Receita impede exclusão do ICMS-ST de cálculo do PIS/Cofins

Soluções de consulta contrariam entendimento do Superior Tribunal de Justiça em recurso repetitivo

Três recentes soluções de consulta da Receita Federal definiram que o ICMS-ST (substituição tributária) não pode ser excluído da base de cálculo do PIS e da Cofins. A posição do Fisco contraria decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) do fim do ano passado. Em recurso repetitivo, que orienta as varas e tribunais do país, a Corte foi favorável aos contribuintes, permitindo a dedução dos tributos federais.

Segundo advogados, essas são as primeiras manifestações da Receita após o julgamento do STJ sobre o tema. O entendimento dos ministros da Corte foi unânime (Tema 1125 ou REsps 1896678 e 1958265). Essa é uma das teses filhotes da tese do século, em que o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a exclusão do ICMS da base das contribuições federais, em março de 2017 (Tema 69 ou RE 574706).

O fundamento usado pela 1ª Seção do STJ foi o mesmo do STF, no sentido de que o imposto estadual é transitório no caixa das empresas e não configura faturamento, base sobre a qual incide o PIS e a Cofins. No caso do ICMS-ST, a diferença é apenas operacional, pois pela substituição tributária se antecipa a cobrança do tributo de toda a cadeia produtiva para o primeiro integrante dela – normalmente fabricantes ou importadores, os “substitutos tributários”- visando facilitar a fiscalização do tributo.

As discussões no Judiciário envolveram contribuintes que fazem parte da cadeia e não recolhem o imposto diretamente ao Estado – os “substituídos”. Redes atacadistas que adquirem os produtos, por exemplo, e pequenos comércios que fazem a venda para o consumidor final.

Em relação às empresas substitutas, nunca houve polêmica, segundo advogados. Isso porque a legislação já previa que eles poderiam fazer a exclusão. Mas o mesmo direito não foi dado aos substituídos, nas soluções de consulta de nºs 4046, 4047 e 4048 de 2024 da Divisão de Tributação (Disit) da Superintendência Regional da Receita Federal do Brasil 4ª Região Fiscal, publicadas no Diário Oficial da União de quarta-feira.

Nos três documentos, a Disit diz que a “exclusão somente pode ser aproveitada pelo substituto tributário, não servindo, em qualquer hipótese, ao substituído na obrigação tributária correlata”. O Fisco reafirmou o entendimento da Solução deConsulta Cosit nº 104/2017, de efeito vinculante para a administração.

Em manifestações anteriores, a Receita previu a possibilidade de excluir o ICMS, porém na condição de substituto tributário e desde que destacado em nota fiscal, diz o tributarista Marcelo Bolognese, sócio do Bolognese Advogados. Diferentemente do ICMS, o ICMS-ST é destacado na nota fiscal de compra, mas não na de saída ou de revenda. “Agora, com estas novas manifestações, a Receita perdeu a oportunidade de se alinhar com o que foi decidido pelo STJ”, afirma.

Na visão dele, o acórdão do STJ deveria ter sido respeitado, pois nele se garantiu tratamento igualitário entre contribuintes. “Quando o STJ define que o ICMS-ST não compõe a base de cálculo do PIS e da Cofins, tanto para o substituto quanto para o substituído, conclui que é a mesma sistemática de exclusão do ICMS. Seria anti-isonômico alguns venderem mercadoria com destaque na nota e poderem excluir e outros não”, afirma.

A Receita não é obrigada a seguir o entendimento da Corte. Seria necessária a publicação de um parecer da Procuradoria- Geral da Fazenda Nacional (PGFN) vinculando os fiscais, algo que não foi feito até então. “Haveria mais transparência e simplicidade, algo tão falado na reforma tributária, mas que não tem acontecido”, diz. “A Receita força o contribuinte a buscar a forma mais burocrática possível e abarrotar o Poder Judiciário”, conclui.

Pensamento semelhante é o do consultor tributário Douglas Campanini, sócio da Athros Auditoria e Consultoria. Ele diz que, após o julgamento do STF da tese do século, surgiu uma dúvida para as empresas substituídas tributárias. “Elas vendem um produto que o ICMS já foi pago antecipadamente e não destacam na nota fiscal. Então começou a discussão se o fato de não ter sido destacado, mas o imposto ter sido cobrado antes, geraria o mesmo efeito da tese do século”.A dúvida ficou até a definição pelo STJ, permitindo a exclusão. Ele lembra que foi definido que a modulação dos efeitos seria para aplicar a decisão a partir de fevereiro deste ano. Mas, na análise dos embargos de declaração, passou a ser março de 2017, quando o STF julgou a tese do século. “Como foi julgado em recurso repetitivo, hoje a regra geral é que toda e qualquer empresa substituída tributária pode excluir o PIS e a Cofins da base de cálculo do ICMS-ST”, diz.

“O espanto foi essas soluções de consulta sequer terem mencionado a decisão do STJ”, completa Campanini. Ele supõe que possa ter ocorrido um “lapso temporal” dentro do órgão e as consultas terem sido feitas antes do julgamento. Mas isso não muda o fato de que “a Receita está desrespeitando a decisão do STJ”.

Procurada pelo Valor, a Receita Federal não deu retorno até fechamento desta edição.

Fonte: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2024/12/02/receita-impede-exclusao-do-icms-st-de-calculo-do-pis-cofins.ghtml

ALERJ SUSPENDE DECRETO DO EXECUTIVO SOBRE SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA DE BEBIDAS

Objetivo é garantir maior competitividade aos produtores fluminenses de leite, água mineral e laticínios.

As operações interestaduais com leite, laticínios e água mineral, ou seja a comercialização destes produtos produzidos fora do Estado do Rio, não terão aplicação do regime de substituição tributária do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). O objetivo é garantir mais competitividade ao setor fluminense e garantir segurança jurídica na aplicação do imposto. A determinação é do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 06/24, de autoria original do deputado Luiz Paulo (PSD), que a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) aprovou nesta quinta-feira (27/06), em discussão única. A norma susta o Decreto do Executivo 49.128/28, que limitou a suspensão da substituição tributária desses gêneros alimentícios para os produtores fluminenses. A medida será promulgada pelo presidente do Parlamento Fluminense, deputado Rodrigo Bacellar (União) e publicada no Diário Oficial do Legislativo dos próximos dias.

