Norma da Receita extrapola Lei do Carf ao restringir benefícios em autuações, dizem tributaristas

Uma instrução normativa (IN) da Receita Federal publicada no mês passado promoveu novas restrições a benefícios no pagamento de autuações fiscais após condenações no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) decididas pelo voto de qualidade. E os tributaristas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico sobre o assunto apontam que as restrições são indevidas, porque vão além das previsões da Lei do Carf.

A lei em questão, sancionada em 2023, retomou, após três anos, a regra do voto de qualidade: em caso de empate nos julgamentos de disputas tributárias do Carf, o voto decisivo é do presidente da seção — posição sempre ocupada por representantes do Fisco.

Porém, o texto legal estabeleceu que, caso a disputa seja decidida pelo voto de qualidade favorável ao Fisco, as multas aplicadas no auto de infração são excluídas e a representação fiscal para fins penais (RFFP, que consiste em uma comunicação ao Ministério Público sobre possível crime tributário) é cancelada.

Já a IN 2.205/2024 restringiu essas hipóteses e determinou que elas não se aplicam a multas isoladas, aduaneiras, moratórias, por responsabilidade tributária, de existência de direito creditório e nos casos em que for constatada a decadência.

A lei também estabeleceu que a exclusão de multas e o cancelamento da RFFP valem para casos já julgados pelo Carf e ainda pendentes de análise de mérito no respectivo Tribunal Regional Federal até a data da publicação da norma — 20 de setembro de 2023. Mas a nova IN prevê que esses benefícios não se aplicam a casos julgados de forma definitiva no Carf antes de 12 de janeiro do ano passado.

Na contramão

De acordo com Daniel Ávila, sócio-diretor do escritório Locatelli Advogados, as restrições ao afastamento das penalidades estão “na contramão daquilo que foi definido para mitigar os impactos do retorno do voto de qualidade”.

Ele também critica a data de aplicação dos benefícios estipulada pela norma da Receita: “Novamente, surge no Sistema Tributário uma IN em desrespeito à lei, inovando para restringir, em vez de simplesmente instrumentalizar a lei. Sob o pretexto de regular e aclarar, na realidade, a Receita Federal distorce e limita aquilo que foi decidido pelo Poder Legislativo”.

Em artigo publicado na ConJur, as tributaristas Clara Barbosa e Letícia da Gama também ressaltaram que “a lei não estabelece limitações quanto ao tipo de multa aplicada, pelo que qualquer multa deveria ser cancelada”.

Para elas, a instrução normativa, “a pretexto de regulamentar a Lei 14.689/2023”, acabou violando seus preceitos, “retirando do contribuinte parte dos direitos que a lei já lhe havia garantido”.

Na visão das advogadas, “a legalidade de todas essas mudanças introduzidas pela IN 2.205/2024 é questionável, pois a Receita Federal não pode implementar alterações tão significativas por ato infralegal, sob pena de usurpação do Poder Legislativo e extrapolação do decidido pelo Congresso. Noutros termos, uma instrução normativa não pode ser mais dura do que a lei”.

Anete Mair Maciel Medeiros, sócia do Gaia Silva Gaede Advogados, destaca que a Lei do Carf “não discrimina quais multas seriam excluídas” em caso de decisão pelo voto de qualidade. Ela entende que “há um conflito normativo, já que a IN, a pretexto de regulamentar, extrapola o comando legal”.

“As instruções normativas possuem o dever de regulamentar leis e decretos”, explica Anete. “O que não pode ser permitido é a extrapolação, independentemente do viés, do comando legal. A instrução não pode infirmar o comando legal, tampouco conceder a mais.”

Segundo Anali Sanchez Menna Barreto, sócia do Menna.Barreto Advogados, a instrução normativa “está em completo descompasso com as disposições da Lei nº 14.689/2023”.

Ela considera que a IN restringiu de forma indevida os benefícios, pois “a Receita não poderia restringir e eleger quais multas seriam passíveis de exclusão”. A advogada também vê como indevida a diminuição da data de “corte”.

Anali lembra que a instrução normativa não pode alterar o que consta da lei. “Portanto, essas restrições, por estarem em desacordo com a lei, não podem ser mantidas.”

“O regramento de uma lei até pode ser estabelecido por meio de uma instrução normativa, no entanto, ela não pode ultrapassar o limite da lei que ela visa q regulamentar”, indica a advogada. Ou seja, qualquer IN deve estar subordinada à lei que regulamenta. E qualquer restrição ao texto da lei “só poderia ser realizada por ato com força de lei”, segundo ela. Por isso, é “impossível” que uma IN “insira mudanças ou extrapole o que a lei já dispôs”.

Julgamento do STJ

O Superior Tribunal de Justiça já decidiu nesse sentido ao julgar a IN que regulamentou a forma de cálculo dos preços de transferência.

“O fato de que a Lei 14.689/2023 não fez qualquer restrição quanto às multas excluídas no julgamento por voto de qualidade já induz à conclusão pela ilegalidade das restrições da IN 2.205/2024”, pontua Cristiano Luzes, sócio do Serur Advogados.

Ele recorda que “o regulamento deve se prestar à execução da lei” e “não poderia inovar ou restringir, sobretudo quando se trata de uma regra de garantia que regulamenta o in dubio pro reo em matéria de multa fiscal”.

Regras como as da IN 2.205/2024, “que estabelecem dispensa ou redução de penalidades, somente podem ser instituídas por lei”. Isso é estabelecido pelo inciso VI do artigo 97 do Código Tributário Nacional.

