Reforma abre possibilidade de marketplace ser responsabilizado pelo pagamento do IBS

Existe previsão expressa no texto de que lei complementar poderá estabelecer a cobrança direta

O texto da reforma tributária, aprovado pela Câmara dos Deputados no primeiro semestre e agora em tramitação no Senado, deixa uma porta aberta para terceiros terem que recolher a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), destinados, respectivamente, à União e Estados, Distrito Federal e municípios. Existe previsão expressa de que lei complementar poderá estabelecer a cobrança direta ou o redirecionamento em caso de inadimplência do devedor original — ainda que o terceiro seja residente ou domiciliado no exterior.

Especialistas ouvidos pelo Valor apontam que o dispositivo permite que a cobrança do IBS seja dirigida a marketplaces, intermediadores financeiros e adquirentes no caso de operações em cadeia, por exemplo. Alguns Estados já tentaram direcionar a cobrança do ICMS a marketplaces — em substituição aos vendedores das plataformas —, por se tratar de uma operação concentrada e não pulverizada. Para as empresas, contudo, haveria grande necessidade de adaptação.

Esse também é o entendimento da Fazenda Nacional sobre o dispositivo. De acordo com uma fonte da área técnica, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) no 45 seria explícita ao dizer que as plataformas podem ser responsabilizadas diretamente pelo recolhimento de impostos.

“Essa responsabilização está sendo tratada na PEC de forma ampla e autoriza lei complementar a dar amplitude grande a regras de sujeição passiva”, afirma Maurício Barros, sócio do Demarest Advogados. Para ele, é como se já houvesse uma preocupação com relação ao ICMS e a PEC desse o recado de que a sujeição passiva do IBS e da CBS pode ser mais abrangente.

Sujeição passiva é um termo amplo que abrange contribuintes solidários, responsáveis e até substitutos, de acordo com o advogado. É alguém que poderá ser cobrado em solidariedade ou subsidiariamente pelo imposto caso o devedor original (o contribuinte, nas palavras da Receita Federal) não pague. Ou que, pelo texto, acrescenta ele, pode ser responsabilizado diretamente.

“É um modelo que existe na União Europeia, mas com pressupostos e delimitações bem definidos”, diz o advogado. O marketplace, em caso de produto importado, exemplifica, poderá ser o responsável por pagar o imposto para a Receita, em vez do importador pessoa física. “Pelo texto da PEC, o marketplace não teria que pagar apenas se o contribuinte deixar de recolher [o imposto], a cobrança pode ser direcionada diretamente para ele.”

Em geral, esse assunto pode afetar, além dos marketplaces, intermediadores financeiros e transportadores, de acordo com Barros.

“Quem for eleito para sujeito passivo, que não o vendedor ou prestador originais, precisa ter meios fáceis de se ressarcir, para não arcar com o ônus”, afirma.

A Constituição prevê hipótese ampla de sujeição passiva. Quando o legislador complementar for regular essa questão, vai precisar ter razoabilidade para não inviabilizar a atividade, segundo o advogado, fazendo com que os terceiros tenham que lidar com muitas questões tributárias e acabem tendo dificuldade para se ressarcir — dependendo do modelo de negócio, a plataforma pode ou não ter meios de ser ressarcida pelo vendedor ou comprador na importação.

“Tenho conversado com algumas empresas sobre isso e em geral há preocupação se o artigo será mantido no Senado e, sendo mantido, como a lei complementar vai tratar desse assunto”, diz.

No regime atual, de acordo com Ana Claudia Utumi, sócia do Utumi Advogados, seria quase inviável essa responsabilização. Caberia ao marketplace, por exemplo, fazer a classificação dos produtos, indicando se é desodorante ou hidratante, pantufa ou sapato, e outras diferenças que alteram a alíquota e se tornam dispu- tas prolongadas entre contribuintes e Receita. “Uma coisa é fazer o compliance da sua empresa que você sabe quais produtos está vendendo, outra coisa é o marketplace.”

Existem países que implementaram modelos em que o marketplace deve fazer a retenção na fonte deixando para o vendedor somente a parte líquida do tributo. “Existe a possibilidade, mas do ponto de vista do nosso mercado, as empresas precisariam de um tempo para se adaptar e cumprir esse tipo de obrigação”, afirma Utumi. “É necessário aguardar a lei complementar e ver como será estabelecida a responsabilidade tributária.”

