Volta do voto de qualidade no Carf é retrocesso e pode aumentar judicialização

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou nesta quinta-feira (12/1) um pacote econômico composto por medidas tributárias direcionadas a diminuir o estoque de processos administrativos do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf).

Entre as medidas, está o programa Litígio Zero, que permitirá aos contribuintes firmar acordos com o governo e pagar débitos de até 60 salários mínimos de forma parcelada. Também foi estabelecido o fim do recurso ao Carf para valores abaixo de R$ 15 milhões, de modo que, se o contribuinte vencer em primeira instância, o litígio se encerrará automaticamente.

E, entre todas as medidas anunciadas por Haddad, a mais controversa é a volta do voto de qualidade nos julgamentos do Conselho. Também conhecido como voto “duplo”, o mecanismo estabelece que, em caso de empate em um julgamento, o desempate será feito por um conselheiro que represente a Fazenda Nacional. Esse voto havia sido extinto em abril de 2020.

Vias tortas
Tributaristas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico não gostaram das medidas.

“A questão do voto de qualidade do Carf mostra que estão tentando conseguir arrecadação por vias tortas, já que o voto de qualidade por si só não garante arrecadação. Se temos um julgamento no Carf que está empatado, é um sinal de que existe uma controvérsia grande, e isso, necessariamente, vai para o Judiciário. Portanto, a medida gera mais insegurança jurídica. Um novo governo tem a oportunidade para discutir com a sociedade uma reforma no contencioso administrativo”, afirma José Roberto Covac Junior, sócio da Covac Sociedade de Advogados.

Alberto Medeiros, sócio tributarista do escritório TozziniFreire Advogados, é outro crítico do pacote. “O fato de as alterações no funcionamento do Carf terem sido anunciadas dentro do plano de recuperação fiscal apresentado pelo novo governo, por si só, já é preocupante. A impressão que fica é que a importantíssima função exercida pelo quase centenário tribunal administrativo no controle da legalidade dos lançamentos tributários é vista como rito de passagem na cobrança do crédito tributário.” 

João Marcos Colussi, do Mattos Filho, é cético em relação à ideia de que o retorno do voto de qualidade resultará em aumento da arrecadação. “O voto de qualidade para o Fisco não resultará em receita para a União, mas, sim, na migração das discussões para o Poder Judiciário. Além da dificuldade que enfrentaria no Congresso, uma medida nesse sentido contraria os argumentos do próprio Ministério da Fazenda, que alegou que o voto de desempate em favor da União era raramente utilizado no Carf. Se era raro, por que deveria ser reinstituído?”, questiona ele.

Outro crítico do voto de qualidade é Gabriel Neder, tributarista do Peixoto & Cury Advogados. “A mudança desconsidera regra prevista no próprio Código Tributário Nacional no sentido de que, em caso de dúvida sobre a interpretação da legislação tributária que define infrações, deve se decidir em favor do contribuinte (artigo 112 do CTN). Ou seja, o próprio empate entre os julgadores revela dúvida sobre a interpretação da legislação tributária, de modo que o voto de desempate em favor do contribuinte está alinhado ao que dispõe a legislação tributária.”

O doutor em Direito e presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Processo Tributário (IDPT), Igor Mauler Santiago, enxerga na volta do voto de qualidade falta de criatividade.

“Se é para mudar, melhor seria excluir a multa — onde há dúvida cabe punição — e manter o crédito suspenso, sem necessidade de liminar ou garantia, até o fim da ação judicial, desde que proposta pelo contribuinte até 30 dias após o fim do processo administrativo”.

Litígio zero?
O programa de parcelamento de dívidas tributárias também desagradou aos especialistas. Para advogada Ana Paula Lui, do Mattos Filho, a iniciativa não deve ter a adesão esperada pelo governo. “Ainda que os valores sejam relevantes, a discussão deverá ser levada ao Poder Judiciário, com risco de sucumbência à Fazenda Nacional”, avalia. 

Arthur Barreto, advogado tributarista do Donelli, Abreu Sodré e Nicolai Advogados (DSA Advogados), por sua vez, acredita que o Litígio Zero, aparentemente concebido nos moldes dos antigos programas do tipo Refis, pode ser um passo atrás depois de uma importante evolução no modelo da transação tributária.

