O sistema tributário melhorou após 34 anos da Constituição de 1988?

Dois assuntos se destacarão na semana que hoje se inicia: o resultado do primeiro turno das eleições, que infelizmente não será analisado neste texto, pois escrito antes do resultado, e a comemoração, no dia 5 de outubro, dos 34 anos de nossa Constituição, que comento sob o prisma tributário.

Na versão original do capítulo tributário de nossa Constituição, a União tinha competência para arrecadar impostos sobre (1) importação, (2) exportação, (3) renda, (4) IPI, (5) IOF, (6) ITR e (7) Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF). Também tinha competência para instituir taxas, contribuições de melhoria e empréstimos compulsórios, além de contribuições: sociais, de intervenção e no interesse de categorias profissionais.

Após 34 anos, constata-se que no âmbito da competência para a cobrança dos impostos pouco foi alterado, exceto: (a) a possibilidade de cobrança do ITR, que passou a ser permitia aos municípios (artigo 153, §4º, CF – EC 42/03), e (b) o IGF, que jamais foi implementado, a despeito de incontáveis projetos de lei em trâmite pelo Congresso.

Ainda no âmbito da União, não há nenhum registro relevante sobre contribuições de melhoria durante esse período, bem como sobre taxas, embora essas tenham sido cobradas em situações específicas, sem grande vulto. Houve uma experiência horrível durante o confisco do Plano Collor, que vários autores caracterizaram como empréstimo compulsório.

O problema na esfera federal ocorreu com as contribuições, que se multiplicaram e se transformaram em uma fonte de arrecadação originalmente impensável. Foram estabelecidas Cides (Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico), com múltiplas incidências setoriais; e as contribuições sociais foram amplamente disseminadas, destacando-se o vetusto Pis, ao qual foi aliada a Cofins (sucessora do anterior Finsocial). Originalmente tinham alíquotas baixas, que foram paulatinamente aumentadas, até que foram criadas as incidências não-cumulativas, com alíquotas escorchantes e sem nenhuma organicidade, que acabaram por dinamitar o sistema, invadindo o campo de tributação sobre o consumo, reservado aos estados. O foco era arrecadar sem compartilhar com estados e municípios, quebrando a estrutura de federalismo cooperativo inicialmente organizada — projeto tristemente exitoso, a despeito de ínfima parcela de uma das Cides ter passado a ser destinada aos estados e ao DF (artigo 160, III, CF — EC 44/04).

Outra contribuição social federal que foi muito impactada foi a previdenciária referente aos servidores públicos, que originalmente incidiria apenas sobre os servidores que estivessem na ativa e passou a incidir também sobre os proventos dos aposentados e pensionistas (artigo 149, §1º, CF — EC 41/03), o que alcançou todos os entes federados.

No que se refere à competência dos estados, a Constituição originalmente previa para os impostos: (1) ITCMD, (2) ICMS e (3) IPVA, além de (4) um esdrúxulo Adicional do IR federal. Previa também a possibilidade de cobrar taxas e contribuições de melhoria, além de contribuições previdenciárias de seus servidores.

No âmbito dos impostos estaduais, o primeiro a ser limado foi o inadequado Adicional do IR (EC 3/93), que não deixou saudades. Em compensação, o ICMS passou a ser objeto de diferentes movimentos aparentemente contraditórios. Por um lado, surgiu uma guerra fiscal com arrojada renúncia de receitas de ICMS, visando a atração de investimentos, o que gerou incontáveis ADIs, que passaram por diversas fases, desde a singela concessão de liminar seguida de revogação da norma atacada e a consequente perda de objeto da ação, até a manutenção da ADI, mesmo sendo revogada a norma. Ao fim e ao cabo, a guerra fiscal foi amplamente reduzida em razão da LC 160/17. Por outro lado, como contrapartida à renúncia fiscal, foi fortemente aumentado o ICMS sobre bens essenciais, como energia elétrica, combustíveis e comunicações, violando o princípio da essencialidade, nos quais a fiscalização ocorre com muito mais facilidade e a possibilidade de sonegação é baixíssima. Isso foi encerrado pelo STF em 2022, através do RE 714.139 (Tema 745 da Repercussão Geral), concedendo prazo até 2024 para que os estados reorganizassem suas finanças, o que foi literalmente atropelado pela LC 194/22, ao determinar que tal redução ocorresse de imediato, dinamitando as finanças estaduais e, por decorrência do desarranjo federativo-fiscal ocasionado, estiolando as finanças municipais. A consequência, ainda não sentida, é que a fiscalização estadual e municipal sobre as empresas será intensificada a partir do próximo ano.

Deve ainda ser destacado sobre o ICMS que a necessária desoneração das exportações permanece inconclusa, pois houve a vedação à cobrança desse imposto na exportação, mas não foi assegurada “a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores (artigo 155, §2º, X, “a”, CF – EC 42/03), o que deve ser deliberado pelo STF, à míngua de deliberação dos estados.

No que se refere ao IPVA, o ponto de destaque é a decisão do STF (RE 134.509 e RE 255.111, ambos de 2002), desconsiderando a possibilidade de sua incidência sobre aeronaves e embarcações, o que merece ser reanalisado pela corte. 

