Contribuinte pode discutir pendência diretamente com o Judiciário, diz STJ

A 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça determinou, por unanimidade, que o contribuinte pode ir direto ao Judiciário, sem passar pela esfera administrativa, para discutir eventual pendência com a Receita Federal. A decisão foi noticiada pelo jornal Valor Econômico.

No caso concreto, uma agência de publicidade conseguiu anular a cobrança gerada após erro cometido no preenchimento da Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais. O caso é de 1998.

Um acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região havia negado o pedido por considerar que a empresa poderia ter pedido a retificação da declaração administrativamente.

O relator, ministro Gurgel de Faria, destacou que o processo tramitava há 24 anos “por um erro”. Segundo ele, nesse caso também não seria obrigatório buscar antes a via administrativa, já que “a pretensão não era de retificar o documento, mas de anular o crédito tributário exigível”.

O ministro ainda analisou que a decisão do TRF-4 seria correta se o pedido da empresa fosse apenas para retificar a declaração, mas, como o contribuinte não fez a correção, o tributo foi lançado e passou a ser exigido. Dessa forma, Gurgel entendeu que seria dispensável o requerimento administrativo.

REsp 1.753.006

Revista Consultor Jurídico, 20 de setembro de 2022, 20h52

Após decisões do Supremo, STJ cancela súmulas 212 e 497, de Direito Tributário

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça cancelou as Súmulas 212 e 497, ambas relativas ao campo do direito tributário.

A Súmula 212 determinava que “a compensação de créditos tributários não pode ser deferida em ação cautelar ou por medida liminar cautelar ou antecipatória”. Seu cancelamento decorreu do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.296 pelo Supremo Tribunal Federal.

Segundo o tributarista Breno Dias de Paula, “a proibição estabelecida em sede jurisprudencial não deveria significar que o mandado de segurança não poderia ser utilizado para fins de declaração do direito de compensação tributária”.

Já a Súmula 497 estabelecia que “os créditos das autarquias federais preferem aos créditos da Fazenda estadual desde que coexistam penhoras sobre o mesmo bem”. O dispositivo foi cancelado por estar em desacordo com o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 357, também pelo STF.

Conforme explicou o relator, ministro Benedito Gonçalves, em ambos os casos houve o efeito vinculante das decisões do STF.

Os enunciados sumulares são o resumo de entendimentos consolidados nos julgamentos da corte e orientam toda a comunidade jurídica sobre a sua jurisprudência.

A decisão será publicada no Diário da Justiça Eletrônico, por três vezes, em datas próximas, nos termos do artigo 123 do Regimento Interno do STJCom informações da assessoria de imprensa do Superior Tribunal de Justiça.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 17 de setembro de 2022, 10h43

ARTIGO DA SEMANA – APRIMORAMENTO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL ESTADUAL

A decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo sobre o voto de qualidade no Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) que apresentamos como destaque desta semana nos leva a refletir sobre a necessidade de aprimoramentos no Processo Administrativo Fiscal do Estado do Rio de Janeiro. 

Sem prejuízo da conclusão dos trabalhos da comissão instalada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Senado Federal, há medidas legais e infralegais que devem ser adotadas pelas autoridades fluminenses com o objetivo de melhorar a qualidade do processo administrativo fiscal fluminense.

Todos que militam no processo administrativo fiscal do RJ ficariam agradecidos se a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) aprovasse projetos de lei para o aperfeiçoamento do processo Administrativo Fiscal.

A primeira medida legislativa que se impõe é a extinção do voto de qualidade dos presidentes de Câmara do Conselho de Contribuintes.

A partir da publicação da Lei (federal) nº 13.988/2020 e da maioria que se formou no julgamento das ADIs 6399, 6403 e 6415, não faz mais nenhum sentido o silêncio do legislador fluminense acerca da extinção do voto de qualidade pelos Presidentes de Câmaras do Conselho de Contribuintes do Estado do Rio de Janeiro.

Considerando que há Câmaras privativamente presididas por conselheiros representantes dos contribuintes (2ª e 3ª), a discussão pelo fim do qualidade no processo administrativo fiscal estadual ganha especial relevância, na medida em que a tese defendida não é o fim de um julgamento pró fisco mas, sobretudo, da supremacia de um julgamento justo.

