Perse: direito à alíquota 0 a quem não tem Cadastur no momento da publicação da lei

É inegável o gigantesco prejuízo econômico que as empresas e os profissionais que prestam serviços essencialmente dependentes da presença física de seus clientes sofreram com as medidas de restrição de circulação de pessoas durante a pandemia do coronavírus, sobretudo durante o período de março de 2020 até o final de 2021. Como poderiam restaurantes, salões de festas, por exemplo, manterem o mesmo nível de receita que auferiam anteriormente ao período pandêmico se a recomendação mundial era para que todos permanecessem em suas casas?

Com o intuito de compensar esse rombo financeiro, que invariavelmente reflete em substancial diminuição na arrecadação de tributos, entendeu por bem o Congresso conceder alíquota zero para o Imposto de Renda, PIS/Pasep, Cofins e CSLL a todas as empresas pertencentes ao setor de eventos, bem como aos bares e restaurantes durante o período de cinco anos, contados da publicação da Lei Federal nº 14.148/2021, instituidora do denominado “Programa Perse — Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos”.

Apesar das razões positivas que estruturaram essa benesse fiscal, a sensível repercussão na perda de arrecadação imediata, levou o Poder Executivo a impor resistência à implantação da medida. 

O primeiro obstáculo enfrentado pela medida foi o veto realizado pelo presidente da República, em que pese este reconhecer o motivo legítimo do benefício pretendido. Nas razões do veto presidencial argumentou que haveria óbice jurídico por não haver a estimativa de impacto orçamentário, bem como por supostamente violar a isonomia tributária [1]. Em razão disso, para o desgosto dos contribuintes que seriam beneficiados pela alíquota zero, a Lei Federal nº 14.148/2021 foi publicada em 4/5/2021 sem conceder o benefício originariamente presente no projeto de lei.

Todavia, o apelo do setor empresarial pertencente a tais setores para a criação de maiores benefícios fiscais em contrapartidas às perdas financeiras decorrentes das medidas públicas de lockdown, em razão dos efeitos da Covid-19 — que levou várias atividades empresariais à falência — provocou a movimentação do Congresso para derrubar o mencionado veto presidencial e restabelecer a alíquota zero aos referidos tributos federais.

Dessa forma, as partes vetadas da lei foram finalmente publicadas em 18/3/2022, momento no qual passou a vigorar a alíquota zero para os referidos tributos federais incidentes sobre lucro e faturamento, a serem aplicadas automaticamente a diversas empresas dos setores de eventos, bares e restaurantes, conforme códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (Cnae) a ser definidos por Ato do Ministério da Economia (artigo 2º, §2º).

Entretanto, ausentes demais mecanismos constitucionais para impedir o prosseguimento da concessão da alíquota zero a tais contribuintes, haja vista que o veto já havia sido derrubado, o Poder Executivo passou a se valer de estratégia ilegal para perseguir seu intento de obstar a concessão do benefício. É que o Poder Executivo, impondo um novo obstáculo à alíquota zero perseguida pelo Poder Legislativo, dessa vez por intermédio da Portaria nº 7.163/2021, editada pelo Ministério da Economia, resolveu restringir ilegalmente o benefício, por meio desse ato regulamentar.

Embora o §1º, do artigo 2º, da Lei nº 14.148/2021, seja expresso em listar todos aqueles que poderão se valer do benefício, o Poder Executivo optou por restringir alguns contribuintes listados no “Anexo 2” da Portaria do Ministro da Economia nº 7.163/2021, nos termos de seu artigo 1º, §2º. 

Isso porque essa Portaria condicionou a concessão do benefício apenas para empresas que estivesses regularmente inscritas no Cadastur (Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos) na data da publicação da Lei Federal nº 14.148/2021, mesmo não sendo esse cadastro uma condição para o exercício da atividade. Assim, o Poder Executivo terminou em excluir, à míngua da Lei, quem não tivesse a mencionada inscrição no Cadastur.

Sob o ponto de vista jurídico, sabe-se que os atos infralegais, ainda que normativos, só podem regular e especificar dentro da moldura legal estabelecido na Lei de referência. Por isso, sabe-se que não é cabível ao Poder Executivo dispor, condicionar, ou impor aquilo que não foi previamente delimitado pelo Poder Legislativo, sob pena daquele fazer as vezes deste, em evidente afronta ao princípio da separação de poderes consagrado no artigo 2º da CRFB/88 [2], bem como ao núcleo essencial do princípio da legalidade administrativa.

