Sonegação e inadimplência vão cair após reforma, promete Appy

Segundo secretário, modelo de cobrança do país será ‘muito provavelmente’ o mais eficiente do mundo com novo sistema

O governo trabalha para criar um sistema de arrecadação que reduzirá fortemente a sonegação e inadimplência após a reforma tributária. “Muito provavelmente, no Brasil, nós vamos ter o modelo de cobrança mais eficiente do mundo”, afirmou ao Valor o secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy. “Não estou brincando.”

É o sistema que recolherá a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que substituirão cinco tributos: as contribuições PIS e Cofins, o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Ser- viços (ICMS) e o Imposto sobre Serviços (ISS). A CBS e o IBS serão cobrados juntos.

Appy ressaltou que a elaboração do modelo, do tipo “split payment”, ainda está em fase inicial. “A ideia é que, no momento do pagamento, seja carregada uma chave, que estamos chamando de ‘fatura’, que vincula o documento fiscal ao instrumento de pagamento”, disse. Antes de creditar o dinheiro na conta do fornecedor, o sistema já compensará créditos tributários, quando houver, e descontará o imposto. Sonegação e inadimplência, que se tornarão mais difíceis com esse novo sistema, são fatores que influenciam o chamado “hiato de conformidade”, ou seja, a diferença entre o que deveria ser arrecadado, com base na legislação, e o que efetivamente é recolhido. Outros fatores que elevam o hiato são a elisão (utilização de “brechas” na lei para pagar menos impostos) e a judicialização. Um exemplo sobre como os litígios afetam a arrecadação são os créditos em discussão no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que chegam a R$ 1,5 trilhão.

É esperado que o hiato de conformidade se reduza após a reforma. Um motivo, informou o secretário, é a simplificação do sistema, que ajuda a diminuir contenciosos. Além disso, há impacto em outros tributos. Países que adotaram um Imposto sobre Valor Agregado (IVA), nos moldes do que serão a CBS e o IBS, observaram melhora no pagamento do Imposto de Renda. Isso porque o sistema estimula a formalização.

Menor hiato de conformidade é um dos fatores que explicam por que a nova tributação sobre o consumo no Brasil foi estimada pelo Ministério da Fazenda em no máximo 27%, e produzirá a mesma arrecadação que os 34,4% praticados atualmente: 12,45% do Produto Interno Bruto (PIB).

Os 34,4%, explicou Appy, cor- respondem à tributação efetivamente incidente em um produto tributado com 18% de ICMS e 9,25% de PIS/Cofins.

O ICMS e os novos tributos que haverá após a reforma são calculados de forma diferente, explicou o secretário. Por isso, suas alíquotas não podem ser diretamente comparadas.

Hoje, a alíquota do ICMS é de 18%, na maior parte dos casos. É cobrada “por dentro”, ou seja, o tributo é calculado sobre o preço do produto, inclusive os impostos. Calculados “por fora” (sobre o preço dos produtos sem impostos), como será o IBS, os 18% correspondem a 24,2%. O mesmo ocorre com o PIS/Cofins: a alíquota “por dentro” é de 9,25%, e a “por fora”, de 10,2%. A soma dos tributos seria de 27,25% no cálculo “por dentro” e de 34,4% no cálculo “por fora”. “Essa sim, é uma das maiores alíquotas do mundo”, comentou Appy.

Outro fator que explica a diferença entre os 34,4% atuais e os 27% estimados após a reforma é a eliminação de uma série de regimes especiais, alíquotas reduzidas e benefícios concedidos com base nos tributos que serão eliminados na reforma.

O Ministério da Fazenda divulgou na última terça-feira uma estimativa sobre a nova alíquota-padrão sobre o consumo, que variará de 25,45% a 27%, considerando a versão da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45 aprovada pela Câmara dos Deputados. Os cálculos consideram dois cenários: um em que o hiato de conformidade é de 10% — nível observado na Hungria, onde a tributação sobre o consumo é de 27%—e outro em que é de15%.

