Oportunidades da transação tributária federal: será que agora vai?

A partir da divulgação dos atos que regulamentam a transação tributária relativa a débitos inscritos em dívida ativa e para a resolução do contencioso judicial e administrativo, respectivamente, a Portaria PGFN/ME nº 6757/2022 e a Portaria RFB nº 208/2022, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e a Receita Federal passaram a apostar suas fichas na atração do interesse dos contribuintes em transacionar seus débitos.

Todos sabem que a Lei nº 13.988/2020 foi o marco instituidor dessa modalidade de liquidação de dúvidas. Relembre-se que, até então, vigiam os programas de parcelamentos especiais, concedidos de tempos em tempos, tais como os chamados de “Refis”, “Refis da crise”, “Refis da Copa”, “Paes” e “Pert”, onde as concessões de redução de multa e juros e prazos de pagamento eram oferecidas indistintamente a todos os contribuintes, independentemente da saúde financeira de cada um.

Diferentemente, na transação celebrada com a Fazenda há um ranqueamento da dívida tributária entre aquela de alta, média, difícil ou de impossível recuperabilidade, isso, à luz da situação econômica individual do devedor. Regra geral, quanto mais difícil a situação de recuperabilidade dos débitos tributários maiores serão os descontos especiais para o pagamento e a liquidação do débito.

Em 22 de junho deste ano foi publicada a Lei nº 14.375/2022 trazendo modificações na legislação até então vigente com o objetivo de estimular o interesse dos contribuintes em transacionar suas dívidas com a União, inserindo no espectro desse acordo os débitos do contencioso administrativo fiscal,  além da regra geral da concessão de redução de até 65% do valor total dos valores a serem transacionados, parcelamento em até 120 meses e , principalmente, a possibilidade de uso  de prejuízo fiscal de IRPJ e de base negativa da CSLL para pagamento de até 70% do saldo remanescente após as reduções, créditos esses do próprio devedor, do responsável ou oriundos de empresas vinculadas societariamente, entre outros.

Nosso objetivo é aqui tecer alguns comentários sobre essa última medida citada, relativa à possibilidade de uso dos saldos de prejuízo fiscal e da base negativa da CSLL, algo que despertou um grande interesse nas empresas diante da possibilidade de escoamento desses créditos fiscais, os quais, muitas vezes, nem mesmo podem ser registrados contabilmente em face da falta de perspectiva de utilização mediante a contraposição a lucros tributáveis futuros.

A Portaria da PGFN nº 6.757/2022 tem um capítulo inteiro dedicado a esse tema. Prevê que esses créditos serão elegíveis para compor o plano de regularização à critério da Procuradoria e que seu uso somente será cabível em relação a créditos considerados irrecuperáveis ou de difícil recuperação e, ainda, se inexistentes ou esgotados outros créditos em desfavor da União. Além disso, é vedado o uso desse benefício nas transações por adesão e na transação simplificada (débitos superiores a R$ 1 milhão e inferiores a R$ 10 milhões).

A indicação de todas essas condições causou surpresa, pois não encontramos tais restrições expressas na Lei nº 14.375/2022 que introduziu esse mecanismo nas transações justamente para despertar o interesse do contribuinte. A portaria aludida provoca, nesta medida, o efeito contrário ao pretendido pela citada norma, frustrando as expectativas de muitos contribuintes que viam a possibilidade de discutir com a procuradora um acordo para liquidação de seus débitos, tendo esses créditos como elementos de composição dos acordos.

De seu turno, a recém editada Portaria RFB nº 208/2022 admite a liquidação de até 70% do saldo remanescente com a utilização de créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL na transação de créditos tributários em contencioso administrativo fiscal.

Embora o ato citado estabeleça que o uso desses créditos será concedido a exclusivo critério da RFB, não apresenta as demais condicionantes impostas pela PGFN em detrimento da abertura legal conferida para o uso desses créditos, o que pode representar um caminho mais largo para as negociações de débitos em processos administrativos.

Não obstante esses esclarecimentos trazidos nas citadas portarias, remanescem dúvidas acerca de como será efetuada a análise da capacidade econômica do sujeita passivo pretendente à transação. Sabe-se que, a depender dos parâmetros citados nos atos antes citados, os débitos serão classificados e graduados como do tipo “A” (débito com alta perspectiva de recuperabilidade) até o tipo “D” (débitos irrecuperáveis). Quanto maior a dificuldade de recuperação dos débitos, maiores serão os descontos.

