ARTIGO DA SEMANA – Cashback ou cesta básica?

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Membro da Comissão de Direito Financeiro e Tributário do IAB. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

A promulgação da Emenda Constitucional nº 132/2023 prevê uma cesta básica nacional de alimentos que poderão estar sujeitos à alíquota zero do IBS e da CBS (art. 8º, parágrafo único).

Esta cesta básica nacional tem como objetivo garantir a alimentação saudável e nutricionalmente adequada da população, em observância ao direito social à alimentação previsto no art. 6º da Constituição.

A EC132/2023 também prevê a possibilidade de devolução do IBS e da CBS às pessoas físicas com o objetivo de reduzir as desigualdades de renda (novos art. 156-A, §5º, VIII e 195, §18, da Constituição) – o chamado cashback.

A definição dos itens que comporão a cesta básica nacional caberá à lei complementar.

Também caberá à lei complementar a definição das hipóteses em que ocorrerá a devolução do IBS e da CBS.

Por aí já se vê o enorme desafio colocado nas mãos do Congresso Nacional para, mediante lei complementar, disciplinar o IBS e a CBS.

Enquanto a lei complementar não vem, é preciso fazer uma reflexão: será que o cashback e a cesta básica nacional, juntos, são realmente necessários?

Ainda que a cesta básica nacional tenha por objetivo garantir o acesso à alimentação (art. 6º, da CF), é inegável que, ao fim e ao cabo, o instituto pretende mesmo é garantir o princípio da capacidade contributiva e a dignidade da pessoa humana, preservando-se o mínimo existencial da tributação. 

A EC 132/2023 também objetiva a preservação da dignidade da pessoa humana ao prever a redução de 60% das alíquotas do IB/CBS sobre diversas outras mercadorias e serviços.

Embora a EC 132/2023 afirme que o cashback tem por objetivo reduzir as desigualdades de renda, é inegável que neste ponto também está em jogo o princípio da capacidade contributiva e a preservação do mínimo existencial, só que desta vez através da devolução do imposto incidente sobre mercadorias que não componham a cesta básica e sobre serviços.

Inegavelmente, a previsão constitucional do cashback surgiu como alternativa às alíquotas seletivas do IPI e do ICMS em razão da essencialidade das mercadorias.

De fato, a observância da capacidade contributiva e a preservação do mínimo existencial através da seletividade de alíquotas é tarefa difícil. Há produtos essenciais que são consumidos por todas as faixas de renda, assim como há produtos supérfluos consumidos por pessoas de baixa renda.

Também não se pode negar a preocupação do constituinte em reduzir o espectro de fixação das alíquotas do IBS em prejuízo à desejável uniformidade.

Mas ainda assim, a existência do cashback pode gerar mais complicação do que simplificação.

À lei complementar, caberá definir: (a) as hipóteses de definição de devolução dos tributos, (b) os limites desta devolução e (c) os beneficiários do cashback.

Portanto, ao definir as hipótese de definição da devolução dos tributos, a lei complementar indicará sobre quais mercadorias e serviços caberá a restituição do IBS/CBS. Consequentemente, a lei complementar, sempre tendo em mira a redução das desigualdades de renda, exercerá um juízo de valor, estabelecendo que mercadorias e serviços não são essenciais, de modo que seja justa a devolução do tributo pago. Em outras palavras, a lei complementar fará um rol de mercadorias e serviços supérfluos.

Além disso, a lei complementar definirá os limites da devolução e aqui está um grande problema. No momento em que a EC 132/2023 previu que haverá limite na devolução, passa-se a ter a certeza de que a devolução não será integral. Tudo isto sem contar que a nova redação da Constituição não prevê que a devolução será imediata, o que pode retardar e até mesmo inviabilizar a devolução do IBS/CBS.

A parte mais fácil a carga da lei complementar está na definição dos beneficiários. Nest caso, não faltam critérios justos, que vão desde aqueles beneficiados por programas governamentais de transferência de renda até os que aufiram rendimentos isentos do IRPF. Em qualquer destes casos a lei estará sendo justa.

Como se vê, a regulamentação do cashback não será tarefa de fácil cumprimento e poderá dar ensejo a muita discussão.

Ora, considerando a previsão de uma cesta básica nacional, cuja definição é objetiva e com pouca margem para questionamento, bem como uma clara relação de mercadorias e serviços beneficiadas com redução de 60% das alíquotas do IBS/CBS, a previsão do cashback acaba sendo desnecessária e complica um sistema tributário cuja alteração não simplificou em nada a vida das pessoas.

