ARTIGO DA SEMANA- Exceções à legalidade tributária

João Luís de Souza Pereira

Advogado. Mestre em Direito.

Professor convidado da Pós-graduação da FGV Direito Rio

Professor convidado do IAG/PUC-Rio

A Constituição Brasileira é extremamente detalhista no tratamento da matéria tributária.

Nossa Constituição define quem pode instituir tributos, que espécies de tributo podem existir, como se devem instituir tributos e, em algum casos, dispõe até sobre normas gerais sobreo tributo. No art. 155 da Constituição, por exemplo, há quase um verdadeiro tratado sobre o ICMS.

Esta riqueza de detalhes na disciplina da matéria tributária, a exemplo da jabuticaba e do pentacampeonato mundial de futebol, são produtos tipicamente nacionais.

Na parte reservada ao como se devem instituir tributos, surge o famoso princípio da legalidade tributária, previsto no art. 150, I, da Constituição.

O princípio da legalidade estabelece que nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que lei o estabeleça. 

Isto quer dizer que a instituição e o aumento de tributos estão sujeitos à reserva legal. Somente através de lei que tenha tramitado pelo Poder Legislativo é que se pode instituir ou aumentar tributos. Os atos normativos do Poder Executivo (decretos, portarias, instruções normativas…) não se prestam para aumentar ou instituir tributos. 

O princípio da legalidade está ligado à idéia de consentimento. Desde o reinado de João Sem Terra, na Inglaterra, os financiadores do Estado impuseram limites ao pagamento de tributos, subordinando as exações à prévia deliberação dos “contribuintes”. 

Se os tributos são devidos por toda a sociedade para o financiamento do Estado – que nada mais faz do que utilizar estes recursos em benefício de todos – nada mais justo do que deixar que a própria sociedade delibere sobre o quanto será necessário para o financiamento do Estado. 

Como nas democracias o poder do povo é exercido através de seus representantes regularmente eleitos, cabe ao Poder Legislativo a tarefa de elaborar as leis tributárias. Por isso é que se diz que there is no taxation without representation.

Daí a importância na eleição de legisladores (vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores).

O princípio da legalidade possui exceções previstas no próprio Texto Constitucional. 

O artigo 153, § 1º, da Constituição dispõe que “É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V.”

Ou seja, a Constituição admite que as alíquotas – tão somente as alíquotas – do Imposto de Importação, do Imposto de Exportação, do IPI e do IOF sejam alteradas por norma infralegal, dentro dos limites e condições previstos em lei. Isto quer dizer que em relação a estes impostos o princípio da legalidade fica flexibilizado, admitindo-se a instituição e a majoração das alíquotas por ato do Poder Executivo.

Também constitui uma exceção ao princípio da legalidade a contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool. Isto porque o artigo 177, § 4º, I, “b”, da Constituição – na redação dada pela Emenda Constitucional nº 33/2001 – dispõe que alíquota deste tributo “poderá ser reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo…”

No Direito Brasileiro, além da Constituição consagrar o princípio da legalidade, o artigo 97, do Código Tributário Nacional explicita as matérias reservadas à lei.

Em decorrência do princípio da legalidade, há autores que sustentam que a exigência de tributos deve estar veiculada por lei que descreva minuciosamente todos os elementos necessários ao pagamento do tributo. É o que se chama de tipicidade fechada.

O Supremo Tribunal Federal, contudo, não vem acolhendo a tese da tipicidade fechada. 

Em março de 2003, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Recurso Extraordinário nº 343.446/SC, apreciou a constitucionalidade da Contribuição para o Seguro de Acidente do Trabalho (SAT). De acordo com a lei, as alíquotas do SAT variam em razão do grau de risco da atividade preponderante do contribuinte. No entanto, a definição de atividade preponderante e grau de risco leve, médio ou grave, coube a um Decreto, portanto ato do Poder Executivo. 

Naquela ocasião, o STF decidiu que “As Leis 7.787/89, art. 3º, II, e 8.212/91, art. 22, II, definem, satisfatoriamente, todos os elementos capazes de fazer nascer a obrigação tributária válida. O fato de a lei deixar para o regulamento a complementação dos conceitos de “atividade preponderante” e “grau de risco leve, médio e grave”, não implica ofensa ao princípio da legalidade genérica, C.F., art. 5º, II, e da legalidade tributária, C.F., art. 150, I.”.