Outro aspecto da tributação estadual a ser destacado é o uso abusivo das taxas, várias delas declaradas inconstitucionais, porém outras ultrapassando o crivo do STF, como ocorreu nas taxas minerárias

No âmbito dos municípios, a Constituição, em sua versão original, previa que eles poderiam cobrar os seguintes impostos: (1) IPTU, (2) ITBI, (3) IVVC — imposto sobre a venda a varejo de combustíveis líquidos e gasosos, exceto diesel, e (4) ISS), além de taxas e contribuições de melhoria.

O primeiro a ser cortado foi o IVVC (EC 3/93), o que revela o desacerto da tributação sobre os combustíveis na versão original da Constituição, pois o sistema de impostos únicos, previsto na Constituição anterior (1967/1969) deveria ter sido mantido, evitando assim diversos problemas também com o ICMS.

O destaque foi a criação de outra tributação esdrúxula, a CIP — Contribuição para o Custeio de Iluminação Pública (artigo 149-A, CF – EC 39/02), cujo enquadramento teórico permanece sendo objeto de acirradas discussões jurisprudenciais e acadêmicas. Isso trouxe consequências positivas por um lado, pois possibilitou que as cidades se tornassem mais iluminadas; porém com um aspecto negativo, uma vez que gerou empoçamento de recursos, uma vez que o montante arrecadado não pode ser usado em outra finalidade.

Em síntese: após 34 anos de vigência do sistema constitucional tributário, algumas alterações foram efetuadas, mas ele permanece íntegro e funcionando. Existem muitos problemas, sem dúvidas, mas não exatamente no âmbito constitucional, pois este sistema nos permitiu ser a sétima economia mundial em 2011, aspirando chegar à sexta posição; hoje estamos em 13º lugar

Essa constatação aponta para dois aspectos: (1) o grande problema não está no âmbito constitucional, mas no infraconstitucional, seja no legal, seja no infralegal. Estes âmbitos devem ser aperfeiçoados, com respeito à segurança jurídica dos envolvidos (contribuintes e entes federados). E (2) as atuais reformas constitucionais em debate visam criar outro sistema tributário, o que não é ruim em si, embora as propostas em curso sejam péssimas — para seu aproveitamento será necessária uma enorme cirurgia nos textos que tramitam no Congresso (PEC 45 e PEC 110).

Embora não conheça os resultados das eleições no momento em que este texto está sendo escrito, grande parte dos próximos governos já foram eleitos no domingo, 2/10/22. Temos nova composição na Câmara dos Deputados, em um terço do Senado e nas Assembleias Legislativas, e grande número de chefes do Poder Executivo foram eleitos no primeiro turno de votação. Esse grupo de pessoas, incumbentes da administração pública brasileira, terão muito a discutir e a fazer, inclusive no âmbito tributário. Espero que também sejam capazes de ouvir a sociedade na urgente tarefa de (re)organizar o Brasil, que é de todos nós.

Fernando Facury Scaff é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Bentes, Lobato & Scaff Advogados.

Revista Consultor Jurídico, 3 de outubro de 2022, 8h00

STF restabelece decisão que reconheceu incidência do IOF sobre títulos e valores mobiliários

Colegiado acolheu ação rescisória da União.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), na sessão desta quarta-feira (28), desconstituiu decisão monocrática que declarava inconstitucional a incidência de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre ouro. O colegiado, por unanimidade, julgou procedente a Ação Rescisória (AR) 1718, ajuizada pela União.

A decisão desconstituída havia sido proferida pelo ministro Maurício Corrêa (falecido), ao dar provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 263464. Na ação rescisória, a União alegava que o ministro Maurício Corrêa havia compreendido de maneira equivocada os elementos da causa e considerado a incidência do imposto sobre ouro (ativo financeiro), ao invés de julgar a base de incidência como títulos e valores mobiliários.

Erro de fato

O colegiado acompanhou o relator, ministro Edson Fachin (relator), pela procedência da ação com base na ocorrência de erro de fato na decisão questionada, que não tratara da questão objeto do RE. E, por maioria, foi acolhido o voto do revisor da ação, ministro Alexandre de Moraes, para, desde já, negar provimento ao RE e restabelecer o acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) que havia reconhecido a incidência do IOF sobre títulos e valores mobiliários, em sintonia com a jurisprudência do Supremo.

Ao aderir à proposta de Moraes, o ministro Gilmar Mendes frisou que julgar o mérito do recurso é consequência lógica e esperada da procedência da ação rescisória que anula um julgamento por erro de fato.

No mesmo sentido, votaram os ministros Nunes Marques, Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. Assim como o relator, as ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber e o ministro Luiz Fux não avançaram, desde logo, para o julgamento do mérito do recurso extraordinário. O ministro Marco Aurélio (aposentado) já havia votado, no ambiente virtual, pela improcedência da ação.