ARTIGO DA SEMANA – Medida Provisória 1.202/2023: verdadeiro retrocesso

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

A Medida Provisória nº 1.202/2023, publicada nesta data, é parte do esforço do governo federal para alcançar a meta de déficit zero em 2024.

A MP 1.202/2023 traz inovações à sistemática de pagamento da contribuição previdenciária patronal, à compensação tributária e extingue o as reduções de alíquota no âmbito do PERSE.

Quanto ao pagamento da contribuição previdenciária patronal (art. 195, I, “a”, da CF e art. 22, I, da Lei nº 8.212/91), vislumbra-se aparente violação à Constituição.

Neste caso, a MP 1.202/2023 nada mais fez do que extinguir a contribuição previdenciária sobre a receita bruta, forma de tributação conhecida como desoneração da folha de salários.

A desoneração da folha de salários, medida que deveria ser a regra, era aplicável apenas a determinados setores da atividade econômica tidos como utilizadores intensivos de mão-de-obra e/ou com papel de destaque em cadeias produtivas.

Esta verdadeira conquista do setor produtivo foi recentemente prorrogada pelo Congresso Nacional, vetada pelo Presidente da República e teve o veto derrubado pelo Congresso.

Recado mais claro, impossível: os deputados, representantes do povo, e os Senadores, representantes dos Estados, são claramente a favor da desoneração da folha de salários!

Portanto, a edição de Medida Provisória para revogar matéria duplamente aprovada pelo Congresso representa um desvirtuamento da vontade popular e uma ruptura à harmonia dos poderes e por isso mesmo viola o art. 1º, parágrafo único e o art. 2º da Constituição.

Em relação às restrições à compensação tributária, a MP 1.202/2023 não poderia ser mais inadequada.

Durante um longo período, os contribuintes que tinham efetuado pagamento de tributos a maior ou indevidamente somente poderiam obter o ressarcimento através de pedidos administrativos ou judiciais de restituição. Estas modalidades de ressarcimento dos pagamentos indevidos ou maior possuem uma série de inconvenientes que vão desde as limitações nos índices de atualização monetária até o recebimento através de precatórios judiciais. 

Surgindo como uma alternativa viável a estas situações desconfortáveis, a Lei nº 8.383/91 (e suas alterações) regulamentou inicialmente o instituto da compensação tributária, previsto nos artigos 156, II, 170 e 170-A, do CTN. Posteriormente, a Lei nº 9.129/95 deu nova redação ao artigo 89, da Lei nº 8.212/91, disciplinando a compensação das contribuições previdenciárias. Finalmente, o artigo 74, da Lei nº 9.430/96 (e suas alterações) instituiu uma nova modalidade de compensação, restrita aos tributos administrados pela então Secretaria da Receita Federal. 

A compensação tributária, à evidência, somente será cabível quando o contribuinte for, ao mesmo tempo, credor e devedor da Fazenda Pública e se justifica pelo fato de não ser razoável que aquele que se encontre nessa situação pague o que deve e pleiteie a restituição do que pagou indevidamente ou a maior. Por isso, não há nada mais razoável do que a lei prever um encontro de contas entre os sujeitos da relação jurídica tributária neste caso.

Limitar o direito à compensação, lamentavelmente, não é novidade. Ao longo do tempo, foram criadas diversas restrições, por normas legais e infralegais, à livre compensação tributária.

Mas também foram introduzidos avanços.

A MP 1.202/2023 retrocede.

A nova norma inclui um artigo 74-A[1] à Lei nº 9.430/96 dispondo que, nos casos de crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado, o Ministro da Fazenda poderá estabelecer limite mensal à compensação.

Já sobre este caput do art. 74-A, há duas observações importantes.

A primeira é que o dispositivo limita-se à compensação de crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado. Logo, as compensações deferidas por medida liminar – agora possíveis a partir do julgamento da ADI 4296 – estão livres desta restrição.

A segunda é que as limitações impostas por ato do Ministro da Fazenda contrariam a reserva legal. De acordo com os artigos 97, V e 170, do Código Tributário Nacional, compensação é matéria que só pode ser disciplinada por norma emanada do Poder Legislativo (lei em sentido formal), sendo óbvia a impossibilidade de delegação da disciplina da matéria ao Ministro da Fazenda (membro do Poder Executivo).