De acordo com Jorge Gonçalves Filho, presidente do Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV), o texto da reforma dá margem para que os marketplaces se tornem sujeitos passivos do imposto. A entidade concorda com a previsão desde que a lei complementar diga que as plataformas são solidárias ao pagamento do imposto e não que cabe a elas recolher.

Fiscalizar os vendedores seria mais fácil que recolher o imposto, afirma Gonçalves Filho. Esse é um dos pontos que o setor está acompanhando na reforma, e o presidente do IDV acredita que a questão será resolvida por meio de lei complementar.

Procurada pelo Valor, a Febraban informou em nota que a reforma tributária é positiva e traz melhorias em relação à simplificação do sistema tributário, com possíveis implicações também no que se refere às obrigações acessórias. “Em relação à forma de recolhimento do novo tributo ainda é necessário aprofundar o tema com os entes políticos, pois envolve custos e riscos relevantes para os meios de pagamentos, em um sistema operacional bastante complexo”, afirma a entidade. 

Fonte: Valor Econômico – 19, 20 e 21/08/2023

ARTIGO DA SEMANA – A não cumulatividade em operações não tributadas

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

A não cumulatividade dos tributos incidentes sobre o consumo é um dos temas mais tormentosos do Direito Tributário.

Como a tributação do consumo se submete a tributos diversos e de competências igualmente diferentes, há evidente tratamento diferenciado em relação à não cumulatividade.

As contribuições para o PIS e a COFINS têm a não cumulatividade originada do art. 195, §12, da Constituição[1].  

A não cumulatividade do IPI decorre do art. 153, §3º, II, da Constituição[2]

O ICMS teve sua não cumulatividade disciplinada pelo art. 155, §2º, I e II, da CF/88[3].

O ISS é o único tributo sobre consumo que, em regra, é cumulativo.

Há um grande problema decorrente da não cumulatividade quando uma das etapas (anterior ou posterior) não sofre tributação, seja por isenção, alíquota zero, suspensão…

Em relação ao IPI, o STF, na Súmula Vinculante nº 58[4] e no Tema 844[5] da Repercussão Geral já definiu que as entradas não tributadas não dão direito a crédito.

A exceção a esta regra fica por conta das aquisições de insumos oriundos da Zona Franca de Manaus, tal como definido no Tema 322 da Repercussão Geral[6].

Quando o insumo for tributado pelo IPI, mas a saída for desonerada, a regra é o estorno do crédito, admitida disposição em contrário da legislação, na forma já pacificada no Tema 49 da Repercussão Geral[7].

Relativamente ao ICMS, não pode haver controvérsia, tendo em vista a clareza do art. 155, §2º, II, que estabelece expressamente a regra do não aproveitamento e/ou estorno de créditos, salvo previsão em contrário da legislação.

Quanto ao PIS/COFINS, o não aproveitamento de créditos decorrentes de aquisições de insumos não tributados tem expressa previsão legal no art. 3º, §2º, das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003.

Mas havia celeuma em torno do direito ao crédito na situação inversa, vale dizer, insumos tributados, mas operação posterior não tributada.

A controvérsia estava na questão de saber se o art. 17, da Lei nº 11.033/2004[8], teria ampla aplicação ou seria restrito ao regime especial do REPORTO.

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, nos itens 2 e 5 do Tema 1.093[9] dos Recursos Repetitivos, afirmou que o artigo 17 não se restringe ao REPORTO, contemplando todas as hipóteses de insumos tributados pelo PIS/COFINS utilizados na produção ou prestação de serviços não tributados.

Diante da iminente criação de novos tributos sobre o consumo (IBS/CBS) e da ampla competência atribuída à lei complementar pela PEC 45-A/2019 surgirão novas controvérsias que darão ensejo a uma nova construção jurisprudencial sobre a não cumulatividade.

A conferir…


[1]Art. 195 – ……………………………………………….. 

§ 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas.    

[2] Art. 153 – ………………………………………………. 

§ 3º O imposto previsto no inciso IV:

………………………………………………………….

II – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores;

[3] Art. 155 – …………………………………………………..

§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:         (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;

II – a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação:

a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes;

b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;

[4] Inexiste direito a crédito presumido de IPI relativamente à entrada de insumos isentos, sujeitos à alíquota zero ou não tributáveis, o que não contraria o princípio da não cumulatividade.