SP/CR//CF

Fonte: Notícias do STF

Desafios da simplificação das obrigações acessórias no sistema tributário

Inúmeros têm sido os debates a respeito da possibilidade e viabilidade da implementação de uma reforma tributária no Brasil, com vistas a promover uma maior simplificação do sistema tributário. Isso ocorre, porque, além de demasiadamente complexas e propícias à geração de contenciosos, as regras procedimentais atualmente aplicáveis impõem aos contribuintes custos relevantes de conformidade, já conhecidos há longa data pela comunidade internacional.

Percebemos que, nos últimos anos, além do peso da carga tributária, os contribuintes sofrem com obrigações acessórias exageradamente complexas, entre outros deveres fiscais e penalidades que crescem em volume a cada ano.

De acordo com relatório divulgado pelo Banco Mundial (Doing Business 2021), as empresas gastam em média 1.501 horas por ano para cumprir todas as regras estabelecidas pelo Fisco. Esse estudo compara 190 países e evidencia que o Brasil continua sendo o país no qual as empresas gastam mais tempo para calcular e pagar tributos. É interessante observar que a metodologia do estudo abrange o “Índice de Pós-Declaração (Postfiling)” que avalia o esforço do contribuinte em receber restituições ou ressarcimentos, tendo o Brasil uma pontuação baixíssima (7,8), recebendo a 3ª pior nota da lista, excluídos os países sem nota ou com nota zero [1].

Nesse contexto, diante da dimensão do chamado “custo Brasil”, era de se esperar que o tema das obrigações acessórias ganhasse visibilidade nas propostas de simplificação do sistema tributário ou, pelo menos, fosse um dos objetos centrais das propostas de reforma em debate pelo Poder Legislativo. Surpreendentemente, ocorre justamente o inverso. É forçoso reconhecer que os desafios diários dos contribuintes com o preenchimento de obrigações acessórias (emissão de notas fiscais, preenchimento de documentos, escrituração de livros, dentre outros aspectos), enquadramento de códigos e cadastros, multas diferenciadas e demais informações digitais são pouco exploradas pelos projetos já apresentados no âmbito da reforma tributária, com ausência de propostas concretas e efetivas de desburocratização.

De acordo com estudo recente realizado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), divulgado em setembro de 2022, o chamado “custo-Brasil” encarece os produtos nacionais em 25,4%, em média [2]

Convém aqui abrir um rápido parêntese. Com o objetivo de simplificar a estrutura de controle fiscal dos contribuintes, incluindo as obrigações acessórias, a Receita Federal tem pretendido se aproximar da sociedade, por debates e formulações conjuntas de dados com os contribuintes representados por diversas entidades de classe, com base no Programa de Conformidade Cooperativa Fiscal (Confia). Contudo essa medida é o suficiente diante da complexidade do cenário atual? Não podemos negar que é um primeiro passo que está na etapa de “Teste de Procedimentos”, nos termos da Portaria RFB nº 210, de 18 de agosto de 2022.  

É notório que as tecnologias têm desempenhado um papel fundamental no dia a dia das empresas, extinguindo a famosa “papelada” e presença física dos contribuintes, no entanto, essa informatização não trouxe necessariamente mais simplificação. Há, nesse tema, como apontado por Luís Eduardo Schoueri, um paradoxo: se, por um lado, espera-se da informatização da Administração Tributária uma racionalização e uma simplificação do processo de arrecadação, por outro, não há como ignorar que ela resultou num aumento de deveres instrumentais — e, portanto, maior complexidade —, exigindo-se novos deveres sempre que um novo passo era dado em direção à informatização [3].

Nesse caso, em particular, faz-se necessário apontar o volume de normas editadas pelos órgãos competentes no âmbito federal, estadual e municipal, que só corroboram a complexidade em manter-se atualizado para o correto cumprimento de todas as normas existentes, muitas vezes com exigências que são repetidamente demandadas, apenas por comodidade da Administração Tributária, conforme evidenciado em estudo realizado pela Associação Comercial de São Paulo (ACSP), em parceria com a empresa Pricewatercoops (PwC) [4]

Nesse contexto, menciona-se que há um projeto em debate na Comissão de Finanças e Tributação (CFT), da Câmara dos Deputados, que visa padronizar legislações e sistemas e reduzir custos para as administrações tributárias e para os contribuintes, nos termos do Projeto de Lei Complementar nº 178/21 [5], que institui o Estatuto Nacional de Simplificação de Obrigações Tributárias Acessórias. Os responsáveis pela proposta afirmam que a finalidade é possibilitar o compartilhamento de informações fiscais entre as administrações tributárias, de modo a simplificar as obrigações acessórias. A prioridade é a criação da Nota Fiscal Brasil Eletrônica (NFB-e) para operações que envolvam mercadorias e prestações de serviços, com a possibilidade de implantação de declarações pré-preenchidas.

Ainda, em recorrentes ocasiões, percebe-se a dificuldade dos contribuintes em classificar os seus produtos para fins de tributação, sendo que os prejuízos de uma possível reclassificação vão além da exigência dos tributos, compreendendo penalidades específicas. Fato é que o correto enquadramento dos produtos necessita de um conhecimento profundo sobre as mais diversas especificidades e implicações. O ponto é que nem sempre as nomenclaturas e classificações existentes auxiliam para o adequado enquadramento, gerando insegurança jurídica aos contribuintes. Esse é um desafio. 