O Art. 74-A, §1º, da Lei nº 9.430/96, introduzido pela MP 1.202/2023, define parâmetros para os limites mensais a serem fixados pelo Ministro da Fazenda.

Neste ponto, deve-se destacar uma possível violação à isonomia, visto que o valor do crédito a compensar não é um critério justo para fazer distinção entre os contribuintes.

Também não se pode perder de vista que o STF já enfrentou a questão da eficácia das normas que criam restrições à compensação tributária.

No julgamento do RE 566.621[2], o Plenário do STF decidiu que a compensação tributária deve ser regida pela norma vigente no momento do ajuizamento da medida judicial.

Logo, as inovações à compensação tributária somente deverão alcançar as medida judiciais ajuizadas a partir de hoje.


[1] “Art. 74-A.  A compensação de crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado observará o limite mensal estabelecido em ato do Ministro de Estado da Fazenda.

§ 1º  O limite mensal a que se refere o caput:

I – será graduado em função do valor total do crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado;

II – não poderá ser inferior a 1/60 (um sessenta avos) do valor total do crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado, demonstrado e atualizado na data da entrega da primeira declaração de compensação; e

III – não poderá ser estabelecido para crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado cujo valor total seja inferior a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais).

§ 2º  Para fins do disposto neste artigo, a primeira declaração de compensação deverá ser apresentada no prazo de até cinco anos, contado da data do trânsito em julgado da decisão ou da homologação da desistência da execução do título judicial.” (NR)

[2] DIREITO TRIBUTÁRIO – LEI INTERPRETATIVA – APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI COMPLEMENTAR Nº 118/2005 – DESCABIMENTO – VIOLAÇÃO À SEGURANÇA JURÍDICA – NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA VACACIO LEGIS – APLICAÇÃO DO PRAZO REDUZIDO PARA REPETIÇÃO OU COMPENSAÇÃO DE INDÉBITOS AOS PROCESSOS AJUIZADOS A PARTIR DE 9 DE JUNHO DE 2005. Quando do advento da LC 118/05, estava consolidada a orientação da Primeira Seção do STJ no sentido de que, para os tributos sujeitos a lançamento por homologação, o prazo para repetição ou compensação de indébito era de 10 anos contados do seu fato gerador, tendo em conta a aplicação combinada dos arts. 150, § 4º, 156, VII, e 168, I, do CTN. A LC 118/05, embora tenha se auto-proclamado interpretativa, implicou inovação normativa, tendo reduzido o prazo de 10 anos contados do fato gerador para 5 anos contados do pagamento indevido. Lei supostamente interpretativa que, em verdade, inova no mundo jurídico deve ser considerada como lei nova. Inocorrência de violação à autonomia e independência dos Poderes, porquanto a lei expressamente interpretativa também se submete, como qualquer outra, ao controle judicial quanto à sua natureza, validade e aplicação. A aplicação retroativa de novo e reduzido prazo para a repetição ou compensação de indébito tributário estipulado por lei nova, fulminando, de imediato, pretensões deduzidas tempestivamente à luz do prazo então aplicável, bem como a aplicação imediata às pretensões pendentes de ajuizamento quando da publicação da lei, sem resguardo de nenhuma regra de transição, implicam ofensa ao princípio da segurança jurídica em seus conteúdos de proteção da confiança e de garantia do acesso à Justiça. Afastando-se as aplicações inconstitucionais e resguardando-se, no mais, a eficácia da norma, permite-se a aplicação do prazo reduzido relativamente às ações ajuizadas após a vacatio legis, conforme entendimento consolidado por esta Corte no enunciado 445 da Súmula do Tribunal. O prazo de vacatio legis de 120 dias permitiu aos contribuintes não apenas que tomassem ciência do novo prazo, mas também que ajuizassem as ações necessárias à tutela dos seus direitos. Inaplicabilidade do art. 2.028 do Código Civil, pois, não havendo lacuna na LC 118/08, que pretendeu a aplicação do novo prazo na maior extensão possível, descabida sua aplicação por analogia. Além disso, não se trata de lei geral, tampouco impede iniciativa legislativa em contrário. Reconhecida a inconstitucionalidade art. 4º, segunda parte, da LC 118/05, considerando-se válida a aplicação do novo prazo de 5 anos tão-somente às ações ajuizadas após o decurso da vacatio legis de 120 dias, ou seja, a partir de 9 de junho de 2005. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC aos recursos sobrestados. Recurso extraordinário desprovido.

