ARTIGO DA SEMANA – Nova discussão de PIS/COFINS: a indevida exclusão do ICMS na apuração do crédito no regime não-cumulativo

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado da pós-graduação da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

Desde o último dia 01/05/2023, as empresas passaram a conviver com uma nova sistemática de apuração do PIS/COFINS no regime não-cumulativo.

Isto porque, desde 01/05/2023 a Medida Provisória º 1.159/2023 a passa ter plena eficácia.

A MP 1.159/2023 tem um pote de “bondade” e um pacote pesado de maldade.

A “bondade” da MP 1.1159/2023 está nas alterações que promove no art. 1º das Leis nº 10.637/2002 (PIS) e 10.833/2003 (COFINS) de modo a excluir o ICMS da base de cálculo das contribuições.

A “bondade” deve vir entre aspas mesmo porque esta alteração legislativa nada mais é do que o reconhecimento daquilo que o STF decidiu no julgamento da Tese do Século, Tema nº 69 da Repercussão Geral.

O pacote de maldade está nas alterações  ao art. 3º das Leis nº 10.637/2002 (PIS) e 10.833/2003 (COFINS).

A MP 1.159/2023 passa a vedar o aproveitamento do ICMS relativo ao preço pago pelas mercadorias ou insumos adquiridos no cálculo do crédito do PIS/COFINS não-cumulativos.

Segundo a Exposição de Motivos da MP 1.159/2023, a exclusão do ICMS no crédito do PIS/COFINS decorreria da observância do Tema nº 69 da Repercussão Geral. Para o governo, se o ICMS deve ser excluído da receita, também deve ser excluído na apuração do crédito.

O governo parte de premissa equivocada e não é essa a correta interpretação do Tema nº 69 da Repercussão Geral.

O fato de ser mandatória a exclusão do ICMS para efeito de determinação da receita tributável pelo PIS/COFINS não tem qualquer relação com o modo como deve ser calculado o crédito das contribuições na sistemática não-cumulativa. Há, inclusive, decisão judicial neste sentido[1].

É bem verdade que a não-cumulatividade do PIS/COFINS não é disciplinada pela Constituição, ao contrário do que acontece com o IPI e com o ICMS.

O art. 195, §12, da Constituição, reserva à lei a disciplina da não-cumulatividade do PIS/COFINS.

Mas o STF, na definição do Tema nº 756 da Repercussão Geral, fixou as balizas para a definição da não-cumulatividade do PIS/COFINS pelo legislador: “O legislador ordinário possui autonomia para disciplinar a não cumulatividade a que se refere o art. 195, § 12, da Constituição, respeitados os demais preceitos constitucionais, como a matriz constitucional das contribuições ao PIS e COFINS e os princípios da razoabilidade, da isonomia, da livre concorrência e da proteção à confiança.”

Ora, vedar o aproveitamento do ICMS incidente sobre a mercadoria, serviço, energia ou insumo adquirido não é razoável. 

Não faz o menor sentido extirpar parte do preço pago por um bem no cálculo do crédito do PIS/COFINS não cumulativos.

Consequentemente, é preciso ingressar em juízo para discutir mais esta violação à lei e à Constituição no cálculo do PIS/COFINS.  


[1] 8. Não há qualquer vinculo jurídico entre a forma de apuração de débito de PIS/COFINS com a eventual pretensão de incluir na sua base de cálculo o ICMS computado no cálculo dos crédito dessas contribuições. A relação jurídica do crédito é segregada da relação jurídica do débito. A discussão travada na presente ação diz respeito à formação da base de cálculo com as operações de saída. 