Mostrou também que os tratamentos favorecidos incluídos na PEC 45 pela Câmara acrescentaram de 4,72 a 4,98 pontos percentuais na alíquota-padrão. A ideia é dar ao Congresso uma base para avaliar o peso de cada exceção à reforma.

O cálculo da alíquota não é “cravado” porque há muitos elementos ainda não definidos sobre o novo sistema tributário, disse o secretário. Além de a própria PEC 45 poder ser modificada no Senado, onde está em análise, existem vários fatores que só serão definidos posteriormente, em legislação infraconstitucional. Por exemplo: como funcionarão os regimes específicos de tributação, o Imposto Seletivo (que será criado na reforma para tributar produtos danosos à saúde e ao meio ambiente), quais produtos estarão na cesta básica a ser desonerada. Há indefinições ainda sobre o escopo dos serviços de saúde e de educação que terão direito a alíquotas reduzidas, exemplificou.

Fonte: Valor Econômico – 10/08/2023

ARTIGO DA SEMANA – Os Superpoderes da Lei Complementar do IBS – Parte 2

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

Dando sequência ao exame das leis complementares relativas ao Imposto Sobre e Bens e Serviços (IBS) tal como previsto na PEC 45-A/2019, é importante analisar os dispositivos que tratam das alíquotas do novo imposto.

De acordo com o art. 156-A, §1º, a lei complementar deverá prever que “cada ente federativo fixará sua alíquota própria por lei específica” (inciso V); que “a alíquota fixada pelo ente federativo na forma do inciso V será́ a mesma para todas as operações com bens ou serviços, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Constituição”(inciso VI) e  que “será́ cobrado pelo somatório das alíquotas do Estado e do Município de destino da operação” (inciso VII). 

Nos termos do proposto art. 156-A, §1º, XII, “resolução do Senado Federal fixará alíquota de referência do imposto para cada esfera federativa, nos termos de lei complementar, que será́ aplicada salvo disposição em contrário em lei específica, nos termos do disposto no inciso V deste parágrafo”. 

Num primeiro momento, infere-se da leitura do art. 156-A, §1º, V, que cada ente da federação estará livre para, por lei própria, fixar as alíquotas do IBS.

A prevalecer esta interpretação, o IBS não resolverá um dos grandes problemas do ICMS que é exatamente a diferença de alíquotas entre os diversos Estados. Neste ponto, portanto, a PEC 45-A/2019 representa um retrocesso.

De acordo com o 156-A, §1º, V, as alíquotas do IBS serão as mesmas para todas as operações com bens ou serviços em um mesmo ente da federação. Consequentemente, todos os bens e serviços serão tributados pelo Estado ou Município pela mesma alíquota, salvo aquelas situações especiais previstas no §5º, V. A previsão de alíquotas uniformes para o IBS é bem-vinda e, aliás, nada justificaria alíquotas distintas para as operações com bens, tendo em vista a previsão de um único Imposto Seletivo. 

Por outro lado, tributar operações com bens e serviços por uma mesma alíquota mostra-se um equívoco, sobretudo quando analisado o caráter não cumulativo do imposto.

Ora, as atividades comercial e industrial são sabidamente privilegiadas no que se refere à não cumulatividade em razão dos diversos insumos tributados que integram a operação final (venda e/ou industrialização), seja pela aquisição de bens, seja na condição de tomadores de serviços. 

Mas a atividade de prestação de serviços não possui insumos tributados em valor relevante, sendo certo que o maior gasto inerente à atividade, via de regra, é a mão-de-obra, que não se sujeita à incidência do IBS.

Considerando que a tendência é fixar as alíquotas “por cima”, os prestadores de serviços terão desembolso maior para o pagamento do IBS, tendo em vista os mínimos insumos tributados a serem compensados ao final do período de apuração.

O art. 156-A, §1º, VI, atende a uma reivindicação antiga dos Estados das regiões Norte e Nordeste que sempre defenderam a tributação do consumo no Estado de destino das operações.