(STF – RE: 566621 RS, Relator: ELLEN GRACIE, Data de Julgamento: 04/08/2011, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 11/10/2011)

ARTIGO DA SEMANA – Execuções fiscais de baixo valor: solução inadequada dada ao Tema STF 1.184

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

Na sessão de julgamentos do dia 29/12, o Plenário do STF concluiu o julgamento do Recurso Extraordinário 1.355.208, com Repercussão Geral reconhecida sob o Tema 1.184.

Em discussão, a possibilidade de lei estadual (SC) fixar valor mínimo para o ajuizamento de execução fiscal por município (Pomerode).

Esta matéria não é nova. O STF já havia enfrentado a questão no Tema 109[1], concluindo, naquela ocasião, pela vedação de lei estadual impor valor mínimo para o ajuizamento de execução pelo ente municipal.

A reviravolta no posicionamento do Tribunal, segundo se percebe da notícia do julgamento, tem duplo fundamento: (a) a superveniente aprovação da Lei nº 12.767/2012 e (b) a expressivo quantidade de execuções fiscais em andamento, correspondendo ao total de 39% dos processos em andamento no Judiciário. 

Daí o Plenário do STF fixou a seguinte tese para o Tema 1.184: “1. É legítima a extinção de execução fiscal de baixo valor pela ausência de interesse de agir tendo em vista o princípio constitucional da eficiência administrativa, respeitada a competência constitucional de cada ente federado. 2. O ajuizamento da execução fiscal dependerá da prévia adoção das seguintes providências: a) tentativa de conciliação ou adoção de solução administrativa; e b) protesto do título, salvo por motivo de eficiência administrativa, comprovando-se a inadequação da medida. 3. O trâmite de ações de execução fiscal não impede os entes federados de pedirem a suspensão do processo para a adoção das medidas previstas no item 2, devendo, nesse caso, o juiz ser comunicado do prazo para as providências cabíveis”. 

A decisão do STF contém grave equívoco e a tese firmada na compreensão do Tema 109 deveria ter prevalecido.

A existência do Tema 109, além da preservação do pacto federativo, tem uma outra justificativa: a federação é composta por milhares de municípios, cada qual com sua peculiaridade. Com todo respeito, não se pode comparar a realidade financeira de Pomerode com a de Florianópolis, por exemplo. Logo, cabe ao legislador municipal fixar os valores mínimos para a inscrição em dívida ativa e o ajuizamento de execuções fiscais. 

Com efeito, é preciso recordar que o requisito de prévia tentativa de conciliação ou adoção de solução administrativa  esbarra na necessidade de prévia lei (do próprio ente federativo, claro) autorizando a adoção de tais soluções alternativas, tendo em vista a indisponibilidade do crédito da Fazenda Pública.

Acrescente-se que a tal tentativa de conciliação ou a chamada solução administrativa deverá importar em alguma espécie de moratória (para além de um parcelamento convencional), anistia ou remissão, já que não crível, sequer razoável, supor que o devedor realizará o pagamento do débito inscrito em dívida ativa sem que lhe seja concedida alguma vantagem.

Logo, além de situações em que o CTN impõe prévia lei, há de ser analisado o tema sob o ponto de vista da renúncia de receita e seus reflexos na responsabilidade fiscal.

A obrigação de prévio protesto também não resolve o problema.

Ainda que o CNJ tenha identificado que as execuções fiscais representam um gargalo na Justiça Brasileira, desconhece-se qualquer estudo tenha identificado o grau de recuperabilidade do crédito da Fazenda em razão do protesto extrajudicial da CDA.

Do ponto de vista prático e no mundo real, protesto extrajudicial nunca foi motivo para o micro ou pequeno empresário regularizar seus débitos. Idem para as pessoas físicas. O mundo continua a girar independentemente do protesto, enfim.

Não é o protesto que compele o devedor ao pagamento, mas a constrição judicial de seu patrimônio realizada no âmbito do processo judicial.

Também não se pode perder de vista que o CTN e a Lei de Execuções Fiscais não preveem o prévio protesto como requisito para o ajuizamento de execuções fiscais. Logo, não cabe à lei ordinária e muito menos à jurisprudência prever condição para a cobrança judicial do crédito inscrito em dívida ativa não previsto na lei complementar que disciplina a relação jurídica tributária.

