STJ decidirá sobre responsabilidade solidária do credor fiduciário na execução de IPTU do imóvel alienado

A Primeira Seção do Superior de Justiça (STJ) decidiu afetar os Recursos Especiais 1.949.182, 1.959.212 e 1.982.001, de relatoria da ministra Assusete Magalhães, para julgamento sob o rito dos repetitivos.

A questão submetida a julgamento, cadastrada como Tema 1.158 na base de dados do STJ, está assim ementada: “Definir se há responsabilidade tributária solidária e legitimidade passiva do credor fiduciário na execução fiscal em que se cobra IPTU de imóvel objeto de contrato de alienação fiduciária”. 

O colegiado determinou a suspensão – em segunda instância e no STJ – dos recursos especiais e dos agravos em recurso especial fundados na mesma questão de direito, conforme o artigo 256-L do Regimento Interno do STJ (RISTJ).

Carência na exposição dos preceitos legais para decidir sobre o tema 

No REsp 1.949.182, indicado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) como representativo da controvérsia, o município de São Paulo sustentou que o credor fiduciário é responsável pelo pagamento dos tributos incidentes sobre o imóvel objeto de alienação fiduciária, possuindo, dessa forma, legitimidade para figurar no polo passivo da execução fiscal para a cobrança do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) que onera o bem. 

O TJSP entendeu pela ilegitimidade passiva do credor fiduciário, o qual, para a corte, tem apenas a propriedade resolúvel e a posse indireta do bem tributado. 

Ao propor a afetação do tema, Assusete Magalhães ressaltou que, nos casos que envolvem essa controvérsia, os acórdãos recorridos se fundamentam em jurisprudência do tribunal de origem, “por vezes com a transcrição de ementas de julgados desfavoráveis à tese do recorrente, sem, contudo, indicar, expressamente, o preceito legal”.

Controvérsia infraconstitucional e multiplicidade de recursos 

A relatora considerou ainda que o Supremo Tribunal Federal – como apontou o município de São Paulo –, ao julgar o RE 1.320.059, correspondente ao Tema 1.139/STF, proclamou que “é infraconstitucional, a ela se aplicando os efeitos da ausência de repercussão geral, a controvérsia relativa à legitimidade passiva do credor fiduciário para figurar em execução fiscal de IPTU incidente sobre imóvel objeto de alienação fiduciária”.

Além disso, destacou que, ao tratar do caráter multitudinário da demanda, o presidente da Comissão Gestora de Precedentes e de Ações Coletivas do STJ, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, informou que foram identificados em pesquisa à jurisprudência da corte dez acórdãos e 720 decisões monocráticas proferidas por ministros da Primeira e da Segunda Turma contendo controvérsia semelhante à dos autos. 

Recursos repetitivos geram economia de tempo e segurança jurídica

O Código de Processo Civil de 2015 regula, no artigo 1.036 e seguintes, o julgamento por amostragem, mediante a seleção de recursos especiais que tenham controvérsias idênticas. Ao afetar um processo, ou seja, encaminhá-lo para julgamento sob o rito dos repetitivos, os ministros facilitam a solução de demandas que se repetem nos tribunais brasileiros. 

A possibilidade de aplicar o mesmo entendimento jurídico a diversos processos gera economia de tempo e segurança jurídica. No site do STJ, é possível acessar todos os temas afetados, bem como conhecer a abrangência das decisões de sobrestamento e as teses jurídicas firmadas nos julgamentos, entre outras informações.

Leia o acórdão de afetação do REsp 1.949.182.

Fonte: Notícias do STJ

Setor de turismo se qualifica ao Perse mesmo sem inscrição no Cadastur

Criado pela Lei 14.148/2021, o Programa Especial de Recuperação do Setor de Eventos (Perse) visa a mitigar as drásticas perdas experimentadas por esse segmento em razão da Covid-19. Em sua redação original, a lei trazia os seguintes benefícios: renegociação de dívidas fiscais e não fiscais (artigo 3º), indenização sobre a folha de salários para empresas que tiveram mais de 50% de redução no faturamento entre 2019 e 2020 (artigo 6º) e programas voltados às operações de crédito de empresas privadas dos setores críticos (artigo 8º).