O art. 156-A, §1º, XII, causa mais dúvidas do que certezas.

Ao que tudo indica, a lei complementar estabelecerá os requisitos para que o Senado, mediante resolução, fixe alíquotas de referência do imposto para cada esfera federativa que, por sua vez, as estabelecerão por lei (ordinária) própria.

O mecanismo criado pela PEC 45-A/2029 é confuso.

Melhor seria outorgar ao Senado Federal, mediante resolução, a competência para fixar alíquotas mínimas e máximas do IBS a serem observadas por cada ente da federação em suas leis específicas.

Mais ainda: o ideal seria separar as alíquotas máximas e mínimas entre operações com bens e operações com serviços.

ARTIGO DA SEMANA – Os Superpoderes da Lei Complementar do IBS – Parte 1

João Luís de Souza Pereira.

Advogado. Membro da Comissão de Direito Financeiro e Tributário do IAB. Mestre em Direito. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

O Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS), tal como previsto na PEC 45-A/2019, que trata da Reforma Tributária, será instituído e amplamente regulamentado por lei(s) complementar(es) da União.

As várias e fundadas críticas apresentadas ao IBS referem-se às leis complementares que instituirão e disciplinarão este imposto.

Uma primeira crítica ao IBS está na sua própria existência, vale dizer, no fato de ser um tributo da competência dos Estados, DF e Municípios, porém instituído por pessoa política diversa, a União.

Realmente, a previsão de um imposto de competência comum dos Estados, DF e Municípios  não parece ser compatível com o sistema federativo concebido pela Constituição.

O art. 1º, da Constituição, deixa claro que a federação é composta pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Ao longo da Constituição há diversos dispositivos prevendo o que compete a cada ente da federação.

A convivência harmoniosa entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios impõe o respeito aos dispositivos constitucionais que distribuem as diversas competências entre as pessoas políticas. Isto é o que se chama de Pacto Federativo.

O famoso art. 60, §4º, que discrimina as chamadas cláusulas pétreas, afirma que não será objeto de deliberação a proposta de emenda à Constituição (PEC) tendente a, entre outras coisas, abolir a forma federativa de Estado.

Abolir a forma federativa de Estado não é apenas afirmar que o Brasil deixará de ser uma federação e passará a ser um Estado Unitário.

Propostas de Emenda à Constituição que suprimam esta ou aquela competência de um ente federado violam o art. 60, §4º, I.

Exemplo clássico da divisão de competências entre os entes federados está no Título VI, Capítulo I, especialmente nas Seções I a V, da Constituição, que cuida do Sistema Tributário Nacional. 

No âmbito tributário, o exercício da competência permite que a União, Estados, DF e Municípios instituam os tributos que a Constituição os outorgou. Ou seja, a União, mediante lei federal, institui os seus tributos; Estados, idem e assim sucessivamente.

Aqui surge o primeiro problema do IBS.

O art. 156-A que se pretende introduzir na Constituição dispõe que Lei complementar (da União) instituirá́ imposto sobre bens e serviços de competência dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. 

Veja: não se trata de uma lei complementar que disporá sobre normas gerais do IBS, mas da norma que irá efetivamente instituí-lo. 

Não se trata de uma lei complementar que definirá quais serão os bens e serviços sujeitos ao IBS, mas da norma que irá efetivamente instituí-lo.

Salvo interpretação distorcida que se venha a dar à Constituição, está bastante claro que o IBS é um exemplo de transgressão ao pacto federativo, na medida em que não cabe à União instituir imposto da competência dos Estados, DF ou Municípios.

Em outras e mais claras palavras: se o imposto é da competência dos Estados, só os Estados, mediante leis estaduais, podem instituí-lo. Se o imposto é da competência do Distrito Federal, só o DF, mediante lei distrital, pode instituí-lo. Se o imposto é da competência dos Municípios, só os Municípios, mediante leis municipais, podem instituí-lo.