[5] O princípio da não cumulatividade não assegura direito de crédito presumido de IPI para o contribuinte adquirente de insumos não tributados, isentos ou sujeitos à alíquota zero.

[6] Há direito ao creditamento de IPI na entrada de insumos, matéria-prima e material de embalagem adquiridos junto à Zona Franca de Manaus sob o regime de isenção, considerada a previsão de incentivos regionais constante do art. 43, § 2º, III, da Constituição Federal, combinada com o comando do art. 40 do ADCT.

[7] O direito do contribuinte de utilizar-se de crédito relativo a valores pagos a título de Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, oriundo da aquisição de matéria-prima a ser empregada em produto final beneficiado pela isenção ou tributado à alíquota zero, somente surgiu com a Lei nº 9.779/1999, não se mostrando possível a aplicação retroativa da norma.

[8] Art. 17. As vendas efetuadas com suspensão, isenção, alíquota 0 (zero) ou não incidência da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS não impedem a manutenção, pelo vendedor, dos créditos vinculados a essas operações.

[9]2. O benefício instituído no art. 17, da Lei 11.033/2004, não se restringe somente às empresas que se encontram inseridas no regime específico de tributação denominado REPORTO.
5. O art. 17, da Lei 11.033/2004, apenas autoriza que os créditos gerados na aquisição de bens sujeitos à não cumulatividade (incidência plurifásica) não sejam estornados (sejam mantidos ) quando as respectivas vendas forem efetuadas com suspensão, isenção, alíquota 0 (zero) ou não incidência da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS, não autorizando a constituição de créditos sobre o custo de aquisição (art. 13, do Decreto-Lei n. 1.598/77) de bens sujeitos à tributação monofásica.

ARTIGO DA SEMANA – Os Superpoderes da Lei Complementar do IBS – Parte 3

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

Ainda analisando a lei complementar prevista na PEC 45-A/2019 relativa ao Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS) é preciso enfrentar as situações do art. 156-A, §5º, IV a IX, e os parágrafos 6º e 7º.

De acordo com o art. 156-A, §5º, IV, caberá à lei complementar apontar “os critérios para a definição do ente de destino da operação, que poderá́ ser, inclusive, o local da entrega, da disponibilização ou da localização do bem, o da prestação ou da disponibilização do serviços ou o do domicílio ou da localização do adquirente do bem ou serviço, admitidas diferenciações em razão das características da operação”.

Esta ambiciosa missão conferida à lei complementar, definitivamente, não resolverá o problema da identificação do aspecto espacial do fato gerador do IBS. Dois motivos levam a esta conclusão.

Em primeiro lugar, a PEC 45-A/2019 utiliza conceitos extremamente vagos (poderá ser… admitidas diferenciações…) que podem não levar a lugar nenhum.

Um segundo motivo para a futura lei complementar não conseguir resolver o problema do lugar onde se considera ocorrido o fato gerador do IBS decorre da interpretação dos fatos, diante da multiplicidade de situações que podem ocorrer no dia a dia das empresas ou pessoas.

Não precisa muito esforço para se perceber que somente em  junho de 2022 o STF resolveu definitivamente o local em que se considera ocorrido o fato gerador do ICMS – e consequente sujeito ativo – nas chamadas importações indiretas (por conta e ordem ou por encomenda), mesmo com previsão constitucional e na Lei Kandir.  Quanto ao ISS, as discussões sobre o local da operação, ainda que previstas em lei, foram enormes!

Portanto, não precisa ter bola de cristal para saber que a lei complementar não resolverá o problema.

O art. 156-A, §5º, V, relaciona os bens e serviços que deverão ser contemplados com regimes especiais de tributação do IBS pela lei complementar, nas condições que especifica. São eles: combustíveis e lubrificantes; serviços financeiros, operações com bens imóveis, planos de assistência à saúde e concursos de prognósticos; operações contratadas pela administração pública direta, por autarquias e por fundações públicas; sociedades cooperativas; serviços de hotelaria, parques de diversão e parques temáticos, restaurantes e aviação regional.

Em relação aos serviços financeiros, operações com bens imóveis, planos de assistência à saúde e concursos de prognósticos a PEC 45-A/2019 já adianta que a futura lei complementar  poderá prever: (1) alterações nas alíquotas, nas regras de creditamento e na base de cálculo, admitida, em relação aos adquirentes dos bens e serviços de que trata esta alínea, a não aplicação do disposto no § 1o, VIII e (2)  hipóteses em que o imposto será́ calculado com base na receita ou no faturamento, com alíquota uniforme em todo território nacional, admitida a não aplicação do disposto no § 1o, V a VII, e, em relação aos adquirentes dos bens e serviços de que trata esta alínea, também do disposto no § 1o, VIII.