“Há programas de refinanciamento mais específicos, por exemplo, para abranger contribuintes afetados pela pandemia — sendo necessário comprovar os danos causados pela emergência sanitária às contas do contribuinte. Há também programas para pequenos contribuintes e outras situações. Um programa mais amplo desestimula o bom pagador de tributos.”

Erros conceituais e lacunas
Para Reinaldo T. Moracci Engelberg, do Mattos Filho, o governo erra ao eleger o Carf como grande vilão do Contencioso Administrativo. “A ‘recuperação fiscal’ apresentada pelo Ministério da Fazenda não deveria olhar para o Carf como um cofre com potencial de arrecadação imediata. O primeiro passo para a redução dos litígios federais seria não apontar o Carf como um problema, mas fortalecer a sua paridade e independência.”

Por sua vez, Maria Danielle Rezende de Toledo, advogada especialista em Direito Tributário Contencioso e sócia da banca Lira Advogados, destacou a ausência de medidas voltadas para discussões aduaneiras. “E há contenciosos de valores elevados no Carf sobre o assunto, como por exemplo interposição fraudulenta e valoração aduaneira.”

Sem culpa
Wesley Rocha, conselheiro do Carf e presidente da Associação dos Conselheiros Representantes dos Contribuintes no Carf (Aconcarf), lembra que não é possível atribuir aos membros indicados pelos contribuintes a culpa pelo fato de o estoque do órgão ter dobrado no último ano.

“Na apresentação feita pelo Ministério da Fazenda, deixou-se de mencionar a paralisação dos auditores da Fazenda e os efeitos da pandemia da Covid no órgão, em que tivemos mais de ano com suspensão dos julgamentos.”

Segundo o Ministério da Fazenda, o estoque de processos administrativos no Carf vem oscilando em torno de cem mil desde 2018. Já o valor do estoque subiu de cerca de R$ 600 bilhões, entre dezembro de 2015 e dezembro de 2019, para mais de R$ 1 trilhão, em outubro do ano passado. 

Rafa Santos é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 12 de janeiro de 2023, 20h53

Base de cálculo do ITBI na regularização fundiária promovida pelo Incra

Para efeito de definição da base de cálculo do ITBI, podem os municípios ignorar o valor constante do título de domínio, com cláusulas resolutivas, expedido pelo Instituto Nacional da Colonização e Reforma Agrária (Incra), obedecidas as regras legais e regulamentares que determinam o Valor da Terra Nua (VTN) federal, no bojo do processo de regularização de terras federais através de legitimação de posses?

A pretexto de atribuir “valor de mercado” para efeito de exigência do ITBI, devido no processo de regularização fundiária promovido pelo órgão federal competente, podem legitimamente os municípios desconsiderar o valor atribuído à terra pública federal (VTN) pelo Incra?

Compete ao Incra a tarefa de promover a regularização jurídica de terras federais, devendo, nos termos do Estatuto da Terra (Lei 6.504/64), promover a discriminação das áreas ocupadas por posseiros, para a progressiva regularização de suas condições de uso e posse da terra, providenciando, nos casos e condições previstos nesta lei, a emissão dos títulos de domínio (artigo 97, I). 

Ainda segundo o Estatuto da Terra, a transferência do domínio ao posseiro de terras devolutas federais efetivar-se-á no competente processo administrativo de legitimação de posse (artigo 99); o título de domínio expedido pelo Incra será, dentro do prazo que o Regulamento estabelecer, transcrito no competente Registro Geral de Imóveis (artigo 100) e as taxas devidas pelo legitimante de posse em terras devolutas federais, constarão de tabela a ser periodicamente expedida pelo Incra, atendendo-se à ancianidade da posse, bem como às diversificações das regiões em que se verificar a respectiva discriminação (artigo 101)

Na regularização de terra pública federal através do reconhecimento da legitimação de posse, o Incra adota o Valor da Terra Nua (VTN), conforme critérios estabelecidos pela Lei n° 11.952 de junho de 2009:

Art. 12. Na ocupação de área contínua acima de um módulo fiscal e até o limite previsto no § 1o do art. 6o desta Lei, a alienação e, no caso previsto no § 4o do art. 6o desta Lei, a concessão de direito real de uso dar-se-ão de forma onerosa, dispensada a licitação (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017).