O segundo e grave problema do IBS está nas demais leis complementares previstas ao longo dos parágrafos do futuro art. 156-A da Constituição. 

Como já observado por diversos juristas, a PEC 45-A/2019 está conferindo um verdadeiro cheque branco à União para, mediante lei complementar, disciplinar o IBS. 

Neste momento, vale a pena refletir sobre o papel da futura lei complementar em relação às exportações e à não cumulatividade do IBS.

A Constituição atual é clara ao dispor sobre a não incidência do IPI das exportações afirmando no art. 153, §3º, III, que o imposto “não incidirá sobre produtos industrializados destinados ao exterior”. 

Ao disciplinar o comportamento do ICMS nas exportações, a atual Constituição é categórica, no art. 155, §2º, X, “a”, ao afirmar que o imposto “não incidirá sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores”.

Relativamente ao ISS, o legislador constituinte não foi tão feliz, dispondo que cabe à lei complementar “excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior”. Neste ponto, contudo, a LC 116/2003 resolveu o problema e afirmou que o imposto não incide sobre “as exportações de serviços para o exterior do País.” 

No texto aprovado pela Câmara dos Deputados, o IBS será instituído por uma lei complementar da Unão que deverá prever que o imposto “não incidirá sobre as exportações, assegurada ao exportador a manutenção dos créditos relativos às operações nas quais seja adquirente de bem, material ou imaterial, ou serviço, observado o disposto no § 5º, III.” – art. 156-A, §1º, III.

O art. 156-A, §5º, III, afirma que a lei complementar irá disciplinar “a forma e o prazo para ressarcimento de créditos acumulados pelo contribuinte”. 

Ou seja, a PEC 45-A/2019 transfere para a lei complementar a previsão do afastamento do IBS nas exportações (art. 156-A, §1º, III), bem como concede à norma a fixação da forma e dos prazos para ressarcimento dos créditos acumulados pelo exportador (art. 156-A, §5º, III).

Isto quer dizer que, enquanto não houve lei complementar expressamente prevendo a isenção – e não mais imunidade – nas exportações, o IBS, ao menos em tese, poderá incidir nas saídas de bens e/ou serviços para o exterior.

E como não haverá um mandamento constitucional assegurando a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores, caberá ao exportador aguardar a disciplina da matéria por lei complementar, sempre orando para que a forma e os prazos não sejam tão restritivos a ponto de inviabilizar o ressarcimento/aproveitamento dos saldos credores acumulados.

A lei complementar do IBS também não resolve definitivamente o problema da não cumulatividade do imposto.

A propósito, a experiência brasileira com leis complementares que disciplinam o regime de compensação de imposto não cumulativo não é das melhores. Muito pelo contrário. Mesmo no regime atual, em que a não cumulatividade, sob o prisma constitucional, é ampla, ressalvada apenas para as operações não tributadas pelo ICMS, sucessivas leis complementares introduziram restrições e escalonamentos à implementação do sistema, até hoje não introduzido de maneira ampla e definitiva[1].

Pois bem. A PEC 45-A/2019 afirma que a não cumulatividade do IBS caberá à lei complementar. 

O art. 156-A, §1º, VIII, afirma que “com vistas a observar o princípio da neutralidade, [o IBS] será não cumulativo, compensando-se o imposto devido pelo contribuinte com o montante cobrado sobre todas as operações nas quais seja adquirente de bem, material ou imaterial, inclusive direito, ou serviço, excetuadas exclusivamente as consideradas de uso ou consumo pessoal, nos termos da lei complementar, e as hipóteses previstas nesta Constituição.”

Mais adiante, o art. 156-A, §5º, II, dispõe que a lei complementar disporá sobre “o regime de compensação, podendo estabelecer hipóteses em que o aproveitamento do crédito ficará condicionado à verificação do efetivo recolhimento do imposto incidente sobre a operação, desde que: a) o adquirente possa efetuar o recolhimento do imposto incidente nas suas aquisições de bens ou serviços; ou b) o recolhimento do imposto ocorra na liquidação financeira da operação.”