A propósito, nem mesmo o credor privado está obrigado ao cumprimento desta etapa para o exercício do direito de ação, daí surgindo a clara violação à isonomia, sobretudo em razão da relevância do interesse público em captar recursos necessários à satisfação das necessidades da coletividade.

O elevado número de execuções fiscais em andamento no Judiciário também tem origem na ineficiência de quem cobra e na morosidade da própria Justiça.

Nunca é demais lembrar que: (a) a execução fiscal é o processo de cobrança de um título extrajudicial que é formado unilateralmente pela Fazenda Pública, faculdade que não é conferida a nenhum outro credor; (b) a jurisprudência confere à Fazenda Pública o direito de recusar bem diverso de dinheiro oferecido à penhora; (c) a simples inscrição em dívida ativa já retira o devedor da situação de regularidade fiscal e autoriza sua inclusão em cadastro de devedores da Fazenda – CADIN e (d) a Fazenda Pública tem à disposição a Medida Cautelar Fiscal, cujas hipóteses de cabimento são bastante amplas e têm sido paulatinamente elastecidas pelo Judiciário.

Ora, se com todas estas garantias e privilégios o fisco não consegue receber o que lhe cabe, a causa do problema está bem identificada: ineficiência do cobrador.

Consequentemente, a solução está na punição do cobrador ineficiente. Enquanto não surgirem normas que repreendam severamente o credor público que não consiga alcançar um grau mínimo de recuperabilidade de seus créditos, esta bola de neve só irá aumentar.

Por outro lado, a solução para a fixação de um valor mínimo para a inscrição em dívida ativa e o ajuizamento de execuções fiscais deve levar em consideração parâmetros previamente definidos, tais como a capacidade de pagamento do devedor, a relação dívida ativa/orçamento público, o percentual de recuperabilidade do exercício anterior, etc.

Tentativas de conciliação, adoção de solução administrativa e/ou prévio protesto do título, decididamente não resolverão o problema.


[1] Lei estadual autorizadora da não inscrição em dívida ativa e do não ajuizamento de débitos de pequeno valor é insuscetível de aplicação a Município e, consequentemente, não serve de fundamento para a extinção das execuções fiscais que promova, sob pena de violação à sua competência tributária.

ARTIGO DA SEMANA – A Reforma Tributária vai aumentar o preço dos serviços

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

A aprovação da Proposta de Emenda Constitucional nº 45/2019 promove alterações profundas no Capítulo da Constituição que trata do Sistema Tributário Nacional.

Embora o Sistema Tributário Nacional compreenda tributos incidentes sobre o patrimônio, a renda, o comércio exterior, a folha de salários e o consumo, a PEC nº 45/2019 restringiu-se a alterar a tributação sobre o consumo e a fazer sutis modificações na tributação do patrimônio.

A Constituição da República, promulgada há 35 anos, é inegavelmente prodigiosa em relação ao Direito Tributário. Aliás, nenhuma Constituição no mundo é tão detalhista em matéria tributária quanto a nossa.

Desta forma, além de estabelecer as competências tributárias, a Constituição Brasileira também define as espécies dos tributos e, em alguns casos, dispõe sobre normas gerais de incidência.

Ocorre que, ao longo do tempo, constatou-se que o Sistema Tributário Nacional concebido pelo legislador constituinte é complexo, contempla múltiplas incidências sobre o consumo, tributa excessivamente a folha de salários, não desonera completamente as exportações e não afasta a tributação sobre investimentos. 

Por tais motivos, sempre se defendeu a ideia de uma Reforma Tributária para tornar o Sistema mais racional, consumindo menos tempo e recursos para a apuração dos tributos, permitindo a ampla desoneração das exportações, desafogando os investimentos e a folha e salários, bem como reduzindo ou eliminando as múltiplas incidências sobre o consumo. 

Embora aplaudida por muitos, a PEC 45/2019 poderia ser mais ousada, visto que restringiu-se às alterações relativas aos tributos sobre o consumo e promoveu pequenos retoques na tributação sobre o patrimônio.

Tendo em vista que a tributação brasileira decorre de um Sistema, reduzir a Reforma a uma parte (o consumo) indica timidez e a perda da oportunidade de cuidar do tema como um todo.

A principal crítica, contudo, está nos amplos poderes que a PEC 45/2019 outorga à lei complementar que disciplinará o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que substituirá o IPI, o ICMS e o ISS. 

O Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS), tal como previsto na PEC 45/2019, que trata da Reforma Tributária, será instituído e amplamente regulamentado por lei(s) complementar(es) da União.

Há várias e fundadas críticas às leis complementares que instituirão e disciplinarão este novo imposto.

Uma primeira crítica ao IBS está na sua própria existência, vale dizer, no fato de ser um tributo da competência dos Estados, DF e Municípios, porém instituído por pessoa política diversa, a União.

O segundo e grave problema do IBS está no iminente aumento da tributação sobre os serviços, que obviamente terá impacto sobre os consumidores.

A substituição do ISS pelo futuro IBS importará numa mudança de alíquota dos atuais 5% (cinco por cento) para 25% (vinte e cinco por cento), segundo se especula.

Argumenta-se que o aumento de alíquota será mitigado pela não cumulatividade do IBS, mecanismo que apenas excepcionalmente acontece com o ISS.

Mas esta premissa não é absolutamente verdadeira, sobretudo porque não se sabe como será exatamente a não cumulatividade do IBS. 

A lei complementar do IBS também não resolve definitivamente o problema da não cumulatividade do imposto.

A propósito, a experiência brasileira com leis complementares que disciplinam o regime de compensação de impostos não cumulativos não é das melhores. Muito pelo contrário. Mesmo no regime atual, em que a não cumulatividade, sob o prisma constitucional, é ampla, ressalvada apenas as operações não tributadas pelo ICMS, sucessivas leis complementares introduziram restrições e escalonamentos à implementação do sistema, até hoje não introduzido de maneira ampla e definitiva. Recorde-se que as Leis Complementares  92/97, 99/99, 114/2002, 122/2006, 138/2010 e 171/2019 fizeram com que a ampla não cumulatividade do ICMS somente ocorra a partir de 01/01/2033

Pois bem. A PEC 45/2019 afirma que a não cumulatividade do IBS caberá à lei complementar. 

O art. 156-A, §1º, VIII, da Proposta afirma que “com vistas a observar o princípio da neutralidade, [o IBS] será não cumulativo, compensando-se o imposto devido pelo contribuinte com o montante cobrado sobre todas as operações nas quais seja adquirente de bem, material ou imaterial, inclusive direito, ou serviço, excetuadas exclusivamente as consideradas de uso ou consumo pessoal, nos termos da lei complementar, e as hipóteses previstas nesta Constituição.”

Mais adiante, o art. 156-A, §5º, II, dispõe que a lei complementar disporá sobre “o regime de compensação, podendo estabelecer hipóteses em que o aproveitamento do crédito ficará condicionado à verificação do efetivo recolhimento do imposto incidente sobre a operação, desde que: a) o adquirente possa efetuar o recolhimento do imposto incidente nas suas aquisições de bens ou serviços; ou b) o recolhimento do imposto ocorra na liquidação financeira da operação.”

O texto aprovado, evidentemente, é pior do que a redação atual da Constituição.

Na PEC 45/2019, percebe-se que, mais uma vez, aquilo que atualmente já consta expressamente da Constituição passa a ser disciplinado por uma futura lei complementar. Pior ainda: a PEC 45/2019 (art. 156-A, §1º, VIII) admite que a lei complementar exclua o crédito de bens de uso e consumo pessoais – seja lá o que isso for – já sinalizando a possibilidade de restrições à regulamentação da não cumulatividade.

Mas não é só. O novo texto também retrocede em relação à não cumulatividade, admitindo pelo art. 156-A, §5º, II, que a lei complementar vede o direito ao crédito do imposto cobrado, mas não pago na etapa anterior, transferindo ao adquirente o ônus de fiscalizar o pagamento do tributo, hipótese, desde há muito, rechaçada pelos Tribunais.

Ademais, os prestadores de serviços sabidamente têm como maior insumo a mão-de-obra e este gasto não se sujeita ao IBS na etapa anterior, logo não permitirá o desconto/compensação de créditos na etapa subsequente.

Então fica claro que não há compensação de créditos de IBS suficiente para neutralizar, que dirá reduzir, o desembolso dos atuais 5% para 25%. 

A consequência é óbvia: se a alíquota será maior e os créditos serão menores, o ônus do IBS será transferido para o preço, aumentando a conta do consumidor.