Num Estado Democrático de Direito que prima pela isonomia e paridade de armas na dialética processual, nada justifica que o voto de um julgador – seja representante da Fazenda ou dos Contribuintes – tenha maior peso do que os de seus pares. Portanto, já passou da hora do voto de qualidade ser extirpado do processo administrativo fiscal estadual.

Os legisladores estaduais também precisam incluir dispositivo no Decreto-Lei nº 05/75 (Código Tributário Estadual) prevendo os embargos de declaração como um dos recursos no processo administrativo fiscal estadual.

Trata-se de recurso consagrado na legislação processual brasileira que tem por objetivo o aperfeiçoamento dos julgados, evitando a manutenção de decisões contraditórias, obscuras ou omissas.

À míngua de previsão legal para a oposição de embargos de declaração, os contribuintes arguem a nulidade dos julgados, muitas vezes acolhida, resultando em novos julgamentos pela instância recorrida com evitável dispêndio de tempo, recursos materiais e humanos.

A legislação tributária estadual também precisa ser aperfeiçoada para deixar expresso que os autos de infração e as notas de lançamento deverão estar instruídos com todos os termos, depoimentos, laudos e demais elementos de prova indispensáveis à comprovação do ilícito.

Lamentavelmente, os autos de infração lavrados pela fiscalização da SEFAZ não costumam anexar todos os elementos de convicção  utilizados pelo autuante para a formalização da exigência fiscal. Consequentemente, o processo administrativo se inicia com indexável prejuízo ao direito de defesa, que poderá ser evitado ser a legislação impor aos Auditores Fiscais o dever da melhor instrução possível aos autos de infração/notas de lançamento.

Outra medida que representaria importante avanço no processo administrativo fiscal estadual seria a previsão de suspensão dos processos versando sobre matérias que estão submetidas à apreciação do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça sob os ritos da Repercussão Geral ou dos Recursos Repetitivos.

A adoção desta medida pelo legislador estadual irá ao encontro da desejável harmonia ente as decisões administrativas e judiciais, também afastando um desnecessário ingresso em juízo para a discussão de matérias pacificadas nos Tribunais Superiores.

O processo administrativo fiscal do Estado do Rio de Janeiro também precisa ser aperfeiçoado para, do ponto de vista legislativo, prever patamar razoável para a interposição de recurso de ofício pela autoridade julgadora de primeira instância. 

Mantida a regra atual – em que o recurso de ofício se constitui como uma regra – o julgamento de primeira é desprestigiado, significa um mero ritual de passagem, sem contar o desnecessário congestionamento nas pautas de segunda instância, abarrotadas de recursos de ofício absolutamente desnecessários.

É igualmente urgente que seja extinto o recurso exclusivo da Representação Geral da Fazenda ao SEFAZ. Este recurso hierárquico, por mero descontentamento face às teses definidas em julgamento colegiado, está longe de ser meio de controle da legalidade do ato administrativo. Trata-se, na verdade, de pura irresignação de uma das partes face ao decidido, repita-se, por órgão julgador colegiado.

Recorrer ao SEFAZ para reformar decisão tomada por um colegiado deve ser a exceção e só faz sentido se a decisão recorrida for absolutamente nula ou fruto de atuação fora da competência do colegiado.  Como o STJ já decidiu “a necessidade de controlar pressupõe algo descontrolado” (MS 8.810, DJ 06/10/2003). Meras irresignações, portanto, não podem dar ensejo à revisão de acórdãos pelo SEFAZ.

Também não podemos deixar de mencionar a necessidade de ser alterada a praxe adotada por diversos órgãos julgadores administrativos que, reconhecendo nulidade do processo ou de qualquer ato administrativo, não se preocupam em analisar o mérito do pedido e com isso simplesmente acolhem a nulidade, determinando que outro ato ou decisão  seja proferido em boa e devida forma.

Melhor seria, contudo, que mesmo se tratando de nulidade, as autoridades administrativas enfrentassem o mérito nos casos em que se puder decidir favoravelmente ao sujeito passivo.

A adoção desta providência, já prevista no processo administrativo fiscal federal (art. 59, § 3º, do Decreto nº 70.235/72) é medida de justiça fiscal e de evidente economia processual, abreviando a tramitação de processos que, ao fim e ao cabo, culminarão no afastamento de exigências fiscais descabidas.

Outra medida importante que precisa ser tomada está na comunicação das decisões administrativas.

Desde há muito – quem sabe até desde sempre – adotou-se como praxe no processo administrativo fiscal estadual a adoção de portarias de intimação para a comunicação de decisões de primeira ou segunda instâncias.

