashback visaria combater desigualdades sociais. É um sistema que se assemelha ao que acontece hoje na Bolívia e no Uruguai, por exemplo.”

Grava diz ainda que o governo teria o desafio de definir “critérios sobre os beneficiários, com limites sobre os valores a serem devolvidos e definição de quais itens gerariam reembolso.”

“Igualmente desafiadora seria a tarefa de definir prazos e formas de devolução, considerando que as camadas mais vulneráveis da população têm menos acesso ao sistema bancário e à internet, além de necessitar de uma rápida devolução dos valores sujeitos à restituição”, diz o tributarista. “Atualmente, as incertezas são tantas que a viabilidade do sistema se torna uma enorme incógnita”, sentencia.

Fonte: Conjur 04/01/2024

Aplicabilidade da cesta básica nacional vai depender da regulamentação

A criação de uma cesta básica nacional com produtos com impostos zerados tem méritos, mas pode esbarrar em uma série de complexidades tributárias. Sua aplicabilidade vai depender da forma como for regulamentada por lei complementar.

Essa é a opinião de advogados tributaristas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico, sobre uma das previsões da reforma tributária que mais vão afetar a população pobre. O texto foi promulgado em dezembro de 2023.

Hoje, cada estado tem sua própria cesta básica, com itens variados que acabam por refletir as diferenças regionais. Com a implementação da reforma, a lista será unificada. Os produtos serão escolhidos posteriormente e terão alíquota zerada.

O advogado Julio Assis, do FCAM Advogados, elogia a medida, mas avisa que privilegiar a desoneração de produtos e não de consumidores de forma direta pode trazer aos novos tributos distorções alocativas do modelo anterior.

“Caso a regulamentação aprimore o texto da lei complementar para o endereçamento do benefício ao consumidor final, o risco de distorções será reduzido, como, por exemplo, o acúmulo de créditos decorrentes da incorporação de insumos tributados em produtos incentivados, bem como a redução de custo na situação inversa em determinadas situações e regiões.”

Maria Carolina Sampaio, sócia do GVM Advogados, avalia que a isenção de tributos aumenta a complexidade do sistema e abre a possibilidade de discussões acerca de sua aplicabilidade sobre determinadas situações.

“Mesmo que o governo defina expressamente quais os produtos comporão a cesta básica, existirão discussões sobre a classificação de produtos, como por exemplo se um produto é desodorante (que possivelmente comporá a cesta básica), ou um hidratante. Na prática, as mesmas discussões que temos atualmente.”

Já Matheus Bueno, do Bueno Tax Lawyers, a nacionalização da cesta básica vai abrir lobby dos setores interessados, pois quando se retira o tributo do consumo, diminui o preço e aumenta o mercado consumidor.

“Os críticos dizem que não é o melhor caminho, porque você dá a mesma redução independente de quem compra. O grande empresário ganha desconto no arroz igual um trabalhador. O que o pessoal defende é o cashback: deixar tributar todo mundo igual e devolver para quem precisa. Mas essa medida veio também para tentar vencer a resistência de quem ia contra a reforma.”

Maria Andréia dos Santos, sócia do Machado Associados, é outra que vê grande o desafio na definição dos produtos que comporão essa cesta básica, pois será preciso ter a extensão necessária para beneficiar todas as diferenças regionais que existem em nosso país.

“Causa forte preocupação como será a definição do conteúdo desta cesta básica, pois se se for partir do conceito de que ela deve conter o necessário para a sobrevivência digna de uma família, seu conteúdo deverá contemplar não só alimentos básicos, mas também produtos de higiene e demais necessários a que essa dignidade possa ser assegurada às pessoas.”

João Vitor Prado Bilharinho, do Diamantino Advogados Associados, diz que a isenção faz sentido, porque está totalmente alinhada com o direito fundamental à alimentação, previsto na Constituição Federal de 1988.

“Pontua-se, inclusive, que tal entendimento foi reforçado pelo STF no julgamento da ADI  5.363. Ainda, toda a cadeia produtiva de alimentos deveria ser beneficiada, pelas proteções constitucionais que agronegócio possui”, afirmou.

Tributação de patrimônio deve aumentar impostos, dizem especialistas

As medidas de tributação de patrimônio da reforma tributária são mais justas, funcionam como boa propaganda para o governo e, provavelmente, resultarão no aumento da arrecadação, conforme a avaliação de especialistas ouvidos pela revista Consultor Jurídico.