São elegíveis ao Perse as pessoas jurídicas, inclusive sem fins lucrativos, que exercem direta ou indiretamente as atividades de: (1) realização ou comercialização de congressos, feiras, eventos esportivos, sociais, promocionais ou culturais, feiras de negócios, shows, festas, festivais, simpósios ou espetáculos em geral, casas de eventos, buffets sociais e infantis, casas noturnas e casas de espetáculos; (2) hotelaria em geral; e (3) administração de salas de exibição cinematográfica; e (4) prestação de serviços turísticos, conforme o artigo 21 da Lei 11.771/2008 (artigo 2º, parágrafo 1º).

Essa última lei, por sua vez (artigo 21), enquadra como serviços turísticos as atividades de: (4.1) meios de hospedagem; (4.2) agências de turismo; (4.3)transportadoras turísticas; (4.4) organizadoras de eventos; (4.5) parques temáticos; e (4.6) acampamentos turísticos, acrescentando que, “atendidas as condições próprias”, podem ainda cadastrar-se no Ministério do Turismo as sociedades empresárias que exerçam as atividades de: (4.7) restaurantes, cafeterias, bares e similares; (4.8) centros ou locais destinados a convenções e/ou a feiras e a exposições e similares; (4.9) parques temáticos aquáticos e empreendimentos dotados de equipamentos de entretenimento e lazer; (4.10)marinas e empreendimentos de apoio ao turismo náutico ou à pesca desportiva; (4.11) casas de espetáculos e equipamentos de animação turística; (4.12) organizadores, promotores e prestadores de serviços de infraestrutura, locação de equipamentos e montadoras de feiras de negócios, exposições e eventos; (4.13) locadoras de veículos para turistas; e (4.14) prestadores de serviços especializados na realização e promoção das diversas modalidades dos segmentos turísticos, inclusive atrações turísticas e empresas de planejamento, bem como a prática de suas atividades.

Voltando à Lei do Perse, tem-se que o seu artigo 2º, parágrafo 2º, prevê que ato do Ministério da Economia publicará os códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) que se enquadram na definição de setor de eventos. Em atenção ao comando foi editada a Portaria ME 7.163/2021, que enumera os CNAEs elegíveis nos Anexos I (eventos) e II (turismo) e exige, quanto a este último, que a empresa candidata aos benefícios estivesse inscrita no Cadastur na data da publicação da lei (artigo 1º, parágrafo 2º).

Pois bem: em 18/3/2022, após a derrubada do veto aposto pelo presidente da República, foi publicado o artigo 4º da lei, trazendo mais uma vantagem para as empresas enquadráveis no Perse: redução a zero, por 60 meses, das alíquotas de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins. Desde então, tem-se discutido sobre a aplicabilidade a esse novo benefício, para as empresas do setor de turismo e sobretudo para aquelas listadas nos itens 4.7 e seguintes da enumeração acima, da exigência de prévia inscrição no Cadastur.

Como visto, a inclusão de todas elas no programa passa-se exclusivamente no nível legal, decorrendo da combinação dos artigos 4º, caput, e 2º, parágrafo 1º, da Lei do Perse e do artigo 21 da Lei 11.771/2001 (caput para as listadas nos itens 4.1 a 4.6 e parágrafo único para as seguintes). É certo que o parágrafo único submete a inscrição facultativa no Cadastur das empresas ali referidas ao atendimento das “condições próprias”. Impõe-se, assim, uma análise da normativa infralegal para identificar que condições são essas. 

A matéria é tratada diretamente na Portaria MTur 38/2021, em vigor quando da promulgação das partes vetadas, a qual apenas exige inscrição no CNPJ que indique como atividade principal ou secundária uma das referidas em qualquer dos subitens do item iv da lista acima, autorizando o Ministério do Turismo a solicitar outros documentos “para averiguar a compatibilidade das atividades desenvolvidas com a constante do CNPJ” (artigo 3º, caput e parágrafo 1º). Isto é: condições inteiramente genéricas, que qualquer empresa do ramo atenderá sem dificuldade. A conclusão não se altera diante das anteriores Portarias MTur 105/2018, vigente quando da votação da lei do Perse, e 130/2011, que primeiro instituiu o Cadastur.

