ARTIGO DA SEMANA – Fim da ampla suspensão do ICMS-ST no RJ

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado da pós-graduação da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

O destaque desta semana vai para o julgamento da Representação por Inconstitucionalidade nº 0052635-84.2022.8.19.0000[1], concluído na última segunda-feira (08/05/2023).

Ao julgar o mérito da Representação ajuizada pela ASSOCIAÇÃO DE ATACADISTAS E DISTRIBUIDORES DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, o Órgão Especial do TJRJ concluiu pela inconstitucionalidade da expressão “ou não” do artigo 1º do Decreto nº 48.039/2022.

Que história é essa? Explico.

Através da Lei nº 9.428/2021, o Estado do Rio de Janeiro suspendeu o regime de substituição tributária (ST) do ICMS para operações com as mercadorias constantes dos itens 03 (ÁGUA MINERAL (GASOSA OU NÃO), NATURAL OU POTÁVEL ENVASADA), 39 (LEITE), 40 (LATICÍNIOS E CORRELATOS) e 72 (VINHO, VERMUTE, AGUARDENTE, LICOR, UÍSQUE E OUTRAS BEBIDAS DESTILADAS OU FERMENTADAS) do Anexo à Lei nº 2.657/96.

Mas esta suspensão da ST, nos termos da Lei nº 9.428/2021, é bem restrita e alcança apenas as operações: (a) de saídas internas e (b) promovidas por estabelecimentos industriais localizados no território fluminense.

Numa regulamentação equivocada da Lei nº 9.428/2021, o Decreto nº 48.039/2022 estabeleceu que “A suspenção da aplicação do regime de substituição tributária nas operações de saída interna dos itens 03, 39, 40 e 72, do Anexo I , do Regulamento do ICMS – RICMS -, Decreto nº 27.427, de 17 de novembro de 2000, se aplica a todos os produtos, sejam eles produzidos no Estado do Rio de Janeiro ou não”.

O art. 1º do Decreto nº 48.039/2022 possui vários defeitos.

O primeiro defeito, como se pode ver, é o atentado ao vernáculo que faz Camões, coitado, revirar-se no túmulo. O substantivo feminino decorrente do ato de suspender, ensinam Aurélio e todos os léxicos, é a suspensão. Portanto, suspenÇão é incabível em qualquer país lusófono.

O segundo defeito do Decreto nº 48.039/2022 está no conteúdo do art. 1º. 

Todos que frequentaram faculdade de Direito sabem que um decreto regulamentador não pode ir além da lei. Portanto, se a lei dispôs que a suspensão da substituição tributária é restrita às operações promovidas por estabelecimentos industriais localizados no território fluminense, o Decreto nº 48.039/2022  jamais poderia dispor que a suspensão da ST é aplicável “a todos os produtos, sejam eles produzidos no Estado do Rio de Janeiro ou não.”

Por esta razão, a decisão do Órgão Especial está corretíssima.

Importante lembrar que aqueles que promoveram saídas de mercadorias itens 03 (ÁGUA MINERAL (GASOSA OU NÃO), NATURAL OU POTÁVEL ENVASADA), 39 (LEITE), 40 (LATICÍNIOS E CORRELATOS) e 72 (VINHO, VERMUTE, AGUARDENTE, LICOR, UÍSQUE E OUTRAS BEBIDAS DESTILADAS OU FERMENTADAS) do Anexo à Lei nº 2.657/96 não produzidas no Estado do Rio de Janeiro sem a substituição tributária estão sujeitos ao pagamento da diferença do ICMS.

Mas como tais contribuintes não procederam ao recolhimento do ICMS-ST porque obedeceram o Decreto nº  48.039/2022, a exigência do imposto pela SEFAZ/RJ deverá ocorrer pelo valor histórico, ou seja, sem a imposição de multa, juros ou atualização monetária, porque assim determina o art. 100, parágrafo único, do Código Tributário Nacional.