Após 40 anos de discussão e impasses, a reforma foi aprovada e promulgada pelo Congresso Nacional em dezembro, com medidas de tributação que têm o propósito de aumentar a cobrança aos mais ricos. Entre elas, está a aplicação do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) para jatinhos, iates e lanchas e a cobrança progressiva do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).

Os estados, hoje, tem livre arbítrio para definir a alíquota do ITCMD, desde que não ultrapasse o teto de 8%. No entanto, vários dos estados não adotam alíquotas progressivas, que passam a ser obrigatórias com a reforma. Por isso, “a tendência é de aumento das alíquotas”, diz Maria Carolina Sampaio, head da área tributária do GVM Advogados.

Segundo Diego da Silva Viscardi, advogado e consultor em planejamento sucessório e patrimonial do Machado Associados, hoje, enquanto alguns estados ainda tributam com base em alíquotas fixas, outros cobram o ITCMD com base em percentuais progressivos ou híbridos, de acordo com o valor do bem herdado ou doado.

São nos estados que não adotam percentuais fixos e híbridos, que haverá aumento das alíquotas e, portanto, da carga tributária. Ele lembra, entretanto, que o efeito será notado a longo prazo.

“Vale ressaltar que o efeito da reforma não será imediato em relação à progressividade do ITCMD, pois os estados que não adotam tal sistema ainda deverão alterar suas leis e a vigência dessas deverá obedecer aos princípios da anterioridade anual (produzindo efeitos no exercício social subsequente à publicação da lei) e nonagesimal (entrando em vigor, no mínimo, 90 dias após a publicação da lei).”

Entre outras mudanças envolvendo o ITCMD, a advogada Beatriz Palhas Naranjo, do Diamantino Advogados Associados, explica que o recolhimento do impostos, no caso de bens móveis, deverá ser feito obrigatoriamente no local onde a pessoa falecida residia, e não mais onde o inventário é processado.

Regulação pendente
Quanto à tributação de veículos, assim como o ITCMD, o IPVA também será regulamentado pelos estados por meio de lei. “O IPVA também poderá ser cobrado de forma progressiva a depender do valor, do tipo, da utilização e do impacto ambiental do veículo”, diz Naranjo. Aeronaves agrícolas, tratores e máquinas utilizadas no campo não estarão sujeitas a essa cobrança.

Outros veículos não incluídos na cobrança são os de operador certificado para prestar serviços aéreos a terceiros, segundo Mauro Mori, sócio do Machado Associados na área societário, contratos e M&A. “É o caso de embarcações para prestação de serviços aquaviários ou de pesca industrial, científica ou de subsistência, plataformas e artesanal.”

Para Matheus Bueno, advogado tributário no escritório Bueno Tax Lawyers, essas medidas de tributação de patrimônio têm “o elemento da propaganda de ‘vamos tributar que tem jatinho, dinheiro’. É mais justo e vai ter um impacto pesado de arrecadação”.

Apesar do foco na tributação sobre o consumo, os tributos que não estão inseridos no microssistema também podem gerar um aumento na arrecadação, segundo Pedro Lameirão, tributarista do BBL Advogados.

“Ainda que tenha sido inserida uma trava para evitar o aumento da tributação sobre o consumo e ainda que essa trava seja mantida e respeitada, não é possível garantir que o impacto da reforma como um todo será neutro em termos de carga tributária”, diz.

Segundo ele, embora as alterações dependam fortemente da regulamentação de cada estado, “a experiência prática indica que a tendência é que sua implementação resulte no aumento da arrecadação.”

Fonte: Conjur 02/01/2024

Segunda etapa da reforma tributária mudará regras do Imposto de Renda; entenda

Primeira fase da reforma, promulgada no dia 20 de dezembro, prevê que texto da nova etapa seja encaminhado ao Congresso em até 90 dias. Presidente Lula entende que taxar renda torna sistema mais justo com os pobres.

Após a aprovação da reforma tributária sobre o consumo neste ano, o Congresso Nacional prepara para se debruçar, em 2024, sobre mudanças no Imposto de Renda. 

Isso porque a PEC da reforma tributária já aprovada traz um prazo de 90 dias para que as propostas de mudanças na taxação sobre a renda sejam enviadas ao Congresso Nacional. 

Segundo especialistas, essa será uma oportunidade corrigir distorções e promover mais justiça no sistema de impostos brasileiro. 