Com efeito, se o legislador não exigiu, na Lei Federal nº 14.148/2021, o requisito de prévio cadastro no Cadastur, não poderia o ministro da Economia fazê-lo, sob pena de grave violação ao sentido democrático essencial que rege o Estado de Direito, que é a legalidade.

No caso de bares e restaurantes, esse prévio cadastro sequer é obrigatório pela legislação de regência (artigo 22, da Lei 11.771/2008). Nesse sentido, de forma surpreendente, os bares e restaurantes foram informados de que aquilo que outrora era facultativo, passou a ser obrigatório, sem lhes conceder, contudo, quaisquer oportunidades de enquadramento, visto que a exigência é retroativa — nos termos do decreto, os bares e restaurantes deveriam ter o Cadastur na data da publicação da Lei Federal nº 14.148/21.

Nesse contexto de entraves institucionais criados pelo Poder Executivo para viabilizar a legítima fruição do benefício fiscal de alíquota zero por parte de certas empresas, resta saber como será a posição do Poder Judiciário frente a essa evidente violação aos limites do poder regulamentar. 

Nesse cenário, vislumbra-se o ajuizamento crescente ações judiciais visando resguardar tais empresas quanto ao direito de não recolher os referidos impostos federais pelo prazo 60 meses, a contar da publicação dessa Lei, ainda que não preencham o requisito formal e ilegal imposto pela Portaria Ministerial, qual seja, de possui inscrição regular no Cadastur quando da publicação da lei que concedeu o benefício.

Tendo em vista se tratar de matéria recente, ainda não é possível afirmar qual é o posicionamento dominante no Poder Judiciário, sobretudo pela ausência de decisões definitivas dos Tribunais sobre o tema. Todavia, já temos alguns posicionamentos em sede de tutela provisória, como do eminente tributarista e desembargador Leandro Paulsen, que nos autos do agravo de instrumento nº 5022229-45.2022.4.04.0000/RS, analisando pedido liminar de antecipação de tutela recursal, na qualidade de relator, decidiu favoravelmente aos contribuintes [3].

Por outro lado, é possível vislumbrar algumas decisões que se posicionam desfavoravelmente ao contribuinte, também em sede de tutela provisória, como a proferida pela eminente juíza federal da 14ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária da Bahia, no âmbito do Mandado de Segurança nº 1035143-90.2022.4.01.3300 [4].

É importante acompanhar o entendimento jurisprudencial sobre o tema, reforçando sempre a evidente ilegalidade da exigência de prévia inscrição no Cadastur, especialmente para empresas do ramo de bares e restaurantes, tal como prevaleceu no entendimento exposto pelo eminente desembargador Leandro Paulsen, no sentido de que faria jus ao enquadramento no Programa Perse todos aqueles que efetivamente fazem parte do setor de turismo, independentemente do requisito de terem, ou não, o Cadastur na data da publicação da Lei Federal nº 14.148/2021.

Resta agora aguardar para ver se o Poder Judiciário seguirá o caminho da proteção da legalidade administrativa, pilar do Estado de Direito, ou se favorecerá entendimentos que buscam apenas homenagear as razões políticas e financeiras do Poder Público.


[1] Conforme contou nas razões de veto: “[…] apesar de meritória a intenção do legislador, a medida encontra óbice jurídico por acarretar renúncia de receita, sem o cancelamento equivalente de outra despesa obrigatória e sem que esteja acompanhada de estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro, por violar o inciso II do artigo 150 da Constituição da República, uma vez que institui tratamento desigual entre os contribuintes em afronta à isonomia tributária e, também, por contrariar o artigo 113 do ADCT, o artigo 14 a 16 da Lei Complementar nº 101, de 2000 (LRF) e os artigo 125 e 126 da Lei nº 14.116, de 2020 (LDO/2021)”.Mensagem nº 186, de 3 de maio de 2021. Link disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/Msg/VEP/VEP-186.htm. Acesso em 26/08/2022.