Outro ponto que merece destaque é que, mesmo após transcorridos alguns anos da implementação do Sped (Sistema Público de Escrituração Digital), essa ferramenta permanece, ainda, como alvo de severas críticas por parte dos contribuintes no que se refere à sua complexidade e exigência de atualização incessante do profissional que opera com ela, tendo em vista a necessidade de constante adequação de blocos/registros/campos nos sistemas ERP (Sistemas de Origem do Enterprise Resource Planning) e as soluções fiscais adotadas, a duplicidade de exigência de informações, o aumento na demanda de softwares, entre outros pontos.

Diante desse cenário, se a simplificação é um objetivo a ser buscado por todos — em especial no que tange às obrigações acessórias —, as propostas de reforma tributária não têm sido convincentes em cumprir esse propósito. Como é sabido, no âmbito da reforma tributária tem se debatido sobre uma possível simplificação no que tange as diversas obrigações acessórias atualmente existentes. No entanto, de acordo com as manifestações aventadas em entrevistas e apresentações oficiais, essa simplificação não traz no seu bojo propostas efetivas de desburocratização.

A título exemplificativo, foi apresentada ao Congresso no segundo semestre de 2020 a primeira parte da reforma tributária com a unificação do PIS e da Cofins (Contribuição sobre a receita decorrente de operações com Bens e Serviços — CBS), nos termos do Projeto de Lei nº 3.887/20. Entre as diretrizes que fundamentam essa proposta, o Ministério da Economia destacou a redução dos custos de conformidade, no entanto, dispôs somente sobre a redução de: 1) 52 para nove campos na Nota Fiscal e de 2) 70% das obrigações acessórias, sem adentrar nas medidas a serem implementadas nos tipos de nota fiscal, sem falar na ausência de qualquer medida para o Sped.

A esse respeito, cumpre mencionar que no âmbito do Sped existem três principais espécies de documentos fiscais eletrônicos: 1) Nota Fiscal Eletrônica (NF-e), para operações realizadas entre contribuintes; 2) Nota Fiscal ao Consumidor Eletrônica (NFC-e), para operações com consumidor final; e 3) Conhecimento de Transporte Eletrônico (CT-e), para operações de transporte de cargas. No mais, fora do âmbito do Sped, temos a Nota Fiscal de Serviços Eletrônica (NFS-e), para prestações de serviços. Desse modo, verifica-se que o governo federal se limitou em mencionar apenas uma redução numérica de campos, sem adentrar na necessidade de unificação desses documentos (discursos e justificativas por vezes rasos, que não enfrentam o tema no seu âmago ou propõem soluções efetivas). 

Fato é que o Sped ocasionou investimentos relevantes no âmbito privado na última década, e, ainda assim, os contribuintes não conseguem lidar adequadamente com a complexidade das obrigações acessórias e sofrem de imposição de penalidades pelas autoridades fiscais, muitas vezes aplicadas com violação ao princípio da proporcionalidade, razoabilidade e não-confisco. Com efeito, averígua-se no cenário atual um grande volume de autuações por erros e inconsistências no preenchimento, que abrange até mesmo interpretações um tanto quanto discutíveis por parte da autoridade fazendária, sem qualquer fundamentação legal expressa. 

Sob o manto da responsabilidade objetiva do artigo 136 do CTN (Lei nº 5.172/66), a complexidade se tornou um improvável aliado à arrecadação tributária por intermédio de multas por erros, omissões e inconsistências no Sped. Também as infrações relacionadas às obrigações acessórias têm sido utilizadas como instrumento para impedir, muitas vezes, o exercício regular de direito pelo contribuinte, como no caso da inobservância do controle em subcontas exigido pela Lei nº 12.973/14 como requisito para diversas considerações necessárias para a tributação do IRPJ e da CSLL em conformidade com a capacidade contributiva.

Feitas essas breves considerações, é possível afirmar que os Fiscos desconsideram de plano a tríplice dimensão do princípio da proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), que atua como importante instrumento para estabelecer os critérios de pertinência entre os meios e os fins no nosso ordenamento. 

Como resolver essa questão?
Temos a opinião de que o sistema tributário brasileiro é demasiadamente complexo, sendo indispensável para o seu bom funcionamento reformas e políticas públicas que busquem estimular maior simplicidade e justiça tributária. Mais do que nunca, propostas de reforma legislativa são bem-vindas! Contudo, deve-se incluir na pauta da reforma tributária uma perspectiva urgente de cooperação construtiva entre os entes federados para fins de desburocratização, para o qual todos se aproveitarão.

A redução de duplicidades na exigência de uma mesma informação no Sped; a superação da equivocada premissa de que não cabe denúncia espontânea no tema das obrigações acessórias; a constante e crescente simplificação de leiautes de sistema informatizados; maior transparência e auxílio ao contribuinte por parte da Administração Tributária; a unificação e tratamento em âmbito nacional de obrigações acessórias; a aprovação do chamado estatuto do contribuinte, dentre outros aspectos, são algumas medidas, há tanto tempo, clamadas pelo setor produtivo, que produziriam um efeito muito maior como instrumento de segurança e simplificação, do que uma ambiciosa proposta de reforma tributária ampla que, ao prometer na sua exposição de motivos mudar completamente o paradigma atual, o pressupõe e o aceita nas suas regras positivadas.