Luiz Paulo explicou que com a manutenção da substituição tributária para as empresas produtoras de bebidas de fora do Estado do Rio, a alíquota de ICMS cobrada para a comercialização dos produtos em território fluminense é de 12% devido ao Riolog – que é um benefício fiscal concedido ao setor atacadista. Enquanto isto, os produtores locais têm uma alíquota de ICMS de 20% adicionado mais 2% destinado ao Fundo Estadual de Combate à Pobreza (FECP).

“O projeto que aprovamos hoje faz com que os produtores que não são daqui tenham que pagar a mesma taxa dos localizados no Rio. Sem isso, os produtores locais têm perdas significativas, visto que as grandes empresas de bebidas são de fora do nosso estado e acabam pagando menos imposto. A medida conta com o apoio da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) e da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Rio (Fecomércio-RJ). A norma também vai ser benéfica ao Governo do Estado, já que solicitei à Firjan um estudo do aumento de arrecadação anual somente para a produção de leite e a estimativa é de R$ 600 milhões”, discursou o parlamentar.

Entenda o PDL 

O decreto do Executivo que foi suspenso pela Alerj regulamentava o fim da substituição tributária nas operações de água mineral ou potável envasada, leite, laticínios e correlatos, vinhos, cachaça, aguardentes e outras bebidas destiladas ou fermentadas. A extinção da substituição tributária foi aprovada na Alerj através da Lei 9.428/21 e complementou a Lei 2.657/969, que regulamentou a criação do ICMS no Estado do Rio.

No entanto, contrariando a normativa aprovada pela Alerj, o decreto do Executivo restringia a suspensão da substituição tributária com leites, laticínios e água mineral somente às operações internas, ou seja, aos produtos produzidos no Estado do Rio. O decreto somente estendia o fim da substituição tributária para os produtos de fora do Rio nas operações com vinhos, cachaça, aguardentes e outras bebidas destiladas ou fermentadas.

Luiz Paulo explicou que o Executivo contrariou, inclusive, o próprio Decreto 48.039/22, que regulamentava o fim da substituição tributária com base na lei aprovada na Alerj. Este decreto anterior foi tema de imbróglio jurídico, já que o setor atacadista, que seria prejudicado com a medida, entrou com uma ação no Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio (TJRJ), que julgou a medida inconstitucional. No entanto, o próprio Governo do Estado entrou com recurso no Supremo Tribunal Federal (STF) que reverteu a decisão inicial e deu validade ao decreto, conforme decisão monocrática do Ministro Alexandre de Moraes:

“Mas então, depois de todo esse processo na justiça, o governador emitiu um outro decreto, que contraria o que está em vigor por decisão do STF e com isso excluiu desse procedimento, de não precisar mais fazer substituição tributária, duas indústrias importantíssimas em nosso Estado, a da produção leiteira e a das águas minerais”, explicou Luiz Paulo.

Repercussão no plenário

Ao longo das últimas semanas, diversos parlamentares, sobretudo do interior fluminense, utilizaram o plenário da Alerj para reclamar do decreto do Governo do Estado. O deputado Chico Machado (SDD), que inclusive já foi líder do governo, reclamou da atitude do Executivo: “Nós temos uma bacia leiteira que, ao longo dos anos vem perdendo força, e é essa bacia que fixa o homem no campo, as famílias mais sofridas vivem de tirar de 5 a 10 litros de leite por dia para levar esse leite até as cooperativas, que hoje passam por um problema severo”, declarou o parlamentar, que é de Macaé, Norte Fluminense.

Já o novato Bruno Boaretto (PL), natural do município de Macuco, no Centro-Norte Fluminense, ressaltou que sua cidade perderia muitos recursos caso o novo decreto continuasse em vigor. “A maior fonte de água mineral do Estado do Rio de Janeiro também está em Macuco. A empresa vai começar a produzir e engarrafar agora. Vai gerar muitos empregos e não podia começar com uma dificuldade muito grande”, discursou.

Entenda a substituição tributária 

A substituição tributária foi criada para facilitar a arrecadação do ICMS. Trata-se de uma retenção antecipada do imposto, baseada em previsão de arrecadação, que é cobrada somente do primeiro contribuinte da cadeia produtiva de um determinado produto. Com a suspensão do regime, o ICMS passa a ser cobrado em toda operação dos produtos.

No entanto, esse artifício tributário acaba muitas vezes não sendo benéfico para os produtores, distribuidores e consumidores. A demanda pela suspensão do regime foi dos próprios produtores de bebidas fluminenses. A substituição tributária acaba, por exemplo, diminuindo o fluxo de caixa das empresas produtoras e distribuidoras, que precisam desembolsar antecipadamente o valor do ICMS, reduzindo a flexibilidade financeira. Porém, as empresas atacadistas não querem o fim da substituição tributária para a produção de fora do Estado devido ao benefício fiscal que as mesmas têm direito.

Durante a votação, Luiz Paulo abriu a coautoria da proposta a todos interessados. Além de Chico Machado e Bruno Boaretto, também solicitaram a coautoria os seguintes parlamentares: Jair Bittencourt (PL), Tande Vieira (PP), Lucinha (PSD), André Corrêa (PP), Martha Rocha (PDT), Vinícius Cozzolino (União), Márcio Gualberto (PL), Samuel Malafaia (PL), Renan Jordy (PL), Vitor Júnior (PDT), Fred Pacheco (PMN), Dionísio Lins (PP), Val Ceasa (Patriota), Jari Oliveira (PSB), Munir Neto (PSD), Wellington José (Pode), Valdecy da Saúde (PL), Marina do MST (PT), Elika Takimoto (PT), Dani Balbi (PCdoB), Renata Souza (PSol) e Flávio Serafini (PSol).

Fone: Notícias da ALERJ

Reembolso de ICMS-ST não gera crédito de PIS e Cofins, diz STJ

Os valores despendidos pelo contribuinte substituído a título de reembolso ao substituto pelo recolhimento do ICMS-ST não geram crédito das contribuições ao PIS e Cofins.