“A aprovação da alteração constitucional do sistema tributário sobre o consumo pelo Congresso Nacional é um avanço para a modernização dos impostos e abre os caminhos para a reforma sobre a renda no Brasil, que é fundamental para combater a injustiça fiscal neste país em que os indivíduos de menor renda são sobrecarregados com impostos, enquanto os mais ricos contribuem proporcionalmente menos em tributos”, avaliou a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco). 

Em 6,9% do PIB em 2020, a carga tributária sobre a renda no Brasil ficou bem abaixo da média da OCDE (10,6% do PIB) e de países mais desenvolvidos, como Canadá (16,7% do PIB) e França (11,9% do PIB). 

Tributação sobre a renda no Brasil — Foto: Receita Federal

Tributação sobre a renda no Brasil — Foto: Receita Federal

Atualmente, o maior peso dos impostos se concentra sobre o consumo no Brasil, o que penaliza os mais pobres. Isso é algo que a reforma tributária não alterou. 

O Imposto de Renda foi instituído oficialmente pela lei 4.625, em 31 de dezembro de 1922, denominado inicialmente de Imposto Geral sobre a Renda. O início da cobrança, porém, aconteceu somente em 1924 — tempo que o governo usou para se organizar. 

A reforma do IR é uma das diretrizes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tem declarado que vai colocar o “pobre no orçamento” e o “rico no imposto de renda”. A área econômica do governo Lula ainda não divulgou, entretanto, sua proposta para a reforma do Imposto de Renda.

“A reforma do Imposto de Renda vai exigir muita explicação, muita cautela, muita tranquilidade, muito bom senso. Não se resolve de forma irrefletida”, declarou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante café da manhã com jornalistas no fim de dezembro. 

Entre os temas debatidos nos últimos anos, e que podem ser objeto de mudança, estão: 

  • Taxação da distribuição de lucros e dividendos das empresas para as pessoas físicas; 
  • Alíquotas maiores do IR para quem ganha mais; 
  • IR das empresas;
  • A chamada “pejotização”;
  • Limite de isenção para pessoas físicas;
  • Abatimentos para saúde, educação e idosos.

Parte da discussão já foi antecipada, por meio da taxação de offshores (investimentos no exterior) e dos fundos exclusivos (fundos de investimento personalizados para pessoas de alta renda). 

O governo também aprovou mudanças nas regras dos juros sobre capital próprio, uma forma de distribuição dos lucros de uma empresa de capital aberto (que tem ações na bolsa) aos seus acionistas. 

Ao contrário da reforma tributária sobre o consumo, no caso da renda não é necessário o envio de uma Proposta de Emenda Constitucional. Projetos de lei são suficientes. Com isso, a necessidade de votos será menor para sua aprovação.

Taxação de lucros e dividendos

Os lucros das empresas já são taxados no Brasil, mas a sua distribuição para as pessoas físicas, desde 1996, é livre de tributação – algo que não acontece na maioria dos países. 

A taxação por meio do Imposto de Renda aconteceria quando a empresa distribuir os lucros e dividendos para as pessoas físicas, ou seja, para seus sócios, acionistas, controladores e investidores. 

Empresários, porém, reclamam que essa taxação aumentaria a carga tributária das firmas. 

O Brasil é um dos poucos países, atualmente, que não taxam a distribuição de lucros e dividendos para pessoas físicas – a taxação chegou a vigorar, mas foi extinta em 1995. 

Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) indica que outras quatro nações também não tributavam esses rendimentos: Estônia, Letônia, Eslováquia e Romênia. 

No governo do presidente Jair Bolsonaro, a Câmara dos Deputados chegou a aprovar o retorno da taxação da distribuição de lucros e dividendos a pessoas físicas. Entretanto, o texto não foi levado adiante no Senado Federal. 

A proposta inicial do então ministro Paulo Guedes, da Economia, era uma alíquota de 20% para a taxação de lucros e dividendos. Mas durante as negociações, o percentual caiu para 15%.

E empresas com faturamento anual de até R$ 4,8 milhões, entretanto, continuariam isentas (limitando muito o escopo da medida). Mesmo assim, Guedes estimou, no ano passado, que a medida poderia render cerca de R$ 70 bilhões por ano aos cofres públicos. 

O atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, busca reduzir benefícios para as empresas como forma de recompor a arrecadação e, com isso, atingir a meta de zerar o déficit fiscal. Ele já indicou que pretende retomar a taxação de lucros e dividendos. Mas sua proposta ainda não foi divulgada.

