STF reafirma que aumento da alíquota de PIS/Cofins entra em vigor 90 dias após decreto

O Supremo Tribunal Federal (STF) reiterou que decretos que diminuíram os coeficientes de redução da alíquota de contribuição do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) sobre combustíveis distribuídos e importados, ainda que dentro dos limites legais, devem observar a anterioridade de 90 dias (nonagesimal), por se tratar de majoração indireta de tributo. A decisão foi tomada no Recurso Extraordinário (RE) 1390517, que teve repercussão geral reconhecida (Tema 1247) e mérito julgado no Plenário Virtual. 

No caso dos autos, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5), ao julgar apelação de empresas de comércio atacadista de combustíveis, assegurou a possibilidade de restituição dos recolhimentos realizados no intervalo de 90 dias que se seguiu à publicação dos Decretos 9.101/2017 e 9.112/2017. Segundo a corte regional, a lei que majora tributos é obrigada a observar anterioridade nonagesimal, e esse mesmo entendimento deve ser aplicado aos decretos que resultaram em aumento no valor do tributo.

No recurso ao Supremo, a União defendeu que não houve instituição nem majoração dos tributos, mas apenas um redimensionamento da cobrança. Assim, a diminuição do coeficiente de redução das alíquotas do PIS e da Cofins não se sujeita à anterioridade em questão.

Anterioridade nonagesimal

Ao se manifestar pelo reconhecimento da repercussão geral, a presidente do STF, ministra Rosa Weber, ressaltou que a matéria tem acentuada repercussão jurídica, social e econômica, com efeitos nas relações econômicas entre contribuintes e a administração tributária federal, ultrapassando o interesse subjetivo das partes do recurso.

No mérito, a ministra observou que a decisão do TRF-5 está de acordo com a jurisprudência consolidada do STF. Ela lembrou que o Supremo, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5277, decidiu que é necessário o respeito à anterioridade nonagesimal quando o Poder Executivo majorar a contribuição para o PIS/Pasep e a Cofins por meio de decreto, ainda que a majoração seja indireta, como na redução de benefício fiscal.

Assim, ela se manifestou pela reafirmação da jurisprudência e pelo desprovimento do recurso extraordinário da União. Seu entendimento foi seguido por unanimidade.

Tese

A tese de repercussão geral fixada foi a seguinte: “As modificações promovidas pelos Decretos 9.101/2017 e 9.112/2017, ao minorarem os coeficientes de redução das alíquotas da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre a importação e comercialização de combustíveis, ainda que nos limites autorizados por lei, implicaram verdadeira majoração indireta da carga tributária e devem observar a regra da anterioridade nonagesimal, prevista no art. 195, § 6º, da Constituição Federal”.

SP/AD//CF

Fonte: Notícias do STF

A decisão do STF sobre o Fundeinfra e o Convênio Confaz 42/16

Por Fernando Facury Scaff

Já comentei a frase de Mario de Andrade, escrita há quase 100 anos, afirmando que os males do Brasil são pouca saúde e muita saúva, tendo acrescentado a praga dos Fundos de Desenvolvimento Estaduais. O fundo do estado de Goiás, Fundeinfra, acabou de ser torpedeado pelo STF através de liminar concedida pelo ministro Dias Toffoli na ADI 7.363, proposta pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).

A complexidade da lei é enorme, impedindo que se compreenda todo seu alcance com a necessária clareza, gerando a necessidade de uma petição inicial bastante detalhada, contemplando inúmeras possibilidades interpretativas, todas apontando inconstitucionalidades. Diversos aspectos foram cogitados para explicar esse mecanismo financeiro adotado pelo estado de Goiás, que foi apenas um ato de força travestido de norma jurídica.