Tome-se como exemplo um condomínio de casas ou apartamentos que consome serviços de vigilância, conservação, jardinagem, manutenção de elevadores, higienização de caixas d’água e cisternas, etc…). É óbvio que todos os fornecedores de serviços passarão a pagar mais tributos e, naturalmente, repassarão este custo ao preço cobrado de seus clientes. Conclusão: os condomínios sofrerão expressivo aumento nas despesas a serem rateadas entre os condôminos. 

Resumindo: os consumidores terão dias difíceis pela frente em razão do inevitável impacto do IBS sobre suas finanças.

ARTIGO DA SEMANA – PIS, COFINS e ICMS-ST na jurisprudência do STJ

João Luís de Souza Pereira. Advogado. Mestre em Direito. Professor convidado das pós-graduações da FGV/Direito Rio e do IAG/PUC-Rio.

Duas teses importantes envolvendo o ICMS-ST, as contribuições para o PIS e a COFNS estão em tramitação no Superior Tribunal de Justiça.

A primeira diz respeito à possiblidade de exclusão do valor do ICMS-ST do PIS/COFINS devido pelo contribuinte substituído. A segunda refere-se ao creditamento do PIS/COFINS sobre o ICMS-ST cobrado do contribuinte substituído.

A discussão sobre a exclusão do ICMS-ST das bases de cálculo do PIS/COFINS está diretamente ligada ao Tema 69 do STF, a chamada Tese de Século.

O julgamento da Tese do Século amplificou as discussões acerca do conceito de receita e, consequentemente, do que se deve entender por base de cálculo das contribuições para o PIS e da COFINS (PIS/COFINS).

Como se sabe, no regime de substituição tributária progressiva (para frente), o ICMS devido pelo contribuinte substituído em suas futuras operações de venda é recolhido antecipadamente pelo contribuinte substituto.

Logo, sobre a receita auferida pelo substituído já consta o ICMS cobrado e recolhido pelo substituto, vale dizer, o ICMS-ST.

Considerando que o ICMS-ST, a exemplo do ICMS próprio, é transferido ao Estado, nada mais justo do que excluir esta parcela (o ICMS-ST) das bases de cálculo do PIS/COFINS.

Isto é que o STJ decidirá quando firmar a compreensão do Tema 1.125 dos Recursos Repetitivos no julgamento dos Recursos Especiais 1.896.678 e 1.958.265.

Importante lembrar que a decisão do Tema 1.125 deverá ser observada por todos os tribunais do país, considerando-se encerrada a discussão na Justiça. Isto porque o STF, no julgamento do RE 1.258.842, já decidiu que esta matéria é índole infraconstitucional e rechaçou a existência de Repercussão Geral.

A segunda questão importante envolvendo PIS, COFINS e ICMS-ST em tramitação do no STJ não foi afetada para julgamento sob o regime dos Recursos Repetitivos.

Trata-se da questão de saber se o contribuinte substituído do ICMS, ao promover o creditamento do PIS/COFINS sobre as mercadorias adquiridas para revenda,  pode considerar o ICMS-ST cobrado pelo fornecedor.

A tese defendida pelos contribuintes tem sua origem no  art. 3º, I, das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, que garante o crédito de PIS/COFINS sobre as mercadorias adquiridas para revenda. Como o ICMS-ST cobrado pelo fornecedor faz parte do custo de aquisição das mercadorias, nada mais justo do que admitir o crédito de PIS/COFINS sobre o preço total pago pelo revendedor.

Em oposição a esta tese, a Fazenda Nacional sustenta que o ICMS-ST não compõe a base de cálculo do PIS/COFINS devido pelo fornecedor  (art. 12, §4º, da atual redação do Decreto-Lei nº 1.598/77). Por tal motivo , alega que não seria correto o crédito sobre aquilo que não foi pago na etapa anterior.

As decisões da Segunda Turma do STJ são contrárias aos contribuintes[1].

A Primeira Turma decide favoravelmente aos contribuintes, inclusive em acórdão recente[2].

É evidente que esta disparidade de conclusões sobre o tema entre as Turmas não pode subsistir, cabendo à Primeira Seção do STJ pacificar a questão.

Enquanto isso, cabe aos contribuintes substitutos ingressar em juízo de modo a aproveitar as possibilidades de redução do PIS/COFINS a pagar. 


[1] PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. PIS E CONFINS. CREDITAMENTO. VALORES REFERENTES A ICMS SUBSTITUIÇÃO. SUBSTITUÍDO TRIBUTÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA DO STJ.