No caso dos efeitos temporais, Luzes vê uma ilegalidade “mais explícita”, pois a própria lei já havia determinado que as regras se aplicam a casos pendentes de julgamento nos TRFs.

“Infelizmente, esse tema continuará produzindo tensões entre a Fazenda e os contribuintes, com litígios que devem ser levados às cortes judiciais”, avalia o advogado.

Daniel Ávila também acredita que a “violação ao princípio da legalidade poderá desaguar no Poder Judiciário, que, mais uma vez, terá de impor limites às instruções normativas que extrapolam sua razão de ser”.

Fonte: Conjur, 13/08/2024

STF reafirma entendimento sobre local para cobrança judicial de dívida pública

A matéria já tinha jurisprudência no Tribunal, que agora julgou o tema sob o rito da repercussão geral.

Por unanimidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou entendimento de que o foro para ação de execução fiscal (cobrança de dívidas públicas) deve se restringir ao território do ente da federação envolvido (estado, Distrito Federal ou município) ou ao local onde se deu o fato gerador do tributo. A decisão foi tomada na sessão virtual encerrada em 6/8, no julgamento do Recurso Extraordinário do Agravo (ARE) 1327576.

O Tribunal já tinha entendimento sobre a matéria, mas agora ela foi julgada sob o rito da repercussão geral (Tema 1204) e, assim, o entendimento deve ser aplicado a todos os casos semelhantes em tramitação na Justiça.

Execução fiscal

O caso julgado teve origem em execução fiscal movida pelo Estado do Rio Grande do Sul para cobrar de uma empresa o ICMS apurado em trânsito de mercadorias. A ação foi apresentada em São José do Ouro (RS), onde houve a autuação fiscal. A empresa, por sua vez, defendeu que a execução fiscal deveria ser ajuizada em Itajaí (SC), onde está sediada. O fundamento era o artigo 46, parágrafo 5º, do Código de Processo Civil (CPC), que prevê que ações dessa natureza podem ser propostas no local de domicílio do réu, no de sua residência ou no do lugar onde for encontrado.

Mas o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) concluiu que a ação deveria prosseguir no município gaúcho. Para o tribunal estadual, a questão deve ser definida dentro dos limites territoriais do respectivo ente da federação, sob pena de violação ao pacto federativo e à autonomia administrativa e organizacional do estado.

No recurso ao STF, a empresa argumentava, entre outros pontos, que a decisão dificulta seu direito de defesa, pois a obriga a arcar com elevadas despesas com advogado e deslocamento.

Limites territoriais

Em seu voto, o ministro Dias Toffoli destacou que o STF já interpretou o dispositivo do CPC para restringir o foro da ação de execução fiscal aos limites do território de cada estado ou município ou ao local de ocorrência do fato gerador. No julgamento das Ações Diretas de inconstitucionalidade (ADIs) 5737 5492, prevaleceu o entendimento de que, ao contrário da União, os municípios e o Distrito Federal não têm procuradorias em todo o país. A Constituição também não exige que os entes regionais estruturem seu serviço público além de seus limites territoriais. Ainda naquele julgamento, a Corte assentou que a legislação nacional não pode promover um desequilíbrio federativo.

Tese

A tese de repercussão geral firmada foi a seguinte:

“A aplicação do art. 46, § 5º, do CPC deve ficar restrita aos limites do território de cada ente subnacional ou ao local de ocorrência do fato gerador”.

(Suélen Pires/AD//CF)

Fonte: Notícias do STF

ARTIGO DA SEMANA –  Pedido de Revisão no processo administrativo fiscal

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Membro da Comissão de Direito Financeiro e Tributário do IAB. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

Diversas legislações estaduais contemplam a possibilidade da decisão final proferida no processo administrativo fiscal ser objeto de um Pedido de Revisão.

Há casos em que o Pedido de Revisão fica restrito às hipóteses de nulidade do acórdão proferido pela última instância do processo administrativo.

Mas também há situações em que a legislação prevê o cabimento do Pedido de Revisão quando surgir fato novo, não conhecido no momento do lançamento ou no curso do processo administrativo tributário, que aponte para a existência de erro que invalide o crédito tributário constituído.

O Pedido de Revisão exerce papel relevantíssimo no processo administrativo fiscal e, seja pela concretização do pleno controle da legalidade do ato administrativo, seja pela observância do princípio da verdade material, merece uma disciplina legal mais precisa e abrangente a todos os entes da federação. 

Nunca é demais lembrar que o controle da legalidade dos atos administrativos caracteriza uma reação, determinando uma correção de rumo sempre que restarem ameaçadas as liberdades e os direitos dos administrados.

Desnecessário dizer que este controle pode ser exercido pela Administração por sua própria iniciativa (STF, Súmula n° 473[1]) ou como resultado de provocação pelo administrado.

Analisando a questão do controle da Administração por iniciativa do administrado, ODETE MEDAUAR (cfr. Direito Administrativo Moderno. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 448) esclarece o importante papel dos recursos administrativos para esta finalidade:

“Os recursos administrativos apresentam-se como um dos modos pelos quais a Administração é provocada a fiscalizar seus próprios atos, visando ao atendimento do interesse público e à preservação da legalidade. Por meio dos recursos administrativos os interessados pedem à Administração reexame de ato, decisão ou medida editada em seu âmbito.”

JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO (cfr. Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2002, p. 754) não discrepa desta manifestação esclarecendo que “Recursos administrativos são meios formais de controle administrativo através dos quais o interessado postula, junto a órgãos da Administração, a revisão de determinado ato”.