Nenhum acréscimo fazem os dispositivos invocados como substrato normativo da Portaria MTur 38/2021, a saber: o próprio artigo 22 da Lei 11.771/2008 (que atribui ao Executivo a competência para definir as “condições especiais”), o artigo 19 do Decreto 7.381/2010 e os artigos 10 e 11 do Decreto 946/93. A irrelevância do segundo decreto para o tema aqui discutido é nítida, por disciplinar a profissão de guia de turismo. O primeiro, que regulamenta a Lei 11.771/2008, reitera a competência do Ministério do Turismo para definir os documentos necessários à inscrição no Cadastur, exigindo apenas respeito à matriz de cadastro de cada atividade e ao CNAE (artigo 19, caput e parágrafo único) — novamente o minimum minimorum, incapaz de excluir qualquer agente que atue de maneira regular no mercado.

Em resumo: nem as leis do Perse e do turismo, nem o decreto que regulamenta esta última, nem a portaria que disciplina o Cadastur exigem a inscrição das empresas que exercem as atividades listadas nos itens 4.7 e seguintes acima, ou a condicionam à satisfação de requisitos aptos a diferenciar uma categoria especial de prestadores. Quem faz tal imposição, de forma completamente autônoma e desarrazoada _ impondo condição que não é aplicável sequer ao setor de origem do cadastro —, é apenas a Portaria ME 7.163/2021.

E assim age, claro está, para exigir tributos onde a lei os dispensa, isto é, para afastar — quanto aos contribuintes que não cumpram essa condição — a alíquota zero de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins instituída pelo legislador sem qualquer referência à inscrição no Cadastur. A ofensa ao princípio da legalidade é manifesta (Constituição, artigo 150, inciso I; CTN, artigo 97, inciso II). Ora, mesmo os decretos, editados pela autoridade máxima do Poder Executivo, devem fiel obediência às leis (Constituição, artigo 84, inciso IV; CTN, artigo 99). Muito menos poderiam inovar na ordem jurídica as chamadas normas complementares do artigo 100 do CTN, que se situam abaixo daqueles e dentre as quais estão os atos administrativos expedidos pelas autoridades administrativas (inciso I) — caso da citada portaria. 

E tem mais: ainda que a exigência de cadastramento fosse válida, tem-se que pegou os referidos contribuintes inteiramente de surpresa. Com efeito, para eles a medida sempre foi facultativa, como demonstrado, e apenas em 18/3/2022 — data da publicação dos trechos vetados da lei do Perse — teria passado a ser obrigatória para o gozo das alíquotas zero. Contudo, nos termos da Portaria ME 7.163/2021, o contribuinte deve comprovar o cumprimento da condição “na data da publicação da Lei 14.148/2021”, ou seja, desde 3/5/2021. 

A ofensa à irretroatividade (Constituição, artigo 150, inciso III, alínea “a”; CTN, artigo 105) é chapada. Trata-se, à toda evidência, de condição impossível, que deve ser tida por não escrita, por aplicação analógica dos artigos 123, inciso I, e 124 do Código Civil [1]. Essa a solução dada pelo STF em situação análoga, também relativa ao descasamento temporal entre a instituição da condição e a data em que a conduta do particular seria exigível (1ª Turma, RE 409.730/PR, relator ministro Marco Aurélio, DJ 29/4/2005).

Por fim, ainda que superadas as duas claras invalidades, um terceiro aspecto bastaria para afastar a exigência de cadastramento em 3/5/2021 para o gozo das alíquotas zero. Trata-se do nítido abalo que o requisito traz à livre concorrência, princípio geral da ordem econômica previsto no artigo 170, inciso IV, da Constituição e recentemente importado de forma expressa para o sistema tributário pelo artigo 146-A [2].

De fato, como poderiam uma empresa nova, instituída após aquela data, ou uma empresa antiga que não tenha exercido a faculdade (ou mesmo o dever, para aquelas referidas nos itens 4.1 a 4.6 da lista acima) de se inscrever no Cadastur — e que, assim, ficariam sujeitas à incidência normal de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins — concorrer com outra que, inscrita no prazo assinado pela portaria, estivesse livre dessas exações? A impossibilidade é total é basta para acarretar a inconstitucionalidade do requisito, em boa hora rechaçado pelas decisões judiciais já proferidas na matéria.


[1] “Art. 123. Invalidam os negócios jurídicos que lhes são subordinados:

I – as condições física ou juridicamente impossíveis, quando suspensivas;

(…)

Art. 124. Têm-se por inexistentes as condições impossíveis, quando resolutivas, e as de não fazer coisa impossível.”

[2] “Art. 146-A. Lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo.”