Há um longo caminho a ser percorrido, mas plenamente possível. Ao nosso ver, é necessária a consciência dos nossos governantes para iniciar esse percurso fundamental para um sistema tributário mais racional e eficiente, uma vez que tudo depende de decisão política. Simplicidade e tributação devem caminhar juntos, pois só assim é possível desenvolver uma consciência fiscal da população, ao mesmo tempo em que se promove uma arrecadação mais eficiente e geradora de recursos públicos. Se algum grau de complexidade é inevitável como decorrência da busca de equidade na tributação — por exemplo, em decorrência de isenções, progressividade etc —, cabe a comunidade jurídica apontar para a complexidade que não reverte qualquer benefício para a sociedade e pleitear por uma reforma que seja eficiente para sua redução.


[1] Doing Business Subnacional Brasil 2021. Disponível em: https://subnational.doingbusiness.org/pt/reports/subnational-reports/brazil. Acesso em: 22 ago. 2022.

[2] O Custo Brasil encarece os produtos industriais brasileiros, em média, em 25,4%. A conclusão é de um estudo elaborado pela Fiesp/Ciesp que mensurou o impacto do Custo Brasil nos preços dos bens industriais nacionais, comparativamente a 15 dos principais parceiros comerciais do país, no período de 2008 a 2019. (…) O Custo Brasil nada mais é do que a diferença entre o custo sistêmico de se produzir no país em relação a outros países”. Para chegar a esse resultado, o estudo compara a diferença de custos de produção entre uma empresa no Brasil e outra com características similares operando no exterior. Disponível em: https://www.fiesp.com.br/noticias/custo-brasil-encarece-os-bens-industriais-brasileiros-em-254/. Acesso em: 12 set. 2022.

[3] Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 5ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 500.

[4] Cf. BIFANO, Elidie Palma. Análise das obrigações acessórias. Estudo inédito realizado pela Associação Comercial de São Paulo em parceria com a PricewaterhouseCoopers — PwC. São Paulo: Janeiro 2012, p. 38.

[5] PLP 178/2021 — O Projeto de Lei Complementar 178/21 institui o Estatuto Nacional de Simplificação de Obrigações Tributárias Acessórias, cria a Nota Fiscal Brasil Eletrônica (NFB-e) e a Declaração Fiscal Digital (DFD). Em análise na Câmara dos Deputados, o texto também unifica cadastros fiscais no Registro Cadastral Unificado.

Caio Augusto Takano é advogado, professor de Direito Tributário da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie e doutor e mestre em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo (USP).

Claudia Abrosio é advogada tributarista no escritório Ayres Ribeiro Advogados, mestre em Direito Constitucional e Processual Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet).

Revista Consultor Jurídico, 26 de setembro de 2022, 15h13

União estima possível perda de R$ 1,46 trilhão com ações tributárias

Dentre as ações contra a União classificadas como de risco possível ou provável de derrota nos tribunais superiores, 68% são tributárias. As demandas equivalem a R$ 1,46 trilhão, ou 75% da receita prevista no orçamento do governo federal deste ano.

Quase 90% do valor se refere ao eventual impacto de sete processos que tramitam no Supremo Tribunal Federal e envolvem PIS e Cofins. As informações são da Folha de S.Paulo.

Os números estão no Anexo de Riscos Fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2023. Os dados levam em conta o valor estimado no final de 2021.

A exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins — a chamada “tese do século”, definida pelo STF em 2017 e modulada no último ano — possui um impacto estimado de R$ 533 bilhões com compensações e restituições.

Em seguida, a ação com o maior valor em discussão é a que discute quais despesas podem ser enquadradas no conceito de insumos para fins de créditos de PIS e Cofins. O governo federal estima uma perda de R$ 473 bilhões com a demanda. Ela chegou a ser pautada para julgamento virtual no último ano, mas foi retirada.

Além disso, os riscos fiscais abrangem alguns julgamentos derivados da “tese do século”, ainda sem previsão de resolução. Os principais são a inclusão de PIS e Cofins na sua própria base de cálculo (estimativa de impacto de R$ 65,7 bilhões) e a inclusão do ISS na mesma base (possível impacto de R$ 35,4 bilhões).

A proposta de reforma tributária apresentada ao Congresso pelo Ministério da Economia em 2020 prevê a substituição do PIS e da Cofins pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), sem as restrições questionadas atualmente na Justiça. O projeto determina que ICMS, ISS e a própria CBS não compõem a base de cálculo do tributo.

Já as propostas de reforma tributária da Câmara e do Senado, que tramitam desde 2019, buscam a incorporação do PIS e da Cofins em um novo imposto sobre consumo, que incluiria também ICMS, ISS e IPI. Todas as mudanças estão paradas, por falta de acordo.

