ARTIGO DA SEMANA –  A celeuma do ICMS-ST em operações bebidas no RJ

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Membro da Comissão de Direito Financeiro e Tributário do IAB. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

A celeuma envolvendo a suspensão (ou não) da substituição tributária do ICMS em operações com água mineral ou potável envasada, leite, laticínios e correlatos, vinhos, vinhos espumosos nacionais, espumantes, filtrados doces, sangria, sidras, cavas, champagnes, proseccos, cachaça, aguardente e outras bebidas destiladas ou fermentadas, no RJ ganhou novo capítulo com a decisão do Min. Alexandre de Moraes  no Agravo em Recurso Especial nº 1.487.482[1] que, numa tacada, acolheu recurso do Estado do Rio de Janeiro e julgou improcedente a Representação de Inconstitucionalidade proposta pela ASSOCIAÇÃO DE ATACADISTAS E DISTRIBUIDORES DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.

A controvérsia tem origem na Lei Estadual nº 9.428/2021 que, em seu artigo 1º, alterou o art. 22, da Lei nº 2.657/96, que passou a ter a seguinte redação:

“Art. 22. Ficam sujeitas ao regime de substituição tributária as operações com as mercadorias listadas no Anexo Único. 

Parágrafo Único – No que se refere às mercadorias listadas nos números 03, 39, 40 e 72 do anexo único desta lei: 

I – fica suspensa a aplicação do regime de substituição tributária nas operações de saída interna de água mineral ou potável envasada, leite, laticínios e correlatos, vinhos, vinhos espumosos nacionais, espumantes, filtrados doces, sangria, sidras, cavas, champagnes, proseccos, cachaça, aguardente e outras bebidas destiladas ou fermentadas, quando produzidos por cachaçarias, alambiques ou por estabelecimentos industriais localizados no Estado do Rio de Janeiro.” 

Por este dispositivo, fica claro que o legislador estadual retirou da substituição tributária do ICMS: (a) as saídas internas, (b) com as mercadorias que especificou e (c) desde que tais saídas sejam promovidas por estabelecimentos industriais localizados no território fluminense.

A Lei nº 9.428/2021 também possui um artigo 2º, com a seguinte redação:

Art. 2º- No Regulamento do ICMS – RICMS -, Decreto no 27.427, de 17 de novembro de 2000, ANEXO I, que lista as mercadorias sujeitas ao regime de substituição tributária nas operações internas e interestaduais constará a informação de que para os itens 03, 39, 40 e 72 está suspensa a aplicação do regime de substituição tributária nas operações internas. 

Este art. 2º foi originalmente vetado pelo Governador, mas teve o veto derrubado pela ALERJ.

Meses depois, surgiu o Decreto nº 48.039/2022 que, a título de regulamentação da Lei nº 9.428/2021, dispôs o seguinte em seu artigo 1º:

Art. 1º – A suspensão da aplicação do regime de substituição tributária nas operações de saída interna dos itens 03, 39, 40 e 72, do Anexo I, do Regulamento do ICMS – RICMS, Decreto no 27.427, de 17 de novembro de 2000, se aplica a todos os produtos, sejam eles produzidos no Estado do Rio de Janeiro ou não. 

O art. 1º, do Decreto nº 48.039/2022 promoveu inovação face ao disposto na Lei nº 9.428/2021 porque estendeu a suspensão da substituição tributária também para os produtos não produzidos em território fluminense.

Em razão da publicação do Decreto nº 48.039/2022, a ASSOCIAÇÃO DE ATACADISTAS E DISTRIBUIDORES DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO propôs Representação de Inconstitucionalidade do decreto face à Constituição do Estado do Rio de Janeiro, processo nº 0052635-84.2022.8.19.0000 junto ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que, reconhecendo que o decreto foi além da lei, declarou a inconstitucionalidade  da expressão “ou não” de seu art. 1º[2].

Irresignado, o Estado interpôs recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal, inadmitido pelo TJRJ, mas apreciado pelo STF em Agravo em RE e decidido monocraticamente pelo Min. Alexandre de Moraes, relator.

Segundo o Min Alexandre de Moraes, o art. 2º, da Lei nº 9.428/2021, permite que o Decreto nº 48.039/2022 estenda a suspensão do ICMS-ST também para as bebidas não produzidas no RJ.

Parece que o Min. Alexandre não deu a melhor a interpretação ao art. 2º, da Lei nº 9.428/2021.

O artigo 2º é bastante claro ao dispor que “No Regulamento do ICMS – RICMS -, Decreto no 27.427, de 17 de novembro de 2000, ANEXO I, que lista as mercadorias sujeitas ao regime de substituição tributária nas operações internas e interestaduais constará a informação de que para os itens 03, 39, 40 e 72 está suspensa a aplicação do regime de substituição tributária nas operações internas”.

Ou seja, o dispositivo apenas faz referência às operações interestaduais quando menciona o RICMS, mas isso não indica que tais operações também passam a ser excluídas (ou suspensas) do ICMS-ST. Ao contrário, o art. 2º, da lei, deixa que a claro a suspensão do ICMS-ST, quanto às mercadorias referidas no RICMS, restringe-se às operações internas.

Consequentemente, a decisão do Min. Alexandre de Moraes certamente será objeto de Agravo Interno a ser interposto pela Associação e espera-se que o Colegiado reforme a decisão que deu equivocada interpretação ao art. 2º, da Lei nº 9.428/2021.

Mas enquanto isso, o ICMS-ST sobre operações internas ou interestaduais com as bebidas especificadas fica suspenso, tendo em vista que a decisão originária foi proferida em Representação de Inconstitucionalidade, que tem efeitos contra todos. 


[1] ARE 1487482 / RJ – RIO DE JANEIRO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 

Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES 

Julgamento: 08/05/2024

Publicação: 09/05/2024

Publicação

PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 08/05/2024 PUBLIC 09/05/2024

Partes

RECTE.(S) : ESTADO DO RIO DE JANEIRO PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO RECDO.(A/S) : ASSOCIAÇÃO DE ATACADISTAS E DISTRIBUIDORES DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO ADV.(A/S) : OLAVO FERREIRA LEITE NETO

Decisão

Decisão

Trata-se de Agravo em Recurso Extraordinário interposto em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

Na origem, a ASSOCIAÇÃO DE ATACADISTAS E DISTRIBUIDORES DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade em face do Decreto Estadual 48.039, de 11 de abril de 2022, do Estado do Rio de Janeiro, o qual regulamenta a Lei Estadual 9.428/2021, que, por sua vez, suspende a aplicação do regime de substituição tributária nas operações de saída interna de água mineral ou potável envasada, leite, laticínios e correlatos, vinhos, vinhos espumosos nacionais, espumantes, filtrados doces, sangria, sidras, cavas, champagnes, proseccos, cachaça, aguardente e outras bebidas destiladas ou fermentadas, quando produzidos por cachaçarias, alambiques ou por estabelecimentos industriais localizados no Estado do Rio de Janeiro.

Sustenta a autora que o referido Decreto padece de inconstitucionalidade, pois, a despeito de regulamentar a Lei Estadual 9.428/2021, ampliou o objeto da norma, de forma a permitir a suspensão do ICMS/ST também nas hipóteses em que os produtos sejam produzidos fora do Estado do Rio de Janeiro (Doc. 1, fl. 12).