Na verdade outras decisões do STF já afirmavam ser desnecessária a utilização de lei para ajustar bases de cálculo, alíquota e prestações de parcelamento de tributo (IPTU) – desde que nos limites da variação de índice nacional de medição da inflação. Esta, aliás, é a posição do Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidada na Súmula nº 160“É defeso, ao município, atualizar o IPTU, mediante decreto, em percentual superior ao índice oficial de correção monetária.”

O STF também já afastou a necessidade de lei para a fixação de prazo de vencimento do ICMS (RE 253.395/SP): “Não se compreendendo no campo reservado à lei a definição de vencimento das obrigações tributárias, legítimo o Decreto nº 33.386/92, que modificou a data de vencimento do ICMS. Improcedência da alegação de infringência ao princípio da vedação de delegação legislativa”.

Decisão importante sobre a mitigação da legalidade tributária ocorreu no julgamento da norma que permitiu ao Poder Executivo manejar alíquotas do PIS/COFINS sobre receitas financeiras. No julgamento do RE 1.043.313 (DJE de 25/03/2021), o STF concluiu que “É constitucional a flexibilização da legalidade tributária constante do § 2º do art. 27 da Lei nº 10.865/04, no que permitiu ao Poder Executivo, prevendo as condições e fixando os tetos, reduzir e restabelecer as alíquotas da contribuição ao PIS e da COFINS incidentes sobre as receitas financeiras auferidas por pessoas jurídicas sujeitas ao regime não cumulativo, estando presente o desenvolvimento de função extrafiscal”, fixando tese para o Tema 939 da Repercussão Geral.

Ainda sobre o PIS e a COFINS, o STF também reconheceu a constitucionalidade do art. 5º, §§ 8º a 11, da Lei nº 9.718/98, na redação dada pela Lei nº 11.727/2008, admitindo que o Poder Executivo reduza e restabeleça alíquotas dos tributos nas operações com álcool carburante, desde que a lei estabeleça os limites para esta flexibilização (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.277)[1].

Também houve flexibilização da legalidade na norma que, tratando da taxa para emissão da Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) pelos CREAs, estabeleceu um piso e um teto para o tributo. Analisando o caso, o STF concluiu que “Não viola a legalidade tributária a lei que, prescrevendo o teto, possibilita ao ato normativo infralegal fixar o valor de taxa em proporção razoável com os custos da atuação estatal, valor esse que não pode ser atualizado por ato do próprio conselho de fiscalização em percentual superior aos índices de correção monetária legalmente previstos” e fixou tese para o Tema 829.

Como se vê, o princípio da legalidade não foge à regra e também tem exceções…


[1] A observância do princípio da legalidade tributária é verificada de acordo com cada espécie tributária e à luz de cada caso concreto, sendo certo que não existe ampla e irrestrita liberdade para o legislador realizar diálogo com o regulamento no tocante aos aspectos da regra matriz de incidência tributária. Para que a lei autorize o Poder Executivo a reduzir e restabelecer as alíquotas da contribuição ao PIS/Pasep e da Cofins, é imprescindível que o valor máximo dessas exações e as condições a serem observadas sejam prescritos em lei em sentido estrito, bem como exista em tais tributos função extrafiscal a ser desenvolvida pelo regulamento autorizado. (Rel. Min. Dias Toffoli, j. 10-12-2020, P, DJE de 25-3-2021).

STJ autoriza dedução retroativa de juros sobre capital próprio na apuração do lucro

A 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que a pessoa jurídica pode perfeitamente fazer a dedução retroativa dos juros sobre capital próprio (JCP) pago aos acionistas e sócios, retirando-os da apuração do lucro real. Assim, as empresas podem reduzir a base de cálculo do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido.

Com esse entendimento, o colegiado negou provimento a dois recursos especiais em que a Fazenda Nacional buscava uma alteração da jurisprudência que se construiu na corte em posição favorável ao contribuinte.

A discussão envolve o pagamento de juros sobre o capital próprio (JCP). Em suma, é a remuneração que as empresas pagam aos que investiram dinheiro na atividade exercida – comparável a um empréstimo. Esse pagamento não depende do sucesso do negócio.

Como ferramenta de atração de investimento, tal modalidade é interessante porque permite o ingresso de verbas que não serão consideradas lucro. Logo, serão deduzidas da base de cálculo do IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, conforme prevê o artigo 9º da Lei 9.249/1995.