O que está “embrulhado” pela norma? Pela Lei 21.670/22 o estado de Goiás criou uma condicionante para que as empresas possam fruir dos incentivos fiscais concedidos pelo Estado, e também para manter o reconhecimento da imunidade das exportações. A condicionante impõe à empresa “optar pelo pagamento de contribuição” para o Fundeinfra, mediante termo de credenciamento, pelo qual essa “contribuição” venha a ser recolhida aos cofres públicos estaduais. Na prática, há uma redução dos incentivos fiscais e o estabelecimento de regras para o reconhecimento da imunidade tributária das exportações, o que não é acatado nem pela Constituição, nem pelo STF.

O “embrulho normativo” estadual foi bem analisado pelo ministro Dias Toffoli na liminar concedida, que centrou sua atenção em um ponto específico do nosso sistema jurídico, o Princípio da Não Afetação, deixando de lado outras vertentes que seguramente analisará por ocasião do julgamento definitivo.

Em breve síntese, o Princípio da Não Afetação (artigo 167, IV, CF) veda a vinculação da receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, contemplando algumas exceções, que não dizem respeito ao caso. A lógica por detrás dessa norma é a de conceder liberdade ao legislador orçamentário, a fim de que ele possa, o mais livremente possível, estabelecer no que deve ser realizado o gasto público no exercício orçamentário sob análise. Dessa forma, evita-se ampliar o engessamento orçamentário, que impede aos legisladores estabelecer prioridades políticas (que custam dinheiro) durante seu mandato. Afinal, quanto mais recursos forem vinculados de forma perenemenosdinheiro terá o legislador orçamentário anual, restringindo seu espaço de poder. Trata-se de norma que embute um conceito intergeracional. O ministro Toffoli, ancorado em diversos precedentes, identificou na violação a esse princípio o fumus boni juris necessário para a concessão da liminar, suspendendo a exigência dessa contribuição ao tal Fundo.

Constata-se uma verdadeira praga desses fundos estaduais Brasil afora. Levantamento efetuado por escritórios de advocacia apontam Fundos semelhantes nos estados do Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rondônia, São Paulo e Tocantins. É possível que tenha faltado incluir alguns. 

A matriz normativa de todos esses fundos é o Convênio Confaz 42/16, que permitiu aos estados adotarem tal tipo de mecanismo financeiro em suas leis, visando aumentar a arrecadação estadual, e buscando driblar diversas normas constitucionais através de malabarismos fiscais apresentados muitas vezes de forma complexa e de difícil compreensão.

Exatamente por isso é necessário acompanhar com lupa bem grande como se comportará o Plenário do STF ao analisar a liminar nesta ADI 7.363, relatada pelo ministro Toffoli. Outro caso a ser observado com igual atenção é a ADI 5.635, relatada pelo ministro Roberto Barroso, que, após votar a favor da constitucionalidade do Fundo do Estado do Rio de Janeiro — denominado Fundo Estadual de Equilíbrio Fiscal (Feef)— , deslocou o processo do Plenário Virtual para ser julgado no presencial após ouvir o muito bem lançado voto do ministro André Mendonça por sua inconstitucionalidade. Nos dois casos o Convênio 42/16 é impugnado, mesmo que de forma indireta.

Por tudo isso, reafirma-se que nos dias atuais é muito difícil compreender a matéria tributária sem a devida análise financeira. Não são dois mundos afastados, como se analisava no passado, mas completamente interconectados, como se verifica nos julgamentos mencionados e nas diversas leis estaduais que dificilmente serão impugnadas em blocodiretamente no STF sem que sua matriz normativa, o Convênio 42/16, também o seja.

Fernando Facury Scaff é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Bentes, Lobato & Scaff Advogados.

Revista Consultor Jurídico, 17 de abril de 2023, 8h00

STF pode alterar entendimento sobre contribuição a sindicato

O Supremo Tribunal Federal (STF) pode estar prestes a alterar seu entendimento sobre a obrigatoriedade de pagamento da contribuição assistencial a sindicato — que custeia, por exemplo, negociações coletivas. O tema voltou à pauta na sexta-feira, no Plenário Virtual.