§ 1o O preço do imóvel considerará o tamanho da área e será estabelecido entre 10% (dez por cento) e 50% (cinquenta por cento) do valor mínimo da pauta de valores da terra nua para fins de titulação e regularização fundiária elaborada pelo Incra, com base nos valores de imóveis avaliados para a reforma agrária, conforme regulamento
.

2o Na hipótese de inexistirem parâmetros para a definição do valor da terra nua na forma de que trata o 1o deste artigo, a administração pública utilizará como referência avaliações de preços produzidas preferencialmente por entidades públicas, justificadamente. 

Vale dizer, a regularização de terras públicas federais obedece a critérios legalmente definidos e o título de domínio conferido pelo órgão federal é o resultado da aplicação destes critérios à realidade fática. O valor do título de domínio expedido pelo Incra em favor do posseiro não constitui ato discricionário, mas ato vinculado às normas legais e regulamentares que estabelecem o preço da terra pública (artigo 12, Lei 12.952/09, supra citada).

Registre-se, desde logo, que o título de domínio é expedido sob um conjunto de condições resolutórias (artigo 15, Lei 11.952/2009), entre os quais o pagamento do valor definido pelo Incra no próprio título. A disciplina legal do tema, notadamente as condições resolutórias impostas pela lei, deixam claro que não se trata venda de terra pública (o que exigiria, entre outras condições, autorização legal expressa e licitação pública), mas de processo de legitimação de posses pelo seu proprietário (União Federal).

No entanto, a plena regularização do domínio junto ao Registro de Imóveis depende do recolhimento do ITBI, de competência dos municípios, nos termos do artigo 156, II da Constituição Federal.

Ocorre que vários municípios, a pretexto de arbitrar o valor de mercado do bem imóvel transferido para efeito de cobrança de ITBI, vêm desconsiderando o valor do negócio jurídico fixado pelo órgão federal (Incra) no título de domínio, equiparando o processo de regularização fundiária federal a uma simples transferência imobiliária entre dois agentes privados. Este procedimento afigura-se claramente inconstitucional e ilegal, por diferentes razões.

Primeira razão: ao desconsiderar o Valor da Terra Nua (VTN) fixado pelo Incra no título de domínio, para efeito de exigência de ITBI, os municípios invadem a competência federal exclusiva para legislar privativamente sobre direito agrário (artigo 22, I), bem como promover a regularização de terras federais. Por determinação constitucional, a destinação de terras públicas deve ser compatível com o plano nacional de reforma agrária (artigo 188).

Além da execução da reforma agrária e da colonização, é missão do órgão fundiário federal (Incra) promover o ordenamento e a regularização de terras devolutas federais (Portaria Incra nº 531, de 23 de março de 2020).

Ao desconsiderar o valor do título de domínio definido pelo Incra, com base em critérios legais e regulamentares (Lei 12.952/09), arbitrando a base de cálculo do ITBI em valores muito superiores, os municípios, a claras luzes, invadem a competência federal para promover a regularização jurídica das suas terras e frustram o objetivo maior pretendido pela Constituição que é a promoção de segurança jurídica no campo.

A segurança jurídica almejada pela regularização fundiária pressupõe a regular averbação do título de domínio expedido pelo Incra no Ofício do Registro de Imóveis, o que somente é possível após o recolhimento do ITBI devido na operação de transmissão imobiliária. Ao majorar absurdamente a base de cálculo tributária do ITBI — em valores até dez vezes superiores ao valor do negócio translativo — os Fiscos municipais acabam por comprometer o processo de regularização fundiária promovido pelo Governo Federal, em evidente inconstitucionalidade. 

Assim, manifesta a inconstitucionalidade das leis municipais que exigem o ITBI com base de cálculo superior ao VTN constante do título de domínio expedido pelo Incra, no bojo do processo de regularização de terras federais, o qual é resultado de aplicação de regras legais e regulamentares federais.

