Imposto Seletivo deve integrar base de cálculo do IBS e da CBS

Proposto na reforma tributária como uma forma de desestimular o consumo de produtos prejudiciais à saúde, como cigarro e bebidas, o Imposto Seletivo, também conhecido como “Imposto do Pecado”, vai integrar a base de cálculo dos novos tributos cobrados no consumo: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).

Esse desenho parece contrariar as promessas de simplificação e fim da cobrança de imposto sobre imposto que embalaram a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45 na Câmara dos Deputados.

A criação do Imposto Seletivo, por si só, agrega complexidade ao sistema, avalia o economista es- pecializado em tributação Ângelo de Angelis. “Não era para ser assim, mas há motivos”, diz. “É para equalizar a regra tributária e garantir que o adquirente tenha direito ao crédito tributário pleno.”

Há um desafio no controle da inclusão do imposto na base do CBS e do IBS e maior complexidade para fiscalizar, segundo Douglas Motta, sócio do Demarest Advogados. “Incluir em si não é um problema, mas todo controle que envolve isso certamente exige maior fiscalização”, afirma.

A maior parte dos países que tributam seu consumo com um Imposto sobre Valor Agregado (IVA), como será o caso do IBS e da CBS, inclui o Imposto Seletivo em sua base de cálculo. “É uma prática comum”, diz Melina Ro- cha, consultora Internacional de IVA/IBS e diretora de cursos na York University-Canadá. “É importante para evitar distorções e diferenciações entre tipos de vendas e manter a neutralidade.”

Interlocutores do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que foi o relator da reforma na Câmara, reforçam essa tese de que o modelo previsto na proposta já vem sendo colocado em prática em muitos países no exterior. Eles pontuam que as preocupações levantadas por especialistas são infundadas.

“É muita conversa sem nenhum fundamento. O Imposto Seletivo é cobrado assim no mundo todo. Não fica mais complexo. O seletivo é monofásico, ele só incide uma vez. Ele incide uma vez porque o objetivo dele é ter efeito no preço para combater externalidade negativa. Serve para aumentar preço de produto que você quer que tenha menos consumo”, afirma um parlamentar que acompanha de perto as negociações do texto.

A consultora Melina Rocha explica que o Imposto Seletivo é normalmente cobrado quando a mercadoria sai da indústria. Geralmente é monofásico (cobrado em uma só etapa da cadeia de produção e comercialização) e cumulativo (sua cobrança não gera cré- dito tributário a ser compensado na etapa seguinte da cadeia).

Assim, quando um varejista adquire um produto de uma indústria, o Imposto Seletivo pode se tornar um custo, se for pago à indústria e não gerar crédito tributário (pelo fato de ser cumulativo). Dessa forma, o peso desse imposto será incorporado ao preço final.

“Na hora que a indústria tira a nota fiscal, ela pode destacar uma base de cálculo sem o Seletivo”, diz o economista Ângelo de Angelis. “Nesse caso, o adquirente fica com um crédito menor.”

A inclusão do Seletivo na base do IBS e da CBS tenta corrigir esse problema. Estando na base desses dois tributos, que geram créditos, a empresa que adquiriu da indústria tem crédito tributário pleno.

Um outro motivo apontado por Melina Rocha é a distorção que pode haver caso a venda seja feita da indústria para o varejista ou diretamente ao consumidor final. Nesse caso, as cargas tributárias serão diferentes, caso o Seletivo não esteja na base do IBS.

“Se o Seletivo não estiver na base de cálculo do IBS, o produto sai da fábrica com uma arrecadação menor”, concorda de Angelis.

Na avaliação da consultora, o formato do Imposto Seletivo não deverá trazer complexidade para a fiscalização. Esse será um tributo federal, a ser monitorado pela Receita Federal.

Já a fiscalização do IBS será tarefa dos Estados e dos municípios, de forma coordenada. O Conselho Federativo, criado na reforma tributária, terá entre seus objetivos evitar que haja sobreposição de Fiscos e procuradorias. Ao fiscalizar o IBS, os Estados e municípios terão a informação sobre o recolhimento do Seletivo destacada na nota fiscal, segundo Melina Rocha.

A versão da PEC 45 aprovada pela Câmara dos Deputados, agora em análise no Senado Federal, diz que o Imposto Seletivo será cobrado sobre “produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente”.