Por enquanto, há dois votos para a cobrança de contribuição estabelecida em acordo ou convenção coletiva, desde que o trabalhador não se oponha ao pagamento. Votaram nesse sentido, contrário ao de julgamento realizado em 2018, os ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes, que mudou de ideia e se- guiu o colega. A sessão está prevista para terminar no dia 24.

Em junho de 2018, por seis votos a três, o Supremo considerou constitucional dispositivo da reforma trabalhista que extinguiu a obrigatoriedade da contribuição sindical. Até a edição da Lei no 13.467, de 2017, o pagamento era obrigatório, mesmo para trabalhadores não filiados. O dispositivo foi questionado em 20 ações diretas de inconstitucionalidade.

O STF então estendeu o mesmo entendimento às contribuições assistencial — adotada para remunerar atividades que o sindicato pratica em assistência ao empregado — e confederativa. Só poderiam ser exigidas de trabalhadores filiados.

Como essas contribuições não têm natureza tributária, o STF entendeu que, em ambos os casos, a cobrança de empregados não fi- liados ao sindicato violaria a liberdade de associação.

Agora, em recurso (embargos de declaração) apresentado contra julgamento desfavorável em ação ajuizada pelo Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Curitiba, os ministros começam a for- mar novo entendimento (ARE 1018459 ou Tema 935).

O ministro Luís Roberto Barroso considerou que a reforma trabalhista promoveu uma importante alteração na forma de custeio das atividades dos sindicatos. E que, de acordo com a nova redação do artigo 578 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a contribuição sindical só pode ser cobrada “desde que prévia e expressamente autorizada” .

“Caso mantido o entendimento de que a contribuição assistencial também não pode ser cobrada dos trabalhadores não filiados, o financiamento da atividade sindical será prejudicado de maneira seve- ra. Há, portanto, um risco significativo de enfraquecimento do sistema sindical”, diz em seu voto.

O ministro ainda ressalta que o enfraquecimento dos sindicatos

vai na contramão da jurisprudência do Supremo. “Em diversos precedentes, o STF reconheceu a importância da negociação coletiva”, afirma ele, que destacou julgados relacionados aos planos de demissão voluntária (RE 590.415) e à necessidade de intervenção sindical prévia às dispensas em massa (RE 999.435), entre outros.

Para Barroso, “tendo em vista que a contribuição assistencial custeia a negociação coletiva, o en- tendimento anteriormente firma- do deve ser revisitado pelo tribu- nal”. Como solução alternativa, ele propõe que seja assegurado ao empregado o direito de oposição.

Após o voto, o relator do caso, mi- nistro Gilmar Mendes, defendeu que é caso de evolução e alteração do seu posicionamento. Ele reconheceu o impacto na fonte de custeio das instituições sindicais. “Tais entidades ficariam sobremaneira vulnerabilizadas no tocante ao financiamento de suas atividades”, diz ele, que já havia votado antes pela in- constitucionalidade da cobrança da contribuição assistencial de trabalhadores não sindicalizados.

De acordo com o advogado Ri- cardo Calcini, sócio-consultor de Chiode Minicucci Advogados – Littler Global, caso o novo entendimento prevaleça, não precisaria haver a reforma sindical, que está na pauta do governo federal. Isso porque as receitas dos sindicatos

poderiam voltar a existir de forma exponencial. “A regra será pagar a contribuição assistencial e poucos deverão fazer oposição”, afirma.

A advogada Yuri Nabeshima, head da área trabalhista do VBD Advogados, diz que se surpreendeu com a drástica mudança de entendimento do ministro Gilmar Mendes. “Pesou, para o ministro, as modificações trazidas pela reforma trabalhista e o argumento do ministro Barroso de que a exigência de autorização expressa para cobrança da contribuição sindical impactou fortemente o custeio das entidades sindicais, desequilibrando as forças envolvidas nas negociações coletivas e, consequentemente, pondo em risco o próprio sistema sindical.”