Segunda razão: a transmissão imobiliária, objeto da incidência do ITBI, pressupõe um negócio jurídico praticado entre alienante e adquirente, onde o preço (elemento essencial) é resultado da liberdade de negociação e da vontade das partes. 

Por outro lado, no caso da regularização fundiária promovida pela Incra não ocorre um negócio jurídico stricto sensu (como aquele realizado entre dois sujeitos privados), mas um negócio jurídico sui generis, na medida em que o elemento essencial do ato translativo (preço) não decorre de uma negociação entre o poder público (emissor do título de legitimação de posse) e o posseiro (adquirente); aqui, não há o elemento “vontade das partes”, mas mero ato de aplicação das regras legais e regulamentares. O preço do negócio jurídico (valor do título de domínio) não é resultado de um acordo de vontades entre o governo federal e o adquirente (posseiro), mas mero ato de aplicação concreta e obediência aos ditames legais e regulamentares que fixam o VTN federal.

A transferência imobiliária, objeto de incidência do ITBI, resultante do processo de regularização fundiária federal não pode ser juridicamente equiparada aos negócios translativos imobiliários praticados entre dois sujeitos privados, onde o preço (base de cálculo do ITBI) é o resultado de um pacto negocial e podem ser ajustados ao alvedrio da vontade.

Assim, evidente a ilegalidade da cobrança de ITBI com base de cálculo arbitrada pelos municípios em valores superiores ao fixado pelo Incra no título de domínio expedido em consonância com as regras federais de regularização fundiária uma vez que o preço do negócio jurídico de alienação da terra pública não resulta de um ato de vontade das partes, mas de mera aplicação das regras legais e regulamentares que estabelecem o Valor da Terra Nua.

Terceira razão: o Superior Tribunal de Justiça (STJ), quando do Julgamento do Recurso Especial Repetitivo nº 1.937.821/SP, analisado em março de 2022, definiu que os Fiscos municipais não podem fixar previamente a base de cálculo do ITBI com base em valores de referência por eles criados.

Segundo as teses fixadas pelo STJ no Tema 1.113:

  • “A base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação;
  • O valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, e essa presunção somente pode ser afastada pelo fisco mediante a instauração de processo administrativo próprio (art. 148 do CTN) e
  • O município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente”.

Na dicção do Superior Tribunal de Justiça, os municípios devem obedecer ao valor do negócio jurídico atribuído pelas partes para fins de tributação pelo ITBI, o qual presume-se refletir o valor de mercado do bem imóvel. Presume-se a validade do valor declarado pelas partes no negócio jurídico translativo. Trata-se de presunção juris tantum que pode ser afastada pelo Fisco municipal através da instauração de processo administrativo próprio.

Diferentemente, no caso de regularização fundiária, o valor da base de cálculo tributável (valor do título de domínio expedido pelo Incra) não resulta de uma presunção juris tantum, possível de ser afastada pelo Fisco municipal dentro do devido processo legal, mas, ao contrário, trata-se de verdadeira presunção jure et de jure já que o preço do negócio jurídico reflete a aplicação das regras legais e regulamentares que fixam o VTN federal.

Em outro dizer, o valor do negócio jurídico de regularização fundiária constitui um ato de aplicação pelo Incra de normas legais e regulamentares que fixam o valor da terra pública federal, autêntica presunção jure et de jureinsuscetível de ser ignorada pelo Fisco municipal. 

O arbitramento da base de cálculo do ITBI pelo Fisco municipal em montante distinto daquele constante do negócio jurídico de regularização fundiária dependeria da obtenção de prévia decisão judicial pelo ente municipal haja vista a natureza jurídica de presunção jure et de jure do valor constante do título de domínio emitido pelo órgão federal (dotado de competência legal para a regularização de terras federais) o qual representa a aplicação administrativa de critérios legais e regulamentares que estabelecem o valor da terra pública federal.