A conclusão é da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, que julgou o caso sob o rito dos recursos repetitivos e fixou tese. O enunciado é de observância obrigatória e deverá ser obedecido por tribunais e juízes.

A decisão foi unânime, apesar de ser um tema que gerava divergência entre as turmas de Direito Público do tribunal. A votação seguiu a posição do relator, ministro Mauro Campbell.

Regime tributário

O caso trata do regime de substituição tributária, no qual o primeiro contribuinte (substituto) recolhe de forma antecipada o ICMS dos demais elos da cadeia de consumo (substituídos).

Esse primeiro agente, por sua vez, vai repassar o custo da tributação para os demais integrantes da cadeia, como as redes atacadistas e os comerciantes que atendem ao público.

No caso do ICMS-ST, seu valor não compõe a base de cálculo de PIS e Cofins, tributos que são calculados sobre a receita gerada.

Como consequência lógica, o ICMS-ST não compõe o custo de aquisição da mercadoria e, portanto, não pode gerar crédito sobre esse valor.

Essa conclusão se tornou pacífica depois que a 1ª Seção do STJ fixou tese para dizer que o ICMS-ST não compõe mesmo a base de cálculo de PIS e Cofins, em dezembro de 2023.

Até então, o tema do aproveitamento de crédito gerava divergência. A 1ª Turma entendia er possível o creditamento, enquanto a 2ª Turma ia na linha oposta.

Questão lógica

Relator do repetitivo julgado, o ministro Mauro Campbell apontou que a contribuições do PIS e Cofins não incidem sobre o ICMS-ST na etapa anterior. Portanto, na ausência de lei expressa criadora do crédito presumido, não podem gerar crédito para ser usado em etapa posterior.

“Acaso fosse concedido o crédito, a distorção existente entre o contribuinte de fato do ICMS-ST e o contribuinte de direito do ICMS normal voltaria agora em prejuízo deste último”, apontou o ministro.

O contribuinte do ICMS-ST, além de exclui-lo da base de PIS e Cofins, ganharia direito ao crédito de valores correspondente ao ICMS-ST, o que caracterizaria duplo benefício.

“Ele ganharia de volta o crédito sem ter o debito correspondente, sendo que o contribuinte de direito do ICMS normal nenhum benefício mais tem depois do advento dos artigos 6º e 7º da Lei 14.592/2003”, afirmou o ministro Mauro Campbell.

Tese

Os tributos recolhidos em substituição tributária não integram conceito de custo de aquisição previsto no artigo 13 do Decreto-Lei 1.598/1977.

Os valores pagos pelo contribuinte substituo a título de ICMS-ST não geram, no regime não cumulativo, créditos para fins de incidências das contribuições ao PIS, Pasep e Cofins devidas pelo contribuinte substituído.

EREsp 1.959.571
REsp 2.075.758
REsp 2.072.621

Fonte: Conjur, 27/06/2024

Decisão da justiça garante exclusão de ICMS-ST na base de cálculo do PIS/Cofins a uma empresa de Foz

Uma empresa de comércio de combustíveis de Foz do Iguaçu (PR) ganhou na justiça o direito de excluir o ICMS-ST da base de cálculo de suas contribuições para o PIS/Cofins no regime de substituição tributária progressiva. A decisão é da Justiça Federal de Foz do Iguaçu. 

A empresa alegou que em razão de suas atividades tem pagado diversos tributos federais, dentre eles, as contribuições destinadas ao Programa de Integração Social (PIS) e do Financiamento da Seguridade Social (COFINS). 

O autor da ação apontou ainda que a incidência do ICMS-ST na base de cálculo do PIS e da Cofins afronta ao princípio da não-cumulatividade, posto que o valor relativo ao imposto em questão representa um custo quando da aquisição das mercadorias submetidas a tal regime. Para tanto, entrou na justiça a fim de verificar a inconstitucionalidade do ato da Receita Federal ao incluir o ICMS ST na base de cálculo. 

Em sua decisão, o juiz de Foz Iguaçu ressaltou que o ICMS-ST não compõe a base de cálculo da contribuição ao PIS e da Cofins e que o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) modulou os efeitos da tese firmada. “Nesse ponto, insta salientar que os juízes devem observar a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados, bem como dos acórdãos julgados pela sistemática da repercussão geral e dos recursos repetitivos”. 

“Nesse contexto, deve ser reconhecido o direito líquido e certo da impetrante a excluir o ICMS-ST das bases de cálculo do PIS e da COFINS”, determinou.

O magistrado sentenciou que o pedido de compensação deverá ser apresentado administrativamente. 

Quanto à restituição, o juiz federal destacou que a ação mandamental não é substitutiva de ação de cobrança e por isso a decisão proferida não se sujeita a procedimento de execução. “Não se mostra admissível a restituição administrativa do indébito reconhecido na via judicial, sendo indispensável a observância do regime constitucional de precatórios. Assim, a repetição do indébito, na modalidade de restituição judicial, deve dar-se em ação própria, pelo procedimento comum, instruída com o título judicial obtido no mandado de segurança”

Comunicação Social da Seção Judiciária do Paraná
COMSOC/JFPR (imprensa@jfpr.jus.br)

ARTIGO DA SEMANA –  A celeuma do ICMS-ST em operações bebidas no RJ

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Membro da Comissão de Direito Financeiro e Tributário do IAB. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

A celeuma envolvendo a suspensão (ou não) da substituição tributária do ICMS em operações com água mineral ou potável envasada, leite, laticínios e correlatos, vinhos, vinhos espumosos nacionais, espumantes, filtrados doces, sangria, sidras, cavas, champagnes, proseccos, cachaça, aguardente e outras bebidas destiladas ou fermentadas, no RJ ganhou novo capítulo com a decisão do Min. Alexandre de Moraes  no Agravo em Recurso Especial nº 1.487.482[1] que, numa tacada, acolheu recurso do Estado do Rio de Janeiro e julgou improcedente a Representação de Inconstitucionalidade proposta pela ASSOCIAÇÃO DE ATACADISTAS E DISTRIBUIDORES DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.