Além da doutrina administrativista, manifestações doutrinárias em Direito Tributário também que afirmam ser o processo administrativo fiscal um meio de controle da legalidade dos atos praticados pela Administração Tributária. 

O saudoso professor RICARDO LOBO TORRES (cfr. Processo Administrativo Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva – Coord.. Processo Administrativo Tributário. São Paulo: Centro de Extensão Universitária e Editora Revista dos Tribunais, p. 163) já teve oportunidade de afirmar que:

“O processo administrativo tributário é o instrumento de autotutela da legalidade pela Administração; não tem por objetivo dirimir as grandes questões jurídicas em torno dos tributos, mas coarctar a violência fiscal e o abuso das autoridades fazendárias de nível hierárquico inferior”. 

MARCOS VINÍCIUS NEDER e MARIA TERESA MARTÍNEZ LÓPEZ (cfr. NEDER, Marcos Vinícius e LÓPES, Maria Teresa Martinez. Processo Administrativo Fiscal Federal Comentado. São Paulo: Dialética, 2002, p. 21), apesar de enfatizarem que o processo administrativo fiscal tem por objetivo alcançar a justiça, não negam que se trata de um verdadeiro meio de controle da Administração:

“A Administração Pública, no exercício de sua competência constitucional, não pode olvidar de buscar a realização da justiça, fim último que legitima sua atuação. Este objetivo não deve ficar restrito apenas ao Poder Judiciário, é também interesse administrativo. Desse modo, órgãos internos à Administração devem realizar o controle de seus atos. Trata-se, na verdade, de estabelecer controles ‘desde dentro’, ou seja, incidentes na própria intimidade da Administração ao longo da formação de sua vontade, em vez de se contentar com controles operados de fora, pelo Judiciário, e , portanto, só utilizados ex post facto.”

Como se vê, tanto a doutrina administrativista quanto a tributária reconhecem a amplitude dos meios de controle da Administração.

Também sob a ótica do princípio da verdade material, cabe à administração Tributária, à luz do art. 142, do Código Tributário Nacional,  ao realizar lançamentos de ofício, identificar se realmente ocorreu a situação de fato ou de direito suficiente para o nascimento da obrigação tributária.

O princípio da verdade material, em última análise, representa uma busca incessante pela realidade fática suscitada no processo administrativo.

Como são conferidos à Administração o direito e o dever de proceder ao profundo exame dos fatos e circunstâncias que envolvem a questão objeto do processo administrativo, a consequência natural é de que este poder/dever há de ser exercido da forma mais ampla possível, como bem esclarece ALBERTO XAVIER (2001, p. 124):

“A instrução do procedimento tem como finalidade a descoberta da verdade material no que toca ao seu objeto com os seus corolários da livre apreciação das provas e da admissibilidade de todos os meios de prova. Daí, a lei fiscal conceder aos seus órgãos de aplicação meios instrutórios vastíssimos que lhes permitam formar a convicção da existência e conteúdo do fato tributário”.

Portanto, é imprescindível que a administração tributária, a qualquer tempo, tome conhecimento de documentos ou fatos que possam influenciar a descoberta da verdade material.

Então é necessário que a administração tributária evite a perpetuação de lançamentos viciados pela nulidade ou comprometidos por fatos ou documentos supervenientes que atestem o contrário daquilo que ficou consignado ao final do processo administrativo fiscal.

É igualmente não se pode ignorar o impacto das supervenientes decisões em Recursos Repetitivos ou em Repercussão Geral que reconheçam a ilegalidade ou a inconstitucionalidade da norma que deu origem ao lançamento tributário confirmado por decisão final em processo administrativo fiscal.

O manejo de Pedidos de Revisão, além de cessar os efeitos de um lançamento tributário viciado, contrário à prova superveniente, ilegal ou inconstitucional, também é importante ferramenta da eficiência administrativa.

Ora, caso não exercido o amplo controle da legalidade pelo conhecimento e acolhimento de um Pedido de Revisão, só restará ao contribuinte a esfera Judicial na qual, havendo decisão favorável, o ente federado será condenado nos ônus de sucumbência, que poderia ser evitado caso acolhido o Pedido de Revisão.

É bem verdade que uma ampla gama de hipóteses de cabimento do Pedido de Revisão poderá ensejar abusos, eternizando os processos administrativos.

Mas este é o desafio imposto ao legislador e objeto de reflexão dos pensadores do Direito Tributário que deverá ser enfrentado…


[1] A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque dêles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.

Supremo impõe limite territorial para execuções fiscais

Corte decidiu, por unanimidade, onde o processo de cobrança fiscal pode tramitar

Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, que a execução fiscal pode tramitar no local onde foi lavrado o auto de infração ou na localidade de domicílio do contribuinte — desde que esteja nos limites do território do município ou Estado. Para os ministros, permitir o ajuizamento de processos em qualquer lugar do país dificultaria a recuperação de créditos tributários.

O tema foi julgado em repercussão geral no Plenário Virtual, em julgamento que terminou à meia-noite de ontem. Foi aprovada a seguinte tese, que deverá ser seguida pelas instâncias inferiores: “A aplicação do artigo 46, parágrafo 5o, do CPC [Código de Processo Civil] deve ficar restrita aos limites do território de cada ente subnacional ou ao local de ocorrência do fato gerador” (ARE 1327576).