Portanto, respondendo diretamente à questão formulada no primeiro parágrafo deste artigo, não pode o municípío exigir ITBI adotando base de cálculo superior àquela constante do título de domínio expedido pelo Incra no bojo do processo de regularização de terra pública federal, pois:

  • Constitucionalmente, compete à União Federal legislar sobre direito agrário (artigo 22, I) bem como a tarefa de promover regularização fundiária em consonância com o plano nacional de reforma agrária (artigo 188). Ao desconsiderar o VTN federal definido pelo Incra e majorar a base de cálculo do ITBI (na busca de um suposto “valor de mercado”), o ente municipal invade a competência da União Federal e frustra os objetivos da política nacional de regularização fundiária e reforma agrária que buscam conferir segurança jurídica no campo;
  • O valor constante do título de domínio com cláusulas resolutivas expedido pelo Incra não é fruto de um pacto privado, tal como corre em uma transferência imobiliária realizada entre dois sujeitos privados; a regularização fundiária tem a natureza de um negócio jurídico sui generis na medida em que o preço da terra pública é resultado da aplicação de regras legais e regulamentares, e não produto de um ato discricionário do agente público ou da negociação com o adquirente privado. Equiparar a regularização fundiária promovida pelo Incra a uma transmissão imobiliária realizada entre dois agentes privados para efeito de ITBI representa manifesta ilegalidade;
  • O VTN constante do título de domínio expedido pelo Incra consubstancia uma presunção jure et de jure que somente pode ser desconsiderada pelo Fisco municipal por meio de decisão judicial, já que representa a simples aplicação de regras legais e regulamentares que fixam o valor da terra federal, diferentemente da presunção juris tantum dos demais negócios jurídicos imobiliários translativos realizados entre dois agentes privados, que, na dicção do Superior Tribunal de Justiça, pode ser desfeita, desde que obedecidas às exigências do devido processo legal.

Helenilson Cunha Pontes é sócio do Cunha Pontes Advogados, livre-docente (USP) e doutor (USP).

Revista Consultor Jurídico, 11 de janeiro de 2023, 19h02

STJ fixa o que é proveito econômico para caso de exceção de pré-executividade

O valor do proveito econômico a ser usado como base de cálculo é o montante da dívida que foi executada pela Fazenda Pública dividido pelo número de executados. Tal fórmula deve ser aplicada para fins de definição de honorários de sucumbência em favor do advogado da parte vencedora em ação de exceção de pré-executividade.

Com esse entendimento, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial ajuizado por um contribuinte, com o objetivo de aumentar os honorários que seus advogados teriam direito a receber.

O caso trata de exceção de pré-executividade, o instrumento que pode ser usado pelo contribuinte para informar ao Judiciário de que está sendo erroneamente cobrado judicialmente por uma dívida pela qual não é responsável.

As instâncias ordinárias analisaram o pedido e reconheceram que, de fato, o sócio não deveria constar no polo passivo da execução fiscal. Considerando modesto o trabalho dos advogados, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região fixou honorários de sucumbência pelo método da equidade.

Essa foi a motivação que levou a parte a recorrer ao STJ. O método da equidade está autorizado no parágrafo 8º do artigo 85 do Código de Processo Civil e se destina apenas aos processos em que o valor ou proveito econômico é considerado muito baixo.

Em março de 2022, a Corte Especial do STJ fixou tese no sentido de que essa regra não pode ser usada nas hipóteses em que o valor da causa for muito alto. Relator na 2ª Turma, o ministro Francisco Falcão aplicou esse enunciado para reformar o acórdão do TRF-3.

Assim, ficou certo que os honorários devem ser fixados com base no parágrafo 3º do artigo 85 do CPC, que trata de processos em que a Fazenda é derrotada. Ele prevê percentuais gradativos calculados sobre o valor da condenação ou do proveito econômico.

No caso da exceção de pré-executividade, o ministro Falcão definiu que o valor do proveito econômico é o mesmo da dívida executada, tendo em vista o dano potencial que seria causado caso a execução prosseguisse regularmente contra o sócio.

No entanto, entendeu que esse valor deve ser dividido pelo total de sócios executados, pois estariam todos obrigados a arcar solidariamente com a dívida.

“Assim, na hipótese de recebimento de honorários, o proveito econômico é o valor da dívida dividido pelo número de executados. Sobre a base apurada, devem incidir os percentuais das gradações do parágrafo 3º do artigo 85 do CPC/2015”, concluiu. A votação foi unânime.

