ARTIGO DA SEMANA – Suspensão do processo administrativo fiscal

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

Às vezes a solução de um processo administrativo fiscal depende da solução de outro processo.

Isto acontece, por exemplo, quando a matéria objeto de uma autuação do fisco (lançamento de ofício) está sendo discutida em juízo.

O fato de existir prévia discussão judicial não impede o procedimento fiscal e a futura autuação, mesmo que tenha sido deferida medida liminar ou antecipação dos efeitos da tutela.

A medida liminar e a tutela antecipada suspendem a exigibilidade do crédito tributário, mas não impedem que o fisco realize um lançamento de ofício.

Tomando conhecimento da prévia medida judicial, com ou sem o deferimento de medida liminar/tutela antecipada, o fisco deve promover o lançamento de ofício, sob pena de não mais poder fazê-lo no futuro, caso transcorra o prazo decadencial.

Realizado o lançamento, o contribuinte poderá apresentar impugnação.

Evidentemente, a impugnação não deverá enfrentar o mérito da exigência fiscal, tendo em vista que esta questão já é objeto do processo judicial.

Mas questões envolvendo a penalidade e, eventualmente, base de cálculo e alíquotas devem ser discutidas administrativamente, salvo nos em casos em que estas matérias também tenham sido objeto da medida judicial.

No entanto, a discussão das questões em que não há identidade de litígios é prematura.

Se o Judiciário decidir que o tributo não é devido, de nada adianta discutir a penalidade e/ou os aspectos valorativos (base de cálculo e alíquota).

Consequentemente, a apresentação da impugnação e todos os atos processuais administrativos subsequentes serão inócuos, resultando em desperdício de tempo e recursos, tanto do contribuinte como da Administração.

Deste modo, a melhor solução para estes casos é a suspensão do processo administrativo fiscal até que sobrevenha decisão definitiva no processo judicial.

Mas as normas reguladoras do processo administrativo fiscal não dispõem sobre a suspensão do processo.

Todavia, esta hipótese está expressamente prevista no art. 313, V, “a”, do Código de Processo Civil.

A aplicação das normas reguladoras do processo judicial ao processo administrativo fiscal é recomendável, possível e expressamente autorizada pelo art. 15, do CPC.

Além disso, a aplicação do art. 15, do CPC, aos processos administrativos federais, estaduais e municipais foi expressamente reconhecida pelo STF no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5492.

ARTIGO DA SEMANA – Crédito de ICMS na aquisição de produtos intermediários

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

Recente decisão do Superior Tribunal de Justiça divulgada aqui, representa significativo avanço na interpretação das normas acerca do crédito de ICMS sobre produtos intermediários.

No julgamento dos Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 1.775.781, a Primeira Seção do STJ, pacificando a questão, decidiu que o direito ao creditamento existe quando comprovada a necessidade do uso de produtos intermediários para a atividade-fim do contribuinte.

Esta, aliás, já era a orientação dos julgados da Primeira Turma[1] do STJ.

Deste modo, afasta-se a jurisprudência mais restritiva, segundo a qual seria necessária a comprovação do consumo do produto intermediário no processo produtivo da empresa[2].

Portanto, os produtos intermediários que sofram desgaste no processo produtivo, ainda que não consumidos e por isso mesmo não incorporados ao produtos final, não são considerados bens de uso e consumo.

Consequentemente, o crédito destes produtos intermediários pode ser imediato, não se submetendo à postergação do aproveitamento para 01/01/2033.

A decisão do EREsp 1.775.781 representa, na verdade, a melhor interpretação do artigo 20, §1º, da Lei Kandir, segundo o qual Não dão direito a crédito as entradas de mercadorias ou utilização de serviços resultantes de operações ou prestações isentas ou não tributadas, ou que se refiram a mercadorias ou serviços alheios à atividade do estabelecimento.

Ora, ao definir que o produto intermediário utilizado na atividade-fim, embora não consumido no processo produtivo, confere o direito ao ICMS relativo à sua entrada no estabelecimento, o STJ está a garantir que, para efeito de compensação do ICMS, a vedação ao crédito só deverá ter lugar quando a mercadoria for utilizada em operações subsequentes não tributadas ou, mais importante ainda, que não sejam vinculadas à atividade do estabelecimento. 