Igor Mauler Santiago é sócio-fundador do escritório Mauler Advogados, mestre e doutor em Direito Tributário pela Universidade Federal de Minas Gerais, membro da Comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB e presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Processo Tributário (IDPT).

Valdecir de Souza é advogado e contador, especialista em Direito Tributário pela FGV e sócio de Mauler Advogados.

Fonte: Conjur – 10/08/2022

Alexandre suspende decreto que reduziu IPI de concorrentes de itens da ZFM

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu os efeitos do Decreto Presidencial 11.158/2022, no ponto em que reduz as alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre produtos de todo o país e que também sejam fabricados na Zona Franca de Manaus (ZFM).

Em 6/5, o ministro já havia deferido liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade  7153 suspendendo os efeitos de outros três decretos presidenciais que reduziram as alíquotas de IPI sem medidas compensatórias para os produtos da ZFM.

O ministro atendeu pedido do partido Solidariedade, autor da ADI 7153, e do governo do Amazonas, que ajuizou as ADIs 7155 e 7159, todas questionando os três decretos presidenciais anteriores (Decretos 11.047, 11.052 e 11.055) que trataram do mesmo tema. Segundo os autores, o Decreto 11.158/2022 incidiria nos mesmos vícios de inconstitucionalidade apontados anteriormente. Eles pediram, além da extensão da liminar, o aditamento das ações para incluir a nova norma.

Modelo de desenvolvimento regional
Na decisão, o ministro observou que o novo decreto é igualmente capaz de gerar impacto no modelo de desenvolvimento regional mantido pela Constituição Federal, que assegura o tratamento diferenciado da região como compensação pelos maiores custos decorrentes dos desafios enfrentados pela indústria local, afetando, assim, a competitividade do polo.

Segundo o relator, embora 61 produtos tenham sido excepcionados da redução do IPI por serem também fabricados na ZFM (apenas 11,5% do total de 528 produtos definidos no Processo Produtivo Básico), o novo decreto reduziu linearmente o tributo de centenas de produtos produzidos no local. Além disso, consolidou em 0% a redução da alíquota incidente sobre extratos concentrados ou sabores concentrados.

Por essa razão, a seu ver, ficam mantidas as mesmas razões de inconstitucionalidade que fundamentaram a concessão da medida cautelar anterior.

O ministro salientou que, em manifestação na ADI 7159, a Procuradoria-Geral da República (PGR) afirmou que a redução das alíquotas do IPI pelos decretos, não acompanhada de medidas compensatórias à produção na Zona Franca de Manaus, tem o potencial de esvaziar o estímulo à permanência de empresas e à instalação de outras no local, comprometendo o desenvolvimento e a competitividade desse modelo econômico.

Informações
O relator solicitou informações ao presidente da República, a serem prestadas no prazo de dez dias. Em seguida, será dada vista dos autos ao advogado-geral da União e ao procurador-geral da República, sucessivamente, no prazo de cinco dias, para que se manifestem de forma definitiva sobre o mérito do tema. Com informações da assessoria de imprensa do Supremo Tribunal Federal.

Clique aqui para ler a decisão
ADI 7153

Fonte: Conjur – 09/08/2022

A instrumentalização das transações tributárias no âmbito federal

I – Do limbo após promulgação do CTN passando pela instituição dos sucessivos “Refis”
Desde a promulgação do Código Tributário Nacional (CTN), o instituto da transação tributária é previsto como modalidade de extinção do crédito, nos termos dos artigos 156, III e 171, caput. Não obstante, muito já se discutiu a respeito do cabimento constitucional deste instituto, alegando-se a indisponibilidade do interesse público e a vedação de dispor do crédito tributário, teoria reforçada pelo artigo 841 do Código Civil, que restringe a transação aos direitos patrimoniais de caráter privado.

Somente após 34 anos de promulgação da Lei 5.172/1966 — e passados 47 anos do anteprojeto de autoria de Rubens Gomes de Souza — é que foi promulgada a Lei 9.964, de 10 de abril de 2000, conversão da Medida Provisória 2.004-6/2000, que instituiu o Programa de Recuperação Fiscal, popularmente conhecido pela sigla “Refis” e iniciou uma sucessiva série de programas especiais de parcelamentos de débitos tributários federais, que previam pagamentos parcelados com descontos de multa e juros, conforme condições de adesão impostas pelo poder público. Seriam estes os primeiros modelos de transação.