Como se vê, o texto proposto é pior do que a redação atual da Constituição.

Na PEC 45-A/2019, percebe-se que, mais uma vez, aquilo que atualmente já consta da Constituição passa a ser disciplinado por uma futura lei complementar. Pior ainda: a PEC 45-A/2019 (art. 156-A, §1º, VIII) admite que a lei complementar exclua o crédito de bens de uso consumo pessoais – seja lá o que isso for – já sinalizando a possibilidade de restrições à regulamentação da não cumulatividade.

Mas não é só. O novo texto também retrocede em relação à não cumulatividade, admitindo que a lei complementar vede o direito ao crédito do imposto cobrado, mas não pago na etapa anterior, transferindo ao adquirente o ônus de fiscalizar o pagamento do tributo, hipótese, desde há muito, rechaçada pelos Tribunais (art. 156-A, §5º, II).

Fica claro, então, que a acelerada aprovação da PEC 45-A/2019 na Câmara dos Deputados suprimiu garantias importantes dos contribuintes e conferiu superpoderes à lei complementar do IBS.


[1] Leis Complementares  92/97, 99/99, 114/2002, 122/2006, 138/2010 e 171/2019 fizeram com que a ampla não-cumulatividade do ICMS somente ocorra a partir de 01/01/2033

Imposto Seletivo deve integrar base de cálculo do IBS e da CBS

Proposto na reforma tributária como uma forma de desestimular o consumo de produtos prejudiciais à saúde, como cigarro e bebidas, o Imposto Seletivo, também conhecido como “Imposto do Pecado”, vai integrar a base de cálculo dos novos tributos cobrados no consumo: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).

Esse desenho parece contrariar as promessas de simplificação e fim da cobrança de imposto sobre imposto que embalaram a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45 na Câmara dos Deputados.

A criação do Imposto Seletivo, por si só, agrega complexidade ao sistema, avalia o economista es- pecializado em tributação Ângelo de Angelis. “Não era para ser assim, mas há motivos”, diz. “É para equalizar a regra tributária e garantir que o adquirente tenha direito ao crédito tributário pleno.”

Há um desafio no controle da inclusão do imposto na base do CBS e do IBS e maior complexidade para fiscalizar, segundo Douglas Motta, sócio do Demarest Advogados. “Incluir em si não é um problema, mas todo controle que envolve isso certamente exige maior fiscalização”, afirma.

A maior parte dos países que tributam seu consumo com um Imposto sobre Valor Agregado (IVA), como será o caso do IBS e da CBS, inclui o Imposto Seletivo em sua base de cálculo. “É uma prática comum”, diz Melina Ro- cha, consultora Internacional de IVA/IBS e diretora de cursos na York University-Canadá. “É importante para evitar distorções e diferenciações entre tipos de vendas e manter a neutralidade.”

Interlocutores do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que foi o relator da reforma na Câmara, reforçam essa tese de que o modelo previsto na proposta já vem sendo colocado em prática em muitos países no exterior. Eles pontuam que as preocupações levantadas por especialistas são infundadas.

“É muita conversa sem nenhum fundamento. O Imposto Seletivo é cobrado assim no mundo todo. Não fica mais complexo. O seletivo é monofásico, ele só incide uma vez. Ele incide uma vez porque o objetivo dele é ter efeito no preço para combater externalidade negativa. Serve para aumentar preço de produto que você quer que tenha menos consumo”, afirma um parlamentar que acompanha de perto as negociações do texto.

A consultora Melina Rocha explica que o Imposto Seletivo é normalmente cobrado quando a mercadoria sai da indústria. Geralmente é monofásico (cobrado em uma só etapa da cadeia de produção e comercialização) e cumulativo (sua cobrança não gera cré- dito tributário a ser compensado na etapa seguinte da cadeia).