9. A decisão proferida no RE no 574.706/PR em nenhum momento trata da base de cálculo dos créditos do PIS/COFINS, muito menos em relação à inclusão do ICMS em tal base de cálculo. O julgamento pela Suprema Corte em nada alterou a forma de apuração dos crédito, permanecendo incólume a legislação que trata do tema. A tese definida no tema no 69 foi de que o conceito constitucional de receita não comporta a parcela atinente ao ICMS e, por isso, não incidem as contribuições ao PIS e COFINS sobre aquela parcela. A conclusão, evidentemente, não tem o condão de modificar a base de cálculo dos crédito das contribuições em questão, que decorre de interpretação do princípio da não-cumulatividade e do custo de aquisição, definidos em lei. A discussão no RE no 574.706/PR cingiu-se em torno do conceito de faturamento, como grandeza de natureza tributável pelo PIS/COFINS

(…) 

15.Apelação e remessa oficial providas em parte. 

(ApelRemNec 5000412-65.2017.4.03.6130, Des. ANTONIO CARLOS CEDENHO, 3a Turma do TRF3, DJEN DATA: 23/06/2021). 

STF reconsidera suspensão de julgamento do STJ sobre base de cálculo de impostos federais

O ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), reconsiderou, em parte, a decisão por meio da qual havia determinado a suspensão do julgamento ou dos efeitos de eventual decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em recurso em que se discutia a exclusão de benefícios fiscais relacionados ao ICMS da base de cálculo do Imposto de Renda das empresas (IRPJ) e da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido). A reconsideração foi feita no Recurso Extraordinário (RE) 835818.

A matéria já foi analisada pelo STJ, que deu ganho de causa à União para permitir a cobrança dos dois tributos federais com a “alíquota cheia”, ou seja, sem o desconto de benefício fiscal estadual ou do Distrito Federal. No Supremo, está em análise processo similar, que discute a possibilidade de exclusão de créditos presumidos de ICMS da base de cálculo de outros dois impostos federais: o PIS e a Cofins (Tema 843 de repercussão geral).

Guerra fiscal

Em petição apresentada nos autos, a União (Fazenda Nacional) alegou a possibilidade de iminente prejuízo caso a liminar do ministro fosse mantida. Segundo esse argumento, a suspensão dos efeitos da decisão do STJ retardaria o desfecho de mais de 5.438 ações judiciais, de impacto econômico-financeiro bilionário, na medida em que a matéria é uma das mais relevantes para o Estado brasileiro. De acordo com a União, as empresas estão interpretando a legislação infraconstitucional de forma equivocada e escriturando créditos tributários não previstos em lei, em prejuízo da arrecadação federal, enquanto os estados promovem guerra fiscal, criando benefícios com o propósito de reduzir a base de incidência de tributos federais.

Insegurança jurídica

Na nova decisão, o ministro considerou plausível o argumento da União quanto à insegurança jurídica gerada por entendimentos distintos do STF e do STJ sobre os reflexos da concessão de isenções tributárias por um estado, em detrimento da base arrecadatória de outro. Mas, “por prudência judicial”, determinou a suspensão da tramitação de todos os processos pendentes que tratem da possibilidade de exclusão, da base de cálculo do PIS e da COFINS, de valores correspondentes a créditos presumidos de ICMS decorrentes de incentivos fiscais concedidos pelos estados e pelo Distrito Federal.

Leia a íntegra da decisão.

VP/AS//CF

Fonte: Notícias do STF

Créditos de PIS e Cofins sobre os “insumos dos insumos” na jurisprudência do Carf

Na coluna de hoje voltamos a um tema que, em alguma medida, já havia sido anteriormente objeto de análise nesse espaço [1], o que se dá em razão de recente decisão da 3ª Câmara Superior do Carf veiculada no Processo Administrativo nº 10865.902025/2013-56 [2], que autorizou o aproveitamento de créditos de PIS/Cofins sobre os chamados “insumos dos insumos”.

No sobredito caso concreto, o contribuinte pleiteava créditos sobre os gastos incorridos na produção de cana-de-açúcar, que, por sua vez, é utilizada como insumo para obtenção de açúcar e álcool. A discussão, portanto, envolve a extensão do conceito de insumo, para fins de creditamento do PIS/Cofins, i.e., se adstrito ao processo fabril ou se alcançando tudo o que componha o processo de produção em sentido amplo.