O ponto central é a possibilidade de as empresas atrasarem esses pagamentos e, apenas no momento em que o fizerem, descontarem o montante de uma só vez na apuração do lucro real. Em um dos casos analisados, a empresa não pagou o JCP de 2001 a 2005, mas em 2006 quitou a obrigação com seus acionistas e descontou R$ 12 milhões na apuração dos lucros.

Para a Fazenda Nacional, o contribuinte deveria respeitar o regime de competência — o método segundo o qual o lançamento é feito na data em que o evento contábil ocorre. Essa posição foi consolidada na restrição temporal incluída no artigo 75, parágrafo 4º da Instrução Normativa 1.700/2017.

Sem limitação temporal
Relator, o ministro Francisco Falcão apontou que o artigo 9º da Lei 9.249/1995, ao prever a dedução do JCP sobre o lucro real, não estabelece qualquer limitação temporal. Logo, não há impedimento para que essa dedução seja retroativa.

A única condição, imposta no parágrafo 1º, é que a empresa tenha lucros, lucros acumulados e reservas de lucros em montante igual ou superior ao valor de duas vezes os juros a serem pagos ou creditados.

O ministro Falcão também afastou a ocorrência de ofensa ao regime de competência. Ele destacou que o pagamento do JCP depende de deliberação do órgão societário. É só nesse momento que surge a obrigação para empresa. Portanto, há respeito ao regime contábil.

A posição acaba por confirmar a jurisprudência já existente no STJ. O voto foi acompanhado pelos ministros Humberto Martins, Mauro Campbell e Assusete Magalhães. Abriu a divergência e ficou vencido ao adotar a tese fazendária o ministro Herman Benjamin.

Vitória do contribuinte
Para o advogado Fábio Kawano, do Lira Advogados, a decisão é acertada e reforça a ilegalidade da restrição temporal prevista atualmente no parágrafo 4º do artigo 75 da Instrução Normativa 1.700/17, da Fazenda Nacional.

“Recentemente houve decisões no mesmo sentido exaradas pelas 1ª e 2ª Turmas da Câmara Superior do CARF. Assim, percebe-se uma evidente convergência no entendimento pró-contribuinte tanto na esfera administrativa quanto judicial”, disse.

A advogada Julia Ferreira Cossi Barbosa, do Finocchio & Ustra Advogados, destacou que a posição já era esperada, já que praticada pelo STJ desde 2009. Assim, não cabe mesmo qualquer restrição temporal como a feita pela Fazenda na IN 1.700/2017.

“De todo modo, a decisão não deixa de ser uma grande vitória aos contribuintes, que poderão deixar de receber autuações milionárias para questionamentos quando a dedução é realizada com base em pagamentos retroativos”, exaltou.

REsp 1.955.120
REsp 1.946.363

Danilo Vital é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Revista Consultor Jurídico, 24 de novembro de 2022, 14h41

Ministro do STJ propõe que ICMS-ST também seja tirado da base de PIS/Cofins

O ICMS-ST não compõe a base de cálculo da contribuição ao PIS e à Cofins devida pelo contribuinte substituído no regime de substituição tributária progressiva.

Essa foi a tese sugerida nesta quarta-feira (23/11) pelo ministro Gurgel de Faria à 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça. Ele foi o único a votar em um julgamento interrompido por pedido de vista da ministra Assusete Magalhães.

O tema está sendo apreciado em dois recursos especiais sob o rito dos repetitivos. A tese a ser estabelecida terá observância obrigatória e impacto relevante no sistema tributário brasileiro. Não à toa, o julgamento contou com manifestações de diversas entidades interessadas como amici curiae (amigos da corte).

Trata-se de uma discussão derivada da chamada “tese do século“, aquela em que o Supremo Tribunal Federal decidiu que o ICMS não compõe a base de cálculo do PIS e da Cofins, em 2017.

A extensão dessa conclusão ao caso do ICMS por substituição tributária (ICMS-ST) chegou a ser debatida pelo Supremo, que não reconheceu no tema a existência de repercussão geral (RE 1.258.842). A última palavra, assim, foi delegada ao STJ.

A posição oferecida pelo ministro Gurgel de Faria é mais benéfica ao contribuinte do que ao Fisco, por representar uma redução dos valores a serem recolhidos aos cofres do Estado. Até o momento, o único precedente era da 2ª Turma (REsp 1.885.048), e favorável ao Fisco.