Veja-se o teor do art. 1º do Decreto 48.039/2022:

Art. 1º – A suspensão da aplicação do regime de substituição tributária nas operações de saída interna dos itens 03, 39, 40 e 72, do Anexo I, do Regulamento do ICMS – RICMS – , Decreto nº 27.427, de 17 de novembro de 2000, se aplica a todos os produtos, sejam eles produzidos no Estado do Rio de Janeiro ou não.

Aduz que, “ao estabelecer que as vendas internas de bebidas fabricadas fora do Estado também gozam da suspensão do ICMS/ST, o Decreto 48.039/22 ampliou o rol de operações excluídas do regime da substituição tributária do ICMS, claramente excedendo o liame de sua função regulamentadora, em afronta ao princípio da legalidade tributária” (Doc. 1, fl. 12).

Destaca que somente “mediante lei formal é possível suspender o regime da substituição tributária (art. 97 do CTN) e, conforme já destacado, a Lei nº 9.428/21 restringiu a suspensão do ICMS-ST às saídas internas de bebidas produzidas dentro do Estado do Rio de Janeiro” (Doc. 1, fls. 12-13).

Explica que, “por atuar no aspecto pessoal da regra matriz de incidência do ICMS, as previsões normativas que impliquem modificações no regime de substituição tributária do imposto devem ter suas balizas estabelecidas em lei stricto sensu, cabendo aos atos infralegais, como os decretos regulamentares, tão somente disciplinar procedimentos complementares, relativos à cobrança, fiscalização e recolhimento do ICMS/ST, dentro da moldura estabelecida pela lei ordinária” (Doc. 1, fl. 14).

Realça que, “além de sobrepujar os limites estabelecidos pela lei que deveria regulamentar, o Decreto nº 48.039/22 contém evidentes erros redacionais, os quais embaraçam a clareza e a precisão do preceito normativo que veicula” (Doc. 1, fl. 15).

Nessa linha, aduz que “a nova redação dada ao artigo 1º do Decreto nº 48.039/22, após a sua republicação, contém equívoco ao mencionar que estaria suspensa a aplicação do regime de substituição tributária nas operações de saídas internas de mercadorias constantes nos itens 03, 39, 40 e 72, do Anexo I, do Regulamento do ICMS – RICMS. Isso porque os mencionados itens estão elencados no Anexo Único da Lei nº 2.657/96, conforme expresso na Lei nº 9.428/21 e na primeira redação dada ao artigo 1º do Decreto nº 48.039/22, antes de sua republicação. Inclusive, sequer existem esses itens na lista de mercadorias estampada no Anexo I, do Livro II, do RICMS/RJ, cujo último item é o 29 (“bebidas alcoólicas exceto cerveja e chope”)” (Doc. 1, fl. 15).

Pondera que o impacto orçamentário da norma é grande. Exemplifica que “o Estado do Rio de Janeiro consome cerca de 3 bilhões de litros de leite por ano, todavia produz apenas 17% desse volume. Isto é, as empresas atacadistas, distribuidoras e varejistas situadas no território fluminense adquirem de outras unidades da federação quase 2,5 bilhões de litros de leite anuais, o que resulta em perda de arrecadação de ICMS para o Estado e menos empregos gerados para a população fluminense. Com a suspensão do ICMS/ST, portanto, buscou o legislador conferir maior competitividade aos produtores de leite e derivados aqui localizados, incentivando sua expansão” (Doc. 1, fl. 16).

Argumenta, ainda, que a ausência de estudo de impacto orçamentário e financeiro na alteração promovida no regime de substituição tributária do ICMS pelo Decreto 48.039/2022 viola o art. 113 do ADCT, segundo o qual a proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro.

Noutra vertente, aduz que deve haver simetria ente o regime de substituição tributária para as operações interestaduais e internas, pois “à luz do princípio da isonomia tributária, o parágrafo terceiro, da cláusula segunda, do Convênio ICMS nº 142/18 determina que o Estado que instituir o regime de substituição tributária nas operações interestaduais deverá estabelecê-lo também em relação às operações internas” (Doc. 1, fl. 21).

Dessa forma, entende que “o Decreto Estadual nº 48.039/22 violou o artigo 65, parágrafo único, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, bem como atentou contra o princípio da isonomia tributária, insculpido no artigo 150, inciso II, da CF/88 e reproduzido no artigo 196, inciso II, da CERJ” (Doc. 1, fl. 22).

Ao final, requereu a declaração de inconstitucionalidade do Decreto Estadual 48.039/2022, em sua integralidade, invalidando-se todos os seus efeitos.

O Tribunal de origem julgou parcialmente procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade apenas da expressão “ou não” do artigo 1º do Decreto 48.039/2022, do Estado do Rio de Janeiro. Veja-se a ementa do acórdão (Doc. 2, fls. 1-2):

“REPRESENTAÇÃO POR INCONSTITUCIONALIDADE. Decreto Estadual nº 48.039/22, que regulamentou a Lei 9.428 de 30 de setembro de 2021. Precedente do Supremo Tribunal Federal em que se admite, excepcionalmente, a possibilidade de um decreto regulamentar figurar como objeto do controle abstrato de constitucionalidade quando no seu bojo existir normas de caráter autônomo. Portanto, a Lei ou ato normativo estadual e municipal objeto de controle deve possuir densidade jurídica suficiente, ou seja, ser dotado de abstração, generalidade, autonomia e impessoalidade de modo a atuar no plano do direito positivo. A questão a ser dirimida é se o Decreto 48.039/22 pode inovar no mundo jurídico, criando hipóteses diversas para a suspensão da aplicação do regime de substituição tributária, daquelas abstratamente consideradas pela lei 9.428/21. A resposta a questão posta é negativa, pois na hierarquia dos atos normativos, a lei se sobrepõe ao decreto, que existe para regulamentá-la. A Lei Estadual nº 9.428/21 suspendeu a incidência do ICMS-ST nas operações de saída interna com as bebidas elencadas nos itens 03, 39, 40 e 72 do Anexo Único da Lei nº 2.657/96, desde que produzidas por estabelecimentos localizados no território fluminense. Após as alterações promovidas na sua republicação, o Decreto nº 48.039/22 extrapolou a disciplina normativa conferida pela Lei nº 9.428/21, pois estendeu a suspensão do ICMS/ST também para as operações internas com mercadorias produzidas em outros Estado. Está incontroverso neste processo que o representado não utilizou a melhor técnica legislativa. Há uma nítida tentativa de se fazer interpretação teleológica do Decreto manifestamente inconstitucional. Ao Judiciário não cabe ficar interpretando a vontade do legislador, sob pena de criar uma desordem no ordenamento jurídico e a completa insegurança dos jurisdicionados. Se a lei está mal feita, deve ela ser corrigida pelo Poder Legiferante e não deixar que seus objetivos sejam modificados por meio de Decretos que exorbitem o Poder regulamentar. VOTA-SE PELA INCONSTITUCIONALIDADE da expressão “ou não” do artigo 1º do Decreto nº 48.039/22 do Estado do Rio de Janeiro, julgando-se parcialmente procedente o pedido contido na presente representação”.