Como é de plena sabença, durante anos a Receita Federal defendeu a posição de que insumo seria o bem ou serviço diretamente empregado no processo produtivo, e nele consumido. De outro lado, os contribuintes consideravam que a maioria, senão a totalidade de suas despesas, deveria ser enquadrada como insumos. Enquanto, de forma restritiva, a RFB aproximava o conceito de insumo àquele utilizado para fins de creditamento do IPI, os contribuintes defendiam uma interpretação mais elástica, relacionada ao conceito de despesas operacionais para fins de apuração do IRPJ.

No Carf, a respeito do alcance da expressão “insumos”, a jurisprudência se consolidou na posição intermediária, no sentido de que insumo seria o gasto que contribui para a obtenção de receita, a partir dos critérios da essencialidade e da relevância no contexto específico da atividade econômica desenvolvida pelo contribuinte, ou seja, a partir de uma análise casuística da atividade empresarial sob julgamento.

Apesar disso, as controvérsias sobre o tema não se encerraram. É possível encontrar decisões do Carf em que tais critérios não foram, de forma isolada, suficientes para definir o que poderia ou não ser considerado no cálculo do crédito de PIS/Cofins. O exemplo clássico de controvérsia que se perpetuou é exatamente aquele objeto desse artigo.

A maioria dos casos envolve agroindústrias, tal como no processo examinado pela CSRF, tanto que essa discussão também se costuma denominar de “insumos da fase agrícola”. Para ficar na situação mais recorrente, as usinas sucroalcooleiras costumam produzir, na etapa agrícola, a cana-de-açúcar que serve de insumo para a etapa industrial, na qual se obtém o açúcar e o álcool a serem comercializados. Por isso, tais contribuintes sustentam ter direito de crédito na aquisição, por exemplo, de produtos para realização de testes de qualidade e para o preparo do solo, exemplos de “insumos de insumos”.

Apesar da profusão de decisões favoráveis [3][4], o Carf, pela sua Câmara Superior, já negou no passado recente os créditos nessa hipótese particular. Em linhas gerais, o fundamento era de que gastos incorridos na fase anteriora de produção do bem não poderiam ser considerados insumos, nos termos previstos na legislação (Leis 10.637/2002 e 10.833/2003). Cita-se, exemplificativamente, o Acórdão 9303-005.806 (relator Rodrigo da Costa Possas, j. 17/10/2017), do qual se observa a seguinte passagem do voto vencedor:

“(…) As usinas de açúcar e álcool, como se sabe, são estabelecimentos agroindustriais que produzem, a partir da cana, o açúcar, o melaço, a aguardente e o álcool. Além de sua fabricação própria, costumam adquirir a cana de outros estabelecimentos produtores. Pelos motivos aqui adotados (existência autônoma da atividade industrial propriamente dita), a aquisição da cana gera, sim, o direito à apropriação dos créditos correspondentes, não, contudo, os gastos realizados, pela própria Recorrente, no plantio e colheita da cana de açúcar. Pode-se até achar inconveniente, mas é assim que a lei é.”

No entanto, como se sabe, em 2018 foi publicado o acórdão proferido pelo STJ no julgamento do REsp repetitivo 1.221.170. Na ocasião, a Corte adotou os mesmos critérios de essencialidade e relevância que já vinham sendo empregados pelo Carf para exame do que pode ou não ser considerado insumo.

Como decorrência, a Receita Federal editou o Parecer Normativo Cosit 05/2018 para tratar de eventuais reflexos práticos do precedente vinculante do STJ. Dentre outras questões, tratou da possibilidade de apuração de créditos das contribuições na modalidade aquisição de insumos em relação a dispêndios necessários à produção de um bem-insumo utilizado na produção de bem destinado à venda ou na prestação de serviço a terceiros (insumo do insumo).