Nada contra a utilização das Portarias Intimação, não fosse o fato de  em todas elas constar a seguinte expressão: “O processo administrativo respectivo, contendo o inteiro teor do despacho acima mencionado, encontra-se à disposição dos interessados no endereço da repartição fiscal abaixo mencionada”.

Em razão da expressão acima transcrita, as diversas repartições simplesmente não anexam cópia integral da decisão administrativa proferida pelo Auditor-Chefe, pela Junta de Revisão Fiscal ou pelo Conselho de Contribuintes do Estado do Rio de Janeiro.

Pior ainda, sequer a ementa da decisão é transcrita na Portaria de Intimação, de modo que a expressão “do despacho acima mencionado” chega a ser falaciosa, visto que as Portarias limitam-se a informar a parte dispositiva da decisão.

Desnecessário dizer que a falta de juntada do inteiro teor da decisão administrativa caracteriza evidente prejuízo ao direito de defesa, na medida em que subtrai do contribuinte o direito de prontamente saber o conteúdo da decisão que repercute negativamente em sua esfera de interesses, fazendo-o perder precioso tempo na elaboração de seu recurso.

E nem se diga que o alerta de que o processo administrativo está à disposição na repartição competente é motivo para sanar a evidente irregularidade. Basta lembrar que, não raro, o interessado poderá estar estabelecido em outro município, mas circunscrito a uma Auditoria Especializada, por exemplo, localizada na capital. Além disso há casos em que o interessado está localizado em outro Estado, mas recebeu Portaria de Intimação dirigida por Chefe de Posto Fiscal. Portanto, é muito provável que o contribuinte perca bastante tempo até reunir condições para, deslocando-se à repartição fiscal, ter acesso ao inteiro teor da decisão.

Ademais, a utilização das Portarias de Intimação sem a devida juntada da decisão administrativa também representa violação a expressa previsão da legislação tributária estadual, precisamente ao artigo 36, parágrafo único, do Decreto nº 2.473/79, segundo o qual “A intimação de decisão será acompanhada de cópia ou resumo do ato.”

Portanto, é preciso que sejam adotadas medidas administrativas e/ou infralegais para que tais violações ao direito de defesa deixem de ser praticadas.

Como se vê, há muito trabalho pela frente. Atos legais, infralegais e administrativos podem mudar o rumo de um processo administrativo que precisa ser aprimorado para conferir maior justiça, eficácia e prestígio ao direito de defesa.

O momento de renovação do Executivo e Legislativo é propício para a implementação de mudanças.

A rigor, não é preciso esperar que o resultado dos trabalhos da comissão instalada pelo STF e Senado se transforme em normas legais. Cabe ao TJRJ, ALERJ e ao Governo do Estado formarem comissão com representantes do CRC, da classe dos advogados – não necessariamente da OAB/RJ – e representantes do empresariado para promover uma discussão com vistas a aprimorar o processo administrativo fiscal estadual.

Perse: direito à alíquota 0 a quem não tem Cadastur no momento da publicação da lei

É inegável o gigantesco prejuízo econômico que as empresas e os profissionais que prestam serviços essencialmente dependentes da presença física de seus clientes sofreram com as medidas de restrição de circulação de pessoas durante a pandemia do coronavírus, sobretudo durante o período de março de 2020 até o final de 2021. Como poderiam restaurantes, salões de festas, por exemplo, manterem o mesmo nível de receita que auferiam anteriormente ao período pandêmico se a recomendação mundial era para que todos permanecessem em suas casas?

Com o intuito de compensar esse rombo financeiro, que invariavelmente reflete em substancial diminuição na arrecadação de tributos, entendeu por bem o Congresso conceder alíquota zero para o Imposto de Renda, PIS/Pasep, Cofins e CSLL a todas as empresas pertencentes ao setor de eventos, bem como aos bares e restaurantes durante o período de cinco anos, contados da publicação da Lei Federal nº 14.148/2021, instituidora do denominado “Programa Perse — Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos”.

Apesar das razões positivas que estruturaram essa benesse fiscal, a sensível repercussão na perda de arrecadação imediata, levou o Poder Executivo a impor resistência à implantação da medida. 