Opostos Embargos de Declaração pelo ESTADO DO RIO DE JANEIRO (Doc. 4), foram rejeitados (Doc. 6).

No RE (Doc. 8), interposto com amparo no art. 102, III, “a”, da Constituição Federal, o ESTADO DO RIO DE JANEIRO alega que o acórdão recorrido violou o princípio da separação dos poderes (art. 2º da CF/1988) e o legítimo exercício do Poder Regulamentar pelo Chefe do Poder Executivo (art. 84, IV, da CF/1988).

Aduz que o Tribunal de origem, ao declarar a inconstitucionalidade da expressão “ou não” prevista no art. 1º do Decreto Estadual 48.038/2022, a qual evidencia a possibilidade de suspensão do ICMS-ST aos produtos em que especifica que sejam produzidos tanto no Estado do Rio de Janeiro quanto fora, não levou em consideração o art. 2º da Lei Estadual 9.428/2021, objeto de veto do Chefe do Poder Executivo, posteriormente derrubado.

Afirma que, “embora inicialmente o Exmo. Governador do Estado tenha vetado o referido artigo 2º da lei, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro derrubou o referido veto, conforme publicado no Diário Oficial de 01/12/2021. Assim, verifica-se que a Lei Estadual nº 9.428/2021 previu expressamente o afastamento do regime de substituição tributária para operações internas envolvendo os produtos em questão, independentemente do local de produção” (Doc. 8, fl. 8).

Sustenta que, em que pese “o acórdão de fls. 297/309 mencione que houve repetição do dispositivo legal previsto no artigo 1º da Lei 9.428/21 com acréscimo da expressão “ou não” no Decreto, não esclareceu qual seria a interpretação possível da lei ao se conjugar os seus artigos 1º e 2º, ponto essencial ao deslinde da controvérsia, o que motivou a oposição dos embargos de declaração de fls. 325/328” (Doc. 8, fl. 8).

Argumenta que, “com o objetivo de regulamentar a versão final da Lei Estadual em questão, foi editado o Decreto Executivo nº 48.039/22, inicialmente em 12/04/2022. Entretanto, no dia seguinte, em 13/04/2022, houve republicação do referido Decreto exatamente pelo fato de que a versão inicialmente publicada não considerava a derrubada do veto ao artigo 2º da Lei Estadual 9.428/2021, porque não especificava o afastamento do regime de substituição tributária para operações internas independentemente do local de produção” (Doc. 8, fl. 9).

Pondera que, “embora a requerente questione especificamente o Decreto Estadual, seus argumentos apontam para uma discordância com o conteúdo da própria lei que, importa frisar, se trata de um diploma normativo que é fruto do exercício do Poder Legislativo, como representação da vontade popular. A suspensão do regime do ICMS-ST para as referidas mercadorias, quando produzidas no Estado do Rio de Janeiro em qualquer hipótese (art. 1º), e a suspensão do regime do ICMS-ST nas operações internas (aqui independentemente da localização do produtor – art. 2º), constitui uma manifestação do exercício de um Poder democraticamente investido que, no exercício de sua competência constitucional, realizou uma decisão acerca da política fiscal no Estado do Rio de Janeiro” (Doc. 8, fl. 10).

Dessa forma, reitera que “com a derrubada do veto do artigo 2º da Lei 9.428/2021, o Decreto apenas consolida as disposições da versão final da lei aprovada pelo Parlamento” (Doc. 8, fl. 10).

Esclarece que “a suspensão do ICMS-ST visou fomentar a produção dessas mercadorias no Estado e reduzir o impacto negativo desse sistema de arrecadação nas pequenas e médias empresas fluminenses” (Doc. 8, fl. 11).

Assim, entende que o acórdão recorrido viola a separação dos poderes, pois “o Poder Judiciário deve prestar deferência à opção de política fiscal devidamente realizada pelos Poderes Legislativo e Executivo do Estado do Rio de Janeiro” (Doc. 8, fl. 11).

O Tribunal de origem inadmitiu o RE ao fundamento de que a pretensão recursal encontra óbice nas Súmulas 279 e 280 do STF (Doc. 11).

No Agravo (Doc. 13), o Estado defende a inaplicabilidade dos referidos óbices sumulares ao presente caso, bem como que houve violação direta à Constituição.

É o relatório. Decido.

Conforme narrado, trata-se de representação de inconstitucionalidade ajuizada em face do Decreto Estadual 48.039/2022, que regulamenta a Lei Estadual 9.428/2021, ambos do Estado do Rio de Janeiro.

Para melhor compreensão da controvérsia, veja-se o inteiro teor das normas questionadas:

“LEI Nº 9.428 DE 30 DE SETEMBRO DE 2021

ALTERA A REDAÇÃO DO ARTIGO 22 DE LEI ESTADUAL Nº 2.657, DE 26 DE DEZEMBRO DE 1996, QUE DISPÕE SOBRE O IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS, PARA INCLUIR PARÁGRAFO ÚNICO E INCISO I SUSPENDENDO A APLICAÇÃO DO REGIME DE SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA NAS OPERAÇÕES DE SAÍDA INTERNA DE ÁGUA MINERAL OU POTÁVEL ENVASADA, LEITE, LATICÍNIOS E CORRELATOS, VINHOS, CACHAÇA, AGUARDENTES E OUTRAS BEBIDAS DESTILADAS OU FERMENTADAS, QUANDO PRODUZIDOS POR CACHAÇARIAS, ALAMBIQUES OU POR ESTABELECIMENTOS INDUSTRIAIS LOCALIZADOS NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.

Faço saber que a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º O artigo 22 da Lei nº 2.657, de 26 de dezembro de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 22. Ficam sujeitas ao regime de substituição tributária as operações com as mercadorias listadas no Anexo Único.

Parágrafo Único – No que se refere às mercadorias listadas nos números 03, 39, 40 e 72 do anexo único desta lei:

I – fica suspensa a aplicação do regime de substituição tributária nas operações de saída interna de água mineral ou potável envasada, leite, laticínios e correlatos, vinhos, vinhos espumosos nacionais, espumantes, filtrados doces, sangria, sidras, cavas, champagnes, proseccos, cachaça, aguardente e outras bebidas destiladas ou fermentadas, quando produzidos por cachaçarias, alambiques ou por estabelecimentos industriais localizados no Estado do Rio de Janeiro.”

Art. 2º No Regulamento do ICMS – RICMS -, Decreto nº 27.427, de 17 de novembro de 2000, ANEXO I, que lista as mercadorias sujeitas ao regime de substituição tributária nas operações internas e interestaduais constará a informação de que para os itens 03, 39, 40 e 72 está suspensa a aplicação do regime de substituição tributária nas operações internas. (Nota: veto do art. 2º derrubado pela Alerj, publicado na Parte II do D.O.L. De 01.12.2021)”.