A controvérsia tem origem na Lei Estadual nº 9.428/2021 que, em seu artigo 1º, alterou o art. 22, da Lei nº 2.657/96, que passou a ter a seguinte redação:

“Art. 22. Ficam sujeitas ao regime de substituição tributária as operações com as mercadorias listadas no Anexo Único. 

Parágrafo Único – No que se refere às mercadorias listadas nos números 03, 39, 40 e 72 do anexo único desta lei: 

I – fica suspensa a aplicação do regime de substituição tributária nas operações de saída interna de água mineral ou potável envasada, leite, laticínios e correlatos, vinhos, vinhos espumosos nacionais, espumantes, filtrados doces, sangria, sidras, cavas, champagnes, proseccos, cachaça, aguardente e outras bebidas destiladas ou fermentadas, quando produzidos por cachaçarias, alambiques ou por estabelecimentos industriais localizados no Estado do Rio de Janeiro.” 

Por este dispositivo, fica claro que o legislador estadual retirou da substituição tributária do ICMS: (a) as saídas internas, (b) com as mercadorias que especificou e (c) desde que tais saídas sejam promovidas por estabelecimentos industriais localizados no território fluminense.

A Lei nº 9.428/2021 também possui um artigo 2º, com a seguinte redação:

Art. 2º- No Regulamento do ICMS – RICMS -, Decreto no 27.427, de 17 de novembro de 2000, ANEXO I, que lista as mercadorias sujeitas ao regime de substituição tributária nas operações internas e interestaduais constará a informação de que para os itens 03, 39, 40 e 72 está suspensa a aplicação do regime de substituição tributária nas operações internas. 

Este art. 2º foi originalmente vetado pelo Governador, mas teve o veto derrubado pela ALERJ.

Meses depois, surgiu o Decreto nº 48.039/2022 que, a título de regulamentação da Lei nº 9.428/2021, dispôs o seguinte em seu artigo 1º:

Art. 1º – A suspensão da aplicação do regime de substituição tributária nas operações de saída interna dos itens 03, 39, 40 e 72, do Anexo I, do Regulamento do ICMS – RICMS, Decreto no 27.427, de 17 de novembro de 2000, se aplica a todos os produtos, sejam eles produzidos no Estado do Rio de Janeiro ou não. 

O art. 1º, do Decreto nº 48.039/2022 promoveu inovação face ao disposto na Lei nº 9.428/2021 porque estendeu a suspensão da substituição tributária também para os produtos não produzidos em território fluminense.

Em razão da publicação do Decreto nº 48.039/2022, a ASSOCIAÇÃO DE ATACADISTAS E DISTRIBUIDORES DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO propôs Representação de Inconstitucionalidade do decreto face à Constituição do Estado do Rio de Janeiro, processo nº 0052635-84.2022.8.19.0000 junto ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que, reconhecendo que o decreto foi além da lei, declarou a inconstitucionalidade  da expressão “ou não” de seu art. 1º[2].

Irresignado, o Estado interpôs recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal, inadmitido pelo TJRJ, mas apreciado pelo STF em Agravo em RE e decidido monocraticamente pelo Min. Alexandre de Moraes, relator.

Segundo o Min Alexandre de Moraes, o art. 2º, da Lei nº 9.428/2021, permite que o Decreto nº 48.039/2022 estenda a suspensão do ICMS-ST também para as bebidas não produzidas no RJ.

Parece que o Min. Alexandre não deu a melhor a interpretação ao art. 2º, da Lei nº 9.428/2021.

O artigo 2º é bastante claro ao dispor que “No Regulamento do ICMS – RICMS -, Decreto no 27.427, de 17 de novembro de 2000, ANEXO I, que lista as mercadorias sujeitas ao regime de substituição tributária nas operações internas e interestaduais constará a informação de que para os itens 03, 39, 40 e 72 está suspensa a aplicação do regime de substituição tributária nas operações internas”.

Ou seja, o dispositivo apenas faz referência às operações interestaduais quando menciona o RICMS, mas isso não indica que tais operações também passam a ser excluídas (ou suspensas) do ICMS-ST. Ao contrário, o art. 2º, da lei, deixa que a claro a suspensão do ICMS-ST, quanto às mercadorias referidas no RICMS, restringe-se às operações internas.

Consequentemente, a decisão do Min. Alexandre de Moraes certamente será objeto de Agravo Interno a ser interposto pela Associação e espera-se que o Colegiado reforme a decisão que deu equivocada interpretação ao art. 2º, da Lei nº 9.428/2021.

Mas enquanto isso, o ICMS-ST sobre operações internas ou interestaduais com as bebidas especificadas fica suspenso, tendo em vista que a decisão originária foi proferida em Representação de Inconstitucionalidade, que tem efeitos contra todos. 


[1] ARE 1487482 / RJ – RIO DE JANEIRO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 

Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES 

Julgamento: 08/05/2024

Publicação: 09/05/2024

Publicação

PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 08/05/2024 PUBLIC 09/05/2024

Partes

RECTE.(S) : ESTADO DO RIO DE JANEIRO PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO RECDO.(A/S) : ASSOCIAÇÃO DE ATACADISTAS E DISTRIBUIDORES DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO ADV.(A/S) : OLAVO FERREIRA LEITE NETO

Decisão

Decisão

Trata-se de Agravo em Recurso Extraordinário interposto em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

Na origem, a ASSOCIAÇÃO DE ATACADISTAS E DISTRIBUIDORES DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade em face do Decreto Estadual 48.039, de 11 de abril de 2022, do Estado do Rio de Janeiro, o qual regulamenta a Lei Estadual 9.428/2021, que, por sua vez, suspende a aplicação do regime de substituição tributária nas operações de saída interna de água mineral ou potável envasada, leite, laticínios e correlatos, vinhos, vinhos espumosos nacionais, espumantes, filtrados doces, sangria, sidras, cavas, champagnes, proseccos, cachaça, aguardente e outras bebidas destiladas ou fermentadas, quando produzidos por cachaçarias, alambiques ou por estabelecimentos industriais localizados no Estado do Rio de Janeiro.

Sustenta a autora que o referido Decreto padece de inconstitucionalidade, pois, a despeito de regulamentar a Lei Estadual 9.428/2021, ampliou o objeto da norma, de forma a permitir a suspensão do ICMS/ST também nas hipóteses em que os produtos sejam produzidos fora do Estado do Rio de Janeiro (Doc. 1, fl. 12).