Contudo, para ela, chancelar a possibilidade de cobrança de contribuições assistenciais de não sindicalizados não parece fazer sentido. “Acaba sendo uma solução inadequada para corrigir o desequilíbrio financeiro às custas do empregado não sindicalizado, que se verá obrigado a apresentar pedido de oposição perante a entidade sindical, mas que por diversas razões deixa de fazê-lo oportunamente”, diz.

Fonte: Valor Econômico – 15, 16, 17/04/2023

Ação no STF sobre ISS em industrialização por encomenda gera alerta em municípios

O Supremo Tribunal Federal começou a julgar nesta sexta-feira (14/4) um tema de amplo impacto na arrecadação dos mais de cinco mil municípios brasileiros: a incidência de Imposto Sobre Serviços (ISS) em operações de industrialização por encomenda.

O julgamento ocorre no Plenário Virtual e tem previsão para acabar no dia 24. O relator é o ministro Dias Toffoli. Já há pedidos de destaque para que seja apreciado presencialmente, devido à sua relevância — são, ao todo, oito amici curiae (amigos da corte) admitidos.

O caso concreto é o de uma empresa de Contagem (MG) contratada para cortar bobinas de aço em chapas. O município alega que pode tributar a atividade porque ela está descrita na lista que orienta o que são serviços geradores de ISS, anexa à Lei Complementar 116/2003.

O subitem 14.05 da lista indica que incide ISS sobre galvanoplastia, anodização, corte, recorte e acabamento de objetos quaisquer — processos que estão envolvidos na atividade praticada pela empresa alvo da tributação. As instâncias ordinárias e o Superior Tribunal de Justiça deram razão ao município.

No STF, a repercussão geral foi reconhecida em 2015 com o objetivo de dar definição ao tema, levando em conta o modelo de competências tributárias estabelecido pela Constituição e a sistemática de tributação do setor produtivo, orientada pelo princípio da não cumulatividade.

Esse é o cenário que faz com que o diretor jurídico da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf), Ricardo Almeida Ribeiro da Silva, defina o julgamento como o mais importante já feito sobre o ISS, por causa da capacidade de influir na arrecadação e na sonegação de impostos.

Cumulatividade em xeque
A tese da empresa é que sua atividade não se submete ao ISS, mas ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), de competência estadual, já que a mercadoria não foi entregue ao consumidor final. Isso significaria incidir também o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), a cargo da União.

O contribuinte alega que o corte de chapas de aço serviu como uma etapa do processo industrial. Assim, enquadra-se como industrialização por conta de terceiros, conforme a previsão do regulamento do ICMS mineiro.

Em parecer de 2015, a Procuradoria-Geral da República deu razão ao contribuinte. O documento apontou que apenas os tributos conferidos à União (IPI) e aos estados (ICMS) têm o poder de extrair recursos da cadeia produtiva. Para isso, usam a técnica da não cumulatividade.

O tributo é recolhido em todas as fases da cadeia produtiva, mas é compensado na fase seguinte até que esse ônus seja suportado pelo consumidor final. A cobrança do ISS em uma dessas etapas causaria um indesejável desequilíbrio.

A ideia é que os serviços incluídos na lista anexa da LC 116/2003 sejam interpretados não de forma literal, mas de acordo com sua real natureza. Se o corte de chapa de aço for serviço destinado ao consumidor final, incide ISS. Se, em vez disso, for etapa da industrialização, incidem ICMS e IPI.

O Supremo ensaiou essa interpretação em 2011, quando concedeu liminar na ADI 4.389 para afastar a cobrança de ISS sobre a fabricação e circulação de embalagens, apesar de esse serviço estar listado no subitem 13.05 da lista anexa à LC 116/2003. A decisão depois caiu porque a ação foi extinta sem julgamento de mérito por perda do objeto.

Convite à sonegação
Em manifestação encaminhada ao STF, a Abrasf alertou que não há razões constitucionais para substituir a incidência de um imposto cumulativo (ISS) por dois outros não cumulativos (IPI e ICMS). Assim, repetir a medida representaria fazer reforma tributária à revelia do Congresso Nacional, segundo a entidade.