Com o julgamento, os ministros restringiram a aplicação do artigo 46. O dispositivo estabelece que a ação fundada em direito pessoal ou em direito real sobre bens móveis será proposta, em regra, no foro de domicílio do réu. E o parágrafo 5o complementa: a execução fiscal será proposta no foro de domicílio do réu, no de sua residência ou no do lugar onde for encontrado.

O caso analisado no Plenário Virtual envolve a Marilliam Comércio, Importação e Exportação de Artigos Domésticos, com sede em Itajaí (SC). Ela passou a responder a execução fiscal ajuizada no município de São José do Ouro (RS), onde foi autuada.

Na ação, porém, alegou que o fato dificultaria o seu direito de defesa porque teria que arcar “com elevadas despesas, tanto com advogado quanto com deslocamento, para ter por assegurado o contraditório e a ampla defesa”. Ainda segundo a argumentação da empresa, não seria válido o argumento de que os juízes de um Estado não teriam condições de apreciar a situação específica de outro.

Para o governo do Rio Grande do Sul, a ação poderia ser ajuizada onde ocorreu o fato que gerou a cobrança do tributo — no caso, ICMS apurado em trânsito de mercadorias. Esse foi o entendimento que acabou prevalecendo no julgamento do STF.

O relator, ministro Dias Toffoli, negou o pedido da empresa de obrigatoriedade de a execução fiscal ser proposta no foro de domicílio do réu, no de sua residência ou no do lugar onde for encontrado, mesmo quando implique o ajuizamento e processamento da ação de cobrança em outro Estado.

O ministro citou, em seu voto, dois precedentes do STF nesse sentido, em que foi relator e ficou vencido. Nos julgamentos (ADI 5737 e ADI 5492), a Corte restringiu a determinação do CPC, tendo em vista a Constituição Federal , para estabelecer a sua aplicação aos limites do território de cada ente subnacional — Estado ou município — ou ao local de ocorrência do fato gerador.

Dias Toffoli indica que ficou vencido no julgamento das ações ao defender a constitucionalidade do parágrafo 5o do artigo 46 do Código de Processo Civil. Mas, citando o princípio da colegialidade, aplicou na repercussão geral a decisão que prevaleceu naqueles casos.

No julgamento das ações, os ministros consideraram inconstitucional a regra que permite que os Estados e o Distrito Federal sejam demandados perante qualquer comarca do país e, quanto ao foro de execução fiscal, essa possibilidade ampla dificultaria a recuperação de ativos em um procedimento que já tem baixo índice de eficiência e trata de valores importantes para as finanças dos entes. Na conclusão, atribuíram interpretação conforme à Constituição ao artigo 46, parágrafo 5o, do CPC.

De acordo com o advogado Tiago Conde, sócio do escritório Sacha Calmon Misabel Derzi Advogados, a repercussão geral é importante porque promove pacificação social e estabiliza a orientação sobre o local do ajuizamento de execução fiscal. Com isso, podem ser evitados recursos desnecessários, acrescenta o tributarista.

Ainda segundo Conde, a definição reforça a importância dos precedentes e da estabilidade das decisões. Em ações diretas de inconstitucionalidades que já tinham sido julgadas pelo STF, lembra, o ministro Dias Toffoli, que foi relator da repercussão geral, tinha ficado vencido e agora, em razão do princípio de colegialidade, realinha o entendimento “em absoluto respeito aos precedentes”.

Fonte: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2024/08/07/stf-impe-limite-territorial-para-execues-fiscais.ghtml

ARTIGO DA SEMANA –  LEI COMPLEMENTAR 208/2024: cessão de créditos, interrupção da prescrição e quebra de sigilo de dados

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Membro da Comissão de Direito Financeiro e Tributário do IAB. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

A Lei Complementar nº 208/2024, publicada no último dia 03/07/2024, trouxe três inovações à legislação tributária: (a) autorização para a cessão onerosa de créditos tributários e não tributários; (b) nova causa de interrupção da prescrição e (c) ampliação das hipóteses de quebra de sigilo de dados dos contribuintes.

Cessão onerosa de créditos

A autorização para a cessão onerosa de créditos tributários ou não tributários, inscritos em dívida ativa ou não, surgiu pela criação de um artigo 39-A[1] à Lei nº 4.320/2024.

Inegavelmente, a cessão onerosa de créditos tributários ou não tributários tem um só objetivo: permitir a antecipação de receita.

Do ponto de vista formal, a alteração está correta, visto que se trata de norma com origem no art. 163, da Constituição.

O problema está na implementação da cessão onerosa dos créditos. Vejamos.

Inicialmente, o art. 39-A prevê que a cessão dependerá de lei específica, federal, distrital, estadual ou municipal, obviamente, que a autorize.

Aqui já surge um problema: o Poder Executivo ficará refém do Legislativo e isto, num país com longo histórico de política do toma-lá-dá-cá, é um prato feito para o surgimento de escândalos de corrupção.

Outro grande empecilho à concretização de tais cessões onerosas está nos diversos casos de créditos tributários que são constituídos com fundamento em normas de legalidade/constitucionalidade discutível, dando causa a longas discussões em processos administrativos e judiciais.

Neste caso, a cessão do crédito, caso realizada, estará submetida a grande deságio, visto que nenhum fundo de investimento vai pagar caro ao comprar um crédito de liquidação tão duvidosa.

A única notícia boa nesta hipótese é que fica aberta mais uma oportunidade de atuação dos advogados tributaristas, porque, suponho, nenhum fundo de investimento vai comprar um crédito tributário sem antes consultar um especialista.