Uma lei, a ser proposta pelo governo ao Congresso Nacional após a aprovação da PEC, vai dizer quais serão esses produtos. O secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, já informou que a ideia é cobrar o Seletivo sobre fumo e bebidas alcoólicas, como o padrão internacional. Discussões sobre a inclusão de combustíveis fósseis e bebidas açucaradas, que já houve no passado, não ocorrem neste momento.

A inclusão do Imposto Seletivo na base de cálculo dos outros tributos estará prevista na Constituição, a partir da reforma e caso a PEC 45 seja aprovada sem alteração nesse ponto. Portanto, não há brecha para o questiona- mento sobre sua constitucionalidade, como o que levou o Supremo Tribunal Federal (STF) a retirar o ICMS da base do PIS e da Cofins em 2017, segundo o advogado Douglas Motta. “Estando na Constituição é mais difícil fazer o questionamento porque hoje já existem situações que o IPI compõe a base do ICMS e isso nunca foi questionado.”

O Valor contactou o senador Eduardo Braga (MDB-AM), relator da PEC 45 no Senado. Não obteve resposta até o fechamento da edição. Segundo sua assessoria de imprensa, o parlamentar quer analisar o texto aprovado pela Câmara antes de emitir opinião.

Nos bastidores, aliados do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP- AL), buscam relativizar as pressões por mudanças no projeto e as críticas de setores e especialistas em relação a alguns pontos da PEC. A avaliação é que é preciso manter a disposição em dialogar com todos, mas que é necessário manter o controle para que o texto “não esvazie além do aceitável”.

Fonte: Valor Econômico 22, 23 e 24/07/2023

ARTIGO DA SEMANA – A Lei Complementar Tributária

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

No texto da Reforma Tributária aprovado pela Câmara dos Deputados constam disposições sobre uma nova lei complementar que irá disciplinar diversos aspectos do novo Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS).

Esta lei complementar será objeto de discussão em evento promovido pelo Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) a se realizar entre os dias 31/07 e 01/08.

Antes da futura lei complementar existir e começar a produzir efeitos, convém refletir sobre o papel que a lei complementar exerce atualmente no Direito Tributário Brasileiro.

O artigo 59, II, da Constituição relaciona as leis complementares entre as normas objeto do processo legislativo brasileiro. 

O artigo 69 dispõe que as leis complementares serão aprovadas por maioria absoluta.

Mas o que são leis complementares?

Das diversas manifestações doutrinárias sobre o tema, observa-se que lei complementar é expressão que possui duplo sentido. 

Num sentido amplo, lei complementar designa toda norma que é produzida para regulamentar dispositivo constitucional, são leis que complementam a Constituição. 

No sentido estrito, porém, leis complementares são aquelas designadas pela própria Constituição e que devem ser elaboradas segundo o quorum estabelecido no artigo 69.

Indo mais além, deve-se observar que a lei complementar tem uma função específica que a distingue das leis ordinárias. Leis Complementares são utilizadas para fazer a integração entre a Constituição e as leis ordinárias.

Esta natureza integrativa da lei complementar é de fundamental importância para o Direito Tributário, embora a Constituição também reserve à lei complementar a disciplina de matérias que, necessariamente, nada têm de integração com as leis ordinárias.

É ainda preciso enfrentar a questão de saber se são realmente leis complementares aquelas normas que apenas obedecem ao requisito do quorum qualificado em sua elaboração. Vale dizer, leis complementares apenas no aspecto formal são verdadeiramente complementares? 

O STF já respondeu negativamente a esta pergunta, de modo que leis complementares precisam obedecer a forma prevista na Constituição e também tratar de matéria a elas reservadas pelo Texto Constitucional.

Com efeito, a invasão por lei ordinária de matéria reservada pela Constituição à lei complementar é questão que se resolve pela via do controle de constitucionalidade, vale dizer, a lei ordinária estará sendo inconstitucional.

A chamada Lei Complementar Tributária é aquela prevista no artigo 146 da Constituição que, na redação dada pela Emenda Constitucional n° 42/2003: (a) disporá sobre conflitos de competência entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios; (b) regulará as limitações constitucionais ao poder de tributar; (c) estabelecerá normas gerais em matéria de legislação tributária.

Em relação aos itens “a”, “b” e “c” anteriormente citados, esta lei complementar é o Código Tributário Nacional, embora tenha “nascido” originalmente como uma lei ordinária – a Lei n° 5.172/66. Na verdade, desde a Constituição de 1967, toda a matéria reservada à lei complementar tributária já estava disciplinada no CTN que, desde então, vem sendo recepcionado com status de lei complementar.