De acordo com este dispositivo, fica claro que a lei complementar deverá conferir um tratamento diferenciado e favorecido aos contemplados neste grupo de contribuintes. Ao que tudo indica, por se tratar de serviços usualmente adquiridos pelos tomadores na qualidade de consumidor final, está clara a preocupação da PEC em indicar a necessidade de alíquotas reduzidas, de moda a diminuir o impacto do custo do serviço pelo adquirente.

Com todo respeito aos representantes do setor financeiro, que obviamente penam de forma diversa, conferir um tratamento tributário favorecido a este segmento da economia não atende o princípio da capacidade contributiva que, pelo menos por enquanto, não se pretende modificar.

Na verdade, a PEC 45-A/2019 comete grande equívoco, para não dizer injustiça e aparenta inconstitucionalidade, ao deixar as sociedade de profissões regulamentadas de fora do rol de beneficiários de regimes tributários especiais (e favorecidos).

As sociedades de profissões regulamentadas (advogados, contadores, médicos…) são exercidas pelo profissional liberal sem emprego de insumos. Tributar o faturamento com o IBS será efetiva tributação sobre a renda que, a propósito, já é tributada pelo IRPJ e CSLL.

O art. 156-A, §5º, VI, da PEC 45-A/2019 prevê que a lei complementar disporá sobre a forma como poderá́ ser reduzido o impacto do imposto sobre a aquisição de bens de capital pelo contribuinte.

Este é um tema constante na tributação brasileira que, ao longo dos anos, insiste em tributar os investimentos necessários ao exercício da atividade empresarial.

O art. 156-A, §5º, VII, confere à lei complementar a disciplina do processo administrativo fiscal do IBS.

Dificilmente haverá um consenso sobre esta matéria, sobretudo porque até hoje sequer existe uma norma nacional (e geral) para tratar processo administrativo fiscal, que dirá sobre um tributo de interesse de Estados, DF e municípios.

O inciso VIII, do §5º, do art. 156-A, outorga à lei complementar a disciplina do cashback, vale dizer, das hipóteses de devolução do imposto a pessoas físicas, inclusive os limites e os beneficiários, com o objetivo de reduzir as desigualdades de renda.

A ideia de um cashback é louvável, mas muito melhor seria conferir a desoneração de uma cesta básica, por exemplo, buscando o atingimento da capacidade contributiva de outras formas, principalmente na tributação da renda e do patrimônio.

O último inciso (art. 156-A, §5º, IX) afirma que a lei complementar disporá sobre  as hipóteses de diferimento do imposto aplicáveis aos regimes aduaneiros especiais e às zonas de processamento de exportação. 

Neste ponto, parece que a PEC 45-A está criando um engessamento desnecessários a situações em que o melhor seria a flexibilidade. 

O art. 156-A, §6º, II, aponta mais uma lei complementar para o IBS e apresenta novo retrocesso.

Segundo este dispositivo, a isenção e a imunidade do IBS acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores, salvo, na hipótese da imunidade, quando determinado em contrário em lei complementar.

Como se vê, a proposta para o IBS é pior do que a atual Constituição prevê para o ICMS.

O art. 155, §2º, II, “a”, da CF/88, dispõe que a isenção e a não incidência, salvo disposição em contrário da legislação, não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações seguintes.

Já o IBS afasta esta possibilidade, sequer autorizando que a lei complementar disponha de forma diversa (art. 156-A, §6º, I).

Quanto às entradas tributadas, a CF/88 prevê o estorno do crédito quando vinculadas a saídas não tributadas, mas admite que a legislação disponha de maneira diversa.

O art. 156-A, §6º, II, da PEC 45-A/2019, apenas admite a possibilidade de manutenção dos créditos vinculados a saídas com imunidade, mas somente se a lei complementar dispuser de forma contrária.

Finalmente, o art. 156-A, §7º, da PEC 45-A/2019 confere o maior cheque em branco de todos os tempos à lei complementar, dispondo que a norma poderá estabelecer o conceito de operações com serviços, seu conteúdo e alcance, admitida essa definição para qualquer operação que não seja classificada como operação com bens.