Dependendo do rating apurado, a PGFN e a RFB poderão reduzir ou mesmo não aceitar o pedido de negociação desses créditos. Ademais, mesmo diante de um pedido individual que preencha as condições legais e regulamentares, não se pode garantir que esses entes vão aceitar o acordo pois os referidos órgãos públicos têm o poder discricionário de transacioná-los ou não.

A questão é saber se essas autoridades fiscais estariam dispostas a sentar à mesa de negociações com contribuintes detentores de créditos com alta e média perspectiva de recuperação. Cogitamos, nesse caso, da situação hipotética de uma empresa, com boa saúde financeira, em litígio com a administração tributária por entender indevida determinada imposição fiscal de alto valor, em relação à qual há diferentes visões interpretativas da norma aplicável, em débito superior a R$ 10 milhões. Esse contribuinte poderia estar disposto a renunciar a essa discussão diante da possibilidade de transacionar, mediante o uso de seus créditos de prejuízo fiscal e base negativa. Não estamos aqui a tratar da chamada transação sobre tese (contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica) em relação a qual a transação somente ocorre por adesão e em condições específicas.  

Com efeito, considerando que não há vedação expressa na legislação nem nas citadas Portarias, empresas com perfil A e B de recuperabilidade poderiam propor a transação, abrindo mão de suas alegações de direito,mediante concessão de prazo de pagamento e com o uso de seus saldos de prejuízo fiscal e de base negativa, ainda que não contassem com os descontos que são conferidos para situações de créditos irrecuperáveis e de difícil recuperação.

Os entes públicos, de sua parte, concordando com a proposição deste tipo de contribuinte, estariam garantindo o cumprimento de dois princípios e objetivos da transação expressos nas portarias publicadas, quais sejam, o da redução da litigiosidade e do atendimento do interesse público.

A redução da litigiosidade seria de claro atendimento, pois o contribuinte desistiria da discussão com o fisco resolvendo pagar o débito sob discussão; além disso, o interesse público também seria observado na medida em que ingressos de recursos financeiros seriam antecipados aos cofres públicos, numa situação em que, não houvesse a transação, tal valor não chegaria ao Tesouro caso o fisco fosse vencido na discussão ou, ainda que ganhasse, decorreria um longo lapso de tempo até que se alcançasse a fase de monetização com o pagamento do débito.

Portanto, parece possível a construção de tal quadro para viabilizar a canalização para a transação de um volume maior de débitos ou inscritos em contencioso administrativo fiscal, desafogando, ainda, o Judiciário e a máquina pública na administração de parte dos processos em curso.

De qualquer sorte, é recomendável que as empresas avaliem esse tipo de negociação, procedendo o mapeamento dos seus débitos, inclusive aqueles objeto de impugnação e de recurso no âmbito de um processo administrativo tributário, avaliando as suas exposições fiscais vis-à-vis a jurisprudência administrativa e judicial a respeito do tema, bem como efetuando a compilação dos saldos de prejuízos fiscais e bases negativas da CSLL das empresas do grupo e análise da perspectiva de utilização. 

A transação é um caminho salutar num país como o Brasil, de altíssima litigiosidade tributária, cenário totalmente adverso aos interesses e ao desenvolvimento do país. Por isso, contribuintes e fisco devem tentar se compor.

Evany Oliveira é sócia da RVC Advocacia e Consultoria Tributária e Empresarial.

Revista Consultor Jurídico, 25 de agosto de 2022, 19h26

PROMESSAS TRIBUTÁRIAS DE CAMPANHA

Ainda de olho nas campanhas eleitorais, observamos dois temas tributários que ganharam repercussão nesta semana: a criação de um imposto sobre grandes fortunas e a correção da tabela do Imposto de Renda das Pessoas Físicas.

Para mitigar a situação dos que vivem sob extrema pobreza, Ciro Gomes propõe a criação de um benefício previdenciário constitucional que irá englobar o Auxílio Brasil, a aposentadoria rural e o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Para financiar o tal benefício previdenciário constitucional, Ciro Gomes conta com as atuais fontes de custeio, mas também propõe uma receita extra originária do Imposto Sobre Grandes Fortunas (IGF).

Sem entrar no mérito dos valores que podem ser arrecadados com o IGF, não podemos deixar de apontar um óbice constitucional gravíssimo à proposta de Ciro Gomes: tratando-se de um imposto, o total arrecadado a título de IGF não poderá ter uma destinação específica.

O legislador constituinte, fiel à natureza não vinculada dos impostos – esta importante espécie tributária – fixou, no art. 167, IV, o famoso princípio da não afetação da receita de impostos. Este princípio segue uma lógica bem arraigada no Código Tributário Nacional: como os impostos não têm como fato gerador uma atividade estatal, muito pelo contrário, o produto de sua arrecadação não pode financiar uma despesa específica.