Revista Consultor Jurídico, 26 de setembro de 2022, 16h48

ARTIGO DA SEMANA – Propostas de Alteração do Código Tributário Nacional

O destaque desta semana fica por conta do resultado dos trabalhos da Comissão de Juristas instaurada pelo Senado Federal com vistas a promover alterações no processo administrativo e tributário nacional, conforme noticiamos aqui em 08/09/2022 e 21/09/2022.

Em consequência, foram apresentados Anteprojetos de Lei que resultaram no Projetos de Lei Complementar nº 124 e 125/2022 (PLP 124 e 125/2022), bem como sete Projetos de Lei  (PLs 2481, 2483, 2484, 2485, 2486, 2488 e 2490), todos de autoria do Senador Rodrigo Pacheco, Presidente do Senado Federal. 

Nesta oportunidade, analisaremos o PLP 124/2022, que promove alterações no Código Tributário Nacional (CTN).

O PLP 124/2022 introduz novos dispositivos ao CTN, altera a redação de outros e, curiosamente, não revoga nenhum dispositivo do Código. 

Lamentavelmente, o PLP 124/2022 passou ao largo dos Capítulos IV e V, do Livro Segundo CTN, salvo alteração pouco ousada introduzida ao artigo 138. Enfim, perdemos mais uma chance de dar um melhor tratamento à parte do Código dedicada à sujeição passiva, reconhecida pela quase unanimidade da doutrina como o trecho de pior redação da Lei Complementar Tributária.

O PLP 124/2022 introduz ao CTN um artigo 113-A com dois parágrafos para tratar das penalidades pecuniárias.

De acordo com o caput do art. 113-A, as multas por descumprimento de obrigações principais e acessória deverão observar o princípio da razoabilidade e guardar relação de proporcionalidade com a infração praticada pelo sujeito passivo.

Os §§1º e 2º do art. 113-A estipulam um valor máximo a ser observado na fixação de penalidades pecuniárias, de modo que as multas decorrentes de procedimento de ofício não poderão ser superiores ao valor do tributo exigido “ou do crédito cuja fiscalização tiver sido afetada pela desconformidade ou pelo atraso na prestação das informações pelo sujeito passivo”. Também fica estabelecido que a multas por dolo, fraude, simulação, sonegação ou conluio – também chamadas de multas qualificadas – não poderão ser superiores ao dobro da multa originalmente aplicada.

Até aí o PLP 124/2022 traz louvável modificação ao Direito Positivo, incorporado ao Código aquilo que já é uma tendência nos Tribunais, valendo a pena destacar os julgamentos, pelo STF, da ADI 551 (Ilmar Galvão, DJ de 14/02/2003), do RE 657.372 (Ricardo Lewandowski, DJ de 10/06/2013) e da ADI-MC 1.075 (Celso de Mello, DJ de 24/11/2006). A questão do teto da fixação das multas, a propósito, será analisado pelo STF no julgamento de mérito do Tema 1.195, cujo RE 1.335.293, relatado pelo Min. Nunes Marques ainda não tem previsão de pauta.

Neste ponto, todavia, o PLP 124/2022 poderia ter sido mais ousado, determinando o fim da imposição das multas por informações incorretas em  declarações, arquivos magnéticos e/ou escrituração nos casos em que for possível a retificação, mesmo após intimação dirigida pela fiscalização. Ora, se o contribuinte é intimado para retificar o erro e corrige o equívoco no prazo fixado pela autoridade lançadora, exigir penalidade mesmo após a retificação, tal como ocorre no art. 62-B, II, “b”, da Lei nº 2.657/96-RJ, não estimula a conformidade à legislação tributária.

Na sequência, o PLP 124/2022 altera a redação do caput do art. 138, do CTN, para deixar claro que a denúncia espontânea também afasta a imposição da multa de mora, rechaçando qualquer interpretação de que a multa pelo atraso não tem natureza punitiva. Neste ponto, o PLP 124/2022 é digno de aplausos porque afasta terrível jurisprudência formada no STJ contrariamente aos contribuintes quanto à matéria.

Mas o PLP 124/2022 poderia ter dado dois passos além em benefício do contribuinte no tratamento da denúncia espontânea da infração.

O primeiro passo diz respeito à espontaneidade pelo cumprimento a destempo, mas antes de qualquer intimação, das obrigações acessórias. Como sempre defendemos, a redação do art. 138, do CTN, não faz distinção quanto ao cumprimento espontâneo de obrigação principal ou acessória. Pelo contrário, o dispositivo deixa claro que o pagamento do tributo devido e dos juros de mora deverá ocorrer, se for o caso. Ou seja, a próprio Código prevê que há situações em que a espontaneidade poderá ocorrer sem o pagamento do tributo devido, caso típico das obrigações acessórias. 

No entanto, a jurisprudência se consolidou em sentido contrário, vedando a aplicação do instituto da denúncia espontânea no cumprimento a destempo de obrigações acessórias, estando a matéria pacificada no STJ através de incontáveis acórdãos.

Logo, o PLP 124/2022 também poderia ter deixado expresso na lei que a denúncia espontânea também se aplica às obrigações acessórias cumpridas em atraso.