Outra dificuldade para a cessão do crédito está na previsão legal (art. 39-A, §1º, III, da Lei nº 4.320/64), que estabelece como condição para a realização do negócio “assegurar à Fazenda Pública ou ao órgão da administração pública a prerrogativa de cobrança judicial e extrajudicial dos créditos de que se tenham originado os direitos cedidos”.

Ora, de que adianta ser o dono do crédito se a cobrança ao devedor original será realizada por terceiros, através das procuradorias?

Um último problema envolvendo as cessões de créditos: diz a lei que “A cessão de direitos creditórios de que trata este artigo poderá ser realizada por intermédio de sociedade de propósito específico, criada para esse fim pelo ente cedente, dispensada, nessa hipótese, a licitação” (art. 39-A, §7º).

As palavras gravadas em negrito no parágrafo anterior já dizem tudo. Sem comentários…

Protesto que interrompe a prescrição

A segunda novidade introduzida pela LC 208/2024 é a criação de uma nova hipótese de interrupção da prescrição do crédito tributário: o protesto extrajudicial promovido pela fazenda pública, alterando-se a redação do art. 174, parágrafo único, II, do CTN[2].

O protesto extrajudicial das Certidões de Dívida Ativa, previsto no art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 9.492/97, introduzido pela Lei nº 12.767/2012, é absurdo, tendo em vista as inúmeras garantias e privilégios conferidos ao crédito tributário. Isto sem contar que o título executivo (CDA) é formado unilateralmente pelo credor, diversamente do que acontece com os títulos de crédito, por exemplo. Protestar CDA é coagir o devedor tributário ao pagamento, constituindo aquilo que se chama de sanção política ou utilização de via oblíqua para a satisfação do crédito.

O Supremo Tribunal Federal, espantosamente, não viu nenhum problema na previsão legal que incluiu as certidões da dívida ativa no rol de títulos que podem ser levados a protesto[3].

O STF, aliás, parece incentivar o protesto de CDAs, bastando lembrar a tese firmada recentemente na compreensão do Tema 1184 da Repercussão Geral[4].

Consequentemente, o protesto de CDAs virou moda.

Todavia, ao se permitir que o protesto extrajudicial interrompa o prazo prescricional para cobrança judicial da CDA, uma coisa é certa: constituído definitivamente o crédito tributário, o prazo prescricional será de 9 anos, 11 meses e vinte e nove dias. Para tanto, basta que o protesto ocorra no penúltimo dia do quinto ano subsequente à constituição definitiva do crédito tributário e a execução fiscal seja ajuizada no último dia no quinquênio subsequente. 

Então fica claro que a LC 208/2024 não surgiu para conferir maior garantia ao contribuinte. Ao contrário, trata-se de mais uma norma que privilegia um credor reconhecidamente ineficaz, moroso e, salvo honrosas exceções, pouco interessado em melhorar a qualidade da cobrança.

Nova quebra de sigilo fiscal

A última novidade da LC 208/2024 está na introdução de novas hipóteses de quebra de sigilo de dados dos contribuintes.

A partir dos novos parágrafos adicionados ao art. 198, do CTN[5], a administração tributária poderá requisitar informações cadastrais e patrimoniais de sujeito passivo de crédito tributário a órgãos ou entidades, públicos ou privados, que, inclusive por obrigação legal, operem cadastros e registros ou controlem operações de bens e direitos.

Então, o SERASA, administradoras de condomínio e demais entidades que disponham de informações cadastrais ou patrimoniais dos contribuintes deverão fornecer informações ao fisco, sem prévia ordem judicial.

Além disso, “os órgãos e as entidades da administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes colaborarão com a administração tributária visando ao compartilhamento de bases de dados de natureza cadastral e patrimonial de seus administrados e supervisionados”. Ou seja, as agências reguladoras, por exemplo, deverão disponibilizar livre acesso do fisco ao acervo de dados das pessoas jurídicas submetidas à fiscalização e registro, por exemplo.

A quebra de sigilo de dados dos contribuintes, lamentavelmente, também recebeu o aval do STF, neste caso no julgamento das ADIs 2390, 2386 e 2397[6] e na fixação da tese para o Tema 225 da Repercussão Geral[7].

Mas é preciso enfatizar que a requisição de dados cadastrais dos contribuintes de que trata o novo art. 198, § 4º, do CTN, não poderá ocorrer de forma imotivada e indiscriminada. Esta requisição, por questão de lógica, bom senso e pela preservação da garantia individual deve ocorrer mediante prévia instauração de procedimento de ofício face ao “investigado” e desde que comprovada a imprescindibilidade da medida, sem contar a observância de requisitos legais para o acesso e preservação da informação. 

O compartilhamento de informações (art. 198, §5º, do CTN), também em obediência à garantia constitucional de proteção de dados, não deverá ser indiscriminado, mas motivado, nem eterno, mas por prazo certo e determinado.   