Nos termos do artigo 146, I, da Constituição é papel da lei complementar tributária dispor sobre conflitos de competência entre as pessoas políticas. Isto quer dizer que a lei complementar tributária deverá detalhar o âmbito de exercício da competência tributária das pessoas políticas – já extensamente traçado pela Constituição – de modo a evitar eventuais invasões de competência.

A tarefa de regular as limitações constitucionais ao poder de tributar (artigo 146, II) está disciplinada no artigo 14 do CTN no que diz respeito à limitação indicada no artigo 150, VI, “c”, da Constituição. Sobre este assunto, basta lembrar que, à luz da jurisprudência do STF, tais requisitos somente devem estar veiculados em lei complementar naquilo que se referem às questões tributárias, sendo possível a edição de lei ordinária para tratar de temas relacionados à constituição e o funcionamento de entidade imune (ADIN 1.802/DF e RE 93.770)





O artigo 146, III, da Constituição reserva à lei complementar a competência para dispor sobre normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;  b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas e d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239.

No que diz respeito à definição dos tributos, suas espécies e definição dos fatos geradores do impostos (artigo 146, III, “a”) não se pode deixar de dizer que o CTN não define todas as contribuições instituídas pelo ordenamento constitucional de 1988. Apenas a contribuição de melhoria, que já estava prevista em Constituições anteriores, é que está devidamente definida no Código Tributário Nacional. 

Ainda em relação a este dispositivo, vale lembrar que a definição dos fatos geradores dos impostos não pode desvirtuar as linhas gerais estabelecidas pela própria Constituição. Ao definir a competência tributária das pessoas políticas em relação aos impostos (artigos 153, 154, 155 e 156) a Constituição já delimitou com bastante precisão o âmbito de atuação do legislador infraconstitucional. 

Já em relação ao artigo 146, III, “b”, deve-se observar que a disciplina da obrigação tributária e respectivo crédito devem estar na lei complementar, assim como a decadência e a prescrição. O legislador constituinte, portanto, reservou à lei complementar o tratamento das formas de nascimento da obrigação, constituição, suspensão e extinção do crédito tributário.

O artigo 146, III, “c”, dispõe que cabe à lei complementar dar adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas. 

O artigo 146, III, “d” deve ser lido em conjunto com seu parágrafo único. Tais dispositivos preveem que cabe à lei complementar definir o tratamento diferenciado e favorecido, do ponto de vista tributário, para as microempresas e empresa de pequeno porte. Em obediência a este dispositivo foi publicada a Lei Complementar nº 123/2006 substituindo diversas leis esparsas, originárias das diversas pessoas políticas, que disciplinaram o tratamento tributário das microempresas e das empresas de pequeno porte.

Os diversos incisos do parágrafo único do artigo 146 indicam algumas regras básicas da LC 123/2006, valendo destacar o inciso III, segundo o qual “o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de recursos pertencentes aos respectivos entes federados será imediata, vedada qualquer retenção ou condicionamento.” Isto permite que se faça uma distinção entre a distribuição mencionada neste dispositivo e a repartição das receitas tributárias de que trata a Seção VI, do Capítulo I, do Título VI da Constituição (artigos 157 e seguintes).

A distribuição a que se refere o artigo 146, parágrafo único, III, da Constituição é uma forma de transferência de tributo da competência tributária alheia, arrecadado por uma pessoa política, mas que não lhe pertence originalmente. A repartição a que aludem os artigos 157 e seguintes da Constituição é forma de transferência de tributo próprio para outra pessoa política. Na repartição poderá haver retenção ou condicionamento na forma autorizada pelo artigo 160, parágrafo único. O mesmo não ocorre na distribuição.

Além da lei complementar prevista no artigo 146, a Constituição determina que diversas outras matérias de natureza tributária sejam disciplinadas por esta espécie normativa.

O artigo 146-A, introduzido pela Emenda Constitucional n° 42/2003, prevê a necessidade de uma lei complementar para estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, o que tem sido entendido como um princípio da neutralidade.

O artigo 148 dispõe que somente lei complementar poderá instituir empréstimos compulsórios.

O artigo 153, VII, prevê que lei complementar disciplinará as grandes fortunas para efeito do imposto da competência da União.

O artigo 154, I, dispõe que a competência residual da União em relação a impostos será exercida através de lei complementar.