ICMS x ICMS-ST
A transposição da “tese do século” para a hipótese do ICMS-ST gera alguma complexidade, por se tratarem de regimes diferentes de tributação.

No caso da substituição tributária, o primeiro agente da cadeia de produção, circulação e consumo de um produto recolhe antecipadamente todo o tributo que seria devido pelos demais contribuintes. Em regra, esse recolhimento recai sobre a indústria ou o importador.

Dessa forma, o Fisco tem maior eficiência para cobrar e fiscalizar o imposto. Esse primeiro agente, por sua vez, vai repassar o custo da tributação para os demais integrantes da cadeia, como as redes atacadistas e os comerciantes que atendem ao público.

Segundo o ministro Gurgel de Faria, os contribuintes, substituídos ou não, ocupam posições jurídicas idênticas quanto à submissão à tributação pelo ICMS. A única distinção está no mecanismo de recolhimento. Por isso, ele entendeu que a mesma conclusão do STF sobre o ICMS deve ser aplicada pelo STJ ao ICMS-ST.

O voto também apontou que a submissão ao regime da substituição tributária depende de lei estadual. Portanto, criar uma distinção entre ICMS regular e ICMS-ST tornaria desigual a arrecadação de PIS e Cofins, tributos de competência federal.

Isso faria com que estados e Distrito Federal invadissem a competência tributária da União, além de causar a isenção tributária heterônima — quando um ente federativo isenta imposto cuja competência não lhe pertence.

REsp 1.896.678
REsp 1.958.265

Danilo Vital é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Revista Consultor Jurídico, 23 de novembro de 2022, 18h14

Homologação da partilha em arrolamento sumário dispensa prévio recolhimento do ITCMD

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.074), estabeleceu a tese de que, no arrolamento sumário, a homologação da partilha ou da adjudicação, bem como a expedição do formal de partilha e da carta de adjudicação, não se condicionam ao prévio recolhimento do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).

Porém, para o colegiado, deve ser comprovado o pagamento dos tributos relativos aos bens e às rendas do espólio, como preceituam o artigo 659, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil (CPC) e o artigo 192 do Código Tributário Nacional (CTN).

Com a fixação da tese, podem voltar a tramitar todos os processos individuais ou coletivos sobre a mesma questão, que haviam sido suspensos à espera do julgamento do repetitivo. O precedente qualificado deverá ser observado pelos tribunais de todo o país na análise de casos idênticos. 

Simplificação e flexibilização de procedimentos envolvendo o ITCMD

Em seu voto, a relatora, ministra Regina Helena Costa, explicou que o CPC de 2015, ao disciplinar o arrolamento sumário, transferiu para a esfera administrativa fiscal as questões referentes ao ITCMD, evidenciando que a legislação atual prioriza a agilidade da partilha amigável ao focar na simplificação e na flexibilização dos procedimentos, alinhada com a celeridade e a efetividade, e em harmonia com o princípio constitucional da razoável duração do processo.

“O artigo 659, parágrafo 2º, do CPC/2015, com o escopo de resgatar a essência simplificada do arrolamento sumário, remeteu para fora da partilha amigável as questões relativas ao ITCMD, cometendo à esfera administrativa fiscal o lançamento e a cobrança do tributo”, afirmou.

Segundo a ministra, tal procedimento não impede a incidência do imposto, pois não se trata de isenção, mas apenas de postergar a apuração e o respectivo lançamento para momento posterior. 

Todavia, observou a magistrada, ficam resguardados os interesses fazendários, considerando que o fisco deverá ser devidamente intimado pelo juízo para tais providências e poderá discordar dos valores atribuídos aos bens do espólio pelos herdeiros.

Regras específicas para títulos translativos de bens móveis e imóveis

Regina Helena ressaltou que, além disso, os títulos translativos de domínio de imóveis obtidos pelas partes somente serão averbados se demonstrado o pagamento do ITCMD, conforme os artigos 143 e 289 da Lei de Registros Públicos, estando os oficiais de registro sujeitos à responsabilidade tributária em caso de omissão no dever de observar eventuais descumprimentos das obrigações fiscais pertinentes (artigo 134, VI, do CTN).

A relatora também assinalou que, nas hipóteses de emissão de novo Certificado de Registro de Veículo (CRV), é preciso o prévio recolhimento do tributo, como determina o artigo 124, VIII, do Código de Trânsito Brasileiro.