O Decreto Estadual 48.038/2022, em sua primeira publicação (12/4/2022), dispôs que:

“Art. 1º – A suspensão da aplicação do regime de substituição tributária nas operações de saída interna prevista no art. 22, parágrafo único, I, da Lei nº 2.657, de 26 de dezembro de 1996, abrange as mercadorias relacionadas no Anexo Único, quando produzidas por cachaçarias, alambiques ou por estabelecimentos industriais localizados no Estado do Rio de Janeiro”.

No dia seguinte, todavia, o Decreto foi republicado com a seguinte redação:

“DECRETO Nº 48.039 DE 11 DE ABRIL DE 2022

Art. 1º A suspensão da aplicação do regime de substituição tributária nas operações de saída interna dos itens 03, 39, 40 e 72, do Anexo I, do Regulamento do ICMS – RICMS, Decreto nº 27.427, de 17 de novembro de 2000, se aplica a todos os produtos, sejam eles produzidos no Estado do Rio de Janeiro ou não.

Art. 2º Deve ser observado, quanto às mercadorias referidas no Art. 1º, adquiridas enquanto aplicável o regime de substituição tributária, o disposto nos arts.. 36-A e 36-B do Livro li do Regulamento do ICMS, aprovado pelo Decreto nn 27.427, de 17 de novembro de 2000.

Art. 3º As notas fiscais relativas às operações de salda Interna das mercadorias referidas no art. 1º devem conter, no campo infAdProd, a expressão “Mercadoria enquadrada no inciso I do parágrafo único do Art. 22. da Lei 11º 2.6571/96”. devendo ser efetuado o respectivo lançamento na Escrituração Fiscal Digital (EFD ICMS/IPI), seguindo as normas gerais de escrituração, indicando no Registro C197 vinculado ao documento o código RJ90990001.

Art. 4º Os estabelecimentos Industriais devem encaminhar à repartição fiscal a que estiverem vinculados relação das mercadorias referidas no art. 1º, produzidas pelos mesmos, contendo sua descrição, classificação fiscal, Código Especificador da Substituição Tributária, (CEST) e `Global Trade Item Number” (GTIN), em até 60 (sessenta) dias após a entrada em vigor deste Decreto, na forma definida por Portaria do Subsecretário de Estado de Receita da Secretaria de Estado de Fazenda.

§ 1º A não entrega das informações referidas no caput sujeita o estabelecimento à penalidade prevista no inciso I do art. 62-B da Lei nº 2.657/96.

§ 2º A entrega das informações referidas no caput com incorreções ou omissões sujeita o estabelecimento à penalidade prevista no inciso LI – do art. 62-B da Lei nº 2.657/96, caso não sanadas em até 30 (trinta) dias após cientificado das mesmas pela repartição fiscal.

§ 3º Sempre que houver alterações nas informações referidas no caput deverá ser apresentada relação atualizada, em até 60 (sessenta) dias da ocorrência do evento, observado o disposto nos §§ 1º e 2º.

Art. 5º Fica inserida nota no Anexo I do Livro II do Regulamento do ICMS, aprovado pelo Decreto nº 27.427, de 17 de novembro de 2000, abaixo do título, com a seguinte redação:

“NOTA – Na aplicação do regime de substituição tributária nas operações internas, para os itens 03, 39, 40 e 72 do Anexo Único da Lei nº 2.657, de 26 de dezembro de 1996, deverá ser observada a suspensão prevista no parágrafo único do art. 22 da mesma lei.”

Art. 6º Este Decreto entra em vigor no primeiro dia do m11s sub sequente a sua publicação.

Rio de Janeiro, 11 de abril de 2022”.

Em suas razões, o Estado sustenta que a republicação do Decreto deu-se com o escopo de adequá-lo à derrubada do veto do art. 2º da Lei 9.428/2021.

O Tribunal de origem declarou a inconstitucionalidade da expressão “ou não”, constante do art. 1º do Decreto 48.039/2022, pelos seguintes fundamentos (Doc. 2, fl. 11):

“Assim sendo, depreende-se da leitura dos dispositivos impugnados do Decreto nº 48.039/22 que eles se revestem dos atributos da generalidade, abstração, impessoalidade. Por outras palavras, verifica-se que o decreto em questão possui densidade normativa suficiente a credenciá-lo ao controle abstrato de constitucionalidade.

A questão a ser dirimida é se o Decreto 48.039/22 pode inovar no mundo jurídico, criando hipóteses diversas para a suspensão da aplicação do regime de substituição tributária, daquelas abstratamente consideradas pela lei 9.428/21. A resposta a questão posta é negativa, pois na hierarquia dos atos normativos, a lei se sobrepõe ao decreto, que existe para regulamentá-la.

O Decreto, como ato administrativo exclusivo do Chefe do Executivo, estará sempre em situação inferior à lei e, por isso, não pode contrariá-la. Logo, o Decreto, ato infralegal, não pode se sobrepor à lei, já que dela retira seu fundamento de validade.

No caso concreto a Lei 9.428/21 dispõe que:

[…]

Não resta dúvida que o citado decreto extrapolou do seu poder regulamentar ao repetir exatamente o disposto na lei estadual, alterando o final de seus termos com a expressão “ou não”, uma vez que altera a incidência daquela escolha tributária, violando assim, não só o artigo 145, IV, da Constituição Estadual, mas também o princípio da separação de poderes, primado da Constituição da República como cláusula pétrea, nos termos do art. 60, §4º, CRFB/88, e norma de observância obrigatória coroada no art. 7º da CERJ, que garante a existência dos poderes independentes e harmônicos entre si.

Está incontroverso neste processo que o representado não utilizou a melhor técnica legislativa. Há uma nítida tentativa de se fazer interpretação teleológica do Decreto manifestamente inconstitucional. Ao Judiciário não cabe ficar interpretando a vontade do legislador, sob pena de criar uma desordem no ordenamento jurídico e a completa insegurança dos jurisdicionados. Se a lei está mal feita, deve ela ser corrigida pelo Poder Legiferante e não deixar que seus objetivos sejam modificados por meio de Decretos que exorbitem o Poder regulamentar.

Como bem ressaltou a douta Procuradoria Geral de Justiça “Para além da exorbitância do poder regulamentar, há violação ao Princípio da legalidade. Uma vez que a lei estabelece um recorte de incidência para a suspensão do regime de substituição tributária e o decreto amplia, a incidência muda.”

Por tais fundamentos, VOTA-SE PELA INCONSTITUCIONALIDADE da expressão “ou não” do artigo 1º do Decreto nº 48.039/22 do Estado do Rio de Janeiro, julgando-se parcialmente procedente o pedido contido na presente representação”.

O Chefe do Poder Executivo do Estado do Rio de Janeiro vetou o art. 2º da Lei Estadual 9.428/2021, ao fundamento de que a norma, ao prever a suspensão da aplicação do regime de substituição tributária tanto nas operações internas, quanto nas interestaduais, violou o art. 9º da Lei Complementar Federal 87/1996 (https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=421134)

Ocorre que o referido veto foi derrubado pela Assembleia Legislativa, passando o art. 2º a incorporar a norma com a redação tal qual aprovada pela casa legislativa.