Esta decisão permite que se tenha esperança quanto à pacificação deste tema junto aos órgãos administrativos de função judicante e aos Tribunais de Justiça dos Estados, não sendo considerada como um caso isolado…


[1] TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. VIOLAÇÃO AOS ARTS.

489 e 1.022 DO CPC INOCORRÊNCIA. PRODUTOS ESSENCIAIS À ATIVIDADE FIM DA EMPRESA AINDA QUE DESGASTADOS GRADATIVAMENTE. APROVEITAMENTO DE CRÉDITOS DE ICMS. POSSIBILIDADE. VERIFICAÇÃO DA ESSENCIALIDADE. NECESSIDADE DE EXAME DE PROVAS. COMPETÊNCIA DA CORTE DE ORIGEM. MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO.

I – Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015.

II – A Corte de origem apreciou todas as questões relevantes apresentadas com fundamentos suficientes, mediante apreciação da disciplina normativa e cotejo ao posicionamento jurisprudencial aplicável à hipótese. Inexistência de omissão.

III – É legítimo o aproveitamento dos créditos de ICMS referentes à aquisição de quaisquer produtos intermediários, ainda que consumidos ou desgastados gradativamente, desde que comprovada a necessidade de utilização dos mesmos para a atividade fim da empresa.

Precedentes.

IV – Provido o recurso especial para estabelecer nova premissa, impõe-se o retorno dos autos, a fim de que o tribunal de origem decida acerca do direito ao aproveitamento de créditos considerando a essencialidade dos produtos questionados para a realização da atividade fim do objeto social do estabelecimento empresarial.

V – Em regra, descabe a imposição da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015 em razão do mero desprovimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso.

VI – Agravo Interno improvido.

(AgInt no REsp n. 2.053.167/RS, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 14/8/2023, DJe de 16/8/2023.)

[2] TRIBUTÁRIO ? PROCESSUAL CIVIL ? ICMS ? PRODUTOS INTERMEDIÁRIOS UTILIZADOS NO PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO ? IMPOSSIBILIDADE DE CREDITAMENTO DE ICMS ? ARTIGO 20 DA LC 87/96 ? AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA.

1. A controvérsia essencial dos autos restringe-se ao direito de crédito do ICMS, na hipótese da aquisição de bens que sofrem desgaste ao longo da cadeia produtiva.

2. Dos autos, verifica-se que a matéria infraconstitucional supostamente violada no recurso especial, qual seja, art. 20 da LC n. 87/96, não foi objeto de análise por parte do Tribunal de origem, razão pela qual ausente o necessário prequestionamento. Assim, incide no caso o disposto no enunciado 211 da Súmula do STJ.

3. No tocante à alínea ?c?, é de reconhecer que o dissídio jurisprudencial alegado não restou adequadamente apresentado, pois o recorrente não demonstrou as circunstâncias identificadoras da discordância entre o caso confrontado e o aresto paradigma, vindo em desacordo com o estabelecido nos artigos 541 do Código de Processo Civil e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ, e com o entendimento pacificado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

4. Ad argumentum, mesmo se presente o necessário prequestionamento, a agravante não lograria êxito em sua pretensão. Em outros termos, no que tange ao direito de crédito de ICMS, oriundo dos denominados produtos intermediários, isto é, aqueles utilizados no processo industrial, far-se-ia fundamental a sua integração ao produto final, ou seja, consumidos no processo de forma imediata e integral.

Hipótese não configurada nos autos.

Agravo regimental improvido.

(AgRg no REsp n. 738.905/RJ, relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 7/2/2008, DJ de 20/2/2008, p. 128.)

ARTIGO DA SEMANA – Há 35 anos…

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

Há 35 anos foi promulgada a atual Constituição da República.

Batizada de Constituição Cidadã, a CF/88 trouxe importantes avanços quanto aos direitos e garantias, individuais e coletivos.

Trouxe também um novo Sistema tributário, já deixando claro que só entraria em vigor em março de 1989.

Tributos antigos foram extintos.

Novos tributos nasceram em 05/10/1988.

Outros permaneceram, embora com alterações aqui e acolá.

De lá pra cá, a Constituição foi emendada.

Muito emendada. 

Quase remendada.

131 Emendas Constitucionais + 6 Emendas Constitucionais de Revisão.

Daqui a pouco serão tantas Emendas quantos os artigos da Constituição…

Nem o que era para ser transitório (ADCT) ficou sem Emenda.