O artigo 155, § 1°, III, estabelece a necessidade de lei complementar para disciplinar os casos em que o doador tiver domicílio no exterior, bem com nos casos de de cujus residente ou domiciliado no exterior, com bens localizados no exterior ou com inventário processado no exterior, para fins do imposto de que trata o artigo 155, I.

O artigo 155, § 2°, XII, prevê a necessidade de lei complementar para, em última análise, traçar normas gerais em relação ao ICMS (vide Lei Complementar 87/96 e suas alterações).

O artigo 156, III, determina que os serviços sujeitos à incidência do ISS serão aqueles previstos em lei complementar (vide Lei Complementar n° 116/2003).

Já o artigo 156, § 3°, dispõe, ainda em relação ao ISS, que somente lei complementar poderá: (a) fixar suas alíquotas máximas e mínimas; (b) excluir de sua incidência as exportações de serviços para o exterior e (c) regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.

Finalmente, o artigo 195, § 4°, remete ao artigo 154, I, para determinar a necessidade lei complementar para a União exercer sua competência residual em relação às contribuições de seguridade social.

ARTIGO DA SEMANA – Reforma tributária e o imposto de transmissão progressivo

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

A Reforma Tributária aprovada na Câmara dos Deputados e em tramitação no Senado Federal (PEC 45/2019) prevê que o Imposto de Transmissão causa mortis e Doações de quaisquer bens e direitos (ITD/ITCD/ITCMD) será progressivo em razão do valor da transmissão ou da doação.

A progressividade das alíquotas do ITD/ITCD/ITCMD tem sido objeto de acesa polêmica.

A propósito, os tributos podem ter alíquotas progressivas, regressivas, seletivas ou proporcionais. 

A progressividade e a regressividade podem ser verificadas em razão do tempo ou em razão da base de cálculo.

As alíquotas progressivas ou regressivas no tempo são aquelas que aumentam ou diminuem  conforme o tempo passa. São exemplos de alíquotas progressivas no tempo o IPTU e o ITR, nos termos dos artigos 182, § 4°, II e 153, § 4°, I, da Constituição.  

Alíquotas progressivas ou regressivas em razão da base de cálculo são aquelas que aumentam (progridem) ou diminuem (regridem) na medida em que cresce a base de cálculo. 

Exemplo de progressividade em razão da base de cálculo se verifica no IRPF, já que o cálculo do imposto é realizado mediante a aplicação de uma Tabela Progressiva. 

As alíquotas progressivas em razão da base de cálculo atendem ao princípio da capacidade contributiva na medida em que fazem com que as pessoas de maior capacidade econômica contribuam com uma parcela maior de seus rendimentos para o financiamento do Estado. É por esta razão que RICARDO LOBO TORRES observa que a progressividade, na verdade, é um subprincípio vinculado ao princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1°, da Constituição).

A progressividade das alíquotas dos impostos sobre transmissão não é novidade. As polêmicas sobre este tema também não.

Desde há muito discute-se a possibilidade dos impostos sobre transmissão terem alíquotas progressivas.

Em relação ao ITBI (Imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis por ato inter vivos), o Supremo Tribunal Federal rechaçou a progressividade de alíquotas.

Ao editar a Súmula 656, aprovada em 24/09/2003, o STF, admitindo que a progressividade visa o atendimento ao princípio da capacidade contribuitiva, considerou que: (a) a progressividade só está autorizada quando expressamente prevista na Constituição e (b) a progressividade só se aplica aos impostos de caráter pessoal, vale dizer, aqueles cuja graduação leva em consideração certas qualidades da pessoa.

Mas esta não é a orientação que prevalece no STF. Muito pelo contrário.

Apreciando especificamente o ITD/ITCD/ITCMD, o STF admitiu que não há restrição à aplicação da progressividade de alíquotas aos impostos reais. Em outras palavras: ao dispor sobre o princípio da capacidade contribuitiva, a Constituição não o restringe apenas aos impostos pessoais.

Então, ao julgar o leading case no RE 562.045 em 06/02/2013, o STF firmou a seguinte tese para o Tema 21 da Repercussão Geral: É constitucional a fixação de alíquota progressiva para o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação — ITCD.

Desnecessário dizer que, a partir da autorização dada pelo STF, diversos Estados passaram a introduzir em suas legislações a previsão expressa de alíquotas progressivas para o ITD/ITCD/ITCMD, seja em razão do valor da transmissão, seja em valor da doação.