O primeiro obstáculo enfrentado pela medida foi o veto realizado pelo presidente da República, em que pese este reconhecer o motivo legítimo do benefício pretendido. Nas razões do veto presidencial argumentou que haveria óbice jurídico por não haver a estimativa de impacto orçamentário, bem como por supostamente violar a isonomia tributária [1]. Em razão disso, para o desgosto dos contribuintes que seriam beneficiados pela alíquota zero, a Lei Federal nº 14.148/2021 foi publicada em 4/5/2021 sem conceder o benefício originariamente presente no projeto de lei.

Todavia, o apelo do setor empresarial pertencente a tais setores para a criação de maiores benefícios fiscais em contrapartidas às perdas financeiras decorrentes das medidas públicas de lockdown, em razão dos efeitos da Covid-19 — que levou várias atividades empresariais à falência — provocou a movimentação do Congresso para derrubar o mencionado veto presidencial e restabelecer a alíquota zero aos referidos tributos federais.

Dessa forma, as partes vetadas da lei foram finalmente publicadas em 18/3/2022, momento no qual passou a vigorar a alíquota zero para os referidos tributos federais incidentes sobre lucro e faturamento, a serem aplicadas automaticamente a diversas empresas dos setores de eventos, bares e restaurantes, conforme códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (Cnae) a ser definidos por Ato do Ministério da Economia (artigo 2º, §2º).

Entretanto, ausentes demais mecanismos constitucionais para impedir o prosseguimento da concessão da alíquota zero a tais contribuintes, haja vista que o veto já havia sido derrubado, o Poder Executivo passou a se valer de estratégia ilegal para perseguir seu intento de obstar a concessão do benefício. É que o Poder Executivo, impondo um novo obstáculo à alíquota zero perseguida pelo Poder Legislativo, dessa vez por intermédio da Portaria nº 7.163/2021, editada pelo Ministério da Economia, resolveu restringir ilegalmente o benefício, por meio desse ato regulamentar.

Embora o §1º, do artigo 2º, da Lei nº 14.148/2021, seja expresso em listar todos aqueles que poderão se valer do benefício, o Poder Executivo optou por restringir alguns contribuintes listados no “Anexo 2” da Portaria do Ministro da Economia nº 7.163/2021, nos termos de seu artigo 1º, §2º. 

Isso porque essa Portaria condicionou a concessão do benefício apenas para empresas que estivesses regularmente inscritas no Cadastur (Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos) na data da publicação da Lei Federal nº 14.148/2021, mesmo não sendo esse cadastro uma condição para o exercício da atividade. Assim, o Poder Executivo terminou em excluir, à míngua da Lei, quem não tivesse a mencionada inscrição no Cadastur.

Sob o ponto de vista jurídico, sabe-se que os atos infralegais, ainda que normativos, só podem regular e especificar dentro da moldura legal estabelecido na Lei de referência. Por isso, sabe-se que não é cabível ao Poder Executivo dispor, condicionar, ou impor aquilo que não foi previamente delimitado pelo Poder Legislativo, sob pena daquele fazer as vezes deste, em evidente afronta ao princípio da separação de poderes consagrado no artigo 2º da CRFB/88 [2], bem como ao núcleo essencial do princípio da legalidade administrativa.

Com efeito, se o legislador não exigiu, na Lei Federal nº 14.148/2021, o requisito de prévio cadastro no Cadastur, não poderia o ministro da Economia fazê-lo, sob pena de grave violação ao sentido democrático essencial que rege o Estado de Direito, que é a legalidade.

No caso de bares e restaurantes, esse prévio cadastro sequer é obrigatório pela legislação de regência (artigo 22, da Lei 11.771/2008). Nesse sentido, de forma surpreendente, os bares e restaurantes foram informados de que aquilo que outrora era facultativo, passou a ser obrigatório, sem lhes conceder, contudo, quaisquer oportunidades de enquadramento, visto que a exigência é retroativa — nos termos do decreto, os bares e restaurantes deveriam ter o Cadastur na data da publicação da Lei Federal nº 14.148/21.

Nesse contexto de entraves institucionais criados pelo Poder Executivo para viabilizar a legítima fruição do benefício fiscal de alíquota zero por parte de certas empresas, resta saber como será a posição do Poder Judiciário frente a essa evidente violação aos limites do poder regulamentar. 

Nesse cenário, vislumbra-se o ajuizamento crescente ações judiciais visando resguardar tais empresas quanto ao direito de não recolher os referidos impostos federais pelo prazo 60 meses, a contar da publicação dessa Lei, ainda que não preencham o requisito formal e ilegal imposto pela Portaria Ministerial, qual seja, de possui inscrição regular no Cadastur quando da publicação da lei que concedeu o benefício.