Portanto, Ciro Gomes, busque outra fonte de receita para o seu  benefício previdenciário constitucional, desde que não seja uma CPMF, por favor!

As campanhas de Lula, Bolsonaro e do próprio Ciro Gomes estão divulgando a necessidade de correção da tabela do imposto de renda devido pelas pessoas físicas (IRPF).

O que muda são os limites de isenção e as novas faixas de tributação que propõem.  

A preocupação em corrigir a Tabela do IRPF é legítima, mas como defendemos há anos, não é melhor solução para o problema.

Corrigir a Tabela não soluciona o mais importante problema do IRPF no Brasil: a exata fixação da base de cálculo do imposto.

Diversamente de outros países, o IRPF brasileiro incide sobre rendimentos que são utilizados pelo cidadão para sua subsistência e que representam gastos realizados pelas pessoas físicas para arcar com despesas que são dever do Estado.

A dedução de despesas médicas somente na Declaração faz com que o contribuinte acabe por antecipar durante o ano mais imposto do que deveria pagar. Além disso, por mais que sejam dedutíveis na DIPF os gastos com a mensalidade do plano de saúde e outras despesas médicas, a pesada conta dos remédios pagos na farmácia não pode ser abatida, como se o profissional de saúde tivesse o dom de resolver todos os problemas sem a prescrição de medicamentos.

A dedução das despesas com instrução somente na Declaração também perpetua injustiça, isto sem contar o limite na dedução desta despesa que precisa ser abolido.

Também há casos em que a legislação brasileira não admite em hipótese alguma a dedução. Basta lembrar que, no Brasil, as despesas necessárias à habitação – aluguéis ou prestações da casa própria – não podem ser deduzidas no cálculo do IRPF, seja a cada mês, seja na DIPF. 

Estas são apenas algumas situações que fazem com que o IRPF incida sobre rendimentos que são utilizados em despesas necessárias à existência digna do ser humano, o chamado mínimo existencial.

Há um novo Congresso Nacional em formação. Fica o alerta…

STF confirma invalidade de aumento da contribuição previdenciária de transportadores autônomos

O Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou sua jurisprudência sobre a inconstitucionalidade de normas que alteraram a base de cálculo da contribuição previdenciária devida sobre a remuneração de trabalhadores autônomos em fretes, carretos e transporte de passageiros. A decisão, unânime, foi no Recurso Extraordinário (RE) 1381261, com repercussão geral (Tema 1.223).

Legalidade tributária

O recurso foi interposto por uma empresa do ramo de transporte e logística contra decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, contrariando a jurisprudência do Supremo, havia reconhecido a legalidade do Decreto 3.048/1999 e da Portaria 1.135/2001 do então Ministério da Previdência e Assistência Social.

O argumento era de que o Supremo, no julgamento do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança (RMS) 25476, já havia analisado a matéria e reconhecido a inconstitucionalidade da contribuição previdenciária e a ilegalidade da portaria, mas o STJ deixou de aplicar esse entendimento por não ter força vinculante.

Jurisprudência

Em seu voto, o relator do RE, ministro Dias Toffoli, observou que de acordo com a redação da Lei 8.212/1991 (Lei Orgânica da Seguridade Social), vigente na época da edição do decreto e da portaria, a contribuição social a cargo da empresa seria de 20% sobre a remuneração paga ou creditada aos transportadores autônomos.

As normas, no entanto, alteraram a base de cálculo ao estipular que, no lugar da remuneração efetivamente paga, fosse considerado o resultado de um percentual (de 11,71% ou de 20%) incidente sobre o valor bruto do frete, carreto ou transporte de passageiros. No julgamento do RMS 25476, o Plenário considerou, então, que a portaria alterara a base de cálculo do tributo prevista em lei, em violação ao princípio da legalidade.

O Plenário acompanhou o voto do relator para cassar a decisão do STJ e restabelecer a do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que reconhecia a inconstitucionalidade das normas e restabelecia a disciplina da Lei 8.212/1991.

Tese

A tese de repercussão geral fixada foi a seguinte: “São inconstitucionais o Decreto nº 3.048/99 e a Portaria MPAS nº 1.135/01 no que alteraram a base de cálculo da contribuição previdenciária incidente sobre a remuneração paga ou creditada a transportadores autônomos, devendo o reconhecimento da inconstitucionalidade observar os princípios da congruência e da devolutividade”.

FONTE: Notícias do STF

A REFORMA TRIBUTÁRIA QUE NÃO VEM

O início do período de campanha eleitoral para a Presidência da República reacende a discussão sobre a Reforma Tributária. O tema é tratado em todos os programas de governo, defendido por todos os candidatos e aprovado por todas as equipes envolvidas na campanha.