[2] “Artigo 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

[3] Na ocasião, fundamentou-se o seguinte: “Logo, a Lei 14.148/2021 delegou ao ato do Ministério da Economia apenas a designação dos códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), sendo que a exigência de situação regular no Cadastur foi estipulada somente pelo ato infralegal, ao arrepio do princípio da legalidade que rege as normas tributárias. No caso, a exigência de cadastro regular no Ministério do Turismo pegou a agravante de surpresa, pois estipula um requisito temporal retroativo, exigindo condição que era facultativa para a agravante até então e que tal condição estivesse cumprida em 03/05/2021, data da publicação da lei que instituiu o Perse. Tanto é que a agravante já obteve o cadastro no Ministério do Turismo, mas é impedida de ingressar no programa de benefícios, pois não o teria feito antes, sendo que só tomou ciência da obrigatoriedade com a publicação da Portaria, em 21/06/2021. Assim, estando o código Cnae da agravante previsto na Portaria, inquestionável que suas atividades vinculam-se ao setor de turismo. Assim, a impetrante faz jus à adesão ao Perse, de modo que sua exclusão de programa especialmente criado para tal setor, em razão da ausência de um cadastro facultativo até a publicação da Portaria ME, viola o princípio da isonomia tributária. Criado um programa de benefícios fiscais para o setor turístico, os contribuintes vinculados a tal setor devem ser tratados igualitariamente, não se sustentando a recusa da autoridade coatora em realizar a adesão ao respectivo programa”. (TRF-4 – AG: 50222294520224040000 5022229-45.2022.4.04.0000, relator: LEANDRO PAULSEN, Data de Julgamento: 03/06/2022, PRIMEIRA TURMA. Link de acesso:  https://consulta.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=consulta_processual_resultado_pesquisa&selForma=NU&txtValor=50222294520224040000&chkMostrarBaixados=S&todasfases=&todosvalores=&todaspartes=&txtDataFase=&selOrigem=TRF&sistema=&txtChave=. Acesso em 31/08/2022.)

[4] Segue trecho da decisão: “Infere-se, a princípio, que a intenção da norma era atender ao setor que foi fragilizado pelos efeitos da retração econômica acarretados pela Covid-19, mas atribuindo ao ato infralegal a possibilidade de indicar de forma mais especificada aqueles que efetivamente se enquadrassem nesta situação. Na portaria vergastada pelo impetrante ficou regulamentado: ‘Artigo 1º Definir os códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas — Cnae que se consideram setor de eventos nos termos do disposto no §1º do artigo 2º da Lei nº 14.148, de 3 de maio de 2021, na forma dos Anexos I e II. §1º As pessoas jurídicas, inclusive as entidades sem fins lucrativos, que já exerciam, na data de publicação da Lei nº 14.148, de 2021, as atividades econômicas relacionadas no Anexo I a esta Portaria se enquadram no Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos – Perse. §2º As pessoas jurídicas que exercem as atividades econômicas relacionadas no Anexo II a esta Portaria poderão se enquadrar no Perse desde que, na data de publicação da Lei nº 14.148, de 2021, sua inscrição já estivesse em situação regular no Cadastur, nos termos do artigo 21 e do artigo 22 da Lei nº 11.771, de 17 de setembro de 2008′.

Observa-se, portanto, que a exigência de prévia inscrição no Cadastur está em consonância com o objetivo visado pela Lei 14.148/2021, não se extraindo, em juízo sumário, qualquer ilegalidade que possa ser erigida ao seu teor”.

Lucas Teixeira Muro é acadêmico em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e integrante da equipe de Direito Tributário do escritório Tavernard advogados.

Murilo Melo Vale é doutor e mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pós-graduado em Direito Público e Tributário, professor na área de Direito Público, advogado, sócio do escritório Tavernard Advogados e coordenador da área de Direito Público e Tributário Contencioso.

Revista Consultor Jurídico, 15 de setembro de 2022, 13h14

Aspectos controvertidos da falsidade na compensação tributária

O artigo 89, § 10, da Lei nº 8.212/91 prevê: “Na hipótese de compensação indevida, quando se comprove falsidade da declaração apresentada pelo sujeito passivo, o contribuinte estará sujeito à multa isolada aplicada no percentual previsto no inciso I do caput do art. 44 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, aplicado em dobro, e terá como base de cálculo o valor total do débito indevidamente compensado”.

Apesar de prever a conduta ilícita (falsidade na declaração) e a sanção correspondente (multa isolada de 150% sobre o valor do débito indevidamente compensado), o referido dispositivo é uma norma em branco, pois não dispõe quais atos praticados pelo contribuinte são considerados como falsidade na declaração. Isso tem repercutido, nos casos concretos, em subjetivismos e arbitrariedades das autoridades fiscais na análise das contribuições previdenciárias.