Clique aqui para ler o acórdão
AREsp 2.231.216

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 4 de janeiro de 2023, 8h47

Precatórios para pagamento ou amortização das dívidas tributárias

A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) vem publicando atos normativos voltados à regulamentação da transação de créditos inscritos em dívida ativa da União, dentre os quais destacamos a Portaria PGFN nº 14.402/20 e nº 6.757/2022 e que recebem nossa atenção por aspecto pragmático importante: autorização para o uso de precatórios para pagamento ou amortização das dívidas tributárias.

Precatórios, sabe-se, são requisições de pagamento expedidas pelo Judiciário para materializar a satisfação de dívidas da Fazenda Pública em favor do particular derivadas de condenação judicial definitiva.

Para o emprego do precatório de terceiro na transação, exige-se a cessão fiduciária do direito creditório estampado no precatório em favor da União, na qual deve constar o valor integral do precatório e providenciada por meio de escritura pública lavrada no Cartório de Registro de Títulos e Documentos.

Importante destacar que, apesar de a cessão fiduciária exercer a função ordinária de garantia, para fins da transação opera como meio de amortização ou liquidação do crédito tributário transacionado. Isto porque, tendo por objeto o direito creditório portado pelo titular do precatório, ela, a cessão fiduciária, realiza-se, em suma, pela transmissão do domínio creditório.

O contrato de cessão fiduciária contará, como parte cedente do crédito, o contribuinte ou o terceiro detentor do direito e, como parte cessionária, a União, que receberá, em transmissão, os direitos e deveres que lhe competem, estando representada por autoridade compositiva dos quadros funcionais da RFB no caso da transação regulamentada pela Portaria RFB nº 208/2022, ou pela PGFN na transação regulamentada pela Portaria PGFN nº 6757/2022.

Importante mencionar a hipótese em que o crédito do precatório seja superior à dívida tributária. Os referidos atos normativos estabelecem que, caso remanesça saldo do precatório, após a liquidação do débito transacionado, os valores poderão ser devolvidos ao contribuinte, desde que não tenha em seu nome outras inscrições ativas perante a PGFN ou débitos em aberto administrados pela Receita Federalo.

Mas, esse saldo  remanescente do precatório pode ser utilizado para amortização ou liquidação do saldo devedor de parcelamento de dívida no âmbito da Receita (parágrafo único artigo 73 da Portaria RFB nº 208/2022), ou tratando-se de inscrições ativas parceladas, garantidas ou suspensas por decisão judicial, esses valores permanecerão em conta à disposição do juízo até o encerramento das respectivas ações judiciais, ou também poderão servir como garantia em substituição a outras garantias anteriormente  prestadas (parágrafos 1º e 2º do artigo 83 da Portaria PGFN nº 6757/2022[1]).

Tratando-se de hipótese em que não existam outros débitos ou outras inscrições ativas contra o devedor, o saldo remanescente do precatório deverá ser devolvido ao devedor-cedente.

Consoante o artigo 72 da Portaria RFB nº 208/2022e o artigo 82 da Portaria PGFN nº 6757/2022, a dívida transacionada somente será reputada liquidada, isto é, extinta, quando depositado o valor do precatório em conta à disposição do juízo.

Diante dessa regra, poder-se-ia indagar: por que não se considera o momento da cessão fiduciária como fator para a extinção do crédito tributário e liberação do devedor? 

Para responder a essa questão, há que se voltar ao plano constitucional onde está definido o procedimento para que se considere satisfeita a dívida expressa em precatório: (1) requisição do pagamento pelo Presidente do Tribunal que tenha proferido a decisão; (2) inclusão no orçamento da entidade tributante das verbas necessárias ao pagamento do precatório que devem ser (3) apresentados até 1º de julho de cada ano; (4) pagamento atualizado até o final do exercício seguinte ao da apresentação do precatório, observada a ordem cronológica.

O esgotamento desse iter definido como necessário na Constituição, parece-nos, justificar legitimamente a postergação do efeito extintivo do crédito tributário tal como posta nos referidos dispositivos normativos das portarias.