I – Na origem, trata-se de mandado de segurança impetrado por Casa de Carnes Sul Alimentos Ltda. contra o Delegado da Receita Federal em Novo Hamburgo, objetivando o reconhecimento do direito de deduzir crédito, no âmbito do regime não-cumulativo da contribuição ao PIS e da COFINS, dos valores atinentes ao ICMS recolhido no regime de substituição tributária, além de compensação tributária dos valores recolhidos a mais.

II – Na sentença, denegou-se a segurança. No Tribunal a quo, a sentença foi mantida. Esta Corte negou provimento ao recurso especial.

III – A hipótese dos autos não se enquadra no Tema n. 1.125 (REsp 1896678/RS e REsp 1958265/SP). Os aludidos paradigmas tratam da “Possibilidade de exclusão do valor correspondente ao ICMS-ST da base de cálculo da Contribuição ao PIS e da COFINS devidas pelo contribuinte substituído.”, ao passo que o presente caso trata do reconhecimento do direito de deduzir crédito, no âmbito do regime não-cumulativo da contribuição ao PIS e da COFINS, dos valores atinentes ao ICMS recolhido no regime de substituição tributária.

IV – A decisão deve ser mantida pelos seus próprios fundamentos, pois aplicou a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firme no sentido de que o ICMS-ST não está na base de cálculo das contribuições ao PIS/PASEP e COFINS não cumulativas devidas pelo substituto e definida nos arts. 1º e §2º, da Lei n. 10.637/2002 e 10.833/2003, de modo que a parcela referente ao ICMS-ST não pode compor o conceito de valor de bens e serviços adquiridos para efeito de creditamento das referidas contribuições para o substituído. In verbis: (AgInt nos EDcl no REsp n. 2.014.213/RS, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 13/2/2023, DJe de 17/2/2023, AgInt no REsp n. 1.937.431/SC, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 9/11/2021, DJe de 12/11/2021, AgInt nos EDcl no REsp n. 1.934.009/RS, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 13/12/2021, DJe de 17/12/2021 e AgInt no REsp n. 1.960.984/PR, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 28/3/2022, DJe de 12/4/2022.) V – Agravo interno improvido.

(AgInt no REsp n. 2.084.518/RS, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 13/11/2023, DJe de 16/11/2023.)

[2] PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. CONTRIBUIÇÃO AO PIS E COFINS. REGIME NÃO CUMULATIVO. APROVEITAMENTO DE CRÉDITOS DE ICMS-ST. CABIMENTO. CREDITAMENTO QUE INDEPENDE DA TRIBUTAÇÃO NA ETAPA ANTERIOR. CUSTO DE AQUISIÇÃO CONFIGURADO. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO.

I – Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte, na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Aplica-se, in casu, o Código de Processo Civil de 2015.

II – Sendo o fato gerador da substituição tributária prévio e definitivo, o direito ao crédito do substituído decorre, a rigor, da repercussão econômica do ônus gerado pelo recolhimento antecipado do ICMS-ST atribuído ao substituto, compondo, desse modo, o custo de aquisição da mercadoria adquirida pelo revendedor.

III – A repercussão econômica onerosa do recolhimento antecipado do ICMS-ST, pelo substituto, é assimilada pelo substituído imediato na cadeia quando da aquisição do bem, a quem, todavia, não será facultado gerar crédito na saída da mercadoria (venda), devendo emitir a nota fiscal sem destaque do imposto estadual, tornando o tributo, nesse contexto, irrecuperável na escrita fiscal, critério definidor adotado pela legislação de regência.

IV – O ICMS-ST constitui parte integrante do custo de aquisição da mercadoria e, por conseguinte, deve ser admitido na composição do montante de créditos a ser deduzido para apuração da Contribuição ao PIS e da Cofins, no regime não cumulativo.

V – À luz dos arts. 3º, I, das Leis ns. 10.637/2002 e 10.833/2003, independentemente da incidência das apontadas contribuições sobre o tributo estadual recolhido pelo substituto na etapa anterior, é cabível o aproveitamento de crédito. Precedentes da 1ª Turma.

VI – Em regra, descabe a imposição da multa, prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015, em razão do mero desprovimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso.

VII – Agravo interno improvido.

(AgInt no REsp n. 2.089.686/RS, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 24/10/2023, DJe de 9/11/2023.)

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