Veja-se o teor do art. 1º do Decreto 48.039/2022:

Art. 1º – A suspensão da aplicação do regime de substituição tributária nas operações de saída interna dos itens 03, 39, 40 e 72, do Anexo I, do Regulamento do ICMS – RICMS – , Decreto nº 27.427, de 17 de novembro de 2000, se aplica a todos os produtos, sejam eles produzidos no Estado do Rio de Janeiro ou não.

Aduz que, “ao estabelecer que as vendas internas de bebidas fabricadas fora do Estado também gozam da suspensão do ICMS/ST, o Decreto 48.039/22 ampliou o rol de operações excluídas do regime da substituição tributária do ICMS, claramente excedendo o liame de sua função regulamentadora, em afronta ao princípio da legalidade tributária” (Doc. 1, fl. 12).

Destaca que somente “mediante lei formal é possível suspender o regime da substituição tributária (art. 97 do CTN) e, conforme já destacado, a Lei nº 9.428/21 restringiu a suspensão do ICMS-ST às saídas internas de bebidas produzidas dentro do Estado do Rio de Janeiro” (Doc. 1, fls. 12-13).

Explica que, “por atuar no aspecto pessoal da regra matriz de incidência do ICMS, as previsões normativas que impliquem modificações no regime de substituição tributária do imposto devem ter suas balizas estabelecidas em lei stricto sensu, cabendo aos atos infralegais, como os decretos regulamentares, tão somente disciplinar procedimentos complementares, relativos à cobrança, fiscalização e recolhimento do ICMS/ST, dentro da moldura estabelecida pela lei ordinária” (Doc. 1, fl. 14).

Realça que, “além de sobrepujar os limites estabelecidos pela lei que deveria regulamentar, o Decreto nº 48.039/22 contém evidentes erros redacionais, os quais embaraçam a clareza e a precisão do preceito normativo que veicula” (Doc. 1, fl. 15).

Nessa linha, aduz que “a nova redação dada ao artigo 1º do Decreto nº 48.039/22, após a sua republicação, contém equívoco ao mencionar que estaria suspensa a aplicação do regime de substituição tributária nas operações de saídas internas de mercadorias constantes nos itens 03, 39, 40 e 72, do Anexo I, do Regulamento do ICMS – RICMS. Isso porque os mencionados itens estão elencados no Anexo Único da Lei nº 2.657/96, conforme expresso na Lei nº 9.428/21 e na primeira redação dada ao artigo 1º do Decreto nº 48.039/22, antes de sua republicação. Inclusive, sequer existem esses itens na lista de mercadorias estampada no Anexo I, do Livro II, do RICMS/RJ, cujo último item é o 29 (“bebidas alcoólicas exceto cerveja e chope”)” (Doc. 1, fl. 15).

Pondera que o impacto orçamentário da norma é grande. Exemplifica que “o Estado do Rio de Janeiro consome cerca de 3 bilhões de litros de leite por ano, todavia produz apenas 17% desse volume. Isto é, as empresas atacadistas, distribuidoras e varejistas situadas no território fluminense adquirem de outras unidades da federação quase 2,5 bilhões de litros de leite anuais, o que resulta em perda de arrecadação de ICMS para o Estado e menos empregos gerados para a população fluminense. Com a suspensão do ICMS/ST, portanto, buscou o legislador conferir maior competitividade aos produtores de leite e derivados aqui localizados, incentivando sua expansão” (Doc. 1, fl. 16).

Argumenta, ainda, que a ausência de estudo de impacto orçamentário e financeiro na alteração promovida no regime de substituição tributária do ICMS pelo Decreto 48.039/2022 viola o art. 113 do ADCT, segundo o qual a proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro.

Noutra vertente, aduz que deve haver simetria ente o regime de substituição tributária para as operações interestaduais e internas, pois “à luz do princípio da isonomia tributária, o parágrafo terceiro, da cláusula segunda, do Convênio ICMS nº 142/18 determina que o Estado que instituir o regime de substituição tributária nas operações interestaduais deverá estabelecê-lo também em relação às operações internas” (Doc. 1, fl. 21).

Dessa forma, entende que “o Decreto Estadual nº 48.039/22 violou o artigo 65, parágrafo único, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, bem como atentou contra o princípio da isonomia tributária, insculpido no artigo 150, inciso II, da CF/88 e reproduzido no artigo 196, inciso II, da CERJ” (Doc. 1, fl. 22).

Ao final, requereu a declaração de inconstitucionalidade do Decreto Estadual 48.039/2022, em sua integralidade, invalidando-se todos os seus efeitos.

O Tribunal de origem julgou parcialmente procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade apenas da expressão “ou não” do artigo 1º do Decreto 48.039/2022, do Estado do Rio de Janeiro. Veja-se a ementa do acórdão (Doc. 2, fls. 1-2):

“REPRESENTAÇÃO POR INCONSTITUCIONALIDADE. Decreto Estadual nº 48.039/22, que regulamentou a Lei 9.428 de 30 de setembro de 2021. Precedente do Supremo Tribunal Federal em que se admite, excepcionalmente, a possibilidade de um decreto regulamentar figurar como objeto do controle abstrato de constitucionalidade quando no seu bojo existir normas de caráter autônomo. Portanto, a Lei ou ato normativo estadual e municipal objeto de controle deve possuir densidade jurídica suficiente, ou seja, ser dotado de abstração, generalidade, autonomia e impessoalidade de modo a atuar no plano do direito positivo. A questão a ser dirimida é se o Decreto 48.039/22 pode inovar no mundo jurídico, criando hipóteses diversas para a suspensão da aplicação do regime de substituição tributária, daquelas abstratamente consideradas pela lei 9.428/21. A resposta a questão posta é negativa, pois na hierarquia dos atos normativos, a lei se sobrepõe ao decreto, que existe para regulamentá-la. A Lei Estadual nº 9.428/21 suspendeu a incidência do ICMS-ST nas operações de saída interna com as bebidas elencadas nos itens 03, 39, 40 e 72 do Anexo Único da Lei nº 2.657/96, desde que produzidas por estabelecimentos localizados no território fluminense. Após as alterações promovidas na sua republicação, o Decreto nº 48.039/22 extrapolou a disciplina normativa conferida pela Lei nº 9.428/21, pois estendeu a suspensão do ICMS/ST também para as operações internas com mercadorias produzidas em outros Estado. Está incontroverso neste processo que o representado não utilizou a melhor técnica legislativa. Há uma nítida tentativa de se fazer interpretação teleológica do Decreto manifestamente inconstitucional. Ao Judiciário não cabe ficar interpretando a vontade do legislador, sob pena de criar uma desordem no ordenamento jurídico e a completa insegurança dos jurisdicionados. Se a lei está mal feita, deve ela ser corrigida pelo Poder Legiferante e não deixar que seus objetivos sejam modificados por meio de Decretos que exorbitem o Poder regulamentar. VOTA-SE PELA INCONSTITUCIONALIDADE da expressão “ou não” do artigo 1º do Decreto nº 48.039/22 do Estado do Rio de Janeiro, julgando-se parcialmente procedente o pedido contido na presente representação”.