Emendas também extinguiram tributos novos, nascidos em 1988, que começaram a engatinhar em 01/03/1989.

Emendas criaram tributos para fazer companhia àqueles nascidos em 1988, afinal de contas toda família tende a crescer…

Emendaram a “Constituição Tributária” para constitucionalizar o que o Judiciário disse que era inconstitucional. 

Ainda não houve Emenda para desonerar totalmente as exportações dos tributos incidentes em todas as etapas do ciclo produtivo.

Também não surgiu Emenda para desonerar o investimentos.

Nem de longe se vê uma Emenda prevendo um Sistema Tributário Nacional simples, racional e que funcione sem Emendas.

O Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) continua, por força da Constituição de 1988, com a companhia da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). A União, egoísta, não abre mão de tributar a renda através de exação que não divida com ninguém.

O Imposto de Importação também não sofre de solidão. Está sempre de mãos dadas com o ICMS, ISS, PIS, COFINS e, muitas vezes, com o IPI.

O consumo sempre está lotado. ICMS, ISS, PIS, COFINS, IPI e CIDE ocupam todo o espaço.

Mais uma Emenda vem aí.

Mudanças na tributação do consumo estão a caminho, com um leve toque na tributação do patrimônio.

Se o Sistema Tributário Nacional, como o próprio nome diz, é um sistema, não faz sentido mexer numa parte sem recauchutar todo o pneu. 

A nova tributação do consumo, do jeito que está se desenhando, vai durar pouco. Novas Emendas surgirão para corrigir falhas graves.

O retoque na tributação do patrimônio que está surgindo representa, mais uma vez, a constitucionalização do que a Justiça afirmou ser inconstitucional: incidência de IPVA sobre embarcações e aeronaves.

Por que não reformar todo o Sistema?

Por que  emendar às pressas?

Por que já propor um IVA que não será IVA?

Por que desperdiçar a oportunidade de fazer a Reforma Tributária mais próxima do ideal?

Por que lei complementar nacional para instituir imposto da competência dos Estados e Municípios?

A conferir o que virá nos próximos 35 anos…

ARTIGO DA SEMANA – Novo tratamento da multa qualificada

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

A Lei nº 14.689/2023 trouxe importante alteração na chamada multa de ofício de qualificada.

A multa qualificada é aquela exigida em razões de condutas praticadas pelo contribuinte com nítido propósito fraudulento.

O inciso II, do art. 44, da Lei nº 9.430/96, estabelece que a qualificação da multa somente pode ocorrer nos casos de evidente intuito de fraude, definidos nos arts. 7172 e 73 da Lei nº 4.502/1964.

Em sua redação original, o art. 44, da Lei nº 9.430/96, previa a multa qualificada em 150% da exigência fiscal.

Pela nova redação conferida pelo art. 8º[1], da Lei nº 14.689/2023, a multa qualificada será de 100% (cem por cento) sobre a totalidade ou a diferença de imposto ou de contribuição objeto do lançamento de ofício e de 150% (cento e cinquenta por cento), nos casos em que verificada a reincidência do sujeito passivo.

A reincidência ocorrerá quando, no prazo de 2 (dois) anos, contado do ato de lançamento em que tiver sido imputada a ação ou omissão tipificada nos arts. 7172 e 73 da Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964, ficar comprovado que o sujeito passivo incorreu novamente em qualquer uma dessas ações ou omissões.

Nunca é demais lembrar que a qualificação da multa de ofício não pode ser aplicada livremente pelo fisco, sobretudo porque é exigida mediante lançamento de ofício, ato administrativo de natureza vinculada, de acordo com o que prevê o art. 142, do Código Tributário Nacional. 

Os órgãos administrativos de função judicante sempre afirmaram que a imposição da multa qualificada exige cautelas.

Desde a época do Primeiro Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, já se decidia que para a imposição da multa de ofício qualificada é necessário que haja descrição e inconteste comprovação da ação ou omissão dolosa, na qual fique evidente o intuito de sonegação, fraude ou conluio (Acórdão 104-18653. Data da Sessão: 19/03/2002. Relator: Remis Almeida Estol).