[1] “Art. 39-A. A União, o Estado, o Distrito Federal ou o Município poderá ceder onerosamente, nos termos desta Lei e de lei específica que o autorize, direitos originados de créditos tributários e não tributários, inclusive quando inscritos em dívida ativa, a pessoas jurídicas de direito privado ou a fundos de investimento regulamentados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

§ 1º Para fins do disposto no caput, a cessão dos direitos creditórios deverá:

I – preservar a natureza do crédito de que se tenha originado o direito cedido, mantendo as garantias e os privilégios desse crédito;

II – manter inalterados os critérios de atualização ou correção de valores e os montantes representados pelo principal, os juros e as multas, assim como as condições de pagamento e as datas de vencimento, os prazos e os demais termos avençados originalmente entre a Fazenda Pública ou o órgão da administração pública e o devedor ou contribuinte;

III – assegurar à Fazenda Pública ou ao órgão da administração pública a prerrogativa de cobrança judicial e extrajudicial dos créditos de que se tenham originado os direitos cedidos;

IV – realizar-se mediante operação definitiva, isentando o cedente de responsabilidade, compromisso ou dívida de que decorra obrigação de pagamento perante o cessionário, de modo que a obrigação de pagamento dos direitos creditórios cedidos permaneça, a todo tempo, com o devedor ou contribuinte;

V – abranger apenas o direito autônomo ao recebimento do crédito, assim como recair somente sobre o produto de créditos já constituídos e reconhecidos pelo devedor ou contribuinte, inclusive mediante a formalização de parcelamento;

VI – ser autorizada, na forma de lei específica do ente, pelo chefe do Poder Executivo ou por autoridade administrativa a quem se faça a delegação dessa competência;

VII – realizar-se até 90 (noventa) dias antes da data de encerramento do mandato do chefe do Poder Executivo, ressalvado o caso em que o integral pagamento pela cessão dos direitos creditórios ocorra após essa data.

§ 2º A cessão de direitos creditórios preservará a base de cálculo das vinculações constitucionais no exercício financeiro em que o contribuinte efetuar o pagamento.

§ 3º A cessão de direitos creditórios não poderá abranger percentuais do crédito que, por força de regras constitucionais, pertençam a outros entes da Federação.

§ 4º As cessões de direitos creditórios realizadas nos termos deste artigo não se enquadram nas definições de que tratam os incisos III e IV do art. 29 e o art. 37 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), sendo consideradas operação de venda definitiva de patrimônio público.

§ 5º As cessões de direitos creditórios tributários são consideradas atividades da administração tributária, não se aplicando a vedação constante do inciso IV do art. 167 da Constituição Federal aos créditos originados de impostos, respeitados os §§ 2º e 3º deste artigo.

§ 6º A receita de capital decorrente da venda de ativos de que trata este artigo observará o disposto no art. 44 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), devendo-se destinar pelo menos 50% (cinquenta por cento) desse montante a despesas associadas a regime de previdência social, e o restante, a despesas com investimentos.

§ 7º A cessão de direitos creditórios de que trata este artigo poderá ser realizada por intermédio de sociedade de propósito específico, criada para esse fim pelo ente cedente, dispensada, nessa hipótese, a licitação.

§ 8º É vedado a instituição financeira controlada pelo ente federado cedente:

I – participar de operação de aquisição primária dos direitos creditórios desse ente;

II – adquirir ou negociar direitos creditórios desse ente em mercado secundário;

III – realizar operação lastreada ou garantida pelos direitos creditórios desse ente.

§ 9º O disposto no § 8º deste artigo não impede a instituição financeira pública de participar da estruturação financeira da operação, atuando como prestadora de serviços.

§ 10. A cessão de direitos creditórios originados de parcelamentos administrativos não inscritos em dívida ativa é limitada ao estoque de créditos existentes até a data de publicação da respectiva lei federal, estadual, distrital ou municipal que conceder a autorização legislativa para a operação.”

[2] Art.  174 ………………………………………………………….

Parágrafo único.  ……………………………………………….

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II – pelo protesto judicial ou extrajudicial;