Dessa forma, o Decreto Estadual 48.039/2022, ao prever que a suspensão da aplicação do regime de substituição tributária se aplica aos itens 03, 39, 40 e 72, do Anexo I, do Regulamento do ICMS – RICMS, Decreto nº 27.427, de 17 de novembro de 2000, sejam eles produzidos no território do Estado do Rio de Janeiro ou fora dele, não exorbitou do seu poder regulamentar.

Assim, a norma foi editada em observância ao legítimo exercício do Poder Regulamentar pelo Chefe do Poder Executivo, insculpido no art. 84, VI, da CF/1988.

Diante do exposto, com base no art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, CONHEÇO DO AGRAVO E, DESDE LOGO, DOU PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO, para julgar improcedente a Ação Direta.

Publique-se.

Brasília, 8 de maio de 2024.

Ministro Alexandre de Moraes

Relator

[2] REPRESENTAÇÃO POR INCONSTITUCIONALIDADE. Decreto Estadual nº 48.039/22, que regulamentou a Lei 9.428 de 30 de setembro de 2021. Precedente do Supremo Tribunal Federal em que se admite, excepcionalmente, a possibilidade de um decreto regulamentar figurar como objeto do controle abstrato de constitucionalidade quando no seu bojo existir normas de caráter autônomo. Portanto, a Lei ou ato normativo estadual e municipal objeto de controle deve possuir densidade jurídica suficiente, ou seja, ser dotado de abstração, generalidade, autonomia e impessoalidade de modo a atuar no plano do direito positivo. A questão a ser dirimida é se o Decreto 48.039/22 pode inovar no mundo jurídico, criando hipóteses diversas para a suspensão da aplicação do regime de substituição tributária, daquelas abstratamente consideradas pela lei 9.428/21. A resposta a questão posta é negativa, pois na hierarquia dos atos normativos, a lei se sobrepõe ao decreto, que existe para regulamentá-la. A Lei Estadual nº 9.428/21 suspendeu a incidência do ICMS-ST nas operações de saída interna com as bebidas elencadas nos itens 03, 39, 40 e 72 do Anexo Único da Lei nº 2.657/96, desde que produzidas por estabelecimentos localizados no território fluminense. Após as alterações promovidas na sua republicação, o Decreto nº 48.039/22 extrapolou a disciplina normativa conferida pela Lei nº 9.428/21, pois estendeu a suspensão do ICMS/ST também para as operações internas com mercadorias produzidas em outros Estado. Está incontroverso neste processo que o representado não utilizou a melhor técnica legislativa. Há uma nítida tentativa de se fazer interpretação teleológica do Decreto manifestamente inconstitucional. Ao Judiciário não cabe ficar interpretando a vontade do legislador, sob pena de criar uma desordem no ordenamento jurídico e a completa insegurança dos jurisdicionados. Se a lei está mal feita, deve ela ser corrigida pelo Poder Legiferante e não deixar que seus objetivos sejam modificados por meio de Decretos que exorbitem o Poder regulamentar. VOTA-SE PELA INCONSTITUCIONALIDADE da expressão “ou não” do artigo 1º do Decreto nº 48.039/22 do Estado do Rio de Janeiro, julgando-se parcialmente procedente o pedido contido na presente representação.

(0052635-84.2022.8.19.0000 – DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Des(a). CELSO FERREIRA FILHO – Julgamento: 08/05/2023 – OE – SECRETARIA DO TRIBUNAL PLENO E ORGAO ESPECIAL)

ARTIGO DA SEMANA –  Calamidade pública e seus reflexos no Direito Financeiro e no Direito Tributário

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Membro da Comissão de Direito Financeiro e Tributário do IAB. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

As fortes chuvas que atingem o RS deixaram a região em estado de calamidade pública.

Calamidade pública é uma situação com previsão legal, notadamente no art. 2º, IV, do Decreto nº 7.257/2010[1].

O reconhecimento do estado de calamidade pública depende do preenchimento de algumas formalidades, entre as quais a publicação de decreto e a apresentação de requerimento ao Poder Executivo Federal pelo Poder Executivo do Estado, DF ou município (art. 7º, do Decreto nº 7.257/2010)[2].

O Congresso Nacional também possui papel importante no reconhecimento do estado de calamidade pública, tal como prevê o art. 49, XVIII, da Constituição. 

No âmbito do Direito Financeiro, o reconhecimento do estado de calamidade pública tem diversas consequências.

O art. 167, §3º, da Constituição, por exemplo, flexibiliza o rigor das normas orçamentárias e admite a abertura de crédito extraordinário para fazer face a despesas decorrentes de calamidade pública.

Outro exemplo importante do impacto do estado de calamidade pública no Direito Financeiro está no art. 167-B, da Constituição, segundo o qual “Durante a vigência de estado de calamidade pública de âmbito nacional, decretado pelo Congresso Nacional por iniciativa privativa do Presidente da República, a União deve adotar regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para atender às necessidades dele decorrentes, somente naquilo em que a urgência for incompatível com o regime regular, nos termos definidos nos arts. 167-C, 167-D, 167-E, 167-F e 167-G desta Constituição”.

Os artigos 65 e 65-A[3], da Lei Complementar nº 101/2000, também excepcionam os entes federativos de diversos rigores da Responsabilidade Fiscal nos casos de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional.

Com efeito, através do recente Decreto-Legislativo nº 36/2024[4], o Congresso Nacional reconheceu o estado de calamidade pública no RS para efeito do art. 65, da LC 101/2000.

Em relação ao Direito Tributário, o reconhecimento do estado de calamidade pública dá ensejo à flexibilização ou dispensa no cumprimento de obrigações acessórias. Bom exemplo está na Portaria RFB nº 415/2024, que prorroga prazos para pagamento de tributos federais, inclusive parcelamentos, e para cumprimento de obrigações acessórias, e suspende prazos para a prática de atos processuais no âmbito da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, para contribuintes domiciliados nos municípios afetados pelas chuvas, localizados no Estado do Rio Grande do Sul.

Mas não se pode esquecer que uma calamidade pública também pode dar ensejo à criação de empréstimo compulsório, com fundamento no art. 148, I[5], da Constituição Federal.

Os empréstimos compulsórios são tributos restituíveis. A lei que venha instituir um empréstimo compulsório estabelecerá não somente a forma de pagamento, mas também como será realizada a sua restituição.

Do artigo 148 da Constituição é possível delimitar algumas características dos empréstimos compulsórios. A primeira delas é que os empréstimos compulsórios são tributos da competência exclusiva da União. Portanto, não há que se falar em empréstimo compulsório que não seja federal.

Outra característica deste tributo é que sua instituição somente pode ocorrer através de lei complementar. Logo, não se aplica aos empréstimos compulsórios a extensão do princípio da legalidade às medidas provisórias.

Os empréstimos compulsórios têm uma outra característica marcante: a vinculação de seus recursos à causa que lhe deu origem. Assim, todo o montante arrecadado pelo empréstimo compulsório deverá ser aplicado no atendimento às despesas que o originaram.

Finalmente, cabe lembrar que a lei que venha instituir o empréstimo compulsório para fazer face às despesas de uma calamidade pública não se sujeita ao princípio da anterioridade (art. 150, § 1º, da Constituição Federal).