O CARF também tem se posicionado de maneira vigilante sobre a matéria, igualmente decidindo pela necessidade de comprovação das condutas descritas nos arts. 7172 e 73 da Lei nº 4.502/1964:

IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA JURÍDICA (IRPJ) Ano-calendário: 2004, 2005 INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. PRESUNÇÃO DE OMISSÃO DE RECEITAS. Basta ao fisco demonstrar a existência de depósitos bancários de origens não comprovadas para que se presuma, até prova em contrário, a cargo do contribuinte, a ocorrência de omissão de rendimentos, nos termos do artigo 42, da Lei nº 9.430/96. Trata-se de presunção legal do tipo juris tantum e, portanto, cabe ao fisco comprovar apenas o fato definido na lei como necessário e suficiente ao estabelecimento da presunção, para que fique evidenciada a omissão de rendimentos. APLICAÇÃO DE MULTA QUALIFICADA. AUSÊNCIA DE CARACTERIZAÇÃO DE CONDUTA DOLOSA. A autoridade fiscal não logrou êxito em comprovar que a contribuinte teria praticado quaisquer das condutas dolosas descritas nos artigos 71, 72 e 73 da Lei nº 4.502/64. Nos termos da Súmula CARF nº 14, o simples fato da existência de omissão de receitas não autoriza a aplicação de multa qualificada prevista no artigo 44, § 1º da Lei nº 9.430/96. LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA DE PRÁTICA DOLOSA. Descaracterizada a ocorrência de dolo por parte do sujeito passivo, o prazo decadencial rege-se pela regra do § 4º do artigo 150 do CTN e não do artigo 173, I, do CTN. TRIBUTAÇÃO REFLEXA. CSLL. PIS. COFINS. Dada a íntima relação de causa e efeito, aplica-se aos lançamentos reflexos o decidido no principal. 

(CARF 19515004878201022 1201-004.785, Relator: Gisele Barra Bossa, Data de Julgamento: 14/04/2021, Data de Publicação: 11/05/2021)

PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL Ano-calendário: 2010, 2011, 2012 AUTO DE INFRAÇÃO. NULIDADE. INOCORRÊNCIA Não procedem as arguições de nulidade quando não se vislumbram nos autos quaisquer das hipóteses previstas no art. 59 do Decreto nº 70.235, de 1972. LIMITES DA LIDE. EXCLUSÃO DO SIMPLES NACIONAL. MATÉRIA FORA DO LITÍGIO No processo administrativo fiscal em questão não está em discussão a exclusão do sujeito passivo do SIMPLES, matéria decidida em outro processo. ASSUNTO: CONTRIBUIÇÃO PARA O PIS /PASEP Ano-calendário: 2010, 2011, 2012 ARGUMENTOS DE INCONSTITUCIONALIDADE. PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO CONFISCO. SÚMULA Nº 2 DO CARF. O CARF não é competente para se pronunciar sobre a inconstitucionalidade de lei tributária, em conformidade com a Súmula nº 2 do CARF. MULTA DE OFÍCIO QUALIFICADA. IMPROCEDÊNCIA. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE FRAUDE OU SONEGAÇÃO. A qualificação da multa somente pode ocorrer quando a autoridade fiscal provar de modo inconteste, o dolo por parte da contribuinte, condição imposta pela lei. Não estando comprovado com elementos contundentes o intuito de fraude, deve ser afastada a aplicação da multa qualificada. REPRESENTAÇÃO FISCAL PARA FINS PENAIS. SÚMULA CARF Nº 28.O CARF não é competente para se pronunciar sobre controvérsias referentes ao Processo Administrativo de Representação Fiscal para Fins Penais (Súmula CARF nº 28). CONTRIBUIÇÃO PARA O FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL (COFINS) Ano-calendário: 2010, 2011, 2012 ARGUMENTOS DE INCONSTITUCIONALIDADE. PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO CONFISCO. SÚMULA Nº 2 DO CARF. O CARF não é competente para se pronunciar sobre a inconstitucionalidade de lei tributária, em conformidade com a Súmula nº 2 do CARF. MULTA DE OFÍCIO QUALIFICADA. IMPROCEDÊNCIA. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE FRAUDE OU SONEGAÇÃO. A qualificação da multa somente pode ocorrer quando a autoridade fiscal provar de modo inconteste, o dolo por parte da contribuinte, condição imposta pela lei. Não estando comprovado com elementos contundentes o intuito de fraude, deve ser afastada a aplicação da multa qualificada. REPRESENTAÇÃO FISCAL PARA FINS PENAIS. SÚMULA CARF Nº 28. O CARF não é competente para se pronunciar sobre controvérsias referentes ao Processo Administrativo de Representação Fiscal para Fins Penais (Súmula CARF nº 28). 