Pejotização

Outro fator que contribui para o pagamento de menos impostos é a chamada “pejotização”, ou seja, a contratação de empresas para cargos que têm características de pessoas físicas, como habitualidade, salário e sob ordens dos chefes. 

Quem trabalha dentro do regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) tem carteira assinada, com direito a férias remuneradas, 13º salário, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), entre outros benefícios trabalhistas. No entanto, há empresas que optam por contratar profissionais que são pessoas jurídicas, com CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica). 

Já os profissionais contratados como PJ têm uma empresa aberta em seu nome e se tornam prestadores de serviços para a empresa contratante, emitindo notas fiscais. Eles não têm nenhum direito trabalhista previsto na CLT, porque não se trata de uma relação de emprego.

Dentro dessa modalidade de profissionais com CNPJ entram por exemplo os microempreendedores individuais (MEIs) e os microempresários (MEs). A diferença entre os dois tipos está no faturamento anual, nas atividades e número de funcionários permitidos e no regime de tributação. 

“A reforma do IR só vai trazer progressividade [mais impostos para aqueles com maior renda] se ela acabar com o privilégio que existe com relação às pequenas e médias empresas, seja decorrentes de pejotização, seja não. Nas duas situações, tem uma subtributação da renda. A tributação do lucro não tributado de pequenas e médias empresas, que uma forma de atacar é a tributação do dividendo, mas não é a única, ela sim traria uma maior progressividade ao sistema tributário”, avaliou Vanessa Rahal Canado, coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Tributação do Insper.

Alíquota maior do IR para pessoas físicas

Outra forma de taxar as pessoas físicas com salários maiores, e promover uma maior “progressividade” na tributação, seria estabelecer uma alíquota maior para a faixa mais elevada de renda – algo que chegou a ser cogitado pela equipe econômica de Paulo Guedes, em 2020.

No Brasil, a alíquota mínima do Imposto de Renda é de 7,5% e a máxima, que vigora desde 1999, de 27,5% (para valores acima de R$ 4.664,68 por mês)Essa alíquota já foi mais alta no passado, chegando a 65% entre 1963 e 1965.

Em outros países, tendo por base o ano de 2019, as alíquotas mais altas (para faixas maiores de renda) são as seguintes: 

  • Alemanha – 47,5% (quanto mais alta for a renda, maior será a alíquota de imposto);
  • China – 45%;
  • Suécia – 61,85%;
  • Estados Unidos – alíquotas vão de 10% a 37%, e as faixas variam de acordo com a condição do declarante: solteiro, casados que declaram separadamente ou chefe de família.

IR das empresas

Atualmente, a alíquota do IRPJ cobrado das empresas está em 15%, e também existe um adicional adicional de 10% para lucros acima de R$ 20 mil por mês (empresas de maior porte). Junto com a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), a tributação sobre as maiores empresas é de cerca de 34% no Brasil.

Segundo dados da Tax Foundation, organização sem fins lucrativos que atua há mais de 80 anos fazendo avaliações sobre impostos e coletando dados sobre tributos ao redor do mundo, o IRPJ médio dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne 38 nações mais desenvolvidas, foi de 23,6% em 2021.

A equipe econômica do ministro Fernando Haddad já antecipou que vai propor uma redução do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), juntamente com a desoneração da folha de pagamento das empresas.

“O padrão [internacional] é uma referência. Não quer dizer que é necessariamente igual ao padrão mundial, mas certamente é uma referência. Não está decidido”, declarou o secretário extraordinário da reforma tributária do Ministério da Economia, Bernard Appy, ao g1 e à TV Globo em agosto.

No governo do presidente Jair Bolsonaro, o então ministro da Economia, Paulo Guedes, almejava reduzir o IRPJ para um patamar máximo de 25% no Brasil.

Limite de isenção da tabela do IR

Durante a campanha eleitoral do ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu a isenção do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF) para quem ganha até R$ 5 mil mensais. 

Em novembro do ano passado, o então coordenador do PT pelo orçamento de 2023, o senador Wellington Dias (PT), hoje ministro do Desenvolvimento Social, afirmou que o tema seria tratado ao longo do mandato de Lula, que vai até 2026.

Em maio deste ano, o governo publicou uma medida provisória que eleva isenção do IR para R$ 2.640. Além de aumentar a faixa de isenção para R$ 2.112, a medida também implementa um desconto mensal de R$ 528 na fonte. Somados, os dois montantes atingem os R$ 2.640 da faixa de isenção prometida pelo governo – valor referente a dois salários mínimos.