Opostos Embargos de Declaração pelo ESTADO DO RIO DE JANEIRO (Doc. 4), foram rejeitados (Doc. 6).

No RE (Doc. 8), interposto com amparo no art. 102, III, “a”, da Constituição Federal, o ESTADO DO RIO DE JANEIRO alega que o acórdão recorrido violou o princípio da separação dos poderes (art. 2º da CF/1988) e o legítimo exercício do Poder Regulamentar pelo Chefe do Poder Executivo (art. 84, IV, da CF/1988).

Aduz que o Tribunal de origem, ao declarar a inconstitucionalidade da expressão “ou não” prevista no art. 1º do Decreto Estadual 48.038/2022, a qual evidencia a possibilidade de suspensão do ICMS-ST aos produtos em que especifica que sejam produzidos tanto no Estado do Rio de Janeiro quanto fora, não levou em consideração o art. 2º da Lei Estadual 9.428/2021, objeto de veto do Chefe do Poder Executivo, posteriormente derrubado.

Afirma que, “embora inicialmente o Exmo. Governador do Estado tenha vetado o referido artigo 2º da lei, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro derrubou o referido veto, conforme publicado no Diário Oficial de 01/12/2021. Assim, verifica-se que a Lei Estadual nº 9.428/2021 previu expressamente o afastamento do regime de substituição tributária para operações internas envolvendo os produtos em questão, independentemente do local de produção” (Doc. 8, fl. 8).

Sustenta que, em que pese “o acórdão de fls. 297/309 mencione que houve repetição do dispositivo legal previsto no artigo 1º da Lei 9.428/21 com acréscimo da expressão “ou não” no Decreto, não esclareceu qual seria a interpretação possível da lei ao se conjugar os seus artigos 1º e 2º, ponto essencial ao deslinde da controvérsia, o que motivou a oposição dos embargos de declaração de fls. 325/328” (Doc. 8, fl. 8).

Argumenta que, “com o objetivo de regulamentar a versão final da Lei Estadual em questão, foi editado o Decreto Executivo nº 48.039/22, inicialmente em 12/04/2022. Entretanto, no dia seguinte, em 13/04/2022, houve republicação do referido Decreto exatamente pelo fato de que a versão inicialmente publicada não considerava a derrubada do veto ao artigo 2º da Lei Estadual 9.428/2021, porque não especificava o afastamento do regime de substituição tributária para operações internas independentemente do local de produção” (Doc. 8, fl. 9).

Pondera que, “embora a requerente questione especificamente o Decreto Estadual, seus argumentos apontam para uma discordância com o conteúdo da própria lei que, importa frisar, se trata de um diploma normativo que é fruto do exercício do Poder Legislativo, como representação da vontade popular. A suspensão do regime do ICMS-ST para as referidas mercadorias, quando produzidas no Estado do Rio de Janeiro em qualquer hipótese (art. 1º), e a suspensão do regime do ICMS-ST nas operações internas (aqui independentemente da localização do produtor – art. 2º), constitui uma manifestação do exercício de um Poder democraticamente investido que, no exercício de sua competência constitucional, realizou uma decisão acerca da política fiscal no Estado do Rio de Janeiro” (Doc. 8, fl. 10).

Dessa forma, reitera que “com a derrubada do veto do artigo 2º da Lei 9.428/2021, o Decreto apenas consolida as disposições da versão final da lei aprovada pelo Parlamento” (Doc. 8, fl. 10).

Esclarece que “a suspensão do ICMS-ST visou fomentar a produção dessas mercadorias no Estado e reduzir o impacto negativo desse sistema de arrecadação nas pequenas e médias empresas fluminenses” (Doc. 8, fl. 11).

Assim, entende que o acórdão recorrido viola a separação dos poderes, pois “o Poder Judiciário deve prestar deferência à opção de política fiscal devidamente realizada pelos Poderes Legislativo e Executivo do Estado do Rio de Janeiro” (Doc. 8, fl. 11).

O Tribunal de origem inadmitiu o RE ao fundamento de que a pretensão recursal encontra óbice nas Súmulas 279 e 280 do STF (Doc. 11).

No Agravo (Doc. 13), o Estado defende a inaplicabilidade dos referidos óbices sumulares ao presente caso, bem como que houve violação direta à Constituição.

É o relatório. Decido.

Conforme narrado, trata-se de representação de inconstitucionalidade ajuizada em face do Decreto Estadual 48.039/2022, que regulamenta a Lei Estadual 9.428/2021, ambos do Estado do Rio de Janeiro.

Para melhor compreensão da controvérsia, veja-se o inteiro teor das normas questionadas:

“LEI Nº 9.428 DE 30 DE SETEMBRO DE 2021

ALTERA A REDAÇÃO DO ARTIGO 22 DE LEI ESTADUAL Nº 2.657, DE 26 DE DEZEMBRO DE 1996, QUE DISPÕE SOBRE O IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS, PARA INCLUIR PARÁGRAFO ÚNICO E INCISO I SUSPENDENDO A APLICAÇÃO DO REGIME DE SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA NAS OPERAÇÕES DE SAÍDA INTERNA DE ÁGUA MINERAL OU POTÁVEL ENVASADA, LEITE, LATICÍNIOS E CORRELATOS, VINHOS, CACHAÇA, AGUARDENTES E OUTRAS BEBIDAS DESTILADAS OU FERMENTADAS, QUANDO PRODUZIDOS POR CACHAÇARIAS, ALAMBIQUES OU POR ESTABELECIMENTOS INDUSTRIAIS LOCALIZADOS NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.