Admitir que a extinção do crédito tributário somente se perfaz com o pagamento do precatório é pertinente, o que, contudo, não deixa de ser um problema para o contribuinte, pois, cientes de que esse percurso pode demorar meses, como fica, até lá, a situação fiscal do contribuinte? Seria possível considerá-la regular? 

Entendemos que sim, pois esse período entre expedição e pagamento do precatório materializa nítido caso de moratória, contemplada como causa de suspensão de exigibilidade no inciso I, do artigo 151 do Código Tributário Nacional (CTN)[2], justamente porque consagra postergação do pagamento de crédito tributário até a efetiva liberação e pagamento do precatório.

Assume essa moratória caráter individual, operada mediante a assinatura de termo de transação, mas não está ela apta a gerar direito adquirido, podendo ser revogada de ofício caso o respectivo beneficiário não consiga satisfazer os termos da transação a que se vinculou.

Não temos dúvida sobre a relevância de medida desse quilate para a relação fisco e contribuinte, uma vez apta a reduzir iniquidades de nosso sistema jurídico especialmente a do pagamento de precatórios, admitindo, positivamente, a ideia do encontro de créditos e débitos  da União, para com isso trazer celeridade na resolução da crise de inadimplência de ambos sujeitos da relação tribuária.


[1] Art. 83. Remanescendo saldo de precatório depositado, os valores poderão ser devolvidos ao devedor-cedente, desde que não existam outras inscrições ativas do devedor.
§ 1º Se as inscrições ativas estiverem parceladas, o devedor poderá optar pela utilização dos valores para amortização ou liquidação do saldo devedor.
§ 2º Se as inscrições estiverem garantidas ou suspensas por decisão judicial, os valores permanecerão em conta à disposição do juízo até o encerramento das respectivas ações judiciais, sendo possível a substituição das garantias anteriormente prestadas pelo saldo remanescente depositado.

[2] Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: I – moratória; (…).

Íris Vânia Santos Rosa é advogada, doutora e mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, professora do mestrado do IBET-SP, professora de Direito Tributário e Processo Tributário do curso de graduação da Fundação Santo André (FSA), professora do curso de especialização em Direito Tributário da PUC-SP e do Ibet, professora do curso de extensão “Processo Tributário Analítico” do Ibet e pesquisadora do Grupo de Estudos “Processo Tributário Analítico” do Ibet.

Mariane Targa de Moraes Tenório é advogada do escritório Saad, Santos Rosa, Behling e Munhoz; mestre e especialista em Direito Tributário pelo Ibet.

Revista Consultor Jurídico, 1 de janeiro de 2023, 8h00

TJ-SP veta execução fiscal por multa aplicada acima da taxa Selic

A taxa de juros incidente sobre o valor do imposto estadual ou da multa sobre ele não pode exceder à prevista para recomposição de débitos tributários da União.

Com base nesse entendimento, o juízo da 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve decisão que extinguiu execução fiscal por conta da aplicação de juros moratórios acima da taxa Selic, bem como multa punitiva que ultrapassou a 100% do valor do tributo.

A decisão foi provocada por apelação da Fazenda do Estado de São Paulo. Ao analisar o caso, o relator, desembargador Encinas Manfré, lembrou que o Órgão Especial do TJ-SP no julgamento da arguição de inconstitucionalidade 0170909-61.2012.8.26.0000, entendeu que são inválidas taxas superiores à Selic definidas pela Lei Estadual 6.374/1989, redação da Lei 13.918/2009.

“A legislação paulista é compatível com a Constituição de 1988, desde que o fator de correção adotado pelo Estado-membro seja igual ou inferior ao utilizado pela União”, registrou. 

O magistrado explicou que, dado haver competência concorrente da União e dos Estados-membros para legislar sobre a matéria, aplicam-se aos entes da Federação os parâmetros estabelecidos pela Lei Federal 9.250/1995.

O julgador apontou que a multa aplicada foi 300% superior ao valor do tributo, de modo que o apropriado seria a redução da sanção aplicada ao limite de 100% do imposto devido. Diante disso, ele votou por negar provimento ao recurso da Fazenda. O entendimento foi unânime. 

Clique aqui para ler a decisão
Processo: 1000176-03.2015.8.26.0077

Rafa Santos é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 27 de dezembro de 2022, 17h44

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