Tendo em vista se tratar de matéria recente, ainda não é possível afirmar qual é o posicionamento dominante no Poder Judiciário, sobretudo pela ausência de decisões definitivas dos Tribunais sobre o tema. Todavia, já temos alguns posicionamentos em sede de tutela provisória, como do eminente tributarista e desembargador Leandro Paulsen, que nos autos do agravo de instrumento nº 5022229-45.2022.4.04.0000/RS, analisando pedido liminar de antecipação de tutela recursal, na qualidade de relator, decidiu favoravelmente aos contribuintes [3].

Por outro lado, é possível vislumbrar algumas decisões que se posicionam desfavoravelmente ao contribuinte, também em sede de tutela provisória, como a proferida pela eminente juíza federal da 14ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária da Bahia, no âmbito do Mandado de Segurança nº 1035143-90.2022.4.01.3300 [4].

É importante acompanhar o entendimento jurisprudencial sobre o tema, reforçando sempre a evidente ilegalidade da exigência de prévia inscrição no Cadastur, especialmente para empresas do ramo de bares e restaurantes, tal como prevaleceu no entendimento exposto pelo eminente desembargador Leandro Paulsen, no sentido de que faria jus ao enquadramento no Programa Perse todos aqueles que efetivamente fazem parte do setor de turismo, independentemente do requisito de terem, ou não, o Cadastur na data da publicação da Lei Federal nº 14.148/2021.

Resta agora aguardar para ver se o Poder Judiciário seguirá o caminho da proteção da legalidade administrativa, pilar do Estado de Direito, ou se favorecerá entendimentos que buscam apenas homenagear as razões políticas e financeiras do Poder Público.


[1] Conforme contou nas razões de veto: “[…] apesar de meritória a intenção do legislador, a medida encontra óbice jurídico por acarretar renúncia de receita, sem o cancelamento equivalente de outra despesa obrigatória e sem que esteja acompanhada de estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro, por violar o inciso II do artigo 150 da Constituição da República, uma vez que institui tratamento desigual entre os contribuintes em afronta à isonomia tributária e, também, por contrariar o artigo 113 do ADCT, o artigo 14 a 16 da Lei Complementar nº 101, de 2000 (LRF) e os artigo 125 e 126 da Lei nº 14.116, de 2020 (LDO/2021)”.Mensagem nº 186, de 3 de maio de 2021. Link disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/Msg/VEP/VEP-186.htm. Acesso em 26/08/2022.

[2] “Artigo 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

[3] Na ocasião, fundamentou-se o seguinte: “Logo, a Lei 14.148/2021 delegou ao ato do Ministério da Economia apenas a designação dos códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), sendo que a exigência de situação regular no Cadastur foi estipulada somente pelo ato infralegal, ao arrepio do princípio da legalidade que rege as normas tributárias. No caso, a exigência de cadastro regular no Ministério do Turismo pegou a agravante de surpresa, pois estipula um requisito temporal retroativo, exigindo condição que era facultativa para a agravante até então e que tal condição estivesse cumprida em 03/05/2021, data da publicação da lei que instituiu o Perse. Tanto é que a agravante já obteve o cadastro no Ministério do Turismo, mas é impedida de ingressar no programa de benefícios, pois não o teria feito antes, sendo que só tomou ciência da obrigatoriedade com a publicação da Portaria, em 21/06/2021. Assim, estando o código Cnae da agravante previsto na Portaria, inquestionável que suas atividades vinculam-se ao setor de turismo. Assim, a impetrante faz jus à adesão ao Perse, de modo que sua exclusão de programa especialmente criado para tal setor, em razão da ausência de um cadastro facultativo até a publicação da Portaria ME, viola o princípio da isonomia tributária. Criado um programa de benefícios fiscais para o setor turístico, os contribuintes vinculados a tal setor devem ser tratados igualitariamente, não se sustentando a recusa da autoridade coatora em realizar a adesão ao respectivo programa”. (TRF-4 – AG: 50222294520224040000 5022229-45.2022.4.04.0000, relator: LEANDRO PAULSEN, Data de Julgamento: 03/06/2022, PRIMEIRA TURMA. Link de acesso:  https://consulta.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=consulta_processual_resultado_pesquisa&selForma=NU&txtValor=50222294520224040000&chkMostrarBaixados=S&todasfases=&todosvalores=&todaspartes=&txtDataFase=&selOrigem=TRF&sistema=&txtChave=. Acesso em 31/08/2022.)