O segundo passo que poderia ter sido dado em favor do contribuinte nesta tema diz respeito à aplicação da denúncia espontânea nos casos de parcelamento de tributos em atraso.

Ora, se o objetivo do instituto – e do próprio PLP 124/2022 – é o estímulo dos contribuintes à conformidade, nada mais justo do que assegurar o afastamento da multa de mora àquele que, antes de qualquer procedimento de ofício, procura o fisco para regularizar sua situação, ainda que de forma parcelada, visto não possuir recursos para o pagamento à vista.

Então seria o caso do PLP 124/2022 aproveitar a oportunidade para modificar a jurisprudência firmada no STJ no Tema 101 dos Recursos Repetitivos.

O artigo 139-A do CTN, introduzido pelo PLP 124/2022, traz inovação que já é conhecida dos contribuintes do ICMS no Rio de Janeiro. Ao que tudo indica, os membros da Comissão de Juristas inspiraram-se no artigo 69-A, da Lei nº 2.657/96-RJ, para prever algo similar ao Aviso Amigável, previsto na legislação fluminense, estimulando o contribuinte à autorregularização do cumprimento de suas obrigações antes da realização de lançamentos de ofício.

Também merece destaque a alteração promovida ao art. 142, do CTN, que pelo PLP 124/2022, passa a contar com três parágrafos. O atual parágrafo único transformou-se no §1º e dois “novos” parágrafos foram acrescentados.

O “novo” §2º do art. 142 contém um deslize e nenhuma novidade para aqueles que conhecem a legislação tributária federal. Na verdade, à exceção do deslize, o §2º de que aqui se trata é cópia quase fiel do art. 63, caput, da Lei nº 9.430/96.

Neste art. 142, §2º, portanto, o PLP 124/2022 dispõe que “No lançamento destinado a prevenir a decadência de crédito tributário cuja exigibilidade houver sido suspensa na forma dos incisos II, IV e V do art. 151 desta Lei, não será́ cominada multa de ofício ou multa de mora a ele relativo”.

Comparado ao art. 63, da Lei nº 9.430/96, o novo §2º do art. 142 do Código inclui a vedação de imposição de multa de mora nos lançamentos realizados para prevenir a decadência, bem como afirma – e aqui está o deslize – que as multas não serão aplicadas mesmos na hipótese da exigibilidade ter sido suspensa pelo depósito do montante integral (art. 151, II, do CTN).

Ocorre que, à luz da jurisprudência pacífica do STJ, não cabe a realização de lançamento de ofício nos casos em que a exigibilidade do crédito tributário está suspensa por força do depósito do montante integral (EREsp 898.992, DJ 27/08/2007; EREsp 464.343, DJ 29/10/2007 e REsp 895.604, DJ 11/04/2008, entre outros).

O §3º introduzido ao art. 142, do CTN, nada mais é do que o art. 63, §1º, da Lei nº 9.430/96, esclarecendo que a hipótese de afastamento da penalidade nos casos especificados de suspensão da exigibilidade só terá cabimento quando o suspensão se verificar antes de qualquer procedimento de ofício, vale dizer, no mandado de segurança preventivo ou nas ações declaratórias de inexistência de relação jurídica.

A Comissão de Juristas, no que foi acompanhada pelo Senador Rodrigo Pacheco, propõe a instauração da arbitragem, quando da nomeação do árbitro, como uma das hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, num inciso VII a ser incluído ao art. 151, do CTN.

Também é proposta a inclusão de um inciso VIII ao artigo 151, de modo que a “a transação tributária, conforme decisão do representante da administração tributária, nos termos da legislação específica”, também suspenderá a exigibilidade do crédito tributário.

Neste caso, parece que o PLP 124/2022 está cometendo um equívoco, visto que a transação é hipótese de extinção do crédito tributário prevista no art. 156, III que, aliás, não foi revogado pelo Projeto.

Nesta ordem de ideias, o melhor é prever que a apresentação de pedido de transação ou a adesão à transação suspendem a exigibilidade do crédito tributário até que seja proferida decisão favorável pela autoridade administrativa competente.

O PLP 124/2022, introduzindo novo paradigma à conflituosa relação fisco-contribuinte, estimula os métodos alternativos para resolução de conflitos. Dentro deste espírito, a sentença arbitral favorável ao sujeito passivo transitada em julgado passa ser mais uma modalidade de extinção do crédito tributário (art. 156, XII).

Na sequência, o Projeto introduz um parágrafo 3º ao artigo 161 do CTN, que nada mais do que a reprodução do art. 63, §2º, da Lei nº 9.430/96, afirmando, desta vez em lei complementar nacional que, “A interposição da ação judicial favorecida com medida liminar ou antecipação de tutela interrompe a incidência da multa de mora, desde a concessão da medida judicial, até 30 dias após a data da publicação da decisão judicial que considerar devido o tributo”.

Quanto à transação tributária, o PLP incorpora ao art. 171, do CTN, as modalidades de transação previstas pelo legislador federal na Lei nº 13.988/2020.