Assim, quando um varejista adquire um produto de uma indústria, o Imposto Seletivo pode se tornar um custo, se for pago à indústria e não gerar crédito tributário (pelo fato de ser cumulativo). Dessa forma, o peso desse imposto será incorporado ao preço final.

“Na hora que a indústria tira a nota fiscal, ela pode destacar uma base de cálculo sem o Seletivo”, diz o economista Ângelo de Angelis. “Nesse caso, o adquirente fica com um crédito menor.”

A inclusão do Seletivo na base do IBS e da CBS tenta corrigir esse problema. Estando na base desses dois tributos, que geram créditos, a empresa que adquiriu da indústria tem crédito tributário pleno.

Um outro motivo apontado por Melina Rocha é a distorção que pode haver caso a venda seja feita da indústria para o varejista ou diretamente ao consumidor final. Nesse caso, as cargas tributárias serão diferentes, caso o Seletivo não esteja na base do IBS.

“Se o Seletivo não estiver na base de cálculo do IBS, o produto sai da fábrica com uma arrecadação menor”, concorda de Angelis.

Na avaliação da consultora, o formato do Imposto Seletivo não deverá trazer complexidade para a fiscalização. Esse será um tributo federal, a ser monitorado pela Receita Federal.

Já a fiscalização do IBS será tarefa dos Estados e dos municípios, de forma coordenada. O Conselho Federativo, criado na reforma tributária, terá entre seus objetivos evitar que haja sobreposição de Fiscos e procuradorias. Ao fiscalizar o IBS, os Estados e municípios terão a informação sobre o recolhimento do Seletivo destacada na nota fiscal, segundo Melina Rocha.

A versão da PEC 45 aprovada pela Câmara dos Deputados, agora em análise no Senado Federal, diz que o Imposto Seletivo será cobrado sobre “produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente”.

Uma lei, a ser proposta pelo governo ao Congresso Nacional após a aprovação da PEC, vai dizer quais serão esses produtos. O secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, já informou que a ideia é cobrar o Seletivo sobre fumo e bebidas alcoólicas, como o padrão internacional. Discussões sobre a inclusão de combustíveis fósseis e bebidas açucaradas, que já houve no passado, não ocorrem neste momento.

A inclusão do Imposto Seletivo na base de cálculo dos outros tributos estará prevista na Constituição, a partir da reforma e caso a PEC 45 seja aprovada sem alteração nesse ponto. Portanto, não há brecha para o questiona- mento sobre sua constitucionalidade, como o que levou o Supremo Tribunal Federal (STF) a retirar o ICMS da base do PIS e da Cofins em 2017, segundo o advogado Douglas Motta. “Estando na Constituição é mais difícil fazer o questionamento porque hoje já existem situações que o IPI compõe a base do ICMS e isso nunca foi questionado.”

O Valor contactou o senador Eduardo Braga (MDB-AM), relator da PEC 45 no Senado. Não obteve resposta até o fechamento da edição. Segundo sua assessoria de imprensa, o parlamentar quer analisar o texto aprovado pela Câmara antes de emitir opinião.

Nos bastidores, aliados do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP- AL), buscam relativizar as pressões por mudanças no projeto e as críticas de setores e especialistas em relação a alguns pontos da PEC. A avaliação é que é preciso manter a disposição em dialogar com todos, mas que é necessário manter o controle para que o texto “não esvazie além do aceitável”.

Fonte: Valor Econômico 22, 23 e 24/07/2023

ARTIGO DA SEMANA – A Lei Complementar Tributária

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

No texto da Reforma Tributária aprovado pela Câmara dos Deputados constam disposições sobre uma nova lei complementar que irá disciplinar diversos aspectos do novo Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS).

Esta lei complementar será objeto de discussão em evento promovido pelo Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) a se realizar entre os dias 31/07 e 01/08.

Antes da futura lei complementar existir e começar a produzir efeitos, convém refletir sobre o papel que a lei complementar exerce atualmente no Direito Tributário Brasileiro.