Faço saber que a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º O artigo 22 da Lei nº 2.657, de 26 de dezembro de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 22. Ficam sujeitas ao regime de substituição tributária as operações com as mercadorias listadas no Anexo Único.

Parágrafo Único – No que se refere às mercadorias listadas nos números 03, 39, 40 e 72 do anexo único desta lei:

I – fica suspensa a aplicação do regime de substituição tributária nas operações de saída interna de água mineral ou potável envasada, leite, laticínios e correlatos, vinhos, vinhos espumosos nacionais, espumantes, filtrados doces, sangria, sidras, cavas, champagnes, proseccos, cachaça, aguardente e outras bebidas destiladas ou fermentadas, quando produzidos por cachaçarias, alambiques ou por estabelecimentos industriais localizados no Estado do Rio de Janeiro.”

Art. 2º No Regulamento do ICMS – RICMS -, Decreto nº 27.427, de 17 de novembro de 2000, ANEXO I, que lista as mercadorias sujeitas ao regime de substituição tributária nas operações internas e interestaduais constará a informação de que para os itens 03, 39, 40 e 72 está suspensa a aplicação do regime de substituição tributária nas operações internas. (Nota: veto do art. 2º derrubado pela Alerj, publicado na Parte II do D.O.L. De 01.12.2021)”.

O Decreto Estadual 48.038/2022, em sua primeira publicação (12/4/2022), dispôs que:

“Art. 1º – A suspensão da aplicação do regime de substituição tributária nas operações de saída interna prevista no art. 22, parágrafo único, I, da Lei nº 2.657, de 26 de dezembro de 1996, abrange as mercadorias relacionadas no Anexo Único, quando produzidas por cachaçarias, alambiques ou por estabelecimentos industriais localizados no Estado do Rio de Janeiro”.

No dia seguinte, todavia, o Decreto foi republicado com a seguinte redação:

“DECRETO Nº 48.039 DE 11 DE ABRIL DE 2022

Art. 1º A suspensão da aplicação do regime de substituição tributária nas operações de saída interna dos itens 03, 39, 40 e 72, do Anexo I, do Regulamento do ICMS – RICMS, Decreto nº 27.427, de 17 de novembro de 2000, se aplica a todos os produtos, sejam eles produzidos no Estado do Rio de Janeiro ou não.

Art. 2º Deve ser observado, quanto às mercadorias referidas no Art. 1º, adquiridas enquanto aplicável o regime de substituição tributária, o disposto nos arts.. 36-A e 36-B do Livro li do Regulamento do ICMS, aprovado pelo Decreto nn 27.427, de 17 de novembro de 2000.

Art. 3º As notas fiscais relativas às operações de salda Interna das mercadorias referidas no art. 1º devem conter, no campo infAdProd, a expressão “Mercadoria enquadrada no inciso I do parágrafo único do Art. 22. da Lei 11º 2.6571/96”. devendo ser efetuado o respectivo lançamento na Escrituração Fiscal Digital (EFD ICMS/IPI), seguindo as normas gerais de escrituração, indicando no Registro C197 vinculado ao documento o código RJ90990001.

Art. 4º Os estabelecimentos Industriais devem encaminhar à repartição fiscal a que estiverem vinculados relação das mercadorias referidas no art. 1º, produzidas pelos mesmos, contendo sua descrição, classificação fiscal, Código Especificador da Substituição Tributária, (CEST) e `Global Trade Item Number” (GTIN), em até 60 (sessenta) dias após a entrada em vigor deste Decreto, na forma definida por Portaria do Subsecretário de Estado de Receita da Secretaria de Estado de Fazenda.

§ 1º A não entrega das informações referidas no caput sujeita o estabelecimento à penalidade prevista no inciso I do art. 62-B da Lei nº 2.657/96.

§ 2º A entrega das informações referidas no caput com incorreções ou omissões sujeita o estabelecimento à penalidade prevista no inciso LI – do art. 62-B da Lei nº 2.657/96, caso não sanadas em até 30 (trinta) dias após cientificado das mesmas pela repartição fiscal.

§ 3º Sempre que houver alterações nas informações referidas no caput deverá ser apresentada relação atualizada, em até 60 (sessenta) dias da ocorrência do evento, observado o disposto nos §§ 1º e 2º.

Art. 5º Fica inserida nota no Anexo I do Livro II do Regulamento do ICMS, aprovado pelo Decreto nº 27.427, de 17 de novembro de 2000, abaixo do título, com a seguinte redação:

“NOTA – Na aplicação do regime de substituição tributária nas operações internas, para os itens 03, 39, 40 e 72 do Anexo Único da Lei nº 2.657, de 26 de dezembro de 1996, deverá ser observada a suspensão prevista no parágrafo único do art. 22 da mesma lei.”

Art. 6º Este Decreto entra em vigor no primeiro dia do m11s sub sequente a sua publicação.

Rio de Janeiro, 11 de abril de 2022”.

Em suas razões, o Estado sustenta que a republicação do Decreto deu-se com o escopo de adequá-lo à derrubada do veto do art. 2º da Lei 9.428/2021.

O Tribunal de origem declarou a inconstitucionalidade da expressão “ou não”, constante do art. 1º do Decreto 48.039/2022, pelos seguintes fundamentos (Doc. 2, fl. 11):

“Assim sendo, depreende-se da leitura dos dispositivos impugnados do Decreto nº 48.039/22 que eles se revestem dos atributos da generalidade, abstração, impessoalidade. Por outras palavras, verifica-se que o decreto em questão possui densidade normativa suficiente a credenciá-lo ao controle abstrato de constitucionalidade.