Por outro lado, a ministra ressalvou que o artigo 192 do CTN não impede a prolação da sentença homologatória da partilha ou da adjudicação, nem bloqueia a expedição do formal de partilha ou da carta de adjudicação, quando ausente o recolhimento do ITCMD.

“Isso porque tal dispositivo traz regramento específico quanto à exigência de pagamento de tributos concernentes aos bens do espólio e às suas rendas, vale dizer, disciplina hipóteses de incidência cujas materialidades são claramente distintas da transmissão causa mortis, evidenciando, desse modo, a ausência de incompatibilidade com o artigo 659, parágrafo 2º, do CPC/2015″, esclareceu.

Desse modo, concluiu Regina Helena, “a homologação da partilha ou da adjudicação, no arrolamento sumário, prende-se à liquidação antecipada dos tributos que incidem especificamente sobre os bens e as rendas do espólio, sendo incabível, contudo, qualquer discussão quanto ao ITCMD, que deverá ocorrer na esfera administrativa, exclusivamente”.

Leia o acórdão no REsp 1.896.526.

ARTIGO DA SEMANA – Penhora on-line na Execução Fiscal

João Luís de Souza Pereira

Advogado. Mestre em Direito.

Professor convidado da Pós-graduação da FGV Direito Rio

Professor convidado do IAG/PUC-Rio

Além da inscrição na dívida ativa, assunto que já comentamos aqui, a cobrança judicial do crédito tributário é algo que deve ser evitado e, se inevitável, merece especial atenção.

Ajuizada a execução fiscal, o executado é citado para, no prazo de 5 (cinco) dias, pagar o débito ou oferecer bens à penhora, caso pretenda opor embargos à execução. 

É bem verdade que, observadas algumas restrições, o devedor pode apresentar argumentos em oposição à execução fiscal sem a prévia garantia (penhora), mas isto é assunto que vamos tratar em outra oportunidade.

O artigo de hoje está concentrado na penhora, especificamente na conhecida penhora on-line, meio pelo qual é realizado o bloqueio de ativos financeiros do devedor mediante sistema eletrônico.

Como mencionado, o devedor, citado numa execução fiscal, pode oferecer bem à penhora. Mas, que bens podem ser oferecidos?

De acordo com o art. 9º, da Lei nº 6.830/80, “Em garantia da execução, pelo valor da dívida, juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, o executado poderá: I – efetuar depósito em dinheiro, à ordem do Juízo em estabelecimento oficial de crédito, que assegure atualização monetária; II – oferecer fiança bancária ou seguro garantia; III – nomear bens à penhora, observada a ordem do artigo 11; ou IV – indicar à penhora bens oferecidos por terceiros e aceitos pela Fazenda Pública”.

Por sua vez, o art. 11, da mesma lei, dispõe que:

Art. 11 – A penhora ou arresto de bens obedecerá à seguinte ordem:

I – dinheiro;

II – título da dívida pública, bem como título de crédito, que tenham cotação em bolsa;

III – pedras e metais preciosos;

IV – imóveis;

V – navios e aeronaves;

VI – veículos;

VII – móveis ou semoventes; e

VIII – direitos e ações.

Como se vê, não é qualquer bem que pode ser oferecido em garantia da execução. Mais do que isso: segundo a jurisprudência, a ordem estabelecida no art. 11 é taxativa, de modo que o dinheiro tem preferência sobre as demais garantias.

A conhecida penhora on-line surge exatamente para dar maior eficácia à penhora de dinheiro, tal como previsto no art. 854, do Código de Processo Civil (CPC):

Art. 854. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exequente, sem dar ciência prévia do ato ao executado, determinará às instituições financeiras, por meio de sistema eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional, que torne indisponíveis ativos financeiros existentes em nome do executado, limitando-se a indisponibilidade ao valor indicado na execução.

§ 1º No prazo de 24 (vinte e quatro) horas a contar da resposta, de ofício, o juiz determinará o cancelamento de eventual indisponibilidade excessiva, o que deverá ser cumprido pela instituição financeira em igual prazo.

§ 2º Tornados indisponíveis os ativos financeiros do executado, este será intimado na pessoa de seu advogado ou, não o tendo, pessoalmente.