O artigo 59, II, da Constituição relaciona as leis complementares entre as normas objeto do processo legislativo brasileiro. 

O artigo 69 dispõe que as leis complementares serão aprovadas por maioria absoluta.

Mas o que são leis complementares?

Das diversas manifestações doutrinárias sobre o tema, observa-se que lei complementar é expressão que possui duplo sentido. 

Num sentido amplo, lei complementar designa toda norma que é produzida para regulamentar dispositivo constitucional, são leis que complementam a Constituição. 

No sentido estrito, porém, leis complementares são aquelas designadas pela própria Constituição e que devem ser elaboradas segundo o quorum estabelecido no artigo 69.

Indo mais além, deve-se observar que a lei complementar tem uma função específica que a distingue das leis ordinárias. Leis Complementares são utilizadas para fazer a integração entre a Constituição e as leis ordinárias.

Esta natureza integrativa da lei complementar é de fundamental importância para o Direito Tributário, embora a Constituição também reserve à lei complementar a disciplina de matérias que, necessariamente, nada têm de integração com as leis ordinárias.

É ainda preciso enfrentar a questão de saber se são realmente leis complementares aquelas normas que apenas obedecem ao requisito do quorum qualificado em sua elaboração. Vale dizer, leis complementares apenas no aspecto formal são verdadeiramente complementares? 

O STF já respondeu negativamente a esta pergunta, de modo que leis complementares precisam obedecer a forma prevista na Constituição e também tratar de matéria a elas reservadas pelo Texto Constitucional.

Com efeito, a invasão por lei ordinária de matéria reservada pela Constituição à lei complementar é questão que se resolve pela via do controle de constitucionalidade, vale dizer, a lei ordinária estará sendo inconstitucional.

A chamada Lei Complementar Tributária é aquela prevista no artigo 146 da Constituição que, na redação dada pela Emenda Constitucional n° 42/2003: (a) disporá sobre conflitos de competência entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios; (b) regulará as limitações constitucionais ao poder de tributar; (c) estabelecerá normas gerais em matéria de legislação tributária.

Em relação aos itens “a”, “b” e “c” anteriormente citados, esta lei complementar é o Código Tributário Nacional, embora tenha “nascido” originalmente como uma lei ordinária – a Lei n° 5.172/66. Na verdade, desde a Constituição de 1967, toda a matéria reservada à lei complementar tributária já estava disciplinada no CTN que, desde então, vem sendo recepcionado com status de lei complementar.

Nos termos do artigo 146, I, da Constituição é papel da lei complementar tributária dispor sobre conflitos de competência entre as pessoas políticas. Isto quer dizer que a lei complementar tributária deverá detalhar o âmbito de exercício da competência tributária das pessoas políticas – já extensamente traçado pela Constituição – de modo a evitar eventuais invasões de competência.

A tarefa de regular as limitações constitucionais ao poder de tributar (artigo 146, II) está disciplinada no artigo 14 do CTN no que diz respeito à limitação indicada no artigo 150, VI, “c”, da Constituição. Sobre este assunto, basta lembrar que, à luz da jurisprudência do STF, tais requisitos somente devem estar veiculados em lei complementar naquilo que se referem às questões tributárias, sendo possível a edição de lei ordinária para tratar de temas relacionados à constituição e o funcionamento de entidade imune (ADIN 1.802/DF e RE 93.770)





O artigo 146, III, da Constituição reserva à lei complementar a competência para dispor sobre normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;  b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas e d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239.

No que diz respeito à definição dos tributos, suas espécies e definição dos fatos geradores do impostos (artigo 146, III, “a”) não se pode deixar de dizer que o CTN não define todas as contribuições instituídas pelo ordenamento constitucional de 1988. Apenas a contribuição de melhoria, que já estava prevista em Constituições anteriores, é que está devidamente definida no Código Tributário Nacional. 