[4] Segue trecho da decisão: “Infere-se, a princípio, que a intenção da norma era atender ao setor que foi fragilizado pelos efeitos da retração econômica acarretados pela Covid-19, mas atribuindo ao ato infralegal a possibilidade de indicar de forma mais especificada aqueles que efetivamente se enquadrassem nesta situação. Na portaria vergastada pelo impetrante ficou regulamentado: ‘Artigo 1º Definir os códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas — Cnae que se consideram setor de eventos nos termos do disposto no §1º do artigo 2º da Lei nº 14.148, de 3 de maio de 2021, na forma dos Anexos I e II. §1º As pessoas jurídicas, inclusive as entidades sem fins lucrativos, que já exerciam, na data de publicação da Lei nº 14.148, de 2021, as atividades econômicas relacionadas no Anexo I a esta Portaria se enquadram no Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos – Perse. §2º As pessoas jurídicas que exercem as atividades econômicas relacionadas no Anexo II a esta Portaria poderão se enquadrar no Perse desde que, na data de publicação da Lei nº 14.148, de 2021, sua inscrição já estivesse em situação regular no Cadastur, nos termos do artigo 21 e do artigo 22 da Lei nº 11.771, de 17 de setembro de 2008′.

Observa-se, portanto, que a exigência de prévia inscrição no Cadastur está em consonância com o objetivo visado pela Lei 14.148/2021, não se extraindo, em juízo sumário, qualquer ilegalidade que possa ser erigida ao seu teor”.

Lucas Teixeira Muro é acadêmico em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e integrante da equipe de Direito Tributário do escritório Tavernard advogados.

Murilo Melo Vale é doutor e mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pós-graduado em Direito Público e Tributário, professor na área de Direito Público, advogado, sócio do escritório Tavernard Advogados e coordenador da área de Direito Público e Tributário Contencioso.

Revista Consultor Jurídico, 15 de setembro de 2022, 13h14

Aspectos controvertidos da falsidade na compensação tributária

O artigo 89, § 10, da Lei nº 8.212/91 prevê: “Na hipótese de compensação indevida, quando se comprove falsidade da declaração apresentada pelo sujeito passivo, o contribuinte estará sujeito à multa isolada aplicada no percentual previsto no inciso I do caput do art. 44 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, aplicado em dobro, e terá como base de cálculo o valor total do débito indevidamente compensado”.

Apesar de prever a conduta ilícita (falsidade na declaração) e a sanção correspondente (multa isolada de 150% sobre o valor do débito indevidamente compensado), o referido dispositivo é uma norma em branco, pois não dispõe quais atos praticados pelo contribuinte são considerados como falsidade na declaração. Isso tem repercutido, nos casos concretos, em subjetivismos e arbitrariedades das autoridades fiscais na análise das contribuições previdenciárias.

Em geral, a auditoria previdenciária tende a considerar “falsidade na declaração” todo aquele crédito utilizado pelo contribuinte que não decorra de previsão legal expressa e cristalina, sendo falsas as informações prestadas em razão de ter se valido de crédito “sabiamente inexistente”. Contudo, há diversas possibilidades de o contribuinte utilizar créditos não tão evidentes sem que, com isso, cometa qualquer ilicitude.

Alguns exemplos são esclarecedores.

O artigo 19, VI, a c/c art.igo 19-A, III, da Lei nº 10.522/01 prevê que as matérias definidas pelo Supremo Tribunal Federal sob a sistemática da repercussão geral e pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso repetitivo devem ser observadas pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, que ficará impedida de exigir, a qualquer título, créditos tributários contrários à decisão, cabendo à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional manifestar-se quanto às matérias abrangidas pelo precedente. Sem o pronunciamento da PGFN, a Receita Federal continua a entender exigível a obrigação tributária correspondente e, via de consequência, a não compensar as compensações realizadas.

Isso significa que caso o STJ tenha firmado precedente vinculante favorável aos contribuintes em determinada matéria, mas houve a interposição de recurso extraordinário pela Fazenda Nacional de modo a evitar o trânsito em julgado da sentença, se alguém vier a apurar créditos fundamentados neste pronunciamento, corre o risco de ter a sua compensação considerada fraudulenta, visto que o crédito, além de não ser cristalino — tanto que houve a necessidade de propositura de demanda judicial para reconhecê-lo —, a discussão sobre este direito permanece sub judice, sendo necessário aguardar o posicionamento do STF.