[3] Ementa: Direito tributário. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 9.492/1997, art. 1º, parágrafo único. Inclusão das certidões de dívida ativa no rol de títulos sujeitos a protesto. Constitucionalidade. 1. O parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.492/1997, inserido pela Lei nº 12.767/2012, que inclui as Certidões de Dívida Ativa – CDA no rol dos títulos sujeitos a protesto, é compatível com a Constituição Federal, tanto do ponto de vista formal quanto material. 2. Em que pese o dispositivo impugnado ter sido inserido por emenda em medida provisória com a qual não guarda pertinência temática, não há inconstitucionalidade formal. É que, muito embora o STF tenha decidido, na ADI 5.127 (Rel. Min. Rosa Weber, Rel. p/ acórdão Min. Edson Fachin, j. 15.10.2015), que a prática, consolidada no Congresso Nacional, de introduzir emendas sobre matérias estranhas às medidas provisórias constitui costume contrário à Constituição, a Corte atribuiu eficácia ex nunc à decisão. Ficaram, assim, preservadas, até a data daquele julgamento, as leis oriundas de projetos de conversão de medidas provisórias com semelhante vício, já aprovadas ou em tramitação no Congresso Nacional, incluindo o dispositivo questionado nesta ADI. 3. Tampouco há inconstitucionalidade material na inclusão das CDAs no rol dos títulos sujeitos a protesto. Somente pode ser considerada “sanção política” vedada pelo STF (cf. Súmulas nº 70, 323 e 547) a medida coercitiva do recolhimento do crédito tributário que restrinja direitos fundamentais dos contribuintes devedores de forma desproporcional e irrazoável, o que não ocorre no caso do protesto de CDAs. 3.1. Em primeiro lugar, não há efetiva restrição a direitos fundamentais dos contribuintes. De um lado, inexiste afronta ao devido processo legal, uma vez que (i) o fato de a execução fiscal ser o instrumento típico para a cobrança judicial da Dívida Ativa não exclui mecanismos extrajudiciais, como o protesto de CDA, e (ii) o protesto não impede o devedor de acessar o Poder Judiciário para discutir a validade do crédito. De outro lado, a publicidade que é conferida ao débito tributário pelo protesto não representa embaraço à livre iniciativa e à liberdade profissional, pois não compromete diretamente a organização e a condução das atividades societárias (diferentemente das hipóteses de interdição de estabelecimento, apreensão de mercadorias, etc.). Eventual restrição à linha de crédito comercial da empresa seria, quando muito, uma decorrência indireta do instrumento, que, porém, não pode ser imputada ao Fisco, mas aos próprios atores do mercado creditício. 3.2. Em segundo lugar, o dispositivo legal impugnado não viola o princípio da proporcionalidade. A medida é adequada, pois confere maior publicidade ao descumprimento das obrigações tributárias e serve como importante mecanismo extrajudicial de cobrança, que estimula a adimplência, incrementa a arrecadação e promove a justiça fiscal. A medida é necessária, pois permite alcançar os fins pretendidos de modo menos gravoso para o contribuinte (já que não envolve penhora, custas, honorários, etc.) e mais eficiente para a arrecadação tributária em relação ao executivo fiscal (que apresenta alto custo, reduzido índice de recuperação dos créditos públicos e contribui para o congestionamento do Poder Judiciário). A medida é proporcional em sentido estrito, uma vez que os eventuais custos do protesto de CDA (limitações creditícias) são compensados largamente pelos seus benefícios, a saber: (i) a maior eficiência e economicidade na recuperação dos créditos tributários, (ii) a garantia da livre concorrência, evitando-se que agentes possam extrair vantagens competitivas indevidas da sonegação de tributos, e (iii) o alívio da sobrecarga de processos do Judiciário, em prol da razoável duração do processo. 4. Nada obstante considere o protesto das certidões de dívida constitucional em abstrato, a Administração Tributária deverá se cercar de algumas cautelas para evitar desvios e abusos no manejo do instrumento. Primeiro, para garantir o respeito aos princípios da impessoalidade e da isonomia, é recomendável a edição de ato infralegal que estabeleça parâmetros claros, objetivos e compatíveis com a Constituição para identificar os créditos que serão protestados. Segundo, deverá promover a revisão de eventuais atos de protesto que, à luz do caso concreto, gerem situações de inconstitucionalidade (e.g., protesto de créditos cuja invalidade tenha sido assentada em julgados de Cortes Superiores por meio das sistemáticas da repercussão geral e de recursos repetitivos) ou de ilegalidade (e.g., créditos prescritos, decaídos, em excesso, cobrados em duplicidade). 5. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. Fixação da seguinte tese: “O protesto das Certidões de Dívida Ativa constitui mecanismo constitucional e legítimo, por não restringir de forma desproporcional quaisquer direitos fundamentais garantidos aos contribuintes e, assim, não constituir sanção política.”

(ADI 5135, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 09-11-2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-022  DIVULG 06-02-2018  PUBLIC 07-02-2018)

[4] 1. É legítima a extinção de execução fiscal de baixo valor pela ausência de interesse de agir tendo em vista o princípio constitucional da eficiência administrativa, respeitada a competência constitucional de cada ente federado. 2. O ajuizamento da execução fiscal dependerá da prévia adoção das seguintes providências: a) tentativa de conciliação ou adoção de solução administrativa; e b) protesto do título, salvo por motivo de eficiência administrativa, comprovando-se a inadequação da medida. 3. O trâmite de ações de execução fiscal não impede os entes federados de pedirem a suspensão do processo para a adoção das medidas previstas no item 2, devendo, nesse caso, o juiz ser comunicado do prazo para as providências cabíveis

[5] “Art. 198 …………………………………………………………….

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§ 4º Sem prejuízo do disposto no art. 197, a administração tributária poderá requisitar informações cadastrais e patrimoniais de sujeito passivo de crédito tributário a órgãos ou entidades, públicos ou privados, que, inclusive por obrigação legal, operem cadastros e registros ou controlem operações de bens e direitos.

§ 5º Independentemente da requisição prevista no § 4º deste artigo, os órgãos e as entidades da administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes colaborarão com a administração tributária visando ao compartilhamento de bases de dados de natureza cadastral e patrimonial de seus administrados e supervisionados.”