A Abrasf argumentou também que o cabimento do ISS sobre o corte de chapas de aço não pode ficar à mercê da destinação do produto, pois se trata de fato posterior e estranho ao fato gerador do tributo. Será muito difícil fiscalizar essa atividade, pois ela envolverá destinatários desconhecidos e situados por todo o território brasileiro, cada qual com suas especificidades.

Segundo a Abrasf, a vinculação do fato gerador ao destino da chapa de aço vai gerar insegurança, manipulação, evasão e sonegação fiscal não só do ISS, mas também do IPI e do ICMS. Bastará ao contribuinte alegar ao município que o comprador usou os bens para processo industrial e dizer ao estado que o mesmo bem serviu para consumo final.

“Por melhores que sejam os argumentos econômicos ou financeiros para rejeitar a cumulatividade ou a falta de geração de créditos tributários para que os adquirentes das chapas de aço cortadas (caso sejam intermediários na cadeia produtiva) abatam do imposto devido na sua venda futura, não pode o Judiciário afastar a obrigação tributária do ISS, sob pena de instituir uma evidente situação de isenção tributária”, argumentou a entidade.

Voto do relator
Toffoli já votou e considerou que é inconstitucional a incidência do ISS prevista no subitem 14.05 da LC 116/2003 se os objetos são destinados à comercialização ou à industrialização.

O magistrado propôs a modulação dos efeitos de seu voto para impedir: a cobrança do ISS sobre fatos geradores ocorridos até a véspera do dia da publicação da ata de julgamento do mérito; e a repetição de indébito do ISS para quem recolheu o imposto até a mesma data. Nesse caso, a União não poderia cobrar o IPI sobre os mesmos fatos geradores.

As ressalvas à modulação seriam as ações judiciais ajuizadas até a mesma data — o que inclui repetições de indébito e execuções fiscais sobre a incidência do ISS — e os casos de bitributação comprovada, com relação a fatos geradores ocorridos até a data em questão. Nesses casos, o contribuinte teria direito à repetição do indébito do ISS independentemente de propor ação judicial até esse marco. Já nas hipóteses de não recolhimento do ISS ou do IPI, incidiria o IPI em relação aos fatos geradores ocorridos até o dia mencionado.

Ciclo econômico
Toffoli afirmou que as previsões da lei complementar podem ser ignoradas quando a atividade definida como serviço tributável não o for ou envolver o fornecimento de mercadorias “de vulto significativo e com efeito cumulativo”.

De acordo com o ministro, a lei complementar não pode expandir a competência tributária atribuída pela Constituição aos municípios. A LC 116/2003 não ressalvou os objetos destinados à industrialização ou à comercialização no subitem 14.05. Por isso, “deformou o critério material do ISS”, invadiu a competência tributária da União e provocou “efeito cumulativo relevante” do imposto municipal em relação ao IPI, segundo Toffoli. 

Para o magistrado, “a solução da controvérsia a respeito da tributação incidente sobre a industrialização por encomenda perpassa pela análise do papel que essa atividade tem na cadeia econômica, e não propriamente pela análise isolada da atividade-fim desempenhada pela indústria contratada”.

Se o bem retorna à circulação ou passa por nova industrialização após a industrialização por encomenda, este primeiro processo representa apenas uma fase do ciclo econômico e não está sujeito ao ISS.

Por esse critério, o relator entendeu que o imposto não se aplica a objetos destinados à circulação ou à industrialização em casos de atividades de restauração, recondicionamento, acondicionamento, pintura, beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização, corte, recorte, plastificação, costura, acabamento, polimento e afins.

Toffoli lembrou que a 1ª Turma do STF, em 2014, reconheceu a inconstitucionalidade da cobrança de ISS quanto à industrialização por encomenda feita em materiais fornecidos pelo contratante, que eram retornados a ele e comercializados (RE 606.960). Na ocasião, discutiu-se a incidência do ISS sobre atividade de desdobramento e beneficiamento de bloco ou chapa de granito e mármore (corte, recorte ou polimento, nas definições do subitem 14.05).