Ou seja: a lei complementar poderá chamar de serviço o que não é serviço.

É mole ou quer mais? 

Sonegação e inadimplência vão cair após reforma, promete Appy

Segundo secretário, modelo de cobrança do país será ‘muito provavelmente’ o mais eficiente do mundo com novo sistema

O governo trabalha para criar um sistema de arrecadação que reduzirá fortemente a sonegação e inadimplência após a reforma tributária. “Muito provavelmente, no Brasil, nós vamos ter o modelo de cobrança mais eficiente do mundo”, afirmou ao Valor o secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy. “Não estou brincando.”

É o sistema que recolherá a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que substituirão cinco tributos: as contribuições PIS e Cofins, o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Ser- viços (ICMS) e o Imposto sobre Serviços (ISS). A CBS e o IBS serão cobrados juntos.

Appy ressaltou que a elaboração do modelo, do tipo “split payment”, ainda está em fase inicial. “A ideia é que, no momento do pagamento, seja carregada uma chave, que estamos chamando de ‘fatura’, que vincula o documento fiscal ao instrumento de pagamento”, disse. Antes de creditar o dinheiro na conta do fornecedor, o sistema já compensará créditos tributários, quando houver, e descontará o imposto. Sonegação e inadimplência, que se tornarão mais difíceis com esse novo sistema, são fatores que influenciam o chamado “hiato de conformidade”, ou seja, a diferença entre o que deveria ser arrecadado, com base na legislação, e o que efetivamente é recolhido. Outros fatores que elevam o hiato são a elisão (utilização de “brechas” na lei para pagar menos impostos) e a judicialização. Um exemplo sobre como os litígios afetam a arrecadação são os créditos em discussão no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que chegam a R$ 1,5 trilhão.

É esperado que o hiato de conformidade se reduza após a reforma. Um motivo, informou o secretário, é a simplificação do sistema, que ajuda a diminuir contenciosos. Além disso, há impacto em outros tributos. Países que adotaram um Imposto sobre Valor Agregado (IVA), nos moldes do que serão a CBS e o IBS, observaram melhora no pagamento do Imposto de Renda. Isso porque o sistema estimula a formalização.

Menor hiato de conformidade é um dos fatores que explicam por que a nova tributação sobre o consumo no Brasil foi estimada pelo Ministério da Fazenda em no máximo 27%, e produzirá a mesma arrecadação que os 34,4% praticados atualmente: 12,45% do Produto Interno Bruto (PIB).

Os 34,4%, explicou Appy, cor- respondem à tributação efetivamente incidente em um produto tributado com 18% de ICMS e 9,25% de PIS/Cofins.

O ICMS e os novos tributos que haverá após a reforma são calculados de forma diferente, explicou o secretário. Por isso, suas alíquotas não podem ser diretamente comparadas.

Hoje, a alíquota do ICMS é de 18%, na maior parte dos casos. É cobrada “por dentro”, ou seja, o tributo é calculado sobre o preço do produto, inclusive os impostos. Calculados “por fora” (sobre o preço dos produtos sem impostos), como será o IBS, os 18% correspondem a 24,2%. O mesmo ocorre com o PIS/Cofins: a alíquota “por dentro” é de 9,25%, e a “por fora”, de 10,2%. A soma dos tributos seria de 27,25% no cálculo “por dentro” e de 34,4% no cálculo “por fora”. “Essa sim, é uma das maiores alíquotas do mundo”, comentou Appy.

Outro fator que explica a diferença entre os 34,4% atuais e os 27% estimados após a reforma é a eliminação de uma série de regimes especiais, alíquotas reduzidas e benefícios concedidos com base nos tributos que serão eliminados na reforma.

O Ministério da Fazenda divulgou na última terça-feira uma estimativa sobre a nova alíquota-padrão sobre o consumo, que variará de 25,45% a 27%, considerando a versão da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45 aprovada pela Câmara dos Deputados. Os cálculos consideram dois cenários: um em que o hiato de conformidade é de 10% — nível observado na Hungria, onde a tributação sobre o consumo é de 27%—e outro em que é de15%.

Mostrou também que os tratamentos favorecidos incluídos na PEC 45 pela Câmara acrescentaram de 4,72 a 4,98 pontos percentuais na alíquota-padrão. A ideia é dar ao Congresso uma base para avaliar o peso de cada exceção à reforma.