A questão a ser dirimida é se o Decreto 48.039/22 pode inovar no mundo jurídico, criando hipóteses diversas para a suspensão da aplicação do regime de substituição tributária, daquelas abstratamente consideradas pela lei 9.428/21. A resposta a questão posta é negativa, pois na hierarquia dos atos normativos, a lei se sobrepõe ao decreto, que existe para regulamentá-la.

O Decreto, como ato administrativo exclusivo do Chefe do Executivo, estará sempre em situação inferior à lei e, por isso, não pode contrariá-la. Logo, o Decreto, ato infralegal, não pode se sobrepor à lei, já que dela retira seu fundamento de validade.

No caso concreto a Lei 9.428/21 dispõe que:

[…]

Não resta dúvida que o citado decreto extrapolou do seu poder regulamentar ao repetir exatamente o disposto na lei estadual, alterando o final de seus termos com a expressão “ou não”, uma vez que altera a incidência daquela escolha tributária, violando assim, não só o artigo 145, IV, da Constituição Estadual, mas também o princípio da separação de poderes, primado da Constituição da República como cláusula pétrea, nos termos do art. 60, §4º, CRFB/88, e norma de observância obrigatória coroada no art. 7º da CERJ, que garante a existência dos poderes independentes e harmônicos entre si.

Está incontroverso neste processo que o representado não utilizou a melhor técnica legislativa. Há uma nítida tentativa de se fazer interpretação teleológica do Decreto manifestamente inconstitucional. Ao Judiciário não cabe ficar interpretando a vontade do legislador, sob pena de criar uma desordem no ordenamento jurídico e a completa insegurança dos jurisdicionados. Se a lei está mal feita, deve ela ser corrigida pelo Poder Legiferante e não deixar que seus objetivos sejam modificados por meio de Decretos que exorbitem o Poder regulamentar.

Como bem ressaltou a douta Procuradoria Geral de Justiça “Para além da exorbitância do poder regulamentar, há violação ao Princípio da legalidade. Uma vez que a lei estabelece um recorte de incidência para a suspensão do regime de substituição tributária e o decreto amplia, a incidência muda.”

Por tais fundamentos, VOTA-SE PELA INCONSTITUCIONALIDADE da expressão “ou não” do artigo 1º do Decreto nº 48.039/22 do Estado do Rio de Janeiro, julgando-se parcialmente procedente o pedido contido na presente representação”.

O Chefe do Poder Executivo do Estado do Rio de Janeiro vetou o art. 2º da Lei Estadual 9.428/2021, ao fundamento de que a norma, ao prever a suspensão da aplicação do regime de substituição tributária tanto nas operações internas, quanto nas interestaduais, violou o art. 9º da Lei Complementar Federal 87/1996 (https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=421134)

Ocorre que o referido veto foi derrubado pela Assembleia Legislativa, passando o art. 2º a incorporar a norma com a redação tal qual aprovada pela casa legislativa.

Dessa forma, o Decreto Estadual 48.039/2022, ao prever que a suspensão da aplicação do regime de substituição tributária se aplica aos itens 03, 39, 40 e 72, do Anexo I, do Regulamento do ICMS – RICMS, Decreto nº 27.427, de 17 de novembro de 2000, sejam eles produzidos no território do Estado do Rio de Janeiro ou fora dele, não exorbitou do seu poder regulamentar.

Assim, a norma foi editada em observância ao legítimo exercício do Poder Regulamentar pelo Chefe do Poder Executivo, insculpido no art. 84, VI, da CF/1988.

Diante do exposto, com base no art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, CONHEÇO DO AGRAVO E, DESDE LOGO, DOU PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO, para julgar improcedente a Ação Direta.

Publique-se.

Brasília, 8 de maio de 2024.

Ministro Alexandre de Moraes

Relator

[2] REPRESENTAÇÃO POR INCONSTITUCIONALIDADE. Decreto Estadual nº 48.039/22, que regulamentou a Lei 9.428 de 30 de setembro de 2021. Precedente do Supremo Tribunal Federal em que se admite, excepcionalmente, a possibilidade de um decreto regulamentar figurar como objeto do controle abstrato de constitucionalidade quando no seu bojo existir normas de caráter autônomo. Portanto, a Lei ou ato normativo estadual e municipal objeto de controle deve possuir densidade jurídica suficiente, ou seja, ser dotado de abstração, generalidade, autonomia e impessoalidade de modo a atuar no plano do direito positivo. A questão a ser dirimida é se o Decreto 48.039/22 pode inovar no mundo jurídico, criando hipóteses diversas para a suspensão da aplicação do regime de substituição tributária, daquelas abstratamente consideradas pela lei 9.428/21. A resposta a questão posta é negativa, pois na hierarquia dos atos normativos, a lei se sobrepõe ao decreto, que existe para regulamentá-la. A Lei Estadual nº 9.428/21 suspendeu a incidência do ICMS-ST nas operações de saída interna com as bebidas elencadas nos itens 03, 39, 40 e 72 do Anexo Único da Lei nº 2.657/96, desde que produzidas por estabelecimentos localizados no território fluminense. Após as alterações promovidas na sua republicação, o Decreto nº 48.039/22 extrapolou a disciplina normativa conferida pela Lei nº 9.428/21, pois estendeu a suspensão do ICMS/ST também para as operações internas com mercadorias produzidas em outros Estado. Está incontroverso neste processo que o representado não utilizou a melhor técnica legislativa. Há uma nítida tentativa de se fazer interpretação teleológica do Decreto manifestamente inconstitucional. Ao Judiciário não cabe ficar interpretando a vontade do legislador, sob pena de criar uma desordem no ordenamento jurídico e a completa insegurança dos jurisdicionados. Se a lei está mal feita, deve ela ser corrigida pelo Poder Legiferante e não deixar que seus objetivos sejam modificados por meio de Decretos que exorbitem o Poder regulamentar. VOTA-SE PELA INCONSTITUCIONALIDADE da expressão “ou não” do artigo 1º do Decreto nº 48.039/22 do Estado do Rio de Janeiro, julgando-se parcialmente procedente o pedido contido na presente representação.

(0052635-84.2022.8.19.0000 – DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Des(a). CELSO FERREIRA FILHO – Julgamento: 08/05/2023 – OE – SECRETARIA DO TRIBUNAL PLENO E ORGAO ESPECIAL)

×