Ainda em relação a este dispositivo, vale lembrar que a definição dos fatos geradores dos impostos não pode desvirtuar as linhas gerais estabelecidas pela própria Constituição. Ao definir a competência tributária das pessoas políticas em relação aos impostos (artigos 153, 154, 155 e 156) a Constituição já delimitou com bastante precisão o âmbito de atuação do legislador infraconstitucional. 

Já em relação ao artigo 146, III, “b”, deve-se observar que a disciplina da obrigação tributária e respectivo crédito devem estar na lei complementar, assim como a decadência e a prescrição. O legislador constituinte, portanto, reservou à lei complementar o tratamento das formas de nascimento da obrigação, constituição, suspensão e extinção do crédito tributário.

O artigo 146, III, “c”, dispõe que cabe à lei complementar dar adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas. 

O artigo 146, III, “d” deve ser lido em conjunto com seu parágrafo único. Tais dispositivos preveem que cabe à lei complementar definir o tratamento diferenciado e favorecido, do ponto de vista tributário, para as microempresas e empresa de pequeno porte. Em obediência a este dispositivo foi publicada a Lei Complementar nº 123/2006 substituindo diversas leis esparsas, originárias das diversas pessoas políticas, que disciplinaram o tratamento tributário das microempresas e das empresas de pequeno porte.

Os diversos incisos do parágrafo único do artigo 146 indicam algumas regras básicas da LC 123/2006, valendo destacar o inciso III, segundo o qual “o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de recursos pertencentes aos respectivos entes federados será imediata, vedada qualquer retenção ou condicionamento.” Isto permite que se faça uma distinção entre a distribuição mencionada neste dispositivo e a repartição das receitas tributárias de que trata a Seção VI, do Capítulo I, do Título VI da Constituição (artigos 157 e seguintes).

A distribuição a que se refere o artigo 146, parágrafo único, III, da Constituição é uma forma de transferência de tributo da competência tributária alheia, arrecadado por uma pessoa política, mas que não lhe pertence originalmente. A repartição a que aludem os artigos 157 e seguintes da Constituição é forma de transferência de tributo próprio para outra pessoa política. Na repartição poderá haver retenção ou condicionamento na forma autorizada pelo artigo 160, parágrafo único. O mesmo não ocorre na distribuição.

Além da lei complementar prevista no artigo 146, a Constituição determina que diversas outras matérias de natureza tributária sejam disciplinadas por esta espécie normativa.

O artigo 146-A, introduzido pela Emenda Constitucional n° 42/2003, prevê a necessidade de uma lei complementar para estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, o que tem sido entendido como um princípio da neutralidade.

O artigo 148 dispõe que somente lei complementar poderá instituir empréstimos compulsórios.

O artigo 153, VII, prevê que lei complementar disciplinará as grandes fortunas para efeito do imposto da competência da União.

O artigo 154, I, dispõe que a competência residual da União em relação a impostos será exercida através de lei complementar.

O artigo 155, § 1°, III, estabelece a necessidade de lei complementar para disciplinar os casos em que o doador tiver domicílio no exterior, bem com nos casos de de cujus residente ou domiciliado no exterior, com bens localizados no exterior ou com inventário processado no exterior, para fins do imposto de que trata o artigo 155, I.

O artigo 155, § 2°, XII, prevê a necessidade de lei complementar para, em última análise, traçar normas gerais em relação ao ICMS (vide Lei Complementar 87/96 e suas alterações).

O artigo 156, III, determina que os serviços sujeitos à incidência do ISS serão aqueles previstos em lei complementar (vide Lei Complementar n° 116/2003).

Já o artigo 156, § 3°, dispõe, ainda em relação ao ISS, que somente lei complementar poderá: (a) fixar suas alíquotas máximas e mínimas; (b) excluir de sua incidência as exportações de serviços para o exterior e (c) regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.

Finalmente, o artigo 195, § 4°, remete ao artigo 154, I, para determinar a necessidade lei complementar para a União exercer sua competência residual em relação às contribuições de seguridade social.

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