No ano seguinte, a 1ª Turma chegou à mesma conclusão com relação à industrialização por encomenda em materiais fornecidos pelo contratante, embora tal atividade configurasse, no caso concreto, etapa intermediária do ciclo produtivo da mercadoria.

Questão de multa
O recurso extraordinário a ser julgado ainda incluirá uma relevante discussão: a definição de limites para a fixação da multa fiscal moratória, que no caso representou 30% do valor do débito. A análise vai levar em conta a vedação constitucional ao efeito confiscatório da multa fiscal.

Toffoli sugeriu a adoção do limite máximo de 20% do valor do débito para as multas moratórias, com as variações temporais (dia de atraso, mês etc.) a cargo de cada lei. Ele recordou que o Plenário da corte já estabeleceu a constitucionalidade de multas moratórias nesse percentual (RE 582.461), por considerá-las razoáveis e suficientes para punir quem deixar de pagar o tributo no tempo devido.

Em julgamentos antigos, a 2ª Turma reduziu multas de 100% para 30%. Em precedente mais atual, validou uma multa de 40%. Já a 1ª Turma, em casos bem mais recentes, reduziu multas de 30% para 20%.

No caso concreto, a análise da multa ficou prejudicada, pois ela foi aplicada devido à falta de pagamento do ISS — que, pelo voto de Toffoli, não precisava ser recolhido.

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RE 882.461

Revista Consultor Jurídico, 14 de abril de 2023, 10h56

Decisão do STF sobre ICMS beneficia contribuinte, mas modulação deixa dúvida

Supremo Tribunal Federal decidiu, por seis votos a cinco, que a cobrança de ICMS na transferência de mercadorias de um estado para o outro, entre estabelecimentos de um mesmo contribuinte, fica proibida a partir do exercício financeiro de 2024.

A corte também decidiu que os estados têm até o ano que vem para disciplinar a transferência de créditos de ICMS entre estabelecimentos do mesmo titular. Se não houver regulamentação, fica reconhecido o direito dos contribuintes de transferir os créditos. Venceu o voto do relator, Edson Fachin. 

O julgamento, concluído no Plenário Virtual do Supremo nesta quarta-feira (12/4), buscava modular os efeitos da decisão de 2021 que considerou inconstitucionais dispositivos da Lei Kandir (Lei Complementar 87/96) que previam a incidência do ICMS sobre o deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular localizados em estados distintos.

O caso é relevante pelo seu impacto financeiro. Calcula-se, por exemplo, que as dez maiores empresas do varejo brasileiro poderiam perder R$ 5,6 bilhões de créditos tributários do ICMS por ano se a transferência desses valores fosse barrada. 

Para advogados tributaristas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico, embora a decisão seja benéfica aos contribuintes, ela deixa dúvidas sobre se de fato houve modulação de efeitos.

Isso porque o artigo 27 da Lei 9.868/1999 determina que deve haver maioria qualificada (de oito votos) para a modulação de efeitos de decisões de controle concentrado. Para haver certeza sobre a modulação, afirmam alguns especialistas, é preciso esperar a proclamação do resultado.

Segundo Alessandro Mendes Cardoso, do escritório Rolim, Viotti, Goulart e Cardoso Advogados, ainda que o quórum não tenha sido atingido, “houve unanimidade na decisão de modular a decisão, cumprindo-se o requisito legal, e maioria simples (de seis votos) no desenho da tese de modulação”.

O advogado destacou que o tema foi discutido na sessão desta quinta-feira (14/4) do Supremo, quando o tribunal proclamou o resultado da ADI 4.411, que tratava de outro assunto.