Em outro exemplo, o STJ, no REsp 1.230.957/RS, afetado como recurso repetitivo, firmou precedente de que não incide contribuição previdenciária sobre o valor pago pela empresa a título de aviso prévio indenizado. Apesar de não ter havido qualquer modulação desta decisão, o artigo 6º, parágrafo único, I, da IN RFB nº 925/09, em sentido totalmente contrário, mantém hígida a incidência tributária até a competência 05/2016, sujeitando o contribuinte à imposição da multa de 150% caso tenha apurado crédito, espontaneamente, para além deste limite estabelecido, por violar legislação expressa.

Ainda, há créditos que, embora não previstos expressamente na legislação, decorrem de interpretação das normas aplicáveis, de forma que, se por um lado não são autorizados, de outro também não são vedados. Nada obsta que o contribuinte opte por travar a discussão envolta à tese tributária perante a Administração Pública em detrimento do Poder Judiciário — desde que não se revista de caráter constitucional —, mormente porque o Carf é um órgão judicante com autonomia para decidir, podendo acatá-la.

Assim, como está evidente, o simples fato de a legislação não prever determinado crédito de forma límpida não impede que o contribuinte, sob o seu entender e interpretação da legislação, o apure e compense, sem que essa conduta consubstancie qualquer falsidade.

Em verdade, o próprio artigo 89, § 10, da Lei nº 8.212/91 traz alguns elementos que direcionam a sua interpretação para preenchimento da lacuna apontada.

Primeiro. Como qualquer conduta penal tipificada, a modalidade culposa deve ser expressamente prevista; no silêncio, somente a modalidade dolosa configura crime. No caso da Lei nº 8.212/91 não há qualquer previsão de que a “falsidade da declaração” deve decorrer de ato intencional do contribuinte. O sujeito passivo deve, propositalmente, realizar a compensação mediante informação falsa.

Segundo. O dispositivo exige a comprovação da falsidade; logo, não ela pode ser presumida. O dever da prova cabe ao Fisco.

Esses dois pressupostos acabam por excluir a falsidade de uma série de condutas possíveis do contribuinte. O erro não intencional, por exemplo, é livre de dolo, portanto não configura falsidade. À sua vez, divergência na interpretação da legislação também não configura fraude, pois aqui, igualmente, não se verifica o intuito de escamotear o adimplemento da obrigação tributária por meio de compensação indevida.

Reforça essa ideia a circunstância de que, atualmente, toda a pragmática tributária é organizada de modo a atribuir ao contribuinte toda a responsabilidade pela apuração e recolhimento da grande maioria dos tributos. É o contribuinte quem deve, a partir das suas escriturações fiscais, contábeis e trabalhistas, efetuar classificações ficais, apurar o fato gerador das obrigações tributárias, calcular os tributos devidos, preencher um sem-número de declarações fiscais e entregá-las ao Fisco (artigo 150, caput, do CTN). Mesmo na compensação, o contribuinte deve apurar o crédito, por sua conta e risco, e informá-lo ao Fisco, que somente após, irá validá-lo. O dever de o contribuinte interpretar a legislação tributária configura hoje o cerne de toda a prática tributária brasileira.

Nesse contexto, é válido afirmar que falsidade da declaração é aquela na qual se utiliza crédito falso, ou seja, inexistente, que o contribuinte sabe não possuir e, ainda assim, o compensa deliberadamente. Por exemplo, realiza compensação expressamente vedada pela legislação, ou informa valor decorrente de pagamento indevido ou a maior que sabe não possuir. Não se confunde com divergências na interpretação da lei — que, se muito, podem levar apenas e tão-somente à não homologação da compensação, mas não à multa isolada qualificada —, mormente quando esta é atribuída ao contribuinte.

Estes parâmetros devem ser observados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil ao analisar as compensações previdenciárias, cabendo aos contribuintes se atentarem para eventuais autuações de modo a evitar que sofram a imposição arbitrária de multas indevidas.

Fellipe Fortes é tributarista do Balera, Berbel e Mitne Advogados.

Revista Consultor Jurídico, 14 de setembro de 2022, 16h09

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