De lá para cá, muitas críticas foram feitas sob a ótica da eficiência destes parcelamentos como instrumentos de política pública, seja porque premiavam o contribuinte inadimplente, seja porque incentivaram o não compliance, alegando-se, inclusive, que os parcelamentos se tornavam uma nova forma de financiamento das atividades empresariais, tanto em razão do custo de oportunidade, quanto diante da certeza de que novos programas seriam editados.

Em paralelo, a necessidade de desenvolvimento de formas inovadoras e capazes de dirimir conflitos, sobretudo as que se mostrassem mais céleres, efetivas e menos onerosas, sem incentivar condutas de não compliance, apontava a premência de se regulamentar, de forma permanente, o instituto da transação tributária.

II – Da crescente e necessária mudança de postura do Fisco
O cenário fiscal brasileiro das últimas décadas ilustra o tamanho distanciamento entre fisco e contribuintes e a dificuldade das partes dialogarem: de um lado, contribuintes buscando otimizar as questões fiscais, encontram-se desorientados e muitas vezes sequer conseguem saber quais tributos e alíquotas incidem sobre determinada operação; de outro, o fisco pressionado a arrecadar cada vez mais, cumpre seu papel punitivo, lavrando elevados autos de infração à qualquer indício de erro ou economia fiscal, contribuindo para o aumento do caos e do passivo tributário das empresas.

A necessidade de que as práticas tributárias sejam responsivas às demandas sociais já foi amplamente identificada em estudos internacionais, sendo, inclusive, recomendada por organismos como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

O estado de São Paulo foi vanguardista ao promulgar a Lei Complementar 1.320/2018, de 6/4/2018, que estabelece paradigma positivo e inovador no relacionamento entre fisco e contribuinte, orientado a facilitar, colaborar e promover o adimplemento espontâneo das obrigações tributárias instituindo o programa “Nos Conformes”, buscando tornar a administração tributária mais responsiva e sensível.

Embora as previsões da lei paulista não tenham sido inteiramente implementadas, o exemplo foi seguido pelos órgãos da administração tributária federal, a exemplo do Programa de Apoio à Conformidade Tributária (PAC/PJ) que contém orientações preventivas para que os contribuintes se adequem espontaneamente à legislação e com isso seja desnecessário instaurar procedimentos de fiscalização, bem como do “Confia” que tem como objetivo construir um novo modelo de relacionamento do fisco com os maiores contribuintes, com foco na cooperação, adesão voluntária e boa-fé.

Esses exemplos revelam uma crescente superação do legalismo exegético partindo para adoção da noção de que o direito deve ser responsivo às condutas que pretende regular mas esta realidade, contudo, ainda é incipiente em termos absolutos ao considerarmos todo território nacional.

Conforme revelam os recentes dados do Diagnóstico do Contencioso Judicial Tributário Brasileiro, estudo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) realizado pelo Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) que por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), consultou a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), a Receita Federal, 35 procuradorias estaduais e municipais e 35 fiscos subnacionais, apenas 5,76% destes órgãos adotam alguma prática de incentivo à conformidade fiscal dos contribuintes.

III – Finalmente a Lei 13.988/2020 e o início do que se espera ser uma nova era
Responsividade, tradução livre do termo em inglês responsiveness significa sensibilidade para a textura complexa da vida social. Na medida em que o direito deve ser capaz de encontrar respostas regulatórias satisfatórias a novos atores, contextos, demandas e expectativas, parece adequada a escolha legislativa que permite a adequação da legislação tributária para um novo contexto das relações entre Estado e particular inaugurado pela Lei 13.988/2020 que finalmente instituiu a transação tributária no âmbito federal.

A Lei 13.988/2020 instituiu três modalidades de transação: (1) por proposta individual ou por adesão, na cobrança de créditos inscritos na dívida ativa da União, de suas autarquias e fundações públicas, ou na cobrança de créditos que seja competência da Procuradoria-Geral da União; (2) por adesão, nos demais casos de contencioso judicial ou administrativo tributário (teses); e (3) por adesão, no contencioso tributário de pequeno valor.

No caso da adesão, a proposta já está moldada pelo poder público, enquanto na individual caberá ao contribuinte apresentar os seus termos quando sua situação concreta não se ajustar à transação por adesão, podendo o contribuinte negociá-la. Por fim, a transação por adesão também abrange o contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica, assim entendida aquela que ultrapassa os interesses subjetivos da lide.