(CARF 10665720970201550 3201-007.634, Relator: LEONARDO VINICIUS TOLEDO DE ANDRADE, Data de Julgamento: 15/12/2020, Data de Publicação: 15/01/2021)

Portanto, mesmo com a atual disciplina, é preciso ficar atento à imposição da multa qualificada.

Uma última observação: a multa qualificada de 150% será objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal porque o RE 736.090[2] já teve sua repercussão geral reconhecida e aguarda julgamento do mérito pelo Plenário. 


[1] Art. 8º O art. 44 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 44. ………………………………………………………………………

……………………………………………………………………………………………

§ 1º O percentual de multa de que trata o inciso I do caput deste artigo será majorado nos casos previstos nos arts. 7172 e 73 da Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964, independentemente de outras penalidades administrativas ou criminais cabíveis, e passará a ser de:

……………………………………………………………………………………………

VI – 100% (cem por cento) sobre a totalidade ou a diferença de imposto ou de contribuição objeto do lançamento de ofício;

VII – 150% (cento e cinquenta por cento) sobre a totalidade ou a diferença de imposto ou de contribuição objeto do lançamento de ofício, nos casos em que verificada a reincidência do sujeito passivo.

§ 1º-A. Verifica-se a reincidência prevista no inciso VII do § 1º deste artigo quando, no prazo de 2 (dois) anos, contado do ato de lançamento em que tiver sido imputada a ação ou omissão tipificada nos arts. 7172 e 73 da Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964, ficar comprovado que o sujeito passivo incorreu novamente em qualquer uma dessas ações ou omissões.

§ 1º-B. (VETADO).

§ 1º-C. A qualificação da multa prevista no § 1º deste artigo não se aplica quando:

I – não restar configurada, individualizada e comprovada a conduta dolosa a que se referem os arts. 7172 e 73 da Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964;

II – houver sentença penal de absolvição com apreciação de mérito em processo do qual decorra imputação criminal do sujeito passivo; e

III – (VETADO).

§ 1º-D. (VETADO);

§ 2º  (VETADO).

……………………………………………………………………………………………

§ 6º (VETADO).

§ 7º (VETADO)

[2] Tema 863, relator Min. Dias Toffoli: Recurso extraordinário em que se discute, à luz do art. 150, IV, da Constituição Federal, a razoabilidade da aplicação da multa fiscal qualificada em razão de sonegação, fraude ou conluio, no percentual de 150% sobre a totalidade ou diferença do imposto ou contribuição não paga, não recolhida, não declarada ou declarada de forma inexata (atual § 1º c/c o inciso I do caput do art. 44 da Lei 9.430/1996), tendo em vista a vedação constitucional ao efeito confiscatório.

ARTIGO DA SEMANA – Dispensa de garantia na discussão judicial dos créditos decididos favoravelmente à Fazenda Pública pelo voto de qualidade

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

A recente Lei nº 14.689/2023 (D.O.U. de 21/09/2023), que restabeleceu o voto de qualidade nos julgamentos do CARF em favor do fisco, trouxe importante alteração no processo judicial tributário.

Entre as compensações pela supressão do voto de qualidade em favor dos contribuintes, o art. 4º[1] da nova lei prevê que “Aos contribuintes com capacidade de pagamento, fica dispensada a apresentação de garantia para a discussão judicial dos créditos resolvidos favoravelmente à Fazenda Pública pelo voto de qualidade…”

Ou seja: os embargos à execução fiscal originária de uma exigência fiscal mantida pelo novo voto de qualidade pelo CARF poderão ser opostos sem prévia garantia do juízo desde que o embargante seja contribuinte com capacidade de pagamento.

Algumas observações devem ser feitas ao caput do art. 4º, da Lei nº 14.689/2023.

A primeira é que, embora cuide de situação excepcional decorrente de exigência fiscal mantida pelo voto de qualidade pró fisco, trata-se de inegável norma processual, estabelecendo regras para o processamento dos embargos à execução fiscal.

Logo, melhor seria que esta dispensa da garantia do juízo ocorresse através de alteração na Lei nº 6.830/80, que regula a execução fiscal.