No Rio de Janeiro, por exemplo, o art. 26[1], da Lei nº 7.174/2015, prevê alíquotas que variam de 4% a 8%.

Como se vê, a PEC 45/2019 possui muito defeitos, mas a progressividade do ITD/ITCD/ITCMD é o menor deles…


[1] Art. 26. O imposto é calculado aplicando-se, sobre o valor fixado para a base de cálculo, considerando-se a totalidade dos bens e direitos transmitidos, a alíquota de:

I – 4,0% (quatro e meio por cento), para valores até 70.000 UFIR-RJ;

(Inciso I alterado pela Lei Estadual nº 7.786/2017 , vigente a partir de 17.11.2017, com efeitos a contar de 01.01.2018)

II – 4,5% (quatro e meio por cento), para valores acima de 70.000 UFIR-RJ e até 100.000 UFIR-RJ;

III – 5,0% (cinco por cento), para valores acima de 100.000 UFIR-RJ e até 200.000 UFIR-RJ;

IV – 6% (seis por cento), para valores acima de 200.000 UFIR-RJ até 300.000 UFIR-RJ;

V – 7% (sete por cento), para valores acima de 300.000 UFIR-RJ e até 400.000 UFIR-RJ;

VI – 8% (oito por cento) para valores acima de 400.000 UFIR-RJ

§ 1º Em caso de sobrepartilha que implique a mudança de faixa de alíquotas, será cobrada a diferença do imposto, com os acréscimos legais, sem prejuízo da aplicação das penalidades previstas no art. 37, caso não comprovados os requisitos previstos no Código de Processo Civil.

§ 2º Aplica-se a alíquota vigente ao tempo da ocorrência do fato gerador. 

ARTIGO DA SEMANA – IPVA sobre embarcações e aeronaves?

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

Entre as propostas do Relatório do Grupo de Trabalho Destinado a Analisar e Debater a PEC nº 45/2019 (Reforma Tributária) está a alteração no IPVA.

O Grupo de Trabalho propõe duas mudanças no IPVA: (a) que o imposto passe a incidir sobre a propriedade de veículos aquáticos e aéreos; e (b) que o imposto seja progressivo em razão do impacto ambiental do veículo. 

Como se sabe, o IPVA é o imposto estadual que incide sobre a propriedade de veículos automotores. 

A Constituição também estabelece que 50% do produto da arrecadação deste imposto seja repassado ao municípios.

Portanto, é claro o interesse dos Estados e Municípios no incremento da arrecadação do imposto.

Mas não é esta a justificativa do Grupo de Trabalho para as mudanças propostas no IPVA.

Antes de mais nada, é preciso recordar que a incidência do IPVA sobre aeronaves e embarcações aquáticas já prevista em leis estaduais, mas afastada pelo Supremo Tribunal Federal.

Para o STF, a criação do IPVA pela Constituição de 1988 teve como propósito a substituição da antiga Taxa Rodoviária Única (TRU), razão pela qual a incidência do imposto sobre veículos não terrestres contrariaria os desígnios do legislador constituinte (RE 134.509/AM e outros).

O Grupo de Trabalho procura justificar a previsão constitucional de incidência do IPVA sobre veículos aquáticos e aéreos na busca da isonomia tributária[1].

Esta justificativa não faz sentido.

A igualdade tributária existe para tratar da mesma forma aqueles que estejam em posição equivalente.

Famílias que usam veículos terrestres para deslocamento diário não estão em posição de equivalência com os proprietários de bens de alto valor e utilizados para fins recreativos.

O Grupo de Trabalho afirma que a ideia não é tributar os chamados veículos aquáticos e aéreos utilizados em atividades produtivas[2]. Pretendem, com isso, mirar nas embarcações e aeronaves de pessoas físicas.

Daí cabe a pergunta: alguém já imaginou um avião ou lancha na declaração de bens e direitos de uma pessoa física? Acorda, deputado!

O Grupo de Trabalho também propõe que o IPVA seja progressivo em razão do impacto ambiental do veículo[3].

Diversos Estados já preveem em suas leis que o IPVA tenha alíquotas diferenciadas em razão da utilização de diesel, gasolina, álcool ou energia elétrica.

Não há questionamento quanto à esta utilização extrafiscal do IPVA.

Logo, cabe outra pergunta: por que entupir a Constituição com mais este dispositivo?