IV – O ETA 9/22 e a recém publicada Lei 14.375/2022 que ampliou as possibilidades de transação inicialmente previstas
Em 3/5/2022 foi publicado o Edital de Transação Por Adesão (ETA) 9/22, pelo procurador-geral da Fazenda Nacional e pelo Secretário da Receita Federal do Brasil, regulando a transação por adesão no contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica referente aos débitos de pessoas naturais ou jurídicas oriundos do aproveitamento fiscal de despesas de amortização de ágio decorrente de aquisição de participações societárias, limitada às operações de incorporação, fusão e cisão ocorridas até 31/12/2017, nos termos do artigo 65 da Lei nº 12.973/14.

E mais recentemente, em 21/6/2022 foi publicada a Lei 14.375/2022 que alterou a Lei 13.988/2020, em diversas de suas disposições, incluindo na proposta individual de transação a possibilidade de transacionar os créditos ainda em discussão perante os órgãos do contencioso administrativo (Delegacias da Receita Federal de Julgamento – DRJ e o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – Carf), contribuindo para reduzir o volume atual do contencioso administrativo.

Dentre as demais inovações, vale destacar: (a) concessão de maiores descontos em multas, juros e encargos legais relativos a créditos a serem transacionados que sejam classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação, conforme critérios estabelecidos pela autoridade competente; (b) utilização de créditos de prejuízo fiscal do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e de base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), até o limite de 70% do saldo remanescente; (c) possibilidade de uso de precatórios ou de direito creditório com sentença de valor transitada em julgado para amortização de dívida tributária principal, multa e juros; e (d) incremento do valor máximo dos descontos a serem concedidos para até 65% do valor total dos créditos objeto de transação.

Após muito se discutir no âmbito de programas de parcelamento anteriores, a nova lei dispõe expressamente que não devem ser tributados pelo IRPJ, CSLL, PIS e Cofins os descontos concedidos no âmbito da transação. Tal disposição, contudo, ficou restrita aos créditos constantes das disposições do Capítulo II da Lei 13.988/2020, o que não impede que se busca a aplicação para os demais créditos transacionados, seja em razão da observância do princípio da isonomia consagrado no seu artigo 1°, § 2º, seja em razão da própria natureza dos descontos e das bases de cálculo dos tributos em questão.

Este, aliás, é o mesmo entendimento aplicável ao artigo 11-A que se buscou introduzir na Lei 13.496/2017, que instituiu o Pert, mas acabou vetado pelo presidente da República, uma vez que as razões de veto não se sustentam pois, no que tange ao PIS e à Cofins não se trata de renúncia de receita, mas simplesmente de base de cálculo das contribuições, visto que o desconto em dívida tributária não tem natureza contraprestacional, como determina a legislação aplicável.

VI – O estado atual das transações e as perspectivas de futuro
Ainda que sejam tímidas ou insuficientes, as transações tributárias recentemente positivadas inauguram uma nova lógica de atuação da administração tributária, pautada no paradigma do apoio e da colaboração, que esperamos que gradativamente substitua o modelo atual excessivamente focado na lavratura de autos de infração, que gera grande insegurança jurídica e induz o contencioso administrativo e judicial.

No último dia 7/7/2022, a Comissão de Direito Tributário do Iasp promoveu evento on line para tratar do assunto e contou com a participação de três procuradores da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. Este encontro registra a mudança da orientação institucional do órgão ocorrida nos últimos anos e seu interesse em atuar em conjunto com a advocacia privada, fomentando meios de solução de conflito para diminuição do contencioso, incentivo ao compliance fiscal e maior efetividade na recuperação de créditos para os cofres públicos [1].

Ainda, aguarda-se as diretrizes infralegais que irão regulamentar diversos institutos previstos da Lei 14.375/2022, a exemplo dos critérios que serão utilizados para aferição do grau de recuperabilidade das dívidas; os parâmetros para concessão de descontos, tais como o insucesso dos meios ordinários e convencionais de cobrança; bem como os parâmetros para aceitação da transação individual e como serão medidos e divulgados os critérios objetivos que incluem temporalidade, a capacidade contributiva do devedor e os custos da cobrança.