A segunda: por mais paradoxal que pareça, ao dispensar a garantia para a discussão judicial oriunda de crédito tributários decorrentes de decisão pelo voto de qualidade fiscalista, o legislador indica uma mitigação na presunção de legitimidade da decisão do CARF favorável ao fisco.

Ora, se a decisão pelo voto de qualidade em favor do fisco gozasse de presunção de legitimidade, a prévia apresentação de garantia seria de rigor, tendo em vista o elevado grau de certeza do crédito exequendo e o legítimo interesse do fisco em receber o que lhe é devido. Em outras palavras: se a decisão que prevaleceu o CARF realmente é a mais acertada, caberia ao fisco adotar providências que garantam maior efetividade quanto ao recebimento do crédito, e não o contrário.

Terceira: conferir o privilégio da dispensa de garantia aos contribuintes com capacidade de pagamento não é medida justa porque viola a isonomia entre os pagadores de tributos e, em última análise, agride o princípio da capacidade contributiva.

Considerando que a Lei de Execuções Fiscais estabelece a prévia garantia do juízo como condição para a oposição de embargos, dispensar este ônus justamente àqueles que têm capacidade de pagamento é o mesmo que conferir tratamento favorecido a quem não precisa, porque os contribuintes abastados têm acesso a seguros-garantias e/ou fianças bancárias com facilidade, coisa que não acontece com os devedores de baixa ou nenhuma capacidade de pagamento.

Ainda que se considere o art. 4º, §2º, da Lei nº 14.689/2023, nada justifica dar tratamento privilegiado àquele que: i) apresente relatório de auditoria independente sobre as demonstrações financeiras, caso seja pessoa jurídica; ii) apresente relação de bens livres e desimpedidos para futura garantia do crédito tributário, em caso de decisão desfavorável em primeira instância; iii) comunique à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a alienação ou a oneração dos bens e apresente outros bens livres e desimpedidos para fins de substituição daqueles, sob pena de propositura de medida cautelar fiscal; e iv) não possua outros créditos para com a Fazenda Pública, presentes e futuros, em situação de exigibilidade.

O critério justo para a dispensa de garantia para a oposição de embargos, muito pelo contrário, deve ser a inexistência de patrimônio suficiente como, aliás, reconhece a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça[2], sendo injusta, portanto, a discriminação autorizada pela Lei nº 14.689/2023.

Com efeito, a previsão do art. 4º, §2º, II e III, da Lei nº 14.689/2023, é totalmente dispensável.

Não faz o menor sentido impor ao executado/embargante o ônus de apresentar relação de bens livres e desimpedidos para futura garantia do crédito tributário em caso de decisão desfavorável em primeira instância e muito menos de comunicar à PGFN a alienação ou a oneração destes, sob pena de propositura de medida cautelar fiscal.

Nos termos do art. 185 e parágrafo único, do Código Tributário Nacional, presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens realizada pelo sujeito passivo de crédito inscrito em dívida ativa, salvo se forem reservados bens suficientes para a satisfação da Fazenda.

Logo, na hipótese de ser possível alienar ou onerar bens, o patrimônio suficiente para garantir o crédito tributário já estará reservado e ninguém, em sã consciência, irá adquiri-lo. Mesmo que, ainda assim, todos os bens do devedor sejam alienados, é evidente que os negócios jurídicos posteriores serão ineficazes e não resultarão em nenhum prejuízo à Fazenda Pública que, inclusive, poderá requerer a desconsideração destas transações.

Finalmente, a fim de mitigar a situação daqueles que ficam obrigados a apresentar garantia após decisão do CARF que, pelo voto de qualidade, mantenha a exigência fiscal, a Lei nº 14.689/2023 prevê que não será admitida a execução da garantia até o trânsito em julgado da medida judicial, ressalvados os casos de alienação antecipada previstos na legislação.

Trata-se de medida de pouca eficácia na pragmática judicial, tendo em vista serem raros os casos de execução provisória de sentenças pela improcedência de embargos à execução fiscal.

Enfim, como se não bastasse a reintrodução do voto de qualidade em desfavor do contribuinte, a Lei nº 14.689/2023 peca pela injustiça, má técnica legislativa e redundância.


[1] Art. 4º- Aos contribuintes com capacidade de pagamento, fica dispensada a apresentação de garantia para a discussão judicial dos créditos resolvidos favoravelmente à Fazenda Pública pelo voto de qualidade previsto no § 9º do art. 25 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972.