Pelo visto, os membros do Grupo de Trabalho estão, como se diz na gíria, “viajando”. E não é por via marítima ou aérea…


[1] “De fato, a intenção da proposta é trazer mais isonomia à tributação do patrimônio, permitindo que bens de alto valor e utilizados para fins recreativos sejam onerados da mesma forma que os carros utilizados pelas famílias para seu deslocamento diário. Trata-se de medida que trará maior progressividade ao Sistema Tributário e que é demanda recorrente de grande parte dos Parlamentares, independentemente de legislatura ou de partido”.

[2] “…não pretendemos que o tributo incida sobre bens de capital das empresas, como, por exemplo, plataformas de petróleo. Esse imposto não terá o viés de onerar a atividade produtiva…” 

[3] “Outra mudança sugerida pelo Grupo é a possibilidade de o IPVA ser progressivo em razão do impacto ambiental do veículo. Essa alteração está em linha com as propostas ambientais mais modernas defendidas mundialmente e caminha no mesmo sentido dos acordos de adequação de emissão de carbono em que o Brasil é signatário. Trata-se de proposta, portanto, em sintonia com o contexto mundial atual em relação tanto à tributação quanto à defesa do meio ambiente”. 

ARTIGO DA SEMANA – Cuidado com a Reforma Tributária!

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

A divulgação do Relatório do Grupo de Trabalho Destinado a Analisar e Debater a PEC nº 45/2019 trouxe a tema da Reforma Tributária novamente à tona.

Reforma Tributária é o tema da moda e vem à tona em todo início de mandato.

Como mandatos se iniciam a cada dois anos, a Reforma Tributária está sempre presente no centro das discussões.

Alterar os tributos já discriminados na Constituição antes de se debater o tamanho do Estado não faz o menor sentido. A manutenção de um Estado grande (ou máximo) demanda muitos recursos. Um Estado mínimo não depende tanto do que se arrecada, além de receber uma boa injeção de recursos decorrentes de privatizações.

Também é de se estranhar a preocupação com uma Reforma Tributária ao passo que a legislação tributária infraconstitucional continua caótica.

A complexidade dos tributos brasileiros tem menos origem na Constituição do que na leis que os instituem e na extensa gama de normas infralegais que os regulamentam.

Aliás, os mesmos legisladores que se preocupam em reformar o Sistema Tributário Nacional não demonstram a mesma preocupação em simplificar as normas do PIS/COFINS e do IRPJ, por exemplo.

Igualmente não se pode esquecer a grande tendência do Congresso Nacional em piorar o que poderia simplificar a vida dos contribuintes ou tornar a tributação mais justa.

Antes de inventar IVA, IBS, Imposto Seletivo e cashbacks, os legisladores deveriam olhar para a extensão da não-cumulatividade dos tributos, de modo a garantir a ampla possibilidade de compensação de créditos decorrentes das operações anteriores.

Imaginar a disciplina ou a regulamentação da tributação sobre o valor adicionado por norma infraconstitucional chega a dar calafrios!

Nunca é demais lembrar que a não-cumulatividade do ICMS, nascida da Constituição e aprimorada pela Lei Kandir, vem sendo objeto de sucessivas normas infraconstitucionais que, ao longo do tempo, restringem as possibilidades de creditamento do imposto pago nas etapas anteriores.

Reflita: os mesmos legisladores que pretendem reformar o Sistema Tributário Nacional votaram a aprovaram as Leis Complementares  92/97, 99/99, 114/2002, 122/2006, 138/2010 e 171/2019 que fizeram com que a ampla não-cumulatividade do ICMS somente ocorra a partir de 01/01/2033.

O mesmo Congresso Nacional, que hoje se debruça sobre PECs para introduzir cashback na tributação do consumo, não demonstrou preocupação em provocar o Executivo e/ou aprovar leis que, ao longo dos anos, tenham corrigido a tabela do Imposto de Renda das Pessoas Físicas, perpetuando uma tributação injusta sobre expressiva camada da população de 2015 ao começo de 2023.

O mesmo Congresso Nacional que defende a Reforma Tributária promulgou diversas Emendas Constitucionais para introduzir novos tributos (CPMF, CIDE, PIS/COFINS-Importação…) e para “constitucionalizar” questões que o STF afirmou ou estava em vias de afirmar serem inconstitucionais (substituição tributária para frente, incidência do ICMS em qualquer importação…).

Portanto, tratando-se de Reforma Tributária, todo cuidado é pouco…

×