Em geral, a auditoria previdenciária tende a considerar “falsidade na declaração” todo aquele crédito utilizado pelo contribuinte que não decorra de previsão legal expressa e cristalina, sendo falsas as informações prestadas em razão de ter se valido de crédito “sabiamente inexistente”. Contudo, há diversas possibilidades de o contribuinte utilizar créditos não tão evidentes sem que, com isso, cometa qualquer ilicitude.

Alguns exemplos são esclarecedores.

O artigo 19, VI, a c/c art.igo 19-A, III, da Lei nº 10.522/01 prevê que as matérias definidas pelo Supremo Tribunal Federal sob a sistemática da repercussão geral e pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso repetitivo devem ser observadas pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, que ficará impedida de exigir, a qualquer título, créditos tributários contrários à decisão, cabendo à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional manifestar-se quanto às matérias abrangidas pelo precedente. Sem o pronunciamento da PGFN, a Receita Federal continua a entender exigível a obrigação tributária correspondente e, via de consequência, a não compensar as compensações realizadas.

Isso significa que caso o STJ tenha firmado precedente vinculante favorável aos contribuintes em determinada matéria, mas houve a interposição de recurso extraordinário pela Fazenda Nacional de modo a evitar o trânsito em julgado da sentença, se alguém vier a apurar créditos fundamentados neste pronunciamento, corre o risco de ter a sua compensação considerada fraudulenta, visto que o crédito, além de não ser cristalino — tanto que houve a necessidade de propositura de demanda judicial para reconhecê-lo —, a discussão sobre este direito permanece sub judice, sendo necessário aguardar o posicionamento do STF.

Em outro exemplo, o STJ, no REsp 1.230.957/RS, afetado como recurso repetitivo, firmou precedente de que não incide contribuição previdenciária sobre o valor pago pela empresa a título de aviso prévio indenizado. Apesar de não ter havido qualquer modulação desta decisão, o artigo 6º, parágrafo único, I, da IN RFB nº 925/09, em sentido totalmente contrário, mantém hígida a incidência tributária até a competência 05/2016, sujeitando o contribuinte à imposição da multa de 150% caso tenha apurado crédito, espontaneamente, para além deste limite estabelecido, por violar legislação expressa.

Ainda, há créditos que, embora não previstos expressamente na legislação, decorrem de interpretação das normas aplicáveis, de forma que, se por um lado não são autorizados, de outro também não são vedados. Nada obsta que o contribuinte opte por travar a discussão envolta à tese tributária perante a Administração Pública em detrimento do Poder Judiciário — desde que não se revista de caráter constitucional —, mormente porque o Carf é um órgão judicante com autonomia para decidir, podendo acatá-la.

Assim, como está evidente, o simples fato de a legislação não prever determinado crédito de forma límpida não impede que o contribuinte, sob o seu entender e interpretação da legislação, o apure e compense, sem que essa conduta consubstancie qualquer falsidade.

Em verdade, o próprio artigo 89, § 10, da Lei nº 8.212/91 traz alguns elementos que direcionam a sua interpretação para preenchimento da lacuna apontada.

Primeiro. Como qualquer conduta penal tipificada, a modalidade culposa deve ser expressamente prevista; no silêncio, somente a modalidade dolosa configura crime. No caso da Lei nº 8.212/91 não há qualquer previsão de que a “falsidade da declaração” deve decorrer de ato intencional do contribuinte. O sujeito passivo deve, propositalmente, realizar a compensação mediante informação falsa.

Segundo. O dispositivo exige a comprovação da falsidade; logo, não ela pode ser presumida. O dever da prova cabe ao Fisco.

Esses dois pressupostos acabam por excluir a falsidade de uma série de condutas possíveis do contribuinte. O erro não intencional, por exemplo, é livre de dolo, portanto não configura falsidade. À sua vez, divergência na interpretação da legislação também não configura fraude, pois aqui, igualmente, não se verifica o intuito de escamotear o adimplemento da obrigação tributária por meio de compensação indevida.

Reforça essa ideia a circunstância de que, atualmente, toda a pragmática tributária é organizada de modo a atribuir ao contribuinte toda a responsabilidade pela apuração e recolhimento da grande maioria dos tributos. É o contribuinte quem deve, a partir das suas escriturações fiscais, contábeis e trabalhistas, efetuar classificações ficais, apurar o fato gerador das obrigações tributárias, calcular os tributos devidos, preencher um sem-número de declarações fiscais e entregá-las ao Fisco (artigo 150, caput, do CTN). Mesmo na compensação, o contribuinte deve apurar o crédito, por sua conta e risco, e informá-lo ao Fisco, que somente após, irá validá-lo. O dever de o contribuinte interpretar a legislação tributária configura hoje o cerne de toda a prática tributária brasileira.