[1] Art. 2º  Para os efeitos deste Decreto, considera-se:

IV – estado de calamidade pública: situação anormal, provocada por desastres, causando danos e prejuízos que impliquem o comprometimento substancial da capacidade de resposta do poder público do ente atingido;

[2] Art. 7º  O reconhecimento da situação de emergência ou do estado de calamidade pública pelo Poder Executivo federal se dará mediante requerimento do Poder Executivo do Estado, do Distrito Federal ou do Município afetado pelo desastre.

[3] Art. 65.Na ocorrência de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional, no caso da União, ou pelas Assembleias Legislativas, na hipótese dos Estados e Municípios, enquanto perdurar a situação:

I – serão suspensas a contagem dos prazos e as disposições estabelecidas nos arts. 23 , 31 e 70;

II – serão dispensados o atingimento dos resultados fiscais e a limitação de empenho prevista no art. 9o.

§ 1º Na ocorrência de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional, nos termos de decreto legislativo, em parte ou na integralidade do território nacional e enquanto perdurar a situação, além do previsto nos inciso I e II do caput:

I – serão dispensados os limites, condições e demais restrições aplicáveis à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como sua verificação, para:

a) contratação e aditamento de operações de crédito;

b) concessão de garantias;        

c) contratação entre entes da Federação; e        

d) recebimento de transferências voluntárias;        

II – serão dispensados os limites e afastadas as vedações e sanções previstas e decorrentes dos arts. 35, 37 e 42, bem como será dispensado o cumprimento do disposto no parágrafo único do art. 8º desta Lei Complementar, desde que os recursos arrecadados sejam destinados ao combate à calamidade pública;   

III – serão afastadas as condições e as vedações previstas nos arts. 14, 16 e 17 desta Lei Complementar, desde que o incentivo ou benefício e a criação ou o aumento da despesa sejam destinados ao combate à calamidade pública.  

§ 2º O disposto no § 1º deste artigo, observados os termos estabelecidos no decreto legislativo que reconhecer o estado de calamidade pública: 

I – aplicar-se-á exclusivamente:       

a) às unidades da Federação atingidas e localizadas no território em que for reconhecido o estado de calamidade pública pelo Congresso Nacional e enquanto perdurar o referido estado de calamidade;

b) aos atos de gestão orçamentária e financeira necessários ao atendimento de despesas relacionadas ao cumprimento do decreto legislativo

II – não afasta as disposições relativas a transparência, controle e fiscalização

§ 3º No caso de aditamento de operações de crédito garantidas pela União com amparo no disposto no § 1º deste artigo, a garantia será mantida, não sendo necessária a alteração dos contratos de garantia e de contragarantia vigentes.     

Art. 65-A. Não serão contabilizadas na meta de resultado primário, para efeito do disposto no art. 9º desta Lei Complementar, as transferências federais aos demais entes da Federação, devidamente identificadas, para enfrentamento das consequências sociais e econômicas no setor cultural decorrentes de calamidades públicas ou pandemias, desde que sejam autorizadas em acréscimo aos valores inicialmente previstos pelo Congresso Nacional na lei orçamentária anual.       

[4] DECRETO LEGISLATIVO Nº 36, DE 2024

Reconhece, para os fins do disposto no art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), a ocorrência do estado de calamidade pública em parte do território nacional, para atendimento às consequências derivadas de eventos climáticos no Estado do Rio Grande do Sul.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º Fica reconhecida, exclusivamente para os fins do disposto no art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), a ocorrência do estado de calamidade pública em parte do território nacional, até 31 de dezembro de 2024, para atendimento às consequências derivadas de eventos climáticos no Estado do Rio Grande do Sul, nos termos da solicitação do Presidente da República encaminhada por meio da Mensagem nº 175, de 6 de maio de 2024.

Art. 2º A União fica autorizada a não computar exclusivamente as despesas autorizadas por meio de crédito extraordinário e as renúncias fiscais necessárias para o enfrentamento da calamidade pública e das suas consequências sociais e econômicas, no atingimento dos resultados fiscais e na realização de limitação de empenho prevista no art. 9º da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal).

Art. 3º O disposto no inciso II do caput do art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), dispensa a União de computar no resultado fiscal, exclusivamente, as despesas e as renúncias fiscais de que trata o art. 2º deste Decreto Legislativo.

Art. 4º Observado o disposto no art. 2º, este Decreto Legislativo produz todos os efeitos previstos no art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal).

Art. 5º Este Decreto Legislativo entra em vigor na data de sua publicação.

Senado Federal, em 7 de maio de 2024

Senador RODRIGO PACHECO

Presidente do Senado Federal

[5] Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios: 

I – para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência;

ARTIGO DA SEMANA –  Exclusão de sócio em execução fiscal: condenação em honorários por equidade é um grave erro

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Membro da Comissão de Direito Financeiro e Tributário do IAB. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

A condenação em honorários de sucumbência nas execuções fiscais é um tema que não se restringe aos advogados. Os executados também têm muito interesse nesta discussão. 

Honorários de sucumbência são uma das parcelas devidas pela parte vencida numa demanda judicial.

Consequentemente, só devem ser devidos honorários sucumbenciais se houver discussão judicial e se parte não lograr êxito na discussão.

Este detalhe é importante porque a Fazenda Pública cobra honorários independentemente do ajuizamento da execução fiscal, conforme autoriza o encargo legal de 10% previsto no art. 3º, do Decreto-Lei nº 1.569/77, de discutível legalidade.

É importante lembrar que, após longa reivindicação, os advogados viram publicado o art. 85, §3º, do Código de Processo Civil, que passou a estabelecer critérios objetivos para a fixação de honorários nas causas em que a Fazenda Pública for vencida, prevendo como regra a incidência dos honorários sobre o proveito econômico ou valor da causa, afastando-se a fixação de honorários por equidade.

A aplicação do artigo 85, §3º, do CPC, ganhou reforço com a compreensão do Tema 1076 dada pelo STJ[1], embora a mesma discussão tenha sido submetida à apreciação do STF no Tema 1255, ainda sem julgamento. 

Ainda no STJ, é preciso destacar a Súmula nº 421, segundo a qual “É possível a condenação da Fazenda Pública ao pagamento de honorários advocatícios em decorrência da extinção da Execução Fiscal pelo acolhimento de Exceção de Pré-Executividade”.

Apesar de trazer boas notícias para os advogados, o STJ proferiu decisão recente contrária à lei e à sua própria jurisprudência.

Trata-se do julgamento dos Embargos de Divergência 1.880.560, através do qual a Primeira Seção do STJ concluiu que o § 8º do art. 85 do CPC/2015 deve ser observado sempre que a parte executada objetivar somente a exclusão do polo passivo, sem impugnação do crédito tributário, porquanto não há como estimar proveito econômico algum. 

A decisão do STJ é ilegal porque o proveito econômico decorrente da exclusão do executado é inequívoco: o valor do próprio crédito objeto da execução fiscal.

Ora, se a parte se insurgiu contra sua inclusão no polo passivo da execução fiscal é porque não concorda com o fato de ser chamada a pagar a totalidade da dívida!

Exatamente por isso, o próprio STJ, por diversas vezes, afirmou que o proveito econômico numa execução fiscal corresponde ao valor do crédito tributário atualizado[2] que, por um acaso, é o valor dado à causa.