O cálculo da alíquota não é “cravado” porque há muitos elementos ainda não definidos sobre o novo sistema tributário, disse o secretário. Além de a própria PEC 45 poder ser modificada no Senado, onde está em análise, existem vários fatores que só serão definidos posteriormente, em legislação infraconstitucional. Por exemplo: como funcionarão os regimes específicos de tributação, o Imposto Seletivo (que será criado na reforma para tributar produtos danosos à saúde e ao meio ambiente), quais produtos estarão na cesta básica a ser desonerada. Há indefinições ainda sobre o escopo dos serviços de saúde e de educação que terão direito a alíquotas reduzidas, exemplificou.

Fonte: Valor Econômico – 10/08/2023

ARTIGO DA SEMANA – Os Superpoderes da Lei Complementar do IBS – Parte 2

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

Dando sequência ao exame das leis complementares relativas ao Imposto Sobre e Bens e Serviços (IBS) tal como previsto na PEC 45-A/2019, é importante analisar os dispositivos que tratam das alíquotas do novo imposto.

De acordo com o art. 156-A, §1º, a lei complementar deverá prever que “cada ente federativo fixará sua alíquota própria por lei específica” (inciso V); que “a alíquota fixada pelo ente federativo na forma do inciso V será́ a mesma para todas as operações com bens ou serviços, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Constituição”(inciso VI) e  que “será́ cobrado pelo somatório das alíquotas do Estado e do Município de destino da operação” (inciso VII). 

Nos termos do proposto art. 156-A, §1º, XII, “resolução do Senado Federal fixará alíquota de referência do imposto para cada esfera federativa, nos termos de lei complementar, que será́ aplicada salvo disposição em contrário em lei específica, nos termos do disposto no inciso V deste parágrafo”. 

Num primeiro momento, infere-se da leitura do art. 156-A, §1º, V, que cada ente da federação estará livre para, por lei própria, fixar as alíquotas do IBS.

A prevalecer esta interpretação, o IBS não resolverá um dos grandes problemas do ICMS que é exatamente a diferença de alíquotas entre os diversos Estados. Neste ponto, portanto, a PEC 45-A/2019 representa um retrocesso.

De acordo com o 156-A, §1º, V, as alíquotas do IBS serão as mesmas para todas as operações com bens ou serviços em um mesmo ente da federação. Consequentemente, todos os bens e serviços serão tributados pelo Estado ou Município pela mesma alíquota, salvo aquelas situações especiais previstas no §5º, V. A previsão de alíquotas uniformes para o IBS é bem-vinda e, aliás, nada justificaria alíquotas distintas para as operações com bens, tendo em vista a previsão de um único Imposto Seletivo. 

Por outro lado, tributar operações com bens e serviços por uma mesma alíquota mostra-se um equívoco, sobretudo quando analisado o caráter não cumulativo do imposto.

Ora, as atividades comercial e industrial são sabidamente privilegiadas no que se refere à não cumulatividade em razão dos diversos insumos tributados que integram a operação final (venda e/ou industrialização), seja pela aquisição de bens, seja na condição de tomadores de serviços. 

Mas a atividade de prestação de serviços não possui insumos tributados em valor relevante, sendo certo que o maior gasto inerente à atividade, via de regra, é a mão-de-obra, que não se sujeita à incidência do IBS.

Considerando que a tendência é fixar as alíquotas “por cima”, os prestadores de serviços terão desembolso maior para o pagamento do IBS, tendo em vista os mínimos insumos tributados a serem compensados ao final do período de apuração.

O art. 156-A, §1º, VI, atende a uma reivindicação antiga dos Estados das regiões Norte e Nordeste que sempre defenderam a tributação do consumo no Estado de destino das operações.

O art. 156-A, §1º, XII, causa mais dúvidas do que certezas.

Ao que tudo indica, a lei complementar estabelecerá os requisitos para que o Senado, mediante resolução, fixe alíquotas de referência do imposto para cada esfera federativa que, por sua vez, as estabelecerão por lei (ordinária) própria.

O mecanismo criado pela PEC 45-A/2029 é confuso.

Melhor seria outorgar ao Senado Federal, mediante resolução, a competência para fixar alíquotas mínimas e máximas do IBS a serem observadas por cada ente da federação em suas leis específicas.

Mais ainda: o ideal seria separar as alíquotas máximas e mínimas entre operações com bens e operações com serviços.

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