A par disso e das dúvidas comuns e inerentes aos novos institutos, finalmente a transação tributária foi instrumentalizada no âmbito federal e, esperamos, sirva de exemplo tanto para adoção de práticas semelhantes pelos demais órgãos da administração tributária em todas as esferas e no território nacional, quanto para o abandono das práticas de concessão reiteradas e indiscriminadas de parcelamentos especiais cujos efeitos nocivos ainda vigoram no ambiente jurídico nacional.

Fonte: Conjur 08/08/2022

Os erros do Supremo Tribunal Federal no julgamento das taxas minerárias

O Supremo Tribunal Federal encerrou o julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 4.785, 4.786 e 4.787 declarando por maioria que as leis dos estados de Minas Gerais, Pará e Amapá são constitucionais, e, portanto, são válidas as taxas de fiscalização e controle sobre a extração de minérios em seus territórios. Como a função da doutrina é doutrinar, analisando de forma crítica as decisões dos Tribunais, tecerei alguns comentários sobre esse julgamento, tomando como parâmetro básico o que foi noticiado no sitedo STF, pois o acórdão ainda não foi lavrado.Sobre a questão da proporcionalidade consta que “o colegiado considerou possível, nos três casos, que a taxa seja baseada na presunção do custo da fiscalização, porque o ônus tributário ao patrimônio do contribuinte está graduado de acordo com o faturamento do estabelecimento, com o grau de poluição potencial ou com a utilização de recursos naturais”.Há uma incorreção nessa afirmativa, pois, a considerar válido o texto acima, estão sendo colocados no mesmo balaio dois diferentes institutos, o da proporcionalidade e o do confisco. É inegável que as taxas não são confiscatórias, pois representam um valor muito baixo em comparação com o patrimônio da (maior parte) das empresas, porém isso nada tem a ver com a questão da proporcionalidade, uma vez que esta não tem correlação com o referido patrimônio. Proporcionalidade, na questão das taxas, está correlacionada à questão da equivalência, isto é, a arrecadação tem que ser suficiente para cobrir os custos fiscalizatórios, o que faz com que a correlação seja interna corporis ao Poder Público que a arrecada.No caso, está mais do que provado que essas taxas são arrecadatórias, pois geram para os cofres públicos um montante vastamente superior ao custo da fiscalização – na verdade, ao custo de várias das Secretarias estaduais envolvidas, segundo os orçamentos de cada uma delas. Logo, o argumento utilizado no julgamento não condiz com a proporcionalidade, pois foi usado um parâmetro externo àquele que deveria ser utilizado.Quanto à questão ambiental, consta que foram proferidos votos argumentando que “a taxa tem natureza extrafiscal, porque desincentiva atividades degradantes e permite ao estado que se planeje para evitar desastres ambientais”, usando como referência aos desastres ambientais de Mariana e Brumadinho em Minas Gerais, o que gera “urgência das ações de prevenção”.Penso existir outra incorreção, pois uma coisa é a fiscalização ambiental sobre um “bem de uso comum do povo” (artigo 225 da Constituição) e outra é a fiscalização minerária sobre bens da União (artigo 20, IX, da Constituição), a qual é da própria União, através da Agência Nacional de Mineração (ANM), cuja lei estabelece, de forma expressa, que a ela incumbe “a regulação e a fiscalização das atividades para o aproveitamento dos recursos minerais no país” (artigo 2º da Lei 13.575/17). Logo, a decisão misturou a frequência, atribuindo à matéria minerária regulamentação ambiental. Ademais, várias empresas estavam pagando a taxa mineral em Minas Gerais, mesmo durante a tramitação da ADI, e isso não impediu os lastimáveis desastres ambientais.Sobre o impacto social e ambiental, foi dito que “pode-se concluir que, quanto mais minério extraído, maior pode ser o impacto social e ambiental do empreendimento. Maior, portanto, deve ser o grau de fiscalização e controle do poder público”.Aqui a imprecisão no julgamento é ainda maior, pois são apontados argumentos que não dizem respeito ao ponto central em debate, qual seja, o artigo 145, parágrafo 2º, da Constituição: “As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos.“ E a quantidade de minério extraído serve como base de cálculo do ICMS, o que aponta para a violação da Constituição, sem que o STF tenha enfrentado o tema de forma direta.Sobre o exercício do poder de polícia, foi alegado que “as taxas possibilitam que os estados exerçam o poder de polícia sobre atividades em que há competência constitucional comum com a União”, e que “em razão da maior complexidade da fiscalização das mineradoras, o valor das taxas não viola o princípio da proporcionalidade, especialmente levando-se em conta os expressivos lucros dessas empresas”, afastando a alegação de confisco.Aqui a mistura de argumentos é total, o que obriga a desdobrá-los para melhor análise.O efetivo exercício do poder de polícia dá ensejo à cobrança de taxas – isso é inegável. Todavia, esse fato não tem correlação direta com “competência constitucional comum com a União” (artigo 23, XI, da Constituição), pois são coisas distintas. Nem toda fiscalização acarreta poder de polícia. Um exemplo esclarece: a Receita Federal fiscaliza os contribuintes de tributos federais, mas não exerce poder de polícia. Imagine só, caro leitor ou leitora, você passar a pagar uma taxa de fiscalização para ser fiscalizado pela Receita Federal…Logo, uma coisa é a “competência concorrente”, outra coisa é o “efetivo exercício do poder de polícia”. Poder de Polícia, na feliz expressão de Regis de Oliveira, é “o poder de dizer não”, ou seja, de autorizar ou vedar determinada atividade. Qual poder de polícia os estados possuem sobre a atividade mineral? Nenhum. Só quem o tem é a União, através da ANM. Os Estados possuem poder de polícia sobre a atividade ambiental e não sobre a mineral – mais uma confusão.Ainda sobre o mesmo tópico, alega-se que a fiscalização sobre as atividades mineradoras é “mais complexa”. Qual a complexidade em identificar as toneladas de minério extraído? Nenhuma. Servem como base de cálculo para um imposto, o ICMS, além de servirem para a cobrança da CFEM. Além disso, não é verídico que, quanto mais toneladas forem extraídas, maior deverá ser a fiscalização – a mesma quantidade de pessoas fiscaliza uma balança em que constam dez ou 100 toneladas. Logo, o argumento também não se sustenta.O último argumento neste tópico é sobre proporcionalidade e confisco, que já foi comentado acima, com a piora de que está sendo usado o lucro como parâmetro – isso implica em dizer que, havendo prejuízo, haverá proporcionalidade? A lógica jurídica não é consistente.Os argumentos dos ministros cujos votos restaram vencidos são muito mais convincentes, pois, segundo a mesma fonte, Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes e André Mendonça, reconheceram a competência dos estados para a instituição dessas taxas, porém as entenderam desproporcionais, o que geraria sua inconstitucionalidade. O ministro André Mendonça ainda acresceu, corretamente, haver bitributação, pois já há a cobrança de taxas de fiscalização ambiental sobre a atividade mineradora. O ministro Marco Aurélio já havia votado pela inconstitucionalidade da cobrança da taxa na ADI 4.785.Volto a relatar um fato: “Em um evento sobre tributação do setor mineral realizado anos atrás, ao passar por um estande montado pela secretaria estadual que cuidava da fiscalização do setor de mineração, fizeram questão de me apresentar a última novidade que estava sendo implementada — haviam comprado vários drones para efetuar a fiscalização da quantidade de minérios extraídos, reduzindo, assim, o número de servidores alocados para revisar a documentação das empresas. Perguntei: com isso, a atividade fiscalizatória ficará mais barata? Resposta: sim, claro. Nova pergunta: portanto, o valor da taxa minerária cobrada das empresas será reduzido? Ouvi gargalhadas como resposta” (leia aqui).É concreta a possibilidade de haver a proliferação na instituição de taxas minerárias por todos os estados, e, pior ainda, por todos os mais de 5.500 municípios. Os bens minerais estão no meio de nós, seja no computador ou celular no qual você está lendo este texto, seja no tijolo, cimento, areia e vidro que fazem as paredes e janelas no ambiente em que você se encontra. O impacto econômico dessa decisão, e sua possível ampliação federativa, seguramente será repassado ao consumidor.Enfim, há cerca de um ano e meio analisei a jurisprudência do STF sobre a matéria, comparando o que havia sido votado acerca das taxas hídricas e das taxas sobre petróleo e gás, com o que então estava por ser votado acerca das taxas minerárias. De forma comparativa, constata-se que a nossa mais alta Corte não cumpriu o artigo 926 do CPC: “Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”. Em matéria de taxas de fiscalização, a jurisprudência do STF não é nem estável, nem íntegra e muito menos coerente.É inegável que as decisões dos tribunais devem ser obedecidas, porém não são imunes a críticas doutrinárias, como as ora apontadas.

Fonte: Conjur – 08/08/2022

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