E o valor da causa, como prevê o art. 85, §3º, do CPC, é o segundo critério objetivo para a incidência dos honorários de sucumbência.

Consequentemente, afastar a condenação em honorários pela justificativa de ausência de proveito econômico é contrariar a lei e violar a jurisprudência consolidada sobre a matéria.

Mais grave ainda são as consequências de ordem prática em razão deste equivocado entendimento.

Apesar da lei prever que a inscrição em dívida ativa é ato de controle da legalidade do lançamento tributário, não raro as procuradorias  promovem a inscrição de créditos prescritos, cujas normas foram declaradas inconstitucionais ou de quem não é o correto devedor.

A partir do momento em que a consequência pela cobrança indevida passa a ser acompanhada de condenações ao pagamento de honorários de sucumbência por equidade (e de valor irrisório), não haverá qualquer desestímulo ao ajuizamento de execuções fiscais sem prévio controle da legalidade do lançamento.

Ademais, se as execuções fiscais são as principais responsáveis pelo elevado volume do processos em tramitação no Poder Judiciário, a Justiça deveria impor severos ônus ao ajuizamento indevido, mas não é esta a lição que o STJ está proporcionando…   


[1] i) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória nesses casos a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do artigo 85 do CPC – a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa.

ii) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo.

[2] “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. BASE DE CÁLCULO. PROVEITO ECONÔMICO. APURAÇÃO À LUZ DAS PECULIARIDADES DA LIDE. REVISÃO. NECESSIDADE DE REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1. Nos embargos à execução, o valor da causa deve ser equivalente à parte do crédito impugnado e o montante que for decotado da execução fiscal é o proveito econômico obtido ela parte embargante. 2. No caso dos autos, o Tribunal de Justiça fixou a verba honorária de sucumbência sobre o valor dado aos embargos à execução fiscal e a parte recorrente considera que deveria ter sido utilizado o valor do proveito econômico (valor corrigido do crédito tributário estadual objeto da execução fiscal). 3. Se depreende do acórdão que, em razão das circunstâncias do caso concreto, o valor da causa reflete justamente o proveito econômico. Revisitar a conclusão de que, no caso em apreço, o valor da causa reflete adequadamente o proveito econômico obtido, implicaria incursão fático-probatória, vedada em recurso especial pela súmula 7/STJ. 4. Agravo interno não provido.” (AgInt no REsp 1837626 / RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 24/05/2021, DJe 26/05/2021) 

“PROCESSUAL CIVIL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. EXCESSO. ACOLHIMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO. PERCENTUAL SOBRE O VALOR DECOTADO. APRECIAÇÃO EQUITATIVA. IMPOSSIBILIDADE. 1. O Código de Processo Civil de 2015, em seu art. 85, dedicou amplo capítulo aos honorários advocatícios, estabelecendo novos parâmetros objetivos para a sua fixação, com a estipulação de percentuais mínimos e máximos sobre a dimensão econômica da demanda (§ 2o), inclusive nas causas que envolvem a Fazenda Pública (§ 3o), de modo que, na maioria dos casos, a avaliação subjetiva dos critérios legais a serem observados pelo magistrado servirá apenas para que ele possa justificar o percentual escolhido dentro do intervalo permitido. 2. Nesse novo regime, a fixação dos honorários advocatícios mediante juízo de equidade ganhou caráter residual, a ser exercido nas causas de inestimável ou irrisório proveito econômico (art. 85, § 8o). 3. Hipótese em que o significativo proveito econômico obtido em caráter definitivo com o acolhimento da exceção de pré́- executividade é perfeitamente identificável e quantificável, concernente ao decote do excesso de juros moratórios indevidamente cobrados, de modo que os honorários advocatícios sucumbenciais devem ser fixados com base em percentual incidente sobre o referido sucesso alcançado (§ 3o), não havendo espaço para o arbitramento mediante apreciação equitativa (§ 8o). 4. Agravo interno desprovido.” (AgInt no REsp 1879418 / SP, Rel. Min. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/03/2021, DJe 06/04/2021) 

“TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. EXTINÇÃO DO FEITO EM RAZÃO DA ANULAÇÃO DAS INSCRIÇÕES EM DÍVIDA ATIVA. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PROVEITO ECONÔMICO ESTIMÁVEL. LIMITES E CRITÉRIOS DOS §§ 2o E 3o DO ART. 85 DO CPC/2015. APLICABILIDADE. I – De acordo com a jurisprudência do STJ, entende-se que o proveito econômico obtido pelo contribuinte é o próprio valor da execução fiscal, tendo em vista o potencial danoso que o feito executivo possuiria na vida patrimonial do executado caso a demanda judicial prosseguisse regularmente. Precedentes: REsp n. 1.657.288/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 26/9/2017, DJe 2/10/2017; REsp n. 1.671.930/SC, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 27/6/2017, DJe 30/6/2017. II – Agravo interno improvido.” (AREsp no 1362516 / MG, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/12/2018, DJe: 11/12/2018) 

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SUBMISSÃO À REGRA PREVISTA NO ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 03/STJ. SUPOSTA OFENSA AO ART. 1.022 DO CPC/2015. ALEGAÇÃO GENÉRICA. 

FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. ÓBICE DA SÚMULA 284/STF. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. EXCEÇÃO DE PRÉ- EXECUTIVIDADE. AJUIZAMENTO DO FEITO EXECUTIVO APÓS ADESÃO A PARCELAMENTO, COM A EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO SUSPENSA. EXTINÇÃO DO FEITO. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PROVEITO ECONÔMICO ESTIMÁVEL. LIMITES E CRITÉRIOS DOS §§ 2o E 3o DO ART. 85 DO CPC/2015. APLICABILIDADE. 1. “É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia” (Súmula 284/STF). 2. Na hipótese, a extinção da execução fiscal deu-se em decorrência do ajuizamento da demanda com a exigibilidade do crédito suspensa, nos termos do art. 151, VI, do CTN, tendo em vista a adesão da recorrente a programa de parcelamento. 3. Assim, não havendo justa causa para a deflagração da execução fiscal, é possível estimar o proveito econômico experimentado pela parte executada que, nessa hipótese, corresponde ao valor do crédito cobrado. Em consequência, não incide a previsão contida no § 8o do art. 85 do CPC/2015, como entenderam as instancias ordinárias, sendo imperativa a observância das regras previstas nos §§ 2o e 3o do referido dispositivo legal. Nesse sentido: REsp 1671930/SC, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/06/2017, DJe 30/06/2017. 4. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. (REsp 1657288/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/9/2017, DJe 2/10/2017) 

ARTIGO DA SEMANA –  A realização de diligências no processo administrativo fiscal

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Membro da Comissão de Direito Financeiro e Tributário do IAB. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

O princípio da verdade material representa um importante ponto de distinção entre o processo administrativo e o judicial, porque neste o juiz deve ficar restrito às provas que tenham sido produzidas pelas partes (verdade formal), ao passo que naquele a autoridade incumbida do pronunciamento acerca das questões submetidas ao exame da Administração deverá buscar todo o conjunto de elementos necessários à verificação da verdade dos fatos.