Em linha com a jurisprudência administrativa e judicial, o referido Parecer reconhece a extensão do conceito de insumos a todo o processo de produçãode bens destinados à venda ou de prestação de serviços a terceiros. Conclui expressamente que a permissão de creditamento retroage no processo produtivo de cada pessoa jurídica para alcançar os insumos necessários à confecção do bem-insumo utilizado na produção de bem destinado à venda ou na prestação de serviço a terceiros, beneficiando especialmente aquelas que produzem os próprios insumos.

Com isso, novos casos tratando dessa matéria foram submetidos ao crivo da CSRF, oportunidade em que aquele órgão julgador, curvando-se ao entendimento exarado pelo Tribunal Superior no citado leading case admitiu o creditamento de PIS/Cofins para insumos empregados na fase agrícola de uma determinada agroindústria, conforme se observa do acórdão 9303-007.864 (relator: Rodrigo da Costa Possas, j. 17/10/2017), assim ementado, verbis

“(…). CRÉDITO. ATIVIDADE FLORESTAL COMO PARTE INTEGRANTE DO PROCESSO PRODUTIVOINSUMOS DE INSUMOS. Afinando-se ao conceito de insumos exposto pela Nota SEI PGFN MF 63/18, bem como considerando a atividade florestal como parte integrante do processo produtivo, ao aplicar o Teste de Subtração, é de se reconhecer o direito ao crédito das contribuiçõessobre: (i) os dispêndios com bens e serviços contratados a terceiros para o plantio clonagem, pesquisa, tratamento do solo, adubação, irrigação, controle de pragas, combate a incêndio, corte, colheita, transporte das toras de madeira, utilizados antes do tratamento físico-químico da madeira, não caracterizados como despesas relacionadas com bens do ativo permanente e que possuem classificação jurídica e contábil como custos de produção, entre eles, serviços florestais de silvicultura/trato cultural das florestas próprias, serviços de viveiros, serviço florestal de colheita, serviços topográficos, controle de qualidade de madeiras, monitoramento florestal, irrigação, terraplenagem; (ii) aluguéis de guindaste operado para manejo de insumos; (iii) transporte de madeira entre a floresta e a fábrica; (iv) lubrificantes, consumidos nos equipamentos, mesmo durante a etapa agrícola; (v) gastos com correias de amarração, estrados, paletes e caixas de papelão, desde que não se configurem em itens imobilizados e (vi) combustíveis empregados no processo produtivo. (…).”

Entendemos que as recentes decisões estão em linha com a racionalidade do PIS/Cofins não-cumulativos. 

De fato, o artigo 195, §12 da Constituição outorgou competência à lei ordinária para definir os setores de atividade econômica que deverão se sujeitar à sistemática não-cumulativa de apuração das contribuições incidentes sobre a receita ou o faturamento, tais como o PIS e a Cofins. Definidos tais setores, a não-cumulatividade até pode ser objeto de algum delineamento legal, mas desde que não haja a supressão da diretriz de neutralidade que a norma da não cumulatividade busca realizar.

Repita-se: ainda que o legislador ordinário tenha certa margem de discricionariedade para disciplinar o regime não-cumulativo, conforme decidido pelo STF-Pleno [5], é certo que o PIS e a Cofins apuradas nessa sistemática devem atender à diretriz de neutralidade para o contribuinte. Do contrário, haverá superposição das incidências (“tributação em cascata”), tornando o sistema cumulativo e sobreonerando os produtos e serviços entregues aos consumidores. Por isso, o modelo deve ser estruturado de forma a eliminar o custo tributário suportado pelo contribuinte para gerar suas receitas.

Portanto, insumo não é somente aquele bem ou serviço aplicado diretamente nos produtos ou serviços. Deve ser considerada a completude do processo produtivo do contribuinte, sob pena de se restringir indevidamente o conceito de insumo que confere lógica ao modelo não-cumulativo. 