§ 1º O disposto no caput deste artigo não se aplica aos contribuintes que, nos 12 (doze) meses que antecederam o ajuizamento da medida judicial que tenha por objeto o crédito, não tiveram certidão de regularidade fiscal válida por mais de 3 (três) meses, consecutivos ou não, expedida conjuntamente pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

§ 2º Para os fins do disposto no caput deste artigo, a capacidade de pagamento será aferida considerando-se o patrimônio líquido do sujeito passivo, desde que o contribuinte:

I – apresente relatório de auditoria independente sobre as demonstrações financeiras, caso seja pessoa jurídica;

II – apresente relação de bens livres e desimpedidos para futura garantia do crédito tributário, em caso de decisão desfavorável em primeira instância;

III – comunique à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a alienação ou a oneração dos bens de que trata o inciso II deste parágrafo e apresente outros bens livres e desimpedidos para fins de substituição daqueles, sob pena de propositura de medida cautelar fiscal; e

IV – não possua outros créditos para com a Fazenda Pública, presentes e futuros, em situação de exigibilidade.

§ 3º Nos casos em que seja exigível a apresentação de garantia para a discussão judicial de créditos resolvidos favoravelmente à Fazenda Pública pelo voto de qualidade previsto no § 9º do art. 25 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, não será admitida a execução da garantia até o trânsito em julgado da medida judicial, ressalvados os casos de alienação antecipada previstos na legislação.

§ 4º O disposto neste artigo não impede a celebração de negócio jurídico ou qualquer outra solução consensual com a Fazenda Pública credora que verse sobre a aceitação, a avaliação, o modo de constrição e a substituição de garantias.

§ 5º Caberá ao Procurador-Geral da Fazenda Nacional disciplinar a aplicação do disposto neste artigo.

[2] PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS DO DEVEDOR. EXECUTADO. BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. PATRIMÔNIO. INEXISTÊNCIA. HIPOSSUFICIÊNCIA. EXAME. GARANTIA DO JUÍZO. AFASTAMENTO. POSSIBILIDADE.

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4. A Constituição Federal de 1988, por sua vez, resguarda a todos os cidadãos o direito de acesso ao Poder Judiciário, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, CF/88), tendo esta Corte Superior, com base em tais princípios constitucionais, mitigado a obrigatoriedade de garantia integral do crédito executado para o recebimento dos embargos à execução fiscal, restando o tema, mutatis mutandis, também definido na Primeira Seção, no julgamento do REsp 1.127.815/SP, na sistemática dos recursos repetitivos.

5. Nessa linha de interpretação, deve ser afastada a exigência da garantia do juízo para a oposição de embargos à execução fiscal, caso comprovado inequivocadamente que o devedor não possui patrimônio para garantia do crédito exequendo.

6. Nada impede que, no curso do processo de embargos à execução, a Fazenda Nacional diligencie à procura de bens de propriedade do embargante aptos à penhora, garantindo-se posteriormente a execução.

7. Na hipótese dos autos, o executado é beneficiário da assistência judiciária gratuita e os embargos por ele opostos não foram recebidos, culminando com a extinção do processo sem julgamento de mérito, ao fundamento de inexistência de segurança do juízo.

8. Num raciocínio sistemático da legislação federal aplicada, pelo simples fato do executado ser amparado pela gratuidade judicial, não há previsão expressa autorizando a oposição dos embargos sem a garantia do juízo.

9. In casu, a controvérsia deve ser resolvida não sob esse ângulo (do executado ser beneficiário, ou não, da justiça gratuita), mas sim, pelo lado da sua hipossuficiência, pois, adotando-se tese contrária, “tal implicaria em garantir o direito de defesa ao “rico”, que dispõe de patrimônio suficiente para segurar o Juízo, e negar o direito de defesa ao “pobre”.

10. Não tendo a hipossuficiência do executado sido enfrentada pelas instâncias ordinárias, premissa fática indispensável para a solução do litígio, é de rigor a devolução dos autos à origem para que defina tal circunstância, mostrando-se necessária a investigação da existência de bens ou direitos penhoráveis, ainda que sejam insuficientes à garantia do débito e, por óbvio, com observância das limitações legais.

11. Recurso especial provido, em parte, para cassar o acórdão recorrido.

(REsp n. 1.487.772/SE, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 28/5/2019, DJe de 12/6/2019.)

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