Nesse contexto, é válido afirmar que falsidade da declaração é aquela na qual se utiliza crédito falso, ou seja, inexistente, que o contribuinte sabe não possuir e, ainda assim, o compensa deliberadamente. Por exemplo, realiza compensação expressamente vedada pela legislação, ou informa valor decorrente de pagamento indevido ou a maior que sabe não possuir. Não se confunde com divergências na interpretação da lei — que, se muito, podem levar apenas e tão-somente à não homologação da compensação, mas não à multa isolada qualificada —, mormente quando esta é atribuída ao contribuinte.

Estes parâmetros devem ser observados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil ao analisar as compensações previdenciárias, cabendo aos contribuintes se atentarem para eventuais autuações de modo a evitar que sofram a imposição arbitrária de multas indevidas.

Fellipe Fortes é tributarista do Balera, Berbel e Mitne Advogados.

Revista Consultor Jurídico, 14 de setembro de 2022, 16h09

Empresa sem cadastro no Ministério do Turismo durante pandemia fica sem direito ao PERSE

A empresa Náutica WS, sediada em Balneário Camboriú (SC) e que atua com comércio varejista, manutenção e reparação de embarcações para esporte e lazer, não poderá participar do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE) por não estar cadastrada em maio de 2021, data da publicação da Lei nº 14.148/21 (Lei do PERSE), como empresa prestadora de serviços turísticos. O juiz federal Eduardo Vandré Oliveira Lema Garcia, convocado para atuar no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), deferiu liminarmente recurso da União ontem (11/9) e suspendeu liminar que concedia o direito.

A Fazenda Nacional recorreu ao tribunal após a 3ª Vara Federal de Itajaí (SC) determinar que se abstivesse de exigir o registro no Cadastur na data da publicação da Lei do PERSE para conceder o benefício fiscal à empresa. Conforme a União, a Náutica WS não exercia atividade ligada ao setor de eventos durante as restrições impostas pela pandemia, não sendo correto que agora usufrua de benefícios criados aos que foram mais prejudicados.

Segundo o magistrado, embora a parte exerça atividade ligada ao turismo, de fato não estava cadastrada no Ministério do Turismo como prestadora de serviços turísticos à época. “O cadastro é obrigatório, havendo exigência do prévio cadastramento, que deve ser seguido conforme previsto em Portaria, para o efeito de enquadrar-se no programa”, concluiu Lema Garcia.

Cadastur

O Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos (Cadastur) é um cadastro de pessoas físicas e jurídicas que atuam no setor de turismo e tem por base a Lei nº 11.771/08. A Lei nº 11.771/08 dispõe sobre a Política Nacional de Turismo. Define as atribuições do Governo Federal no planejamento, desenvolvimento e estímulo ao setor turístico e disciplina a prestação de serviços turísticos, o cadastro, a classificação e a fiscalização dos prestadores de serviços turísticos.

ACS/TRF4 (acs@trf4.jus.br)5034773-65.2022.4.04.0000/TRF

ARTIGO DA SEMANA. PERSE: NOVA BATALHA JUDICIAL À VISTA

Buscando atenuar os efeitos da queda de faturamento em razão da pandemia de  COVID-19 foi instituído o PERSE (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos) através da Lei nº 14.148/2021.

Após a derrubada de vetos presidenciais, a Lei do PERSE concede duas vantagens importantes: (i) transação com a União dos débitos tributários e não tributários em até 145 parcelas e com descontos de até 70% e (ii)redução para zero das alíquotas de PIS, COFINS, IRPJ e CSLL pelo prazo de 60 meses, a partir de 18/03/2022.

O problema para o gozo dos benefícios do PERSE não está na Lei nº 14.148/2021, mas na Portaria do Ministro da Economia nº 7.163/2021.

Segundo a Portaria ME 7.163/2021, somente farão jus aos benefícios do PERSE as pessoas jurídicas que, exercendo as atividades econômicas relacionadas no Anexo II da, já estivessem em situação regular no CADASTUR (arts. 21 e 22 da Lei nº 11.771/2008) na data de publicação da Lei nº 14.148/2021.