Assim, também são insumos os gastos incorridos antes da fase em que se obtém o produto, ou seja, também geram direito de crédito de PIS/Cofins os bens e serviços empregados na elaboração de um novo insumo aplicado na fase subsequente, dentro de sua própria cadeia produtiva.

Logo, é possível considerar como “insumos” os produtos e serviços utilizados na produção dos próprios insumos, desde que esses sejam essenciais e relevantes para a atividade da empresa, tal como acertadamente tem reconhecido o Carf.

Aliás, diante da mais recente decisão do Carf para a matéria, é possível afirmar que jurisprudência do Tribunal se consolidou quanto à possibilidade de creditamento de PIS e Cofins na hipótese de “insumos de insumos”, o que é extremamente salutar para o prestígio do valor segurança jurídica, colaborando para encerrar mais uma das controvérsias que se arrasta há tempos nesse tema.


[1] ConJur – Carf analisa crédito de PIS/Cofins após precedente vinculante do STJ.

[2] O acórdão, de relatoria da conselheira Vanessa Cecconello, ainda está pendente de publicação. 

[3] Cfe. acórdãos 3302-005.844, 3201-004.229 e 3402-004.076

[4] Nesse sentido:

PIS/COFINS NÃO-CUMULATIVO. HIPÓTESES DE CRÉDITO. CONCEITO DE INSUMO. APLICAÇÃO E PERTINÊNCIA COM AS CARACTERÍSTICAS DA ATIVIDADE PRODUTIVA.

O termo “insumo” utilizado pelo legislador na apuração de créditos a serem descontados da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins denota uma abrangência maior do que MP, PI e ME relacionados ao IPI. Por outro lado, tal abrangência não é tão elástica como no caso do IRPJ, a ponto de abarcar todos os custos de produção e as despesas necessárias à atividade da empresa. Sua justa medida caracteriza-se como o elemento diretamente responsável pela produção dos bens ou produtos destinados à venda, ainda que este elemento não entre em contato direto com os bens produzidos, atendidas as demais exigências legais

PIS/COFINS NÃO-CUMULATIVO. AGROINDÚSTRIA. USINA DE AÇUCAR E ÁLCOOL. HIPÓTESES DE CRÉDITO. INSUMO.

Em relação à atividade agroindustrial de usina de açúcar e álcool, configuram insumos as aquisições de serviços de análise de calcário e fertilizantes, serviços de carregamento, análise de solo e adubos, transportes de adubo/gesso, transportes de bagaço, transportes de barro/argila, transportes de calcário/fertilizante, transportes de combustível, transportes de sementes, transportes de equipamentos/materiais agrícola e industrial, transporte de fuligem,/cascalho/pedras/terra/tocos, transporte de materiais diversos, transporte de mudas de cana, transporte de resíduos industriais, transporte de torta de filtro, transporte de vinhaças, serviços de carregamento e serviços de movimentação de mercadoria, bem como os serviços de manutenção em roçadeiras, manutenção em ferramentas e manutenção de rádios-amadores, e a aquisição de graxas e de materiais de limpeza de equipamentos e máquinas.

(9303-004.918, rel. Rodrigo da Costa Possas, j. 10/4/2017) (grifos não constantes no original).

[5] Conforme julgado no RE nº 841.979, com repercussão geral (Tema 756), julgado em sessão virtual encerrada em 25/11/2022.

Diego Diniz Ribeiro é advogado tributarista e aduanerista, sócio do Daniel & Diniz Advocacia, ex-conselheiro titular do Carf na 3ª Seção de Julgamento, professor de Direito Tributário, Direito Aduaneiro, Processo Tributário e Processo Civil, doutorando em Processo Civil pela USP, mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, pós-graduado em Direito Tributário pelo Ibet e pesquisador do NEF da FGV-SP e do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet.

Éric Imbimbo é pós-graduando em Direito Tributário pelo IBDT, advogado tributarista e aduanerista e associado do Daniel & Diniz Advocacia Tributária.