[6] EMENTA Ação direta de inconstitucionalidade. Julgamento conjunto das ADI nº 2.390, 2.386, 2.397 e 2.859. Normas federais relativas ao sigilo das operações de instituições financeiras. Decreto nº 4.545/2002. Exaurimento da eficácia. Perda parcial do objeto da ação direta nº 2.859. Expressão “do inquérito ou”, constante no § 4º do art. 1º, da Lei Complementar nº 105/2001. Acesso ao sigilo bancário nos autos do inquérito policial. Possibilidade. Precedentes. Art. 5º e 6º da Lei Complementar nº 105/2001 e seus decretos regulamentadores. Ausência de quebra de sigilo e de ofensa a direito fundamental. Confluência entre os deveres do contribuinte (o dever fundamental de pagar tributos) e os deveres do Fisco (o dever de bem tributar e fiscalizar). Compromissos internacionais assumidos pelo Brasil em matéria de compartilhamento de informações bancárias. Art. 1º da Lei Complementar nº 104/2001. Ausência de quebra de sigilo. Art. 3º, § 3º, da LC 105/2001. Informações necessárias à defesa judicial da atuação do Fisco. Constitucionalidade dos preceitos impugnados. ADI nº 2.859. Ação que se conhece em parte e, na parte conhecida, é julgada improcedente. ADI nº 2.390, 2.386, 2.397. Ações conhecidas e julgadas improcedentes. 1. Julgamento conjunto das ADI nº 2.390, 2.386, 2.397 e 2.859, que têm como núcleo comum de impugnação normas relativas ao fornecimento, pelas instituições financeiras, de informações bancárias de contribuintes à administração tributária. 2. Encontra-se exaurida a eficácia jurídico-normativa do Decreto nº 4.545/2002, visto que a Lei n º 9.311, de 24 de outubro de 1996, de que trata este decreto e que instituiu a CPMF, não está mais em vigência desde janeiro de 2008, conforme se depreende do art. 90, § 1º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias -ADCT. Por essa razão, houve parcial perda de objeto da ADI nº 2.859/DF, restando o pedido desta ação parcialmente prejudicado. Precedentes. 3. A expressão “do inquérito ou”, constante do § 4º do art. 1º da Lei Complementar nº 105/2001, refere-se à investigação criminal levada a efeito no inquérito policial, em cujo âmbito esta Suprema Corte admite o acesso ao sigilo bancário do investigado, quando presentes indícios de prática criminosa. Precedentes: AC 3.872/DF-AgR, Relator o Ministro Teori Zavascki, Tribunal Pleno, DJe de 13/11/15; HC 125.585/PE-AgR, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe de 19/12/14; Inq 897-AgR, Relator o Ministro Francisco Rezek, Tribunal Pleno, DJ de 24/3/95. 4. Os artigos 5º e 6º da Lei Complementar nº 105/2001 e seus decretos regulamentares (Decretos nº 3.724, de 10 de janeiro de 2001, e nº 4.489, de 28 de novembro de 2009) consagram, de modo expresso, a permanência do sigilo das informações bancárias obtidas com espeque em seus comandos, não havendo neles autorização para a exposição ou circulação daqueles dados. Trata-se de uma transferência de dados sigilosos de um determinado portador, que tem o dever de sigilo, para outro, que mantém a obrigação de sigilo, permanecendo resguardadas a intimidade e a vida privada do correntista, exatamente como determina o art. 145, § 1º, da Constituição Federal. 5. A ordem constitucional instaurada em 1988 estabeleceu, dentre os objetivos da República Federativa do Brasil, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e a marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais. Para tanto, a Carta foi generosa na previsão de direitos individuais, sociais, econômicos e culturais para o cidadão. Ocorre que, correlatos a esses direitos, existem também deveres, cujo atendimento é, também, condição sine qua non para a realização do projeto de sociedade esculpido na Carta Federal. Dentre esses deveres, consta o dever fundamental de pagar tributos, visto que são eles que, majoritariamente, financiam as ações estatais voltadas à concretização dos direitos do cidadão. Nesse quadro, é preciso que se adotem mecanismos efetivos de combate à sonegação fiscal, sendo o instrumento fiscalizatório instituído nos arts. 5º e 6º da Lei Complementar nº 105/ 2001 de extrema significância nessa tarefa. 6. O Brasil se comprometeu, perante o G20 e o Fórum Global sobre Transparência e Intercâmbio de Informações para Fins Tributários (Global Forum on Transparency and Exchange of Information for Tax Purposes), a cumprir os padrões internacionais de transparência e de troca de informações bancárias, estabelecidos com o fito de evitar o descumprimento de normas tributárias, assim como combater práticas criminosas. Não deve o Estado brasileiro prescindir do acesso automático aos dados bancários dos contribuintes por sua administração tributária, sob pena de descumprimento de seus compromissos internacionais. 7. O art. 1º da Lei Complementar 104/2001, no ponto em que insere o § 1º, inciso II, e o § 2º ao art. 198 do CTN, não determina quebra de sigilo, mas transferência de informações sigilosas no âmbito da Administração Pública. Outrossim, a previsão vai ao encontro de outros comandos legais já amplamente consolidados em nosso ordenamento jurídico que permitem o acesso da Administração Pública à relação de bens, renda e patrimônio de determinados indivíduos. 8. À Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, órgão da Advocacia-Geral da União, caberá a defesa da atuação do Fisco em âmbito judicial, sendo, para tanto, necessário o conhecimento dos dados e informações embasadores do ato por ela defendido. Resulta, portanto, legítima a previsão constante do art. 3º, § 3º, da LC 105/2001. 9. Ação direta de inconstitucionalidade nº 2.859/DF conhecida parcialmente e, na parte conhecida, julgada improcedente. Ações diretas de inconstitucionalidade nº 2390, 2397, e 2386 conhecidas e julgadas improcedentes. Ressalva em relação aos Estados e Municípios, que somente poderão obter as informações de que trata o art. 6º da Lei Complementar nº 105/2001 quando a matéria estiver devidamente regulamentada, de maneira análoga ao Decreto federal nº 3.724/2001, de modo a resguardar as garantias processuais do contribuinte, na forma preconizada pela Lei nº 9.784/99, e o sigilo dos seus dados bancários.

(ADI 2859, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 24-02-2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-225  DIVULG 20-10-2016  PUBLIC 21-10-2016)

[7] I – O art. 6º da Lei Complementar 105/01 não ofende o direito ao sigilo bancário, pois realiza a igualdade em relação aos cidadãos, por meio do princípio da capacidade contributiva, bem como estabelece requisitos objetivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal; II – A Lei 10.174/01 não atrai a aplicação do princípio da irretroatividade das leis tributárias, tendo em vista o caráter instrumental da norma, nos termos do artigo 144, § 1º, do CTN.

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