§ 3º Incumbe ao executado, no prazo de 5 (cinco) dias, comprovar que:

I – as quantias tornadas indisponíveis são impenhoráveis;

II – ainda remanesce indisponibilidade excessiva de ativos financeiros.

§ 4º Acolhida qualquer das arguições dos incisos I e II do § 3º, o juiz determinará o cancelamento de eventual indisponibilidade irregular ou excessiva, a ser cumprido pela instituição financeira em 24 (vinte e quatro) horas.

§ 5º Rejeitada ou não apresentada a manifestação do executado, converter-se-á a indisponibilidade em penhora, sem necessidade de lavratura de termo, devendo o juiz da execução determinar à instituição financeira depositária que, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, transfira o montante indisponível para conta vinculada ao juízo da execução.

§ 6º Realizado o pagamento da dívida por outro meio, o juiz determinará, imediatamente, por sistema eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional, a notificação da instituição financeira para que, em até 24 (vinte e quatro) horas, cancele a indisponibilidade.

§ 7º As transmissões das ordens de indisponibilidade, de seu cancelamento e de determinação de penhora previstas neste artigo far-se-ão por meio de sistema eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional.

§ 8º A instituição financeira será responsável pelos prejuízos causados ao executado em decorrência da indisponibilidade de ativos financeiros em valor superior ao indicado na execução ou pelo juiz, bem como na hipótese de não cancelamento da indisponibilidade no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, quando assim determinar o juiz.

§ 9º Quando se tratar de execução contra partido político, o juiz, a requerimento do exequente, determinará às instituições financeiras, por meio de sistema eletrônico gerido por autoridade supervisora do sistema bancário, que tornem indisponíveis ativos financeiros somente em nome do órgão partidário que tenha contraído a dívida executada ou que tenha dado causa à violação de direito ou ao dano, ao qual cabe exclusivamente a responsabilidade pelos atos praticados, na forma da lei.

É preciso que prestar atenção para algumas lições importantes sobre o art. 854, do CPC.

Um primeira lição que se tira do art. 854, do CPC, é que o bloqueio de ativos financeiros por sistema eletrônico depende de prévio requerimento do credor. O Código é bastante claro ao dispor que a ordem judicial surgirá a requerimento do exequente.

Consequentemente, é vedado ao juiz decretar de ofício (por sua própria iniciativa) a indisponibilidade de ativos financeiros, com fundamento no art. 854, do CPC, conforme têm decidido os Tribunais, destacando-se o TJRJ:

Direito Tributário. Recurso incidental em que se impugna decisão, que em sede de execução fiscal para cobrança de taxa de obras em áreas particulares, art. 142 a 147 da lei 691/84, rejeitou o pedido de desbloqueio de valores veiculado por meio de exceção de pré-executividade. 

Penhora on line, via sistema BACEN-JUD, antes da regular citação. Impossibilidade. Afronta aos princípios do contraditório e da ampla defesa. 

Ademais, o art. 854 do CPC, o qual tem aplicação subsidiária às execuções fiscais, exige requerimento expresso do exequente para a penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira, impedindo a constrição desses valores de ofício

Precedente (REsp 1684371/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/09/2017, DJe 09/10/2017)

Provimento do recurso para confirmar a liminar que determinou a exclusão, por ora, do arresto, liberando a quantia imobilizada, e concedendo o prazo de 10 dias para a empresa impugnar.

(0058796-47.2021.8.19.0000 – AGRAVO DE INSTRUMENTO. Des(a). NAGIB SLAIBI FILHO – Julgamento: 09/03/2022 – SEXTA CÂMARA CÍVEL)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. DECISÃO QUE INDEFERIU O PLEITO DE DESBLOQUEIO DE VALORES PENHORADOS DE FORMA “ON LINE”. INSURGENCIA DO RECORRENTE AO ARGUMENTO DE QUE A CONSTRIÇÃO JUDICIAL NÃO PODERIA SE DAR DE OFÍCIO, HAVENDO OFENSA AO PRINCÍPIO DA MENOR ONEROSIDADE DA EXECUÇÃO. RAZÃO ASSISTE AO EXEQUENTE.  A PENHORA “ON LINE” EM PRINCÍPIO NÃO OFENDE AO PRINCÍPIO DA MENOR ONEROSIDADE DA EXECUÇÃO.  NO ENTANTO, DEVERÁ SER REQUERIDA PELO CREDOR, A TEOR DO ARTIGO 854 DO CPC. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS.  AGRAVADO QUE JÁ HAVIA SIDO INSTADO A INDICAR BENS A PENHORA, OPTANDO POR SE QUEDAR INERTE.  MAGISTRADO QUE DEVERÁ AGUARDAR A INICIATIVA DO CREDOR, A DESPEITO DO CONSTANTE NO ART. 7º DA LEI 6830/80. REFORMA DA DECISÃO PARA AUTORIZAR O DESBLOQUEIO DAS QUANTIAS QUE FORAM OBJETO DA PENHORA “ON LINE”. PROVIMENTO DO RECURSO.