Mas é evidente que nenhuma Reforma Tributária, com R e T maiúsculos, será aprovada nos próximos quatro anos, como não foi nos últimos 34 anos.

De 05/10/1988 para cá, a Constituição sofreu alterações pontuais. Criou-se um imposto provisório aqui, uma contribuição provisória acolá, ambos sobre a movimentação financeira, claro… A substituição tributária foi constitucionalizada, espancando qualquer dúvida sobre a possibilidade de tributação sobre operações ainda não realizadas. A competência tributária da União em matéria de contribuições foi ampliada, de modo que hoje até sobre as importações há contribuição específica, para além do II, IPI, ICMS e ISS que já incidiam sobre a entrada de produtos e serviços importados. Os Estados também foram beneficiados por Emendas Constitucionais, ou alguém se esqueceu da ampliação do ICMS nas importações e da constitucionalização dos Fundos de Combate à Pobreza? Municípios e o Distrito Federal não ficaram de fora do elastecimento da competência tributária, bastando lembrar das contribuições de iluminação pública criadas por Emenda Constitucional.

A Reforma Tributária que realmente importa para o desenvolvimento econômico e para a racionalização do que é totalmente irracional ainda não foi promulgada nos últimos 34 anos!

Emendas vão, emendas vêm, mas ainda convivemos com a múltipla incidência de tributos sobre o faturamento das empresas. A cada ano que passa, perde-se a oportunidade de acabar com a tributação sobre a folha de pagamentos. Entra ano e sai ano, e a Constituição continua prevendo várias incidências tributárias sobre as importações, como se vivêssemos num país autossuficiente e num mundo sem globalização.

Se não há Reforma no âmbito constitucional, a esperança está naquilo que pode ser reformado através de leis ordinárias e/ou complementares.

Diante disso, tomara que o novo Congresso demonstre preocupação com o caótico conceito de insumos na apuração do PIS/COFINS, finalmente estabeleça o imediato creditamento do ICMS sobre a aquisição de bens de uso e consumo, determine uma base de cálculo justa no imposto de renda devido pelas pessoas físicas, autorize a ampla utilização/transferência de todo saldo credor do ICMS, acabe com as restrições à compensação tributária, enfim, faça a sua parte, deputado e senador!

Fica o desabafo… 

EXCLUSÃO DO PIS/COFINS DE SUAS PRÓPRIAS BASES DE CÁLCULO

Com o julgamento da Tese do Século (exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS, RE 574.706, Tema 69 de Repercussão Geral), abriu-se a possibilidade de novo questionamento envolvendo as bases de cálculo do PIS/COFINS.

Trata-se da possibilidade das contribuições para o PIS e a COFINS serem excluídas das próprias bases de cálculo.

Esta discussão envolve a indevida e inconstitucional definição da base de cálculo das contribuições para o PIS e da COFINS a partir da redação dada pela Lei nº 12.973/2014 às Leis nº 10.637/2002, 10.833/2003 e ao Decreto-Lei nº 1.598/77.

O art. 12, §5º, do Decreto-Lei nº 1.598/77,  alterado pela Lei nº 12.973/2014, passou a dispor que “Na receita bruta incluem-se os tributos sobre ela incidentes…”.

Como o PIS/COFINS incide sobre a receita bruta, as contribuições passam a integrar as próprias bases de cálculo.

O problema é que, através da Lei nº 12.973/2014, o legislador ordinário está elastecendo, de forma não autorizada pela Constituição, o conceito de receita definido pelo legislador constituinte.

Se a Constituição fixou a competência da União para instituir contribuições de seguridade social sobre a receita ou faturamento das empresas (art. 195, I, “b”), os tributos exigidos com fundamento nesta competência não podem incidir sobre os ingressos ou entradas no caixa que não são destinados ao contribuinte, mas repassados à União, aos Estados e/ou aos Municípios.

Isto, aliás, foi o que ficou decidido pelo STF no julgamento da Tese do Século.

Embora a tese da exclusão do PIS/COFINS de suas próprias bases de cálculo já esteja em discussão no STF (RE 1.233.096, Tema 1.067 da Repercussão Geral), nunca é demais lembrar: no julgamento da Tese do Século, só puderam obter o aproveitamento integral do que foi pago indevidamente os contribuintes que, à época do julgamento, já mantinham discussão idêntica em juízo.

Por isso é que as empresas não podem perder tempo e devem ingressar em juízo para discutir a exclusão do PIS/COFINS de suas próprias bases de cálculo.

Fica o alerta…

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