O princípio da verdade material, em última análise, representa uma busca incessante pela realidade fática suscitada no processo administrativo.

Como são conferidos à Administração o direito e o dever de proceder ao profundo exame dos fatos e circunstâncias que envolvem a questão objeto do processo administrativo fiscal, a consequência natural é de que este poder/dever há de ser exercido da forma mais ampla possível.

Toda a estruturação do Direito Tributário parte da premissa de que o tributo somente será devido se ocorrer no mundo fenomênico situação previamente descrita em lei com necessária e suficiente ao nascimento da obrigação tributária. Logo, somente através da mais ampla investigação é que se poderá ter a necessária certeza acerca do nascimento da obrigação tributária.

Desta forma, o direito do sujeito ativo de exigir o cumprimento da obrigação tributária depende de uma verificação de fatos e da respectiva adequação destes mesmos fatos à hipótese legal previamente descrita. 

Mas o mesmo ocorre nas situações em que o tributo não será devido, parcelado, diferido, reduzido ou, ainda que devido, será compensado, e mesmo que indevido, deverá ser restituído.

Como se vê, a aplicação do princípio da verdade material não pode (e não deve) ocorrer somente nos casos de constituição do crédito tributário. Muito pelo contrário. A ausência de interesse da Administração e a amplitude dos  poderes investigatórios colocados à sua disposição devem estar presentes em todo e qualquer processo administrativo fiscal.

Instaurada a fase litigiosa do processo administrativo fiscal, a concretização do princípio da verdade material ocorre através da conversão de julgamentos em diligências.

As diligências podem ser determinadas de ofício ou mediante o deferimento de pedido formulado pelo sujeito passivo.

É importante lembrar que as conversões de julgamento em diligências são o resultado de decisões administrativas.

Em outras palavras, o órgão julgador deixa de apreciar o mérito da impugnação ou recurso para buscar maiores elementos de convicção.

Como a regra no processo administrativo fiscal são as decisões colegiadas, deve-se entender que é vedado a um membro de órgão julgador determinar a realização de uma diligência. Concluindo pela necessidade de realização de diligências, cabe ao membro de órgão colegiado propor o tema a seus pares e o órgão decidirá mediante o voto de todos.

Pelo mesmo motivo, os representantes da fazenda, por mais que também exerçam a função de fiscalização da aplicação da lei no processo administrativo, também não podem determinar a realização de diligências. Havendo interesse na busca de maiores elementos de convicção, devem requerer a realização de diligências, que serão objeto de deliberação por todos os membros do órgão julgador.

Também é importante recordar que o lançamento tributário originalmente realizado poderá sofrer alterações em razão das diligências determinadas pelo órgão julgador.

Neste caso, em homenagem ao contraditório e à ampla defesa, deverá ser devolvido o prazo para o sujeito passivo apresentar nova impugnação, visto tratar-se de um novo lançamento, ainda que apresente valores menores ou seja mais vantajoso ao contribuinte. 

ARTIGO DA SEMANA –  Retrocessos na regulamentação do IBS/CBS

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Membro da Comissão de Direito Financeiro e Tributário do IAB. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

O Projeto de Lei Complementar nº 68/2024 (PLP 68/2024), pelo qual o Poder Executivo apresenta sua proposta de regulamentação da Reforma Tributária, é um verdadeiro retrocesso no que diz respeito à não cumulatividade do IBS/CBS.

Na verdade, o primeiro passo atrás foi dado pela Emenda Constitucional nº 132/2023, que abriu as portas para a compensação do IBS/CBS pagos na etapa anterior (art. 156-A, §5º, II)[1].

O PLP 68/2024, seguindo a dica dada pela EC 132/2023, prevê no art. 28[2]caput, que O contribuinte sujeito ao regime regular do IBS e da CBS poderá apropriar créditos desses tributos quando ocorrer o pagamento dos valores do IBS e da CBS incidentes sobre as operações nas quais seja adquirente de bem ou de serviço …

Logo em seguida, no art. 28, §2º, o PLP 68/2024, talvez com receio de que o retrocesso já não estivesse claro o suficiente, ratifica:  Os valores dos créditos do IBS e da CBS apropriados corresponderão aos valores, respectivamente, do IBS e da CBS efetivamente pago em relação às aquisições.

Como se vê, o PLP 68/2024, além de retroceder alguns anos na sistemática da não cumulatividade, representa um desprestígio aos servidores integrantes da fiscalização tributária federal, estaduais e municipais que, ao que o PLP indica, não têm sido eficientes no controle da arrecadação dos tributos sobre o consumo, visto que tal tarefa passa a ser transferida aos adquirentes dos bens e/ou serviços.

O retrocesso, aliás, está na sólida jurisprudência, construída há anos, que garante o crédito dos tributos não cumulativos destacados no documento fiscal, independentemente da comprovação do pagamento pelo fornecedor.

Para aqueles que acreditaram numa Reforma progressista, mais uma má notícia: o PLP 68/2024 fez um pacto com o passado e está a inviabilizar a transferência de créditos acumulados do IBS/CBS a terceiros. O art. 35, do PLP, é categórico: É vedada a transferência, a qualquer título, para outra pessoa ou entidade sem personalidade jurídica, de créditos do IBS e da CBS.

Como se vê, a Futura Nova Lei é pior que a atual Lei Kandir, cujo artigo 25, ainda que de forma tímida, admite a transferência de saldos credores do ICMS a terceiros.

Aliás, a vedação à transferência de créditos do IBS/CBS a terceiros é de discutível constitucionalidade.

O art. 156-A, §5º, III, da Constituição, na redação dada pela EC 132/2023, afirma que cabe à lei complementar dispor sobre a forma e o prazo para ressarcimento de créditos acumulados pelo contribuinte.

Vedar a transferência de créditos não é dispor sobre forma e prazo de ressarcimento, mas negar uma das formas de recuperação do custo dos tributos incidentes sobre a operação.

Transformar o PLP 68/2024 em uma boa regulamentação do IBS/CBS é um grande desafio colocado nas mãos do Congresso Nacional, que sofrerá pressões de um governo que aprovou uma Reforma Tributária ruim e propõe uma regulamentação pior ainda…


[1] Art. 156-A. Lei complementar instituirá imposto sobre bens e serviços de competência compartilhada entre Estados, Distrito Federal e Municípios.

§ 5º Lei complementar disporá sobre:

II – o regime de compensação, podendo estabelecer hipóteses em que o aproveitamento do crédito ficará condicionado à verificação do efetivo recolhimento do imposto incidente sobre a operação com bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, ou com serviços, desde que:

a) o adquirente possa efetuar o recolhimento do imposto incidente nas suas aquisições de bens ou serviços; ou 

b) o recolhimento do imposto ocorra na liquidação financeira da operação;

[2] Art. 28. O contribuinte sujeito ao regime regular do IBS e da CBS poderá apropriar créditos desses tributos quando ocorrer o pagamento dos valores do IBS e da CBS incidentes sobre as operações nas quais seja adquirente de bem ou de serviço, excetuadas exclusivamente as operações consideradas de uso ou consumo pessoal e as demais hipóteses previstas nesta Lei Complementar.

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