Revista Consultor Jurídico, 3 de maio de 2023, 8h00

Supremo suspende julgamento de atenuação de pena por crimes tributários

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, pediu vista neste sábado (29/4) dos autos do julgamento sobre a validade de normas que atenuam a responsabilização penal por crimes contra a ordem tributária.

O caso vem sendo debatido no Plenário Virtual do STF. O pedido de vista suspende o julgamento, que se estenderia até a próxima terça-feira (2/5).

Histórico
A ação direta de inconstitucionalidade foi ajuizada em 2009 pela então procuradora-geral da República, Deborah Duprat. Ela contestou trechos da Lei 11.941/2009.

A norma instituiu medidas despenalizadoras, como a suspensão da punição por crimes tributários após o parcelamento de débitos e a extinção da punibilidade em caso de pagamento integral.

De acordo com Duprat, a “ameaça de pena” é o que permite a arrecadação de tributos. Por isso, tal lógica não poderia ser abrandada. Ela alegou uma tendência geral ao descumprimento de disposições penais quando se sabe antecipadamente da possibilidade de afastamento da pena.

Votos
Antes do pedido de vista, quatro ministros se manifestaram a favor da constitucionalidade dos dispositivos questionados: Kassio Nunes Marques, Edson Fachin, Dias Toffoli e Rosa Weber, presidente da corte.

Nunes Marques, relator da ADI, explicou que “a previsão de causas extintivas da punibilidade pelo pagamento” em casos de crimes tributários é uma tradição jurídica brasileira. Quase sempre no país se preferiu receber os valores devidos em vez de condenar criminalmente o contribuinte.

De acordo com o magistrado, o parcelamento e o pagamento integral dos créditos tributários incrementam a arrecadação, reparam os cofres públicos pelos crimes e, assim, fomentam a atividade econômica e os empregos.

O ministro argumentou que a reparação do dano também é um objetivo do Direito Penal. Para ele, a sanção penal deve ser o último recurso, aplicado somente quando outras medidas forem insuficientes para proteger o erário.

“As medidas de suspensão e de extinção da punibilidade prestigiam a liberdade, a propriedade e a livre iniciativa ao deixarem as sanções penais pela prática dos delitos contra a ordem tributária como ultima ratio, em conformidade com o postulado da proporcionalidade e da intervenção mínima do Direito Penal”, assinalou o magistrado.

Clique aqui para ler o voto do relator
ADI 4.273

Revista Consultor Jurídico, 30 de abril de 2023, 11h49

ARTIGO DA SEMANA – O STF, incentivos fiscais e os fundos estaduais financiados pelo ICMS

O destaque esta semana é a decisão do Plenário do STF que, por maioria de votos, não referendou a medida liminar deferida pelo Min. Dias Toffoli na apreciação da Medida Cautelar na ADI 7363.

Conforme noticiado aqui, a ADI 7363 versa sobre as normas que criaram o FUNDEINFRA, fundo instituído por leis goianas[1], cujos recursos vêm de contribuições pagas pelas empresas beneficiárias de incentivos fiscais estaduais.

No Estado de Goiás, a fruição de benefício ou incentivo fiscal é condicionado ao pagamento de uma contribuição de 1,65% sobre o valor das operações com mercadorias realizadas pelo contribuinte.

Diversos Estados têm fundos semelhantes ao FUNDEINFRA.

No Estado do Rio de Janeiro chama-se Fundo Orçamentário Temporário (FOT). Já foi chamado de Fundo de Estadual de Equilíbrio Fiscal (FEEF). 

Os recursos do FOT e do antigo FEEF vêm de um depósito realizado pelas empresas incentivadas no valor equivalente a 10%  aplicado sobre a diferença entre o valor do imposto calculado com e sem a utilização de benefícios ou incentivos fiscais concedidos à empresa contribuinte do ICMS[2].