Antes disso, a última correção da tabela havia sido realizada em 2015. 

Em 2020, o Tesouro Nacional avaliou que o aumento da faixa de isenção do IR pode se tornar uma medida regressiva e agravar a distribuição de renda no Brasil. 

Na avaliação do órgão, tendo por base dados de 2018, os principais beneficiários do aumento da faixa de isenção seriam os que ganham mais de R$ 1.951 por mês — 20% da população naquele momento.

Deduções no IR para saúde, educação e idosos

Em 2020, o antigo Ministério da Economia concluiu que as deduções no IR para educação favorecem a camada mais rica da população e sugeriu rever o benefício, mas isso não foi levado adiante. O custo estimado desse beneficio é de R$ 5,3 bilhões em 2024. 

  • Pelas regras atuais, as deduções de despesas com educação no Imposto de Renda são limitadas a R$ 3.561,50 por dependente. 
  • Podem ser abatidas, na declaração completa, despesas com ensino infantil, fundamental, médio, técnico e superior. Também há deduções por dependentes e despesas médicas.

Em 2022, a área econômica do governo anterior também fez uma análise sobre as deduções das despesas médicas no Imposto de Renda, e também sugeriu rever a medida (o que não aconteceu). O custo estimado desse benefício para 2024 é de R$ 27,9 bilhões.

Pelas regras, podem ser deduzidas, sem limite, consultas médicas de qualquer especialidade; exames laboratoriais e radiológicos; despesas hospitalares, incluindo internação em UTI; despesas com parto; cirurgias plásticas que foram realizadas com o objetivo de prevenir, manter ou recuperar a saúde física ou mental do paciente; e planos de seguro saúde, incluindo os planos com coparticipação do empregado. 

De acordo com a avaliação da área econômica, apenas 0,8% das deduções de despesas médicas estavam direcionadas aos 50% mais pobres da população, enquanto 88% do benefício concentra-se na parcela (20%) correspondente às famílias de maiores rendas, e 16,4% (1%) de maior rendimento. 

Também em 2022, a equipe econômica chefiada por Guedes recomendou reavaliar o benefício do IR para idosos. A avaliação do Ministério da Economia apontava que esse benefício é destinado a três milhões de pessoas situadas, na grande maioria, entre os 10% mais ricos do país. O custo estimado desse benefício é de R$ 15,6 bilhões em 2024. 

Para quem tem 65 anos ou mais, a Receita oferece dedução de R$ 1.903,98 por mês sobre o rendimento tributável a partir do mês em que o contribuinte completa essa idade. Com o benefício, o aposentado ou pensionista tem uma dupla isenção, havendo incidência de imposto somente sobre o que ultrapassar R$ 3.807,97 mensais (R$ 49.503,48 anuais).

Benefícios fiscais do Imposto de Renda

Para 2024, a Receita Federal calculou que os benefícios fiscais ligados ao Imposto de Renda somarão cerca de R$ 218 bilhões. A suspensão de benefícios, ou de parte deles, representaria ingresso de recursos nos cofres públicos. 

Além de deduções para saúde, educação e idosos, entre os setores beneficiados com maior representatividade em termos de recursos estão: 

  • Aposentadoria por Moléstia Grave ou Acidente (IRPF): R$ 23,2 bilhões em 2024
  • Indenizações por Rescisão de Contrato de Trabalho (IRPF): R$ 9,7 bilhões ano que vem
  • Seguro ou Pecúlio Pago por Morte ou Invalidez (IRPF): 2,7 bilhões em 2024
  • Assistência Médica, Odontológica e Farmacêutica a Empregados (IRPJ): 9,6 bilhões
  • Simples Nacional (IRPJ): R$ 28,5 bilhões de renúncia
  • SUDAM (IRPJ): R$ 15,4 bilhões ano que vem
  • SUDENE (IRPJ): R$ 23,.6 bilhões em 2024
  • Entidades sem fins lucrativos (IRPJ): R$ 8,6 bilhões
  • Informática e Automação (IRPJ): R$ 6,8 bilhões
  • Inovação Tecnológica (IRPJ): R$ 5 bilhões
  • Poupança (IRRF): R$ 12,2 bilhões
  • Títulos de Crédito – Setor Imobiliário e do Agronegócio (IRRF): 6,5 bilhões
Imposto de Renda fez 100 anos em 2022 — Foto: Editoria de Arte / g

Imposto de Renda fez 100 anos em 2022 — Foto: Editoria de Arte / g1

Fonte: G1, 26/12/2023

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