Com esta restrição, bares, restaurantes, lanchonetes e diversas outras empresas não poderão negociar seus débitos em até 145 parcelas com descontos e muito menos deixarão de pagar PIS/COFINS/IRPJ/CSLL pelo prazo de 5 (cinco) anos!

A grande questão que está sendo levada ao Judiciário é uma só: pode uma Portaria Ministerial criar restrições ao gozo de incentivo fiscal não prevista na Lei?

A jurisprudência do STF e do STJ responde negativamente a esta questão.

Inúmeros julgados dos Tribunais Superiores afirmam que as Portarias, inequívocas normas infralegais, não podem inovar, criar condições não previstas em ato do Poder Legislativo.

Consequentemente, as empresas interessadas em usufruir os benefícios do PERSE, mas que não tenham inscrição no CADASTRUR, têm boas chances de obter uma decisão judicial que lhes garanta a transação de seus débitos em até 145 meses e o não pagamento de PIS/COFINS/IRPJ/CSLL pelo prazo de 5 (cinco) anos, contados de 18/03/2022.

A hora é essa!!!!

STF decide reanalisar tese sobre fato gerador do ITBI em cessão de direitos

O Plenário virtual do Supremo Tribunal Federal decidiu reanalisar a fixação de tese segundo a qual o fato gerador do imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, mediante o registro.

A decisão foi tomada em julgamento no Plenário virtual encerrado na sexta-feira (26/8). Por maioria de votos, a corte acolheu segundos embargos de declaração ajuizados pelo município de São Paulo, que se insurgiu contra a tese fixada em fevereiro de 2021, sob repercussão geral.

O caso trata da incidência do ITBI em cessão de direitos de compra e venda, mesmo sem a transferência de propriedade pelo registro imobiliário. Em 2021, o STF se propôs a analisar a repercussão geral do caso para saber se deveria julga-lo e firmar tese, que caráter vinculante.

Relator, o ministro Luiz Fux apresentou voto aos colegas reconhecendo densidade constitucional e potencial impacto em outros casos. E foi além: no mesmo acórdão, afirmou que o STF já tinha, inclusive, jurisprudência dominante sobre o tema. Com isso, propôs de pronto uma solução para a questão.

Assim, sem manifestação das partes sobre o mérito, nem sustentação oral, o Plenário Virtual do STF fixou a tese segundo a qual “o fato gerador do Imposto sobre Transmissão inter vivos de Bens Imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro”.

O problema, agora reconhecido, é que o processo em questão trata de apenas uma das três hipóteses de incidência do ITBI no artigo 156, II, da Constituição Federal: a cessão de direitos a sua aquisição.

á a jurisprudência que o tribunal resolveu reafirmar tratava, na verdade, das outras hipóteses: a transmissão de bens imóveis, por natureza ou acessão física; e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia.

A diferenciação foi apontada pelo município de São Paulo, ressaltada pela Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais Brasileiras (Abrasf), noticiada pela revista eletrônica Consultor Jurídico e estava gerando, inclusive, insegurança quanto ao rito de cobrança do ITBI pelas Fazendas municipais.

No voto divergente que se sagrou vencedor, o ministro Dias Toffoli faz essa distinção e destaca que a tese fixada pelo Supremo em 2021 não abrange a hipótese discutida nos autos, que versa sobre cessão de direitos.

“Nos julgados mais recentes da Corte, não houve debate aprofundado sobre aquela última hipótese de incidência, sendo certo que os precedentes utilizados como jurisprudência no acórdão ora embargado trataram de hipótese diversa, concernente à primeira parte do inciso II daquele artigo, qual seja transmissão de bens imóveis”, disse.

A divergência foi acompanhada pelos ministros Ricardo Lewandowski, Luiz Edson Fachin, André Mendonça, Nunes Marques, Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes. Ficou vencido o ministro Luiz Fux, que votou por rejeitar os embargos, acompanhado por Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Rosa Weber.

Com o resultado, o tema sobre a incidência do ITBI em cessão de direitos de compra e venda continua com repercussão geral reconhecida, mas não vale mais a reafirmação de jurisprudência. O processo será pautado, com possibilidade de manifestação das partes, sustentação oral, ingresso de amici curiae (amigos da corte) e amplo debate.

Clique aqui para ler o voto do ministro Dias Toffoli
Clique aqui para ler o voto do ministro Luiz Fux
ARE 1.294.969

Fonte: Conjur – 29/08/2022

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