“Hoje (quinta-feira) ocorreu a proclamação do resultado da modulação feita nos embargos declaratórios da ADI 4.411 e o STF efetuou exatamente essa diferenciação. O que é o mais correto e lógico para se evitar que o tribunal, tendo decidido unanimemente pela necessidade de modular os efeitos de uma decisão, não o faça pela falta de uma maioria qualificada para um entendimento sobre a forma de se modular, mesmo tendo maioria simples.” 

João Paulo Muntada Cavinatto, sócio da prática tributária do Lefosse, afirma que a decisão é bem-vinda porque “saneia definitivamente a dúvida quanto à possibilidade da manutenção de créditos do imposto”, acabando com a discussão sobre se a transferência resulta ou não no dever de estornar créditos tributários. 

“A decisão passa uma mensagem ao estados de que o direito à transferência de créditos é inerente ao contribuinte, independentemente de edição de norma regulamentadora. Dito de outra forma, o direito de transferir créditos passa a valer conjuntamente com a ausência de tributação nas transferências.”

De acordo com ele, no entanto, será necessário esperar a publicação do resultado do julgamento para saber se houve ou não modulação de efeitos. 

Mateus Bueno, do Bueno Tax Lawyers, afirma que a decisão do STF representa um “alívio final aos contribuintes”, especialmente aos varejistas com operações próprias interestaduais. 

Segundo ele, se prevalecesse a divergência aberta pelo ministro Dias Toffoli, os créditos acumulados “teriam seu uso imediatamente ameaçado, ao menos até que o Congresso deliberasse em lei complementar pelo seu aproveitamento”. 

O voto de Toffoli, que ficou vencido, estipulava prazo de 18 meses para o Congresso normatizar a questão. Para ele, a regulação do tema deveria se dar por meio de lei federal. 

Thiago Sarraf, do Terciotti, Andrade, Gomes e Donato Advogados, alerta que alguns setores em que há diferimento na cadeia produtiva, como o agronegócio, além de bares e restaurantes, podem ser prejudicados pela decisão.

“Nesses casos, os contribuintes que não efetuaram o recolhimento sobre as meras transferências de mercadorias entre seus estabelecimentos com base em precedentes inequívocos do STJ e do STF serão compelidos a pagar o ICMS e permanecerão não se creditando do imposto.” 

Entenda o caso
Em 2021, o Plenário do Supremo decidiu, por unanimidade, que é inconstitucional o trecho da Lei Kandir que prevê a incidência do ICMS sobre o deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular localizados em estados distintos.

Para o relator, ministro Edson Fachin, ainda que algumas transferências entre estabelecimentos do mesmo titular possam gerar reflexos tributários, a interpretação de que a circulação meramente física ou econômica de mercadorias gera obrigação tributária é inconstitucional.

“A operação somente pode ser tributada quando envolve essa transferência, a qual não pode ser apenas física e econômica, mas também jurídica. Há anos os julgamentos que discorrem sobre fato gerador do ICMS se dão no sentido de que a circulação física de uma mercadoria não gera incidência do imposto, visto que não há transmissão de posse ou propriedade de bens”, argumentou o ministro em seu voto. 

O caso julgado refere-se a uma ação declaratória de constitucionalidade ajuizada pelo estado do Rio Grande do Norte. Um dispositivo da Lei Kandir prevê que o fato gerador de ICMS ocorre no momento  da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, “ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”.

Assim, para o autor da ação, deve-se adotar o entendimento de que a circulação de mercadorias, para fins tributários, é a econômica, e não a jurídica — isto é, não é preciso ocorrer transferência de titularidade.

À época, o relator lembrou que há diversas decisões proferidas, em tribunais superiores e de Justiça, que têm contrariado essas normas da Lei Kandir. Assim, por haver essa divergência entre Judiciário e Legislativo, foi admitida a ação.

Um dos entendimentos judiciais citados é do Superior Tribunal de Justiça, que fixou a Súmula 166, segundo a qual “não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”.

ADC 49

Revista Consultor Jurídico, 13 de abril de 2023, 20h29

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