(0062566-48.2021.8.19.0000 – AGRAVO DE INSTRUMENTO. Des(a). MARIA DA GLORIA OLIVEIRA BANDEIRA DE MELLO – Julgamento: 24/03/2022 – VIGÉSIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL)

Agravo de Instrumento. Execução Fiscal. IPTU. Penhora de Imóvel.  Possibilidade. Recurso provido.

1. A regra do art. 11 LEF não é de caráter absoluto. 

2. A ordem de preferência prevista na referida norma pode ser relativizada, caso seja a pretensão da Fazenda Pública.

3. O próprio art. 15, II, LEF prevê hipótese de relativização do art. 11 LEF, porquanto permite a substituição da penhora, independentemente da ordem enumerada neste dispositivo.

4. Incidência da súmula nº. 417 STJ.

5. Com efeito, a execução se realiza no interesse do exequente, nos termos do art. 797 CPC. 

6. E, nos termos do art. 854 CPC, a penhora on line não pode ser determinada sem o requerimento do exequente. No caso dos autos, o agravante requereu a penhora de imóvel, por não possuir o CPF da devedora para requerer a penhora on line.

7. Agravo de Instrumento a que se dá provimento.(0056646-93.2021.8.19.0000 – AGRAVO DE INSTRUMENTO. Des(a). HORÁCIO DOS SANTOS RIBEIRO NETO – Julgamento: 03/05/2022 – DÉCIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL)

Outra lição importante sobre a penhora on-line é que sua decretação não pode, em regra, ocorrer sem prévia citação do devedor. Para que o juiz possa decretar a penhora on-line é necessário que tenha ocorrido, ao menos, tentativa de citação do devedor tributário, como se pode observar da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ):

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. BLOQUEIO DE ATIVOS FINANCEIROS. BACENJUD. NECESSIDADE DE PRÉVIA CITAÇÃO DO DEVEDOR. PRECEDENTES.

1. A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que o bloqueio de ativos financeiros, via Bacenjud, deve ser precedido de, ao menos, prévia tentativa de citação do executado.

2. “Mesmo após a entrada em vigor do art. 854 do CPC/2015, a medida de bloqueio de dinheiro, via BacenJud, não perdeu a natureza acautelatória e, assim, para ser efetivada, antes da citação do executado, exige a demonstração dos requisitos que autorizam a sua concessão” (REsp 1.721.168/PE, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 9/4/2018).

3. Agravo interno não provido.

(AgInt no REsp n. 1.754.569/RS, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 14/5/2019, DJe de 16/5/2019.)

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA. BLOQUEIO DE ATIVOS FINANCEIROS. BACENJUD. POSSIBILIDADE. APÓS OU CONCOMITANTE À CITAÇÃO.

1. A jurisprudência deste Tribunal firmou-se no sentido de que o arresto executivo deve ser precedido de prévia tentativa de citação do executado ou, no mínimo, que a citação seja com ele concomitante.

2. Mesmo após a entrada em vigor do art. 854 do CPC/2015, a medida de bloqueio de dinheiro, via BacenJud, não perdeu a natureza acautelatória e, assim, para ser efetivada, antes da citação do executado, exige a demonstração dos requisitos que autorizam a sua concessão.

3. Recurso especial a que se nega provimento.

(REsp n. 1.832.857/SP, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 17/9/2019, DJe de 20/9/2019.)

Mesmo que a garantia em dinheiro seja a regra, a penhora de outros bens não está afastada, até porque a lei prevê outras garantias à execução. No entanto, para que a penhora recaia sobre bens móveis ou imóveis, por exemplo, é necessário que o devedor comprove a necessidade de afastamento da penhora em dinheiro, seja por comprometer a subsistência do indivíduo, seja por inviabilizar o exercício de atividade de econômica.

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