Os recursos provenientes dos contribuintes que possuem incentivos fiscais destinados ao FUNDEINFRA, FEEF, FOT e todos os demais fundos semelhantes são prestações pecuniárias, compulsórias, instituídas por lei, em moeda, não constituem sanção por ilícito e são cobradas mediante ato administrativo vinculado.

As contribuições, depósitos e qualquer outro nome que se escolha para pagamentos devidos por contribuintes do ICMS e destinados ao FUNDEINFRA, FEEF, FOT & Cia. são tributos!

Tributo é um gênero que comporta várias espécies.

O problema é que seja lá a espécie tributária que for, o pagamento destinado aos tais fundos sofre de enorme déficit de constitucionalidade.

Caso se entenda que o pagamento destinado ao FEEF, FOT, FUNDEINFRA e etc… seja uma parcela, adicional, ou substituto do ICMS, a inconstitucionalidade estará na violação ao princípio da não afetação da receita de impostos.

Imposto é tributo que financia as atividades gerais do Estado e por isso não pode ser carimbado. O produto da arrecadação dos impostos não pode ser direcionado a um determinado órgão, fundo ou despesa.

Isto é o que diz com todas as letras o art. 167, IV, da Constituição.

Por isso, a contribuição/depósito/pagamento destinado ao FEEF, FOT, FUNDEINFRA e afins viola a Constituição.

Se os recursos pagos pelas empresas e destinados aos Fundos for um tributo da espécie contribuição, melhor sorte não colherá os Estados.

É que o art. 149 da Constituição prevê que somente a União pode instituir contribuições, salvo as de melhoria e as destinadas à previdência de servidores estaduais, o que está longe de ser o caso.

Logo, a violação à Constituição é igualmente gritante.

Evidentemente que não se cogita tratar-se de um tributo da espécie taxa, visto não ser o pagamento destinado ao financiamento de um serviço público específico e divisível, muito menos atividade decorrente do exercício do  poder de polícia.   

Também não é empréstimo compulsório – o que seria igualmente inconstitucional – porque o pagamento não é devolvido ao contribuinte.

O Min. Dias Toffoli, até anteontem advogado público, viu inconstitucionalidade na contribuição ao FUNDEINFRA (ADI 7363). Concluiu que se trata de uma parcela do ICMS e consequentemente apontou violação ao art. 167, IV, da Constituição.

O Min. André Mendonça, até ontem advogado público, viu inconstitucionalidade na contribuição ao FUNDEINFRA (ADI 7363) e no depósito destinado ao FEEF/FOT (ADI 5635). Em ambos os casos entendeu tratar-se de uma parcela do ICMS e consequentemente apontou violação ao art. 167, IV, da Constituição.

O Min. Luís Roberto Barroso entende que tais depósitos/contribuições/pagamentos são impostos, verdadeiros fragmentos do ICMS. Não viu inconstitucionalidades nos pagamentos mas, tratando-se de ICMS, concluiu que deve ser admitida a compensação de créditos, em observância ao princípio da não-cumulatividade (ADI 5635). Ainda não se sabe o porquê S. Exa. enxergou inconstitucionalidade na contribuição ao FUNDEINFRA (ADI 7363).

Os demais Ministros, seguindo a linha do Min. Edson Fachin, não viram problema algum no FUNDEINFRA, ao menos por enquanto. Acreditaram nas informações do Estado de Goiás no sentido de que não se dá destinação específica ao produto da contribuição que financia o fundo goiano.

A maioria que não referendou a liminar deferida pelo Min. Dias Toffoli precisa entender que o problema não está naquilo que o Estado diz que fez ou vai fazer com o produto da arrecadação, mas no que a lei diz sobre para onde a contribuição/depósito/pagamento vai.

Como a lei cria e destina recursos a um Fundo, está evidente que o pagamento terá destinação específica, a saber, o próprio Fundo! 


[1] Lei nº 21.670/2022 e Lei nº 21.671/2022

[2] Lei nº 8.645/2019

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