Particularmente, pensamos que esta matéria deve ser disciplinada em lei ordinária, como aliás vem recorrendo em vários entes da federação. Disciplinar minuciosamente a transação em lei complementar pode causar engessamento e inibir o legislador ordinário de dispor de forma ampla sobre as hipóteses de acordo.

Os artigos 171-A e 171-B, no mesmo afã de introduzir soluções alternativas para a solução de litígios, dispõem que a arbitragem e a mediação serão utilizada na solução das lides tributárias.

Consequentemente, o art. 174, parágrafo único, do CTN, passa a dispor que a instauração do procedimento de mediação e a assinatura do compromisso arbitral serão causas de interrupção do prazo prescricional.

Novidade importante e muito bem-vinda é encontrada no art. 194-A e no art. 211-A, ambos estabelecendo critérios de dosimetria para a graduação das penalidades.

O artigo 194-B prevê que as decisões transitadas em julgado no STF e no STJ, em  Repercussão Geral ou nos Recursos Repetitivos favoráveis ao sujeito passivo, terão eficácia vinculante à Administração Tributária. Todavia, o Projeto prevê que a Fazenda Pública terá o prazo de 90 (noventa) dias para baixar os atos normativos necessários a adoção do que restou decidido no Tribunais Superiores.

Considerando a eficácia erga omnes e o efeito vinculante das decisões em Repercussão Geral/Recursos Repetitivos, a adoção atos administrativos normativos é totalmente desnecessária, não havendo motivo razoável para diferir a aplicação dos precedentes.

Com efeito, o PLP 124/2022 poderia aproveitar o ensejo para dispor que o reconhecimento de repercussão geral pelo relator no STF, a exemplo do disposto no art. 1.035, §5º, do Código de Processo Civil, também suspende todos os processos administrativos fiscais versando sobre a mesma matéria.

O artigo 194-C, proposto pelo PLP 124/2022, deixa expresso que o processo de consulta tributária existe, porém traz perigosa inovação ao dispor que a solução de consulta “será observada em relação a todos os demais sujeitos passivos não consulentes que se encontrem nas mesmas situações fáticas e jurídicas, nos termos da legislação específica.” 

Em seguida, o PLP 124/2022 cria todo um novo Capítulo ao Título IV do CTN (Capítulo IV) para traçar as normas gerais do processo administrativo tributário.

Coincidentemente, algumas das inovações já foram defendidas aqui.

Percebe-se entre os artigos 208-A e 208-I que o PLP 124/2022 teve forte inspiração no Decreto nº 70.235/72 – que está sendo revogado pelo PL 2483/2022. 

O art. 208-B prevê os requisitos formais de validade de m auto de infração, todavia ignora a possibilidade de lançamentos de ofícios serem materializados por outros atos administrativos, tais como as notas ou notificações de lançamento. O mesmo dispositivo não indica como requisito de validade a indicação de local e data da lavratura, mas isto pode causar confusão na identificação de possível extinção pela decadência, sobretudo quando não constar manifestação expressa da ciência pelo sujeito passivo. Considerando que as legislações dispõem sobre a autoridade competente para a constituição do crédito tributário, seria conveniente que, ao menos a indicação do cargo ou função do autuante constasse como requisito de validade.

O art. 208-C, I, prevê, desnecessariamente, que a impugnação tempestiva suspende a exigibilidade do crédito tributário. Ora, se o art. 151, III, não foi alterado, este novo inciso I não precisa existir. Os incisos II, III, IV e VI são muito bem-vindos, confirmando a existência de um duplo grau de “jurisdição” no processo administrativo fiscal, tal como previsto na melhor interpretação do artigo 5º, LV, da Constituição. 

Ainda no art. 208-C, observa-se que o inciso V merece aprimoramento. Ao dispor que a uniformização das decisões divergentes somente ocorrerá quando houver uma instância superior, o PLP 124/2022 acaba por esvaziar esta importante fase do processo administrativo fiscal, responsável pela estabilização do processo e concretização da segurança jurídica. Deste modo, o melhor é deixar expresso que haverá uma instância especial com competência para apreciar os recursos objetivando a uniformização da coletânea de julgados administrativos.

Nesta mesma ordem de ideias, devem ser ajustados o inciso III e o §1º do art. 208-D.

Digno dos maiores aplausos é o art. 208-E, que deixa definitivamente de lado a ideia de uma possível revisão, via recurso hierárquico, das decisões definitivas favoráveis ao sujeito passivo.

A exemplo do que defendemos em relação ao art. 194-B, também caberia no artigo 208-G a previsão de suspensão do processo administrativo tributário nos casos em que o relator no STF ou no STJ identificar matéria a ser apreciada pelo rito da Repercussão Geral ou dos Recursos Repetitivos.

Seria muito bom se o artigo 208-H também autorizasse a realização de intimações na pessoa do procurador ou advogado do sujeito passivo, a exemplo do que ocorre no âmbito do processo judicial.

Enfim, estas são nossas observações sobre um dos Projetos decorrentes do trabalho da Comissão de Juristas. Evidentemente, ao longo do processo legislativo serão incorporadas outras modificações ao Código que, esperamos, aprimorem nossa Norma Geral Tributária de 1966.

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