[1] REPRESENTAÇÃO POR INCONSTITUCIONALIDADE. Decreto Estadual nº 48.039/22, que regulamentou a Lei 9.428 de 30 de setembro de 2021. Precedente do Supremo Tribunal Federal em que se admite, excepcionalmente, a possibilidade de um decreto regulamentar figurar como objeto do controle abstrato de constitucionalidade quando no seu bojo existir normas de caráter autônomo. Portanto, a Lei ou ato normativo estadual e municipal objeto de controle deve possuir densidade jurídica suficiente, ou seja, ser dotado de abstração, generalidade, autonomia e impessoalidade de modo a atuar no plano do direito positivo. A questão a ser dirimida é se o Decreto 48.039/22 pode inovar no mundo jurídico, criando hipóteses diversas para a suspensão da aplicação do regime de substituição tributária, daquelas abstratamente consideradas pela lei 9.428/21. A resposta a questão posta é negativa, pois na hierarquia dos atos normativos, a lei se sobrepõe ao decreto, que existe para regulamentá-la. A Lei Estadual nº 9.428/21 suspendeu a incidência do ICMS-ST nas operações de saída interna com as bebidas elencadas nos itens 03, 39, 40 e 72 do Anexo Único da Lei nº 2.657/96, desde que produzidas por estabelecimentos localizados no território fluminense. Após as alterações promovidas na sua republicação, o Decreto nº 48.039/22 extrapolou a disciplina normativa conferida pela Lei nº 9.428/21, pois estendeu a suspensão do ICMS/ST também para as operações internas com mercadorias produzidas em outros Estado. Está incontroverso neste processo que o representado não utilizou a melhor técnica legislativa. Há uma nítida tentativa de se fazer interpretação teleológica do Decreto manifestamente inconstitucional. Ao Judiciário não cabe ficar interpretando a vontade do legislador, sob pena de criar uma desordem no ordenamento jurídico e a completa insegurança dos jurisdicionados. Se a lei está mal feita, deve ela ser corrigida pelo Poder Legiferante e não deixar que seus objetivos sejam modificados por meio de Decretos que exorbitem o Poder regulamentar. VOTA-SE PELA INCONSTITUCIONALIDADE da expressão “ou não” do artigo 1º do Decreto nº 48.039/22 do Estado do Rio de Janeiro, julgando-se parcialmente procedente o pedido contido na presente representação.

(0052635-84.2022.8.19.0000 – DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Des(a). CELSO FERREIRA FILHO – Julgamento: 08/05/2023 – OE – SECRETARIA DO TRIBUNAL PLENO E ORGAO ESPECIAL)

STF mantém validade de leis do RS sobre ICMS no comércio atacadista

O Plenário julgou improcedente pedido formulado por associação do ramo de pneus.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) manteve válidas duas leis do Rio Grande do Sul que tratam do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) no comércio atacadista. A decisão se deu na sessão virtual encerrada em 21/10, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5702.

Substituição tributária

Na ação, a Associação Brasileira de Importadores e Distribuidores de Pneus (Abidip) questionava as Leis estaduais 14.056/2012 e 14.178/2012 e o Decreto estadual 50.052/2013, que instituíram e regulamentaram hipótese de substituição tributária do ICMS, atribuindo a estabelecimentos atacadistas o dever de recolher o tributo em relação às operações subsequentes. A associação apontava afronta ao artigo 155 da Constituição Federal, que prevê a edição de lei complementar para dispor sobre a substituição tributária do ICMS.

Lei ordinária

O colegiado acompanhou, por unanimidade, o voto do relator, ministro André Mendonça, pela improcedência do pedido. Ele explicou que o STF já apreciou, sob a sistemática da repercussão geral (tema 456), a necessidade de a substituição tributária do ICMS ser tratada por lei complementar nacional, e decidiu que a Lei Complementar 87/1996 (Lei Kandir) satisfaz essa exigência da Constituição da República.

Por outro lado, destacou que se exige lei própria de cada ente competente para instituir o ICMS para operacionalizar o que está previsto na norma geral da legislação tributária. No caso dos autos, fica claro que a expressão “lei”, presente no artigo 150, parágrafo 7º, da Constituição da República, diz respeito “lei ordinária”.

Em relação ao decreto, a ação não foi conhecida, pois seu conteúdo foi substancialmente modificado por novo decreto.

SP/AD